quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

ÁFRICA EMERGENTE… MAS NÃO MUITO


Notícias como a de que «França envia tropas para combater islamitas no Mali» e a leitura do artigo de opinião «ÁFRICA EMERGENTE», que Bernardo Pires de Lima ontem assinou no DN, justificam um outro olhar sobre aquelas realidades.


Diga-se em jeito de introdução que é impossível que a mera referência ao Mali não lembre de imediato o mítico nome de Tombuctu, uma das cidades malianas atingidas pelos efeitos do conflito armado e local privilegiado para conhecer por todos os que sonham com um contacto directo com locais que marcaram a evolução da História Mundial (não foi seguramente um acaso o seu reconhecimento pela UNESCO como património mundial), deveria bastar para impedir que sobre este soprassem os ventos da guerra, já que o mesmo não se consegue relativamente aos ventos e às areias do Sahara que ameaçam soterrá-la.

A nostalgia duma Tombuctu soterrada pelas areias ou a raiva de ver destruído (em nome da intolerância e do fanatismo religioso) mais um marco histórico, constitui apenas uma das abordagens possíveis e a menos pragmática. Envolvida na luta entre o governo sediado em Bamako e os separatistas do Azawad (território do norte do Mali, maioritariamente constituído por tuaregues e onde, depois de ter afastado o histórico MNLA – Movimento Nacional para a Libertação do Azawad, pontifica o movimento islamita Ansar al-Dine, normalmente conotado com a Al-Qaeda), Tombuctu vê assim ampliado o nível de ameaça que sobre si pende, a ponto de já há meses ter sido notícia que «Combatentes islamitas estão a destruir os mausoléus de Tombuctu» e tema do “post” «BARBÁRIE», justificando-se entender os interesses que se movem por detrás das tendências separatistas e da reacção francesa.

A região do Sahara-Sahel (território que inclui além dos países do Norte de África atravessados pelo Sahara uma faixa de território a sul que se estende do Atlântico ao Mar Vermelho) é apenas outra onde persistem os mais que óbvios problemas originados no desenho administrativo de fronteiras por potências colonizadoras, no qual ciclicamente ocorrem pequenos conflitos, que na actualidade e fruto da inventada guerra contra o terror estão a ganhar novos contornos. Quando a isto se juntam outros factores, como a recente queda do regime líbio do coronel Kadhafi e a proliferação de armamento distribuído durante aquele conflito, a emergência de novos “interesses” na região (como é o caso de petromonarquias como a qatari que foi a grande financiadora do movimento anti-Kadhafi) e o reconhecido interesse estratégico duma região próxima doutras onde abundam petróleo, gás, urânio, e fosfatos, para além do mais estratégico dos minerais, o coltan (mistura de dois minerais, columbita e tantalita, originando um metal de alta resistência térmica e electromagnética indispensáveis na fabricação de mísseis e dos modernos aparelhos de comunicação e de orientação portátil).

Na presença de semelhante prémio não será de estranhar o interesse de franceses, americanos e chineses (principal parceiro económico dos países africanos desde 2009), nem sequer o interesse estratégico – partilhado entre ocidentais e qataris – de isolar a Argélia e o seu mentor, a rival Rússia.

Qualquer que seja o desfecho no Mali (e o lógico é esperar uma vitória francesa) e as contrapartidas assim ganhas para as respectivas economias, o certo é que continuarão por resolver as naturais ansiedades do povo tuaregue, pelo que se manterão todas as razões de fundo para a repetição do cenário que agora se vive nesta, como noutras regiões africanas (veja-se o flagrante exemplo do Congo) abundantes em recursos minerais de alto valor estratégico, razões que sustentam a ideia que embora seja expectável a continuação dos cenários de crescimento dalgumas das principais economias do continente, o seu desenvolvimento deverá continuar a ser profundamente desigual e ao sabor doutros interesses.

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