A agitação que
nos últimos dias tem varrido a comunicação social por causa dos casos de
corrupção envolvendo altas figuras do Estado estará em alta com a situação
inédita da detenção dum ex-primeiro-ministro; aparte naturais semelhanças com
uma rapsódia (género musical, de escassa unidade formal, que justapõe melodias e
temas populares) e deixando de lado as polémicas em torno da actuação da
imprensa mais sensacionalista (e das suas ligações às famigeradas “fugas de
informação” judicial) e do quase inevitável aproveitamento político (a que
tarde ou cedo nenhum dos partidos do “arco do poder” resistirá), que outras
leituras podem ocorrer desde já?
Além das
imediatas repercussões por esse mundo fora, que outros efeitos se podem já
constatar? que, finalmente, a Justiça parece funcionar? e que terão terminado
os tempos de impunidade?
Por mim,
prefiro esperar o desfecho dos inquéritos em curso (algo que se arrastará
demasiado para a dimensão e gravidade das acusações) mesmo sabendo que
permanece a dúvida quanto ao resultado e ainda mais quanto à eficiência duma
Justiça que parece mais preocupada com a mediatização da sua actuação – o pior
e mais preocupante dos sinais que podia transmitir – que com a qualidade do
resultado final.
Enquanto na
praça pública se debate a culpa ou a inocência dos acusados permanecem sem
alteração os enquadramentos legais e os modelos de funcionamento que permitiram
– se é que não potenciaram – os actos que resultaram nas acusações. Tal como a
desregulação financeira contribuiu decisivamente para a implosão do GES/BES e
para as malfeitorias que são imputadas ao seu anterior homem-forte, Ricardo
Salgado, também a ausência duma sólida condenação social e política das
conhecidas práticas de favorecimento e nepotismo (afinal um processo de
desculpabilização semelhante) estará na origem dos muitos casos que têm
atravessado o nosso quotidiano nos últimos anos.
Esta situação
pardacenta, onde se apontam os suspeitos e se acusa à boca pequena, é a que tem
permitido o florescimento do oportunismo de agentes económicos e políticos de
reduzida ou nula formação ética. A actual detenção de José Sócrates pouco se
distingue doutros casos, como o de Isaltino Morais ou de Ferreira Torres, facto
que não os impediu de repetirem candidaturas vitoriosas em subsequentes
eleições autárquicas, só possíveis graças ao compadrio da generalidade da
classe política nacional.
Os baixos
padrões éticos revelados por quem nos tem governado – seja no plano nacional,
seja no plano local – precisam de continuar a ser denunciados e a manter viva a
exigência de ver publicamente esclarecidos muitos outros “casos” onde as
suspeitas não podem deixar de continuar a avolumar-se.
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