quarta-feira, 26 de novembro de 2014

RAPSÓDIA POLÍTICA

A agitação que nos últimos dias tem varrido a comunicação social por causa dos casos de corrupção envolvendo altas figuras do Estado estará em alta com a situação inédita da detenção dum ex-primeiro-ministro; aparte naturais semelhanças com uma rapsódia (género musical, de escassa unidade formal, que justapõe melodias e temas populares) e deixando de lado as polémicas em torno da actuação da imprensa mais sensacionalista (e das suas ligações às famigeradas “fugas de informação” judicial) e do quase inevitável aproveitamento político (a que tarde ou cedo nenhum dos partidos do “arco do poder” resistirá), que outras leituras podem ocorrer desde já?


Além das imediatas repercussões por esse mundo fora, que outros efeitos se podem já constatar? que, finalmente, a Justiça parece funcionar? e que terão terminado os tempos de impunidade?

Por mim, prefiro esperar o desfecho dos inquéritos em curso (algo que se arrastará demasiado para a dimensão e gravidade das acusações) mesmo sabendo que permanece a dúvida quanto ao resultado e ainda mais quanto à eficiência duma Justiça que parece mais preocupada com a mediatização da sua actuação – o pior e mais preocupante dos sinais que podia transmitir – que com a qualidade do resultado final.

Enquanto na praça pública se debate a culpa ou a inocência dos acusados permanecem sem alteração os enquadramentos legais e os modelos de funcionamento que permitiram – se é que não potenciaram – os actos que resultaram nas acusações. Tal como a desregulação financeira contribuiu decisivamente para a implosão do GES/BES e para as malfeitorias que são imputadas ao seu anterior homem-forte, Ricardo Salgado, também a ausência duma sólida condenação social e política das conhecidas práticas de favorecimento e nepotismo (afinal um processo de desculpabilização semelhante) estará na origem dos muitos casos que têm atravessado o nosso quotidiano nos últimos anos.

Esta situação pardacenta, onde se apontam os suspeitos e se acusa à boca pequena, é a que tem permitido o florescimento do oportunismo de agentes económicos e políticos de reduzida ou nula formação ética. A actual detenção de José Sócrates pouco se distingue doutros casos, como o de Isaltino Morais ou de Ferreira Torres, facto que não os impediu de repetirem candidaturas vitoriosas em subsequentes eleições autárquicas, só possíveis graças ao compadrio da generalidade da classe política nacional.

Os baixos padrões éticos revelados por quem nos tem governado – seja no plano nacional, seja no plano local – precisam de continuar a ser denunciados e a manter viva a exigência de ver publicamente esclarecidos muitos outros “casos” onde as suspeitas não podem deixar de continuar a avolumar-se.

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