segunda-feira, 17 de outubro de 2016

ELEIÇÕES EUA

Pese embora mantenha integralmente, como que escrevi em 2008 no post «O QUE REPRESENTAM AS ELEIÇÕES AMERICANAS», que o complexo e moroso mecanismo eleitoral norte-americano mais não visa que assegurar a conformação do presidente eleito aos interesses das grandes empresas e dos potentados económicos que finaciam as campanhas eleitorais, a actual conjuntura (regional e global) justifica que se aprecie esta eleição como indicativo do estado do país e do Mundo.


Apesar da má qualidade, a campanha presidencial nos EUA tem a característica de deixar aflorar alguma liberdade de expressão, relacionada com a fractura da sociedade (incluindo o próprio establishment) em dois campos. Ora no caso da actual campanha ultra-polarizada, a separação habitual entre democratas e republicanos tornou-se um abismo de onde emergem imagens inesperadas do estado do país.

Assim, começaram a aparecer de repente artigos alarmistas sobre a economia dos EUA. Além do destaque político a que assistimos, há também o facto de que, por si só, a comunicação está a esgotar-se. Tomemos como exemplo os anúncios do Fed, onde Yellen consegue cada vez menos orientar os mercados com as suas declarações reconfortantes (quanto baste...) e os seus próximos aumentos das taxas que nunca mais chegam.

Com a eleição que se aproxima, torna-se impossível esconder os problemas anteriormente disfarçados nas boas notícia ou nas notícias estrangeiras – porque a eleição obriga o país a falar sobre si mesmo e a ver os seus próprios problemas. Estranhamente, é precisamente neste momento que as estatísticas de emprego mensal começaram a cair (com Maio a registar o pior mês, mesmo depois da revisão em forte baixa de Março e Abril, para a criação de empregos desde 2010), provocando um pequeno pânico que antecedeu uma reunião do Fed que planeava aumentar a sua taxa directora e que assim encontrou uma boa desculpa para nada fazer.

O mundo financeiro também começa a preocupar-se abertamente... mais de 10 biliões de obrigações soberanas apresentam agora taxas negativas, o equivalente ao PIB da zona euro que se transaccionam porque os especuladores antecipam que as taxas continuem a cair para assim obterem uma mais-valia com a sua venda mais cara (no mercado da taxa fixa o preço varia em sentido inverso da taxa); outro sinal é dado quando George Soros aposta na queda iminente dos mercados com a venda das suas acções para comprar ouro, ou quando a Goldman Sachs também antecipa uma forte queda nos mercados nos próximos doze meses e avisa que os mercados estão prestes a entrar no modo de "desespero", uma situação que lembra fortemente a de 2007...


Chovem os alertas sobre o estado da economia, talvez na esperança de evitar a repetição da tragédia de 2008 – que quase ninguém antecipou –, trazendo os actores económicos mundiais em seu socorro, mas desta vez os EUA enfrentam actores mais independentes, decididamente menos preocupados com o destino norte-americano e em grande parte focados nos seus próprios problemas. A China lança, de forma lenta mas segura, as bases dum novo mundo; a Rússia segue o seu caminho, sem se preocupar em agradar ao Ocidente; vendo aumentar as suas falências os produtores de petróleo norte-americanos parecem ter capitulado à guerra de preços conduzida pela OPEP.

Em resumo, a "aterragem forçada" da economia dos EUA, num remake hollywoodiano de 2008, não parece longe, tanto mais que, além do sector financeiro, há quem anteveja que as perspectivas para a economia real norte-americana também não são famosas, quem lembre que o endividamento (público e privado) está novamente ao nível do registado em 2008, que a taxa de emprego volta a subir (só 63% da população activa tem trabalho quando em 2000 essa percentagem era de 67%), que cerca de 45 milhões de pessoas (o valor mais alto de sempre) continuam abrangidas por um programa de apoio alimentar, que o sector de petróleo nem mantendo os baixos preços do petróleo pode ajudar a economia dos EUA, enquanto persiste o empobrecimento das famílias.

Nada disto constitui novidade, pelo que poderíamos continuar a retratar uma sociedade onde o desemprego, a pobreza, as falências e os problemas sociais se tornam cada vez mais relevantes. O pior é que todos estes elementos surgiram de repente nos meios de comunicação por causa dos interesses que se digladiam em torno das eleições de Novembro e não como resposta à necessidade de recolocar a economia e as pessoas numa via de progresso.

De alguma forma, a onda de más notícias e revelações colectivas sobre o facto de que os problemas não foram resolvidos nestes últimos 10 anos, estão a levar os eleitores a um profundo sentimento de desânimo e pode conduzir à tentação de passar a batata quente a Trump...

Até mesmo o resto do mundo está relativamente suspenso e incapaz de fazer qualquer coisa, senão preparar-se para o pior. Enquanto a Europa está a recuperar qualquer coisa (que mais não seja graças ao facto da imprensa norte-americana estar concentrada na sua política interna) e começa a resolver os seus problemas económicos (que não os seus problemas políticos), o Médio Oriente estará a resolver gradualmente as suas convulsões (como referi no post «TRÊS VISÕES PARA UMA REGIÃO»), a China e tomar paulatinamente o seu lugar na liderança global, todos continuamos suspensos da escolha dos eleitores norte-americanos e, como sabemos, a incerteza é grande. Combatendo essa incerteza e a sua dependência, como referem notícias da Bloomberg e do Telegraph que vão fazendo eco das vozes que denunciam as políticas japonesa e europeia de promoção dum dólar forte como contrárias aos interesses europeus e nipónicos, já vão surgindo chamadas de atenção para a necessidade de redefinição das políticas regionais, a ponto de até já o presidente da CE, Jean-Claude Juncker, ter feito referência à necessidade da UE rever a relação prática com a Rússia e não permitir aos EUA que ditem essa política.

Assim o crescente distanciamento entre os EUA e o resto do mundo, quer ao nível económico como político, deverá minimizar os efeitos da onda de choque da próxima crise, mas até lá muito continuará ainda dependente do eixo financeiro New York-Londres e duma UE que tarda em assumir uma postura esclarecida.

É esperar e ver...

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

MR. TAMBOURINE MAN

Quando em Maio deste ano recorri a um poema de Bob Dylan (o famoso THE TIMES THEY ARE A-CHANGIN') para ilustrar o desespero com que muito boa gente observa o quotidiano, estava longe de voltar a este emblemático poeta cantor norte-americano e ainda de o fazer por termos hoje sabido que o «Nobel da Literatura vai para Bob Dylan».


Embora a primeira área de eleição tenha sido a do Pop/Rock, este descendente de judeus russos (de seu nome verdadeiro Robert Allen Zimmerman) acabou por se notabilizar na área do Folk e do Blues (por assumida influência de Woody Guthrie), mas muito em especial pela temática das suas letras, que o levaram desde a canção de protesto – período onde se destacam Blowin' in the Wind e The Times They are A-Changin' que estão entre as canções consideradas verdadeiros hinos dos movimentos contra a guerra e pelos direitos civis – até visões mais pessoais e introspectivas.

Podemos aplaudir a escolha ou partilhar da ideia que «Bob Dylan não merecia» esta distinção, mas facto inegável é que marcou o panorama mundial da música e influnciou outros músicos, como os Creedence Clearwater Revival, Beatles, David Crosby, Stephen Stills, Graham Nash, Neil Young, Paul Simon, Tom Waits, Elvis Costello, Bruce Springsteen, Tom Petty, Ben Harper, Eric Clapton, Nick Drake, Tracy Chapman, U2... e tantos outros que o venham a ouvir com a atenção que ninguém pode negar que merece.

domingo, 9 de outubro de 2016

O MUNDO FALIDO

A publicação pelo FMI do seu boletim semestral “Fiscal Monitor” trouxe na semana que terminou a assinalável “novidade” de que a «Dívida privada vale 100 biliões de dólares no mundo».

Segundo os cálculos apresentados pelo FMI o valor para a dívida não financeira mundial (ou seja o valor devido pelos estados, as empresas e as famílias) ascenderá a 152 biliões de dólares, qualquer coisa como 225% do PIB mundial, dois terços dos quais (os tais 100 biliões) serão dívidas das empresas e famílias e o restante dívida pública. Daqui se infere que o agregado empresas e famílias representará mais de 140% do PIB mundial, enquanto os estados representarão pouco mais de metade daquela percentagem, o que ainda assim não deixa de constituir, no entendimento do FMI, um risco acrescido para a redução do processo de endividamento global.

Recordando a recente prática de conversão de “nacionalização” da dívida privada (o processo de saneamento financeiro e consolidação no sector bancário não tem sido outra coisa que uma privatização dos lucros a par de uma nacionalização dos prejuízos), entende-se o porquê da acrescida preocupação dos técnicos do FMI, em especial quando constatam que nas economias ocidentais (mercados do dólar e do euro) o peso da dívida pública ronda os 160% do PIB.


O que custa mais a entender é que as contas do FMI não acertam com as do IIF (Instituto da Finança Internacional) para quem a «Dívida global vale mais de três vezes a economia mundial», pois ao estimar a dívida global em 216 biliões de dólares, mais de 320% do PIB mundial, eleva para 162 biliões de dólares a dívida das empresas e famílias e estima em 54 biliões a das entidades financeiras, número que apresentado sem grandes explicações adicionais me deixa enormes dúvidas sobre a sua real dimensão, quando é sabido que as maiores instituições financeiras (as tais que se arrogam de “too big to fail”) têm mantido a prática de operações OTC (“over the counter”, ou seja sem registo em qualquer entidade externa às contrapartes) e fora do balanço (só são contabilizadas na data de maturidade) que são precisamente as que originam maior alavancagem ao negócio e onde os níveis de risco não conhecem limites.

Desconhecendo-se estes valores é possível admitir que o actual problema do Deutsche Bank não passe duma brincadeira de crianças ou o colapso do Lehman Brothers não tenha passado duma tempestade de Verão face ao tsunami financeiro que ninguém pode garantir não venha a ocorrer, enquanto for permitida esta opacidade no mundo financeiro.

É igualmente digno de nota que os grandes especialistas teçam comentários sobre o assunto do tipo dos ouvidos a Vítor Gaspar, director do Departamento de Assuntos Orçamentais do FMI e ex-ministro das Finanças português, para quem a «Dívida privada excessiva é um 'actor ruim'» e que embora reconheça que a crise financeira de 2008 se ficou a dever à tal transformação da dívida tóxica privada em dívida pública (que continua a ser a solução preconizada pelo FMI) e refira a necessidade duma “desalavancagem inteligente” da dívida, nada adianta sobre tal estratégia nem parece preocupado com os tais biliões de dólares por contabilizar. Bem mais curiosa foi a reacção de Manuela Ferreira Leite (também ela ex-ministra das Finanças) quando se afirmou "perplexa"com o estudo 'inconsequente' do FMI, por, espanto dos espantos, assim parecer que o mundo está para falir...

terça-feira, 4 de outubro de 2016

O BANCO QUE NÃO PREOCUPAVA

Não terá havido quem não se recordasse dumas declarações de Wolfgang Schauble, o ministro alemão das finanças, quando em finais de Junho repetiu o que dissera no início de Fevereiro, quando afirmou «“Não estou preocupado com o Deutsche Bank”», para logo acrescentar que estava era preocupado com Portugal... depois de se saber que «Deutsche Bank e Santander falham testes de ‘stress’ norte-americanos».e quando se avolumavam as notícias sobre “problemas” na banca europeia. E não eram apenas «Um enorme "Monte dei" problemas» (numa alusão à delicada situação do centenário banco italiano, Monte dei Paschi de Siena), como se confirmaria quando as autoridades norte-americanas anunciaram que fora o «Deutsche Bank condenado a multa recorde de 14 mil milhões de dólares», pela sua participação na crise do subprime, em 2008.

Esta, aliás, não é uma situação inédita para o banco alemão (nem para a generalidade dos grandes bancos, os tais que se dizem “too big to fail”...), pois já em 2015 fora o «Deutsche Bank multado em 2,5 mil milhões por manipular taxas Libor»; nada de novo, pois, salvo a desproporção entre a multa anunciada e a que foi recentemente acordada com o Goldman Sachs, apenas 550 milhões de dólares... Esta crença no favorecimento dos grandes bancos já levou até que o «Goldman Sachs estima que Deutsche Bank pague coima até 7,2 mil milhões de euros», cerca de metade do “acordado” com o Bank of America, que pagou 16 mil milhões de dólares.


Ainda esta nova contrariedade não tinha sido conhecida e já no final do primeiro semestre se soube que os «Lucros do Deutsche Bank caem 98% para 20 milhões de euros», depois de um ano antes ter registado prejuízos recorde de €6,2 mil milhões, facto que obviamente reforçou uma imagem onde o «Deutsche Bank assusta com "alertas já indisfarçáveis"». Tão indisfarçáveis que na própria Alemanha surgiram notícias que, ao contrário do Sr. Schauble, estaria o «SPD preocupado com o Deutsche Bank» (o SPD é o parceiro de governo da Srª. Merkel) e que haveria «Deputados alemães relutantes em pôr dinheiro dos contribuintes para salvar o Deutsche Bank», declarações que terão levado ao anúncio oficial que a «Alemanha não vai resgatar Deutsche Bank»!

Tonitruante, é certo, mas quase seguramente com o mesmo valor doutras declarações do mesmo jaez, tanto mais que se a situação do Deutsche Bank é delicada e, após «Derrota histórica de Merkel em Berlim», a posição política da Srª Merkel está cada vez mais fragilizada, não é menos verdade que a economia alemã não absorverá com facilidade um “buraco” daquela dimensão e pior... cada vez se faz sentir mais o efeito das taxas negativas sobre as caixas económicas alemãs (sparkasse) que são instituições clássicas de poupança.

Não nos espantemos se depois dos contribuintes da Europa do Sul terem sido chamados a resgatar a banca francesa e alemã, venhamos a ser todos convocados para salvar a Alemanha... aquela orgulhosa Alemanha que aconselhou os gregos a venderem as suas ilhas para pagarem as dívidas!

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

TRÊS VISÕES PARA UMA REGIÃO

Enquanto reina o caos na Síria e no Iraque, emergem três protagonistas de dimensão idêntica no actual conflito no Médio Oriente; a Arábia Saudita, o Irão e a Turquia são três estados envolvidos no conflito sírio cujos interesses poderão convergir face ao Daesh (veja-se a tantas vezes referida indulgência do regime turco face às actividades e “negócios” realizados no seu território), mas diferem no que diz respeito ao estado sírio.


As três potências regionais preocupam-se prioritariamente com a sua sobrevivência e com a solução da crise económica, financeira e social. Para a Arábia Saudita isso significa ultrapassar a era do petróleo e lançar-se na exploração de novas riquezas; para a Turquia o importante é evitar o vespeiro em que a Europa se está a transformar e manter um papel central de mediador entre os continentes europeu, asiático e africano; já para o Irão o importante é recuperar o seu lugar entre as potências da região do Médio Oriente.

Para a Arábia Saudita a era do petróleo está a tomar um rumo preocupante, pois a queda nos preços não é apenas consequência de um abrandamento da procura (que a redução da produção não tem solucionado) mas uma mudança dos paradigmas gerais, com os estados a tentarem limitar a dependência energética, nomeadamente com os EUA a tornarem-se o primeiro produtor de petróleo garças aos xistos betuminosos, a Europa a voltar-se para outras produções (nuclear, carvão, eólica, hídrica e solar), enquanto novos actores, como o Irão, fazem a sua entrada no mercado.

Sobrecarregada por uma dívida estrutural (o país apresentou em final de 2015, pelo terceiro ano consecutivo, um défice orçamental de 20% do PIB e para 2016 as previsões não são muito melhores), a Arábia Saudita enfrenta ainda uma estagnação económica (onde os custos astronómicos com a guerra no Iémen surgem a par com a queda do preço do petróleo) e o risco de conflitos sociais, consequência dos trabalhadores imigrantes continuarem a ser tratados como cidadãos de segunda. Ainda assim, o regime saudita aspira a um estatuto de potência dirigente no mundo árabe e islâmico, estendendo pela força dos petrodólares, a sua influência ideológica em todo o mundo árabe pobre, que nem por isso simpatiza mais com eles, cujos tecidos sociais muito sofrem com a polarização entre modernidade ocidental e arcaísmo saudita.

A Turquia é a potência regional mais directamente afectada pela instabilidade geopolítica local, onde, além da guerra na Síria, se destaca a crise curda, os atentados terroristas que estão a minar as receitas da importante indústria do turismo, as sanções russas e a vaga de refugiados para os quais a Turquia é a porta de acesso à Europa de Schengen, mas que ainda assim tem conseguido manter um crescimento moderado. O acordo firmado com a UE para a contenção dos refugiados no seu território reforçará a sua capacidade financeira, algo nada displicente quando precisa de fazer face aos custos com um exército que ocupa o oitavo lugar no mundo e o primeiro no Médio Oriente.

Ainda assim a Turquia almeja um papel central na região em termos de cooperação económica e de segurança (resolução de conflitos), posicionamento global, integração no G10 e um papel importante em organizações internacionais e no mundo islâmico.

Com a excepção dos EUA e dos seus parceiros no mundo árabe (Israel incluído) o Irão tem vindo a normalizar as relações internacionais contrariando o argumento das diferenças religiosas; reservas que na realidade dever-se-ão muito mais ao desejo de conter os apetites económicos ressurgidos depois da queda das barreiras criadas pelas sanções internacionais. A prová-lo está o facto do Irão preferir preços de exportação mais elevados para maximizar a receita da sua produção petrolífera, contra a estratégia da Arábia Saudita que quer manter os preços baixos para competir com o preço do petróleo de xisto norte-americano.

O regresso do Irão ao cenário internacional é uma clara oportunidade para o país e para o mundo não só por representar um mercado, livre da influência ocidental, desligado dos petrodólares (ao contrário da Arábia Saudita) e decididamente orientado para o continente asiático. Esta opção e o facto do Irão apresentar uma população muito jovem e com crescimento demográfico está a transformá-lo num actor essencial e central no Médio Oriente, impondo estratégias de desenvolvimento que são difíceis de contrariar, apesar das debilidades que constituem a elevada taxa de desemprego, que atingiu 40%, o envelhecimento dos líderes e o anquilosamento do seu sistema político.

O Irão, liberto do espartilho da economia dos petrodólares, pode preconizar estratégias baseadas num mundo multipolar (o país é já um dos destinos da rota da seda, intensifica suas relações com a Índia, e com a Rússia, com quem mantém um projecto para construir um canal que ligaria o Mar Cáspio ao Golfo Pérsico) e uma orientação assertiva para a Ásia e para a constituição duma grande coligação com as potências continentais asiáticas  Rússia, China, Índia e Paquistão –, enquanto no âmbito regional afirma a sua aspiração a um papel de líder, especialmente quando não exclui uma aproximação com a Turquia.

De matriz religiosa diferentes (Irão, xiita versus Arábia Saudita e Turquia, sunitas), procurando apoios distintos (ligação da Arábia Saudita aos EUA, da Turquia à Europa e com o Irão a aproximar-se da Ásia) e de origens diversas (os sauditas são árabes originários da Península Arábica, os turcos são originários da Ásia Central e Oriental, enquanto os iranianos são originários da Ásia Central com forte influência persa), todos têm vindo a reforçar os seus orçamentos militares (lembremos que a Turquia dispõe do oitavo Exército do mundo e o primeiro Médio Oriente, a Arábia Saudita viu os seus orçamentos de defesa e de armamento dispararem com o seu envolvimento na guerra no Iémen e o Irão destina 5% do orçamento total para o programa de reforço das suas capacidades de defesa e sem referir a proliferação nuclear, situação em que pensamos imediatamente num Irão acusado de continuar a desenvolver o seu programa de mísseis balísticos, mas onde não se pode esquecer que a Arábia Saudita também deterá armas nucleares, já em 2013 a BBC assegurava que os sauditas estariam a cofinanciar o programa nuclear paquistanês, e se a Turquia não as produz nem por isso deixa de ser depositária de algumas bombas americanas por via da sua inclusão na NATO), almejam ver-se entre os países do G10 ou do G20 e no papel de incontornáveis potências continentais nas relações geopolíticas mundiais.

É na aspiração da Arábia Saudita, do Irão e da Turquia, desempenharem um papel central na região, que se sustentará a construção dum novo Médio Oriente aberto em perspectivas multipolares, para a Ásia, Rússia, Europa, e o aproveitamento desta dinâmica poderá permitir finalmente àquela região ponderar caminhos de pacificação que lhe pertencem exclusivamente, corrigindo, quiçá, muitos dos desmandos provocados pelas administrações francesas e inglesas durante a primeira metade do século passado (ver o post «DE CESSAR-FOGO EM CESSAR-FOGO»).

Para os três candidatos trata-se ainda de proteger o futuro dos respectivos regimes políticos, com todos os defeitos que se lhes conhecem: a monarquia absolutista da Arábia Saudita, o regime dos mullahs para o Irão, o lugar de Erdogan na Turquia. Mas quer se trate da Arábia Saudita, da Turquia ou do Irão, o essencial para cada um deles é garantir um papel preponderante na organização futura da sua região, o que deixará pouco espaço para a afirmação doutros interesses menores, como os dos sírios, libaneses, curdos ou arménios.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O MAIOR

O despudor e a completa falta de decência e ética são as únicas justificações que admito para a afirmação de Durão Barroso quando a propósito da polémica instalada em Bruxelas sobre a sua nomeação para a administração da Goldman Sachs, disse que "Não fui para nenhum cartel da droga, estou a trabalhar numa entidade legal"; só de quem por nada se detém para satisfazer as suas ambições...


A legalidade defendida por Durão Barroso seria factualmente verídica se a Goldman Sachs não fosse uma das instituições financeiras mais directamente envolvidas em tudo o que foi artifício financeiro que redundou na crise iniciada em 2008; após a falência do Lehman Brothers viria a ser abrangida no programa TARP (Touble Assets Relief Program), instituído pela administração de George W Bush, com uma injecção de 10 mil milhões de dólares e mais tarde acusada pela SEC (Securities and Exchange Comission, a comissão do mercado de valores mobiliários nos EUA) de responsabilidade na crise viria a acordar o pagamento duma multa de apenas 550 milhões de dólares, quando agora o mesmo regulador anuncia que foi o «Deutsche Bank condenado a multa recorde de 14 mil milhões de dólares» por idêntico “crime”. Recorde-se ainda que o Goldman Sachs foi a entidade responsável pela”operação” que escondeu o défice grego, contribuindo assim para agravar a chamada crise das dívidas públicas denominadas em euros.

Mesmo sabendo que outros altos “dignitários” (como o também ex-presidente da Comissão Europeia, Romano Prodi, os ex-comissários europeus, Mario Monti e Peter Sutherland, o actual presidente do BCE, Mario Draghi, ou Otmar Issing, que foi um dos arquitectos do euro, entre outros) que transumaram de ou para o Goldman Sachs melhor se entenderá quem apresente fortes reservas quanto à legalidade onde opera a Goldman Sachs e à qual não consta que Durão Barroso alguma vez tenha formulado a menor dúvida. Aliás, como seria tal possível se ele não hesitou em abandonar as responsabilidades políticas para as quais tinha sido eleito por um cargo de nomeação no areópago europeu?

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

DE CESSAR-FOGO EM CESSAR-FOGO

Menos espantoso que o anúncio, em meados deste mês, que mais um «Cessar-fogo na Síria entrou em vigor» na Síria, foi passada apenas uma semana a confirmação que «O cessar-fogo que todos achavam que iria falhar, falhou».

Gorado mais um acordo de cessar-fogo no teatro de guerra sírio ficaram as habituais trocas de acusações entre as partes beligerantes que no caso sírio vão muito além dum simples pró ou contra o regime alauíta de Bashar al-Assad, pois há muito que o Mundo Árabe se encontra fragmentado ou destruído por múltiplos conflitos.
Como se não bastasse a profunda divisão religiosa entre sunitas e xiitas, o próprio Ocidente se encarregou de fomentar e/ou agravar as mínimas dissensões entre povos que têm quase tudo para partilharem um futuro comum.


Basta recordar os perniciosos efeitos da presença europeia na região no período de entre as duas guerras e do famigerado Acordo Sykes-Picot que regulou a divisão entre franceses e ingleses e esteve na origem dos mandatos francês e inglês que conduziram ao desenho da maioria das fronteiras hoje em vigor na região. Implodido o Império Otomano, com o desfecho do conflito, e renegadas as legítimas aspirações de autodeterminação dos povos árabes, recorrendo à estratégia de “dividir para reinar”, ingleses e franceses impuseram os seus interesses e implantaram regimes de forte pendor autocrático, muitos dos quais ainda hoje se mantém e que com a colaboração posterior dos EUA facilitaram as condições para a criação do Estado de Israel.

Não se estranhe pois que para os povos árabes a credibilidade dos países ocidentais (França, Inglaterra e EUA) registe níveis muito baixos e que a sua capacidade de influência acabe por quase se circunscrever às petromonarquias do região do Golfo, que deles dependem para o funcionamento da indústria petrolífera e para a aquisição de equipamento militar; a própria ONU não regista melhor resultado desde que aceitou pacificamente o desrespeito pela Resolução 181, o chamado Plano da ONU para a partilha da Palestina, ou mais recentemente nas Resoluções 242 e 338, sobre a criação do Estado Palestiniano.

Sem um interlocutor em quem as partes reconheçam isenção e capacidade de diálogo com as diferentes facções e os diversos interesses regionais (Turquia, Arábia Saudita e Irão) e internacionais (EUA, Rússia e UE) em jogo, conflitos como a guerra civil síria manter-se-ão por ausência de propostas de solução credíveis, meros interesses políticos ou da indústria de armamento, mas sempre anunciados e propalados na imprensa sob a capa do humanitarismo ou dos direitos cívicos, a mesma imprensa que esquece completamente que, como escrevi em Janeiro de 2013 no “post«VIOLÊNCIA SÍRIA», a estratégia que está a ser «...implementada pelos EUA com as invasões do Afeganistão e do Iraque e continuada no apoio mais ou menos activo à “Primavera Árabe”, redundará no caso da Síria na substituição do regime alauita por outro de matriz sunita que, mais cedo que tarde, originará um problema de perseguição às diversas minorias que integram o intrincado xadrez étnico-religioso da região, no qual se incluem curdos, turcos, arménios, drusos, xiitas (de que os alauitas são um ramo) e cristãos ortodoxos.

A queda de Assad e uma mais que provável subida ao poder da facção wahabita (a mais radical e melhor organizada dentro da maioria sunita) dará origem a notícias de novas perseguições no território sírio e então veremos se o Ocidente reagirá com a mesma veemência e empenhamento que o actualmente usado contra os alauitas».

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

EM ÁGUAS POUCO PROFUNDAS

Anunciada para debater o Brexit, realiza-se hoje uma cimeira informal dos restantes 27 chefes de estado da UE, que a crer nas últimas notícias onde até a chanceler «Merkel diz que União Europeia está numa "situação crítica"» não deverá resultar em mais que nova remessa de piedosas declarações de princípios, tanto mais que já vêem de longe os tempos em que todos sobrevivemos em águas pouco profundas.


Confirmando por antecipação o que todos já nos habituámos a esperar destes conclaves, noticiou o EXPRESSO que embora Merkel tenha apontado a necessidade de mostrar resultados em áreas particularmente sensíveis como a da segurança, o crescimento económico, o mercado laboral e as esperanças dos mais jovens, também terá afirmado que “Vamos discutir a 'Agenda de Bratislava' e espero que venhamos a atingir um acordo mas ninguém pode esperar que se consigam solucionar todos os problemas apenas com uma cimeira”, especialmente agora que após a I Cimeira de Países do Mediterrâneo na UE a clivagem Norte-Sul está claramente na ordem do dia e, na chegada a Bratislava, António Costa (que vai ser o anfitrião da II Cimeira de Países do Mediterrâneo na UE) deixava bem claro que a «“Desconfiança entre todos” é um dos grandes problemas da UE» e, sabemos todos, não deverá ser ultrapassado em breve.

sábado, 10 de setembro de 2016

O FRACASSO DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA

A integração da Europa de Leste, no conjunto da política de alargamento aos países do bloco soviético, constitui o maior fracasso dos últimos 30 anos do modelo de integração europeia. Esta política essencialmente impulsionado pela ganância das empresas da Europa Ocidental (e dos EUA) tem sido aplicada à custa da integração política do continente como um todo e especialmente das populações de leste, cuja baixa participação nas eleições europeias é tantas vezes mencionada mas nunca relacionada com a não menos referida grande ansiedade regional para entrar na UE. O flanco oriental da UE é agora uma manta de retalhos de países movidos por motivações diversas, integrados em diferentes graus e divididos por interesses de todos os tipos, o que conduz a que os riscos de desintegração e conflito sejam enormes e ameacem o projecto europeu, muito mais que a saída do Reino Unido.


A crise euro-russa de 2014 criou as condições para o desmembramento desta região, agora dividida entre inúmeros interesses e diferentes perspectivas de futuro e onde a ascensão da extrema-direita, coincidindo precisamente com 2014, é apenas mais um reflexo das disparidades económicas e sociais que proliferam na UE. A consciência destes perigos deveria deixar antever que os europeus acabassem rapidamente com as sanções contra a Rússia, tanto mais que aquelas se revelaram pouco eficazes e altamente contraproducentes para as economias da periferia europeia. Se não o fizerem, o desmembramento desta região será acompanhado duma explosão de tensões locais e entre a Europa e a Rússia. Explosão cujo detonador poderá situar-se algures numa região balcânica claramente envolvida na equação.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

AINDA A PROPÓSITO DO IMI

Ainda que continue por fazer o indispensável debate em torno da adequação dum imposto sobre a propriedade numa sociedade onde, por inexistência da opção de arrendamento, há décadas as famílias vêm sendo obrigadas a adquirir habitação própria, notícias recentes em torno do IMI, como o agravamento em função da a exposição solar ou a polémica sobre a isenção concedida à Igreja, surge agora mais um facto com uma anunciada intenção onde a autarquia da «Covilhã triplica IMI para prédios abandonados e em ruínas».


Além de semelhante iniciativa não constituir novidade, a lei prevê lei a possibilidade de agravamento do IMI para os prédios devolutos desde o primeiro governo de José Sócrates, semelhante tema foi objecto de idêntica decisão quando em 2007 o município de Alenquer decidiu que as «Casas degradadas vão sofrer agravamento nas taxas de IMI» mas fixando-o nuns meros 30%.

Não sei a decisão teve ou não efeitos práticos, mas seguramente este é um tema que merece ser amplamente debatido, como já o defendi no post «VAMOS ACABAR COM AS CASAS DEVOLUTAS E DEGRADADAS?», onde então escrevi que “...a iniciativa poderá realmente contribuir para a resolução de um cancro que afecta a maior parte das áreas urbanas deste país. Por todo o lado são bem evidentes os edifícios em acentuado estado de degradação que, com a sua simples existência, contribuem para agravar os problemas de natureza social, nomeadamente a degradação do ambiente e a fixação de estratos menos desejáveis de “habitantes”...” tudo isto quando “...muitos autarcas se queixam da dificuldade em implementarem políticas de renovação urbana, principalmente nas áreas mais antigas e degradadas”.

A par com a óbvia questão de definir claramente os limites para as demasiadas isenções que se praticam, nomeadamente distinguindo o que são imóveis afectos a actividades julgadas de relevante interesse público daqueles que são meramente património das instituições que realizam actividades de interesse público, também em nome de “...uma efectiva política de recuperação e rejuvenescimento dos tecidos urbanos deveriam ser aplicados, às habitações efectivamente devolutas, agravamentos fiscais ainda maiores e indexados ao estado de degradação dos imóveis; as autarquias deveriam reduzir ao mínimo a autorização de projectos de urbanização em novas áreas, forçando a iniciativa imobiliária a “recuperar” as áreas existentes, e a aplicar critérios de qualificação urbana com maior rigor, impedindo a continuação do processo de construção em altura principalmente em regiões onde tal é de todo em todo desaconselhado e descaracterizador da arquitectura tradicional.”

Isto que escrevi em 2006 continua tão premente quanto a necessidade de repensar os modelos urbanísticos em uso; é que se “...faz sentido a construção de edifícios em altura nos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto e numa ou outra localidade por manifesta falta de área urbanizável, dificilmente se entende que na maior parte do território nacional se continue a autorizar a construção de edifícios cada vez mais altos e descaracterizados da sua envolvente regional.”

domingo, 4 de setembro de 2016

NEGÓCIOS?

Entre cada anuncio de dados do INE (crescimento económico, défice, PIB, desemprego, investimento, etc.) sucedem-se as inevitáveis interpretações de quem apoia ou contesta o actual governo. Para os primeiros as coisas não estão a correr mal, enquanto para os segundos os «Dados do INE são um “murro no estômago da geringonça”».

A verdade é que estes são contraditórios; embora não haja investimento nem crescimento económico o desemprego estará a descer, enquanto o défice parece estabilizado. Tanto basta para que o inefável Marques Mendes (o comentador de serviço que incessantemente procura ocupar o espaço deixado vazio por Marcelo Rebelo de Sousa) antecipe o KO técnico para António Costa, escondendo que o estado anémico da economia portuguesa não começou com este governo, antes remonta ao do seu correlegionário Passos Coelho e, pior, coincide com um período de igual letargia na economia europeia quando no tempo do anterior governo a Europa registava índices de crescimento superiores ao nacional.

Quer isto dizer que está tudo bem?

Claro que não e o primeiro sinal disso mesmo é o fraco investimento e muito duvidosa descida da taxa de desemprego. Numa economia, como a portuguesa, onde o tradicional motor do investimento sempre foi o investimento público, a redução imposta por Bruxelas não poderia ter outro efeito que não um reduzido crescimento que a tentativa de incentivo ao consumo interno, ensaiada através da reposição dalguns dos cortes ditados pela estratégia neoliberal de combate ao défice, não está a conseguir compensar.


Por isso a quase histeria que por vezes se detecta nos discursos de Passos Coelho, quando anuncia que a «Solução governativa está condenada ao "fiasco e ao fracasso"», ou quando «Assunção Cristas ataca “festança da esquerda”» em nada contribui para resolver o tal problema estrutural da falta de investimento; é que, como se comprovou durante o consulado Passos Coelho/Paulo Portas, a opção monetarista e neoliberal de privilegiar a estratégia de concentração da riqueza no pressuposto que esta originará mais investimento e criação de mais empregos traduz-se, isso sim, no aumento do investimento especulativo. Esta situação não melhorará enquanto se permitir que as grandes fortunas prefiram a opção especulativa por poder proporcionar maiores rentabilidades e em prazos menores, em detrimento do investimento na esfera produtiva, de retorno mais incerto e mais demorado, e ainda mais quando aquela estratégia for realizada sob a forma de dívida aos estados colocados na estrita dependência do endividamento por via da redução das suas receitas fiscais, como se comprova quando a «Comissão Europeia exige à Apple 13 mil milhões em impostos atrasados».

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

JULGAMENTO ESTRANHO

Mesmo concordando com o postulado com que Henrique Monteiro iniciou «O estranho caso Dilma Rousseff» (a Constituição Brasileira e a complicada geometria política são algo que quase desconhecemos em Portugal), o resultado da decisão do Senado brasileiro vai muito além do simples afastamento de Dilma, quando separou a votação do crime de responsabilidade, usado para fundamentar o impeachment, da perda do direito a desempenhar cargos públicos que estaria associado à condenação.

Sem querer repetir aqui o que sobre este assunto escrevi nos posts «VERGONHOSO ESPECTÁCULO» e «TEMER PELO BRASIL», a decisão agora tomada apenas reforça a ideia de termos assistido a um “julgamento” onde além dos acusadores funcionarem como juízes ainda se constata que pendem acusações de suborno e tráfico de influência sob muitos deles.


Depois disto ainda restarão dúvidas que foi «Dilma Rousseff afastada da presidência» por razões de alta política e baixa moral?