segunda-feira, 17 de outubro de 2016

ELEIÇÕES EUA

Pese embora mantenha integralmente, como que escrevi em 2008 no post «O QUE REPRESENTAM AS ELEIÇÕES AMERICANAS», que o complexo e moroso mecanismo eleitoral norte-americano mais não visa que assegurar a conformação do presidente eleito aos interesses das grandes empresas e dos potentados económicos que finaciam as campanhas eleitorais, a actual conjuntura (regional e global) justifica que se aprecie esta eleição como indicativo do estado do país e do Mundo.


Apesar da má qualidade, a campanha presidencial nos EUA tem a característica de deixar aflorar alguma liberdade de expressão, relacionada com a fractura da sociedade (incluindo o próprio establishment) em dois campos. Ora no caso da actual campanha ultra-polarizada, a separação habitual entre democratas e republicanos tornou-se um abismo de onde emergem imagens inesperadas do estado do país.

Assim, começaram a aparecer de repente artigos alarmistas sobre a economia dos EUA. Além do destaque político a que assistimos, há também o facto de que, por si só, a comunicação está a esgotar-se. Tomemos como exemplo os anúncios do Fed, onde Yellen consegue cada vez menos orientar os mercados com as suas declarações reconfortantes (quanto baste...) e os seus próximos aumentos das taxas que nunca mais chegam.

Com a eleição que se aproxima, torna-se impossível esconder os problemas anteriormente disfarçados nas boas notícia ou nas notícias estrangeiras – porque a eleição obriga o país a falar sobre si mesmo e a ver os seus próprios problemas. Estranhamente, é precisamente neste momento que as estatísticas de emprego mensal começaram a cair (com Maio a registar o pior mês, mesmo depois da revisão em forte baixa de Março e Abril, para a criação de empregos desde 2010), provocando um pequeno pânico que antecedeu uma reunião do Fed que planeava aumentar a sua taxa directora e que assim encontrou uma boa desculpa para nada fazer.

O mundo financeiro também começa a preocupar-se abertamente... mais de 10 biliões de obrigações soberanas apresentam agora taxas negativas, o equivalente ao PIB da zona euro que se transaccionam porque os especuladores antecipam que as taxas continuem a cair para assim obterem uma mais-valia com a sua venda mais cara (no mercado da taxa fixa o preço varia em sentido inverso da taxa); outro sinal é dado quando George Soros aposta na queda iminente dos mercados com a venda das suas acções para comprar ouro, ou quando a Goldman Sachs também antecipa uma forte queda nos mercados nos próximos doze meses e avisa que os mercados estão prestes a entrar no modo de "desespero", uma situação que lembra fortemente a de 2007...


Chovem os alertas sobre o estado da economia, talvez na esperança de evitar a repetição da tragédia de 2008 – que quase ninguém antecipou –, trazendo os actores económicos mundiais em seu socorro, mas desta vez os EUA enfrentam actores mais independentes, decididamente menos preocupados com o destino norte-americano e em grande parte focados nos seus próprios problemas. A China lança, de forma lenta mas segura, as bases dum novo mundo; a Rússia segue o seu caminho, sem se preocupar em agradar ao Ocidente; vendo aumentar as suas falências os produtores de petróleo norte-americanos parecem ter capitulado à guerra de preços conduzida pela OPEP.

Em resumo, a "aterragem forçada" da economia dos EUA, num remake hollywoodiano de 2008, não parece longe, tanto mais que, além do sector financeiro, há quem anteveja que as perspectivas para a economia real norte-americana também não são famosas, quem lembre que o endividamento (público e privado) está novamente ao nível do registado em 2008, que a taxa de emprego volta a subir (só 63% da população activa tem trabalho quando em 2000 essa percentagem era de 67%), que cerca de 45 milhões de pessoas (o valor mais alto de sempre) continuam abrangidas por um programa de apoio alimentar, que o sector de petróleo nem mantendo os baixos preços do petróleo pode ajudar a economia dos EUA, enquanto persiste o empobrecimento das famílias.

Nada disto constitui novidade, pelo que poderíamos continuar a retratar uma sociedade onde o desemprego, a pobreza, as falências e os problemas sociais se tornam cada vez mais relevantes. O pior é que todos estes elementos surgiram de repente nos meios de comunicação por causa dos interesses que se digladiam em torno das eleições de Novembro e não como resposta à necessidade de recolocar a economia e as pessoas numa via de progresso.

De alguma forma, a onda de más notícias e revelações colectivas sobre o facto de que os problemas não foram resolvidos nestes últimos 10 anos, estão a levar os eleitores a um profundo sentimento de desânimo e pode conduzir à tentação de passar a batata quente a Trump...

Até mesmo o resto do mundo está relativamente suspenso e incapaz de fazer qualquer coisa, senão preparar-se para o pior. Enquanto a Europa está a recuperar qualquer coisa (que mais não seja graças ao facto da imprensa norte-americana estar concentrada na sua política interna) e começa a resolver os seus problemas económicos (que não os seus problemas políticos), o Médio Oriente estará a resolver gradualmente as suas convulsões (como referi no post «TRÊS VISÕES PARA UMA REGIÃO»), a China e tomar paulatinamente o seu lugar na liderança global, todos continuamos suspensos da escolha dos eleitores norte-americanos e, como sabemos, a incerteza é grande. Combatendo essa incerteza e a sua dependência, como referem notícias da Bloomberg e do Telegraph que vão fazendo eco das vozes que denunciam as políticas japonesa e europeia de promoção dum dólar forte como contrárias aos interesses europeus e nipónicos, já vão surgindo chamadas de atenção para a necessidade de redefinição das políticas regionais, a ponto de até já o presidente da CE, Jean-Claude Juncker, ter feito referência à necessidade da UE rever a relação prática com a Rússia e não permitir aos EUA que ditem essa política.

Assim o crescente distanciamento entre os EUA e o resto do mundo, quer ao nível económico como político, deverá minimizar os efeitos da onda de choque da próxima crise, mas até lá muito continuará ainda dependente do eixo financeiro New York-Londres e duma UE que tarda em assumir uma postura esclarecida.

É esperar e ver...

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