segunda-feira, 17 de novembro de 2014

VISTOS DOURADOS

O comentário de abertura desta semana deveria ser qualquer coisa em torno da última cimeira do G20. «Mais ricos repetem mão cheia de promessas para controlo financeiro», poderia ser um bom ponto de partida (mesmo sabendo que isso não constitui novidade nem deverá passar do rol das boas intenções), tão ilusoriamente reconfortante quanto a ideia que estarão de volta as teses keynesianas quando se afirma que o «G20 quer acelerar crescimento com mais investimento em infraestruturas».

A crescente inutilidade deste areópago ressalta não apenas da quase completa ausência de resultados práticos como da mistificação que sempre a rodeia. A comprová-lo está a notícia que «Putin abandona G20 após puxão de orelhas por causa da Ucrânia» quando a realidade pode ser a de que a saída prematura do presidente russo se poderá ter ficado a dever à reduzida importância que Moscovo lhe atribui.

Perante este “jogo do empurra” das mais completas fatuidades não se estranhe que a notícia mais badalada em Lisboa, nos últimos dias, tenha sido a de que, na sequência do despoletar do caso dos “vistos dourados”, «Miguel Macedo demite-se».


A origem do problema está no mecanismo dos “vistos dourados”, estratagema que o Governo afirma servir para fomentar o investimento estrangeiro, mas que assegurando a benesse em contrapartida duma mera operação imobiliária, bem se pode classificar como um «Visto pouco dourado e muito suspeito».

Tão suspeito que a investigação agora concluída fez com que fossem «Detidas 11 pessoas por corrupção e branqueamento», incluindo altas figuras do Estado como sejam o director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o presidente do Instituto dos Registos e Notariado e a secretária-geral do Ministério da Justiça; integrando estes e a secretária-geral do Ministério do Ambiente (que à semelhança da homóloga da Justiça pediu a demissão na sequência das buscas àquele ministério) um círculo hierárquico e de relações próximas do agora demissionário ministro da Administração Interna, bem se poderá dizer que foi «Miguel Macedo vítima das suas amizades».

Além das implicações de natureza política, que já se fazem sentir quando se pretende que a «Demissão de Macedo pressiona remodelação profunda» ou se vê que «Marcelo considera que "é uma pena" se Passos não remodelar», outras deverão ser retiradas dum caso que tinha tudo para correr mal…


A responsabilidade do Governo (e em especial do vice-primeiro ministro que nunca escondeu o apoio aos mecanismo dos “vistos dourados”, nem o contentamento por terem sido «Atribuídos mais de 1.600 vistos gold em dois anos») não se pode limitar à notícia que Paulo «Portas defende vistos gold, mas não descarta acertos na lei» e ainda menos aceitar a bonomia com que o CDS veio a terreiro afirmar que «“Os vistos Gold são bons para o investimento e devem continuar”», como se o “negócio” da venda de imóveis inflacionados constituísse alguma mais-valia para qualquer economia. Fazer tábua rasa dum mecanismo que claramente privilegia a especulação imobiliária e a fraude (não esqueçamos que já em Junho deste ano o DN assegurava que «Chineses com vistos “gold” queixam-se de burla imobiliária», por alegadamente estarem a “comprar” imóveis sobrevalorizados) e apresentá-lo como se constituísse a quintessência para o crescimento económico – algo que o governo Passos Coelho/Paulo Portas nunca esteve próximo de conseguir – não passa de mais um logro com que intentam disfarçar a falência do modelo da “austeridade expansionista”.

Tal como no caso dos acordos fiscais secretos no Luxemburgo, também este mecanismo dos “vistos dourados” bordeja as fronteiras da legalidade e apresenta contornos de franca imoralidade, da qual urge retirar ensinamentos.

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