Múltiplas são
as notícias que vão confirmando a ideia que a crise global além de longe de
resolvida já se estende aos mais diversos níveis da economia e se a notícia da
falência de empresas e famílias já não constitui qualquer novidade, se a
falência de autarquias começa a ser normal, que dizer das descrições que chegam
sobre a situação dalgumas destas e das imagens de abandono e desolação que as
acompanham.
Isto mesmo foi
relatado há dias por Armelle Vincent, correspondente em Los Angeles do jornal
francês LE FIGARO, num artigo só
disponível para assinantes, mas que a página INTÉRÊT
GÉNÉRAL publicou aqui e a cuja tradução me abalancei:
«Estados Unidos: San Bernardino, cidade
californiana à beira da falência
por
Armelle Vincent
A
agonia de San Bernardino é visível desde a saída da auto-estrada. Deixaram-se
crescer as ervas daninhas pelo asfalto nas bermas; à falta de poda regular os
ramos secos das palmeiras pendem miseravelmente, metade do centro comercial
Inland Center está fechado e rodeado por um parque de estacionamento a caminho
duma lenta decadência; cartazes anunciando o arrendamento sucedem-se nos
espaços desertos. O centro da cidade está, por assim dizer, morto, com ruas
inteiras de lojas, boutiques, restaurantes e cafés abandonados, as montras
cobertas com papel sujo ou contraplacado.
«Não
tenha medo, não lhe quero fazer mal», diz um latino tatuado que acaba por se
enfiar por uma rua que já foi comercial, agora deserta, mudando a sua camisa. «Por
quê? Era caso para ter medo? No entanto, estamos a poucos passos da Câmara
Municipal.» «Não interessa, responde ele. Bem vê que o centro está
completamente delapidado e abandonado. Não podemos nem mesmo comprar um
cachorro-quente. Mas sabe o pior? Habituamo-nos». Numa das poucas lojas ainda
aberta na Rua F, uma empoeirada loja de penhores especializada em moedas e
pratas, um homem na casa dos vinte, mochila puída ao ombro, acaba de entrar para
vender uma harmónica. Por razões de higiene, o comerciante, Bud Ammons,
recusa-se a comprá-la. O jovem sai desanimado. «O que é que quer... diz Bud
Ammons, somos governados por criminosos e os piores estão na Califórnia. Os promotores
inflacionaram os preços dos imóveis, o governo deixou-os actuar e agora que a
bolha estourou, olhe onde chegámos. A cidade não tem rendimentos. É um desastre».
San Bernardino é a quarta cidade da Califórnia a pedir falência, depois de
Vallejo, Stockton e Mammoth Lakes. Compton deve seguir em breve. «E isto é
apenas o começo», diz um funcionário camarário, parando na praça do Município
vazia. «Não há muito tempo atrás, disse ele, apontando para uma passarela que
liga a esplanada ao Carousel Mall, o centro comercial atraía tantas pessoas que
era preciso estacionar a 1 km.» Não há mais de duas lojas abertas no enorme centro
comercial de três andares, que a cidade vai mantendo em boas condições depois duma
escola particular se ter instalado no andar térreo.
Assim,
os sinais de falência estão por todo lado nesta cidade de 210.000 habitantes,
construída no sopé da Sierra Nevada, cadeia de montanhas perpetuamente envolta
pela poluição que rodeia o vale de Los Angeles. A capital do cinema dista 100
quilómetros para oeste e a única indicação da proximidade geográfica e cultural
das duas cidades é, provavelmente um velho cartaz publicitário anunciando um
concerto dirigido por Carlo Ponti Jr, filho de Sophia Loren, que, até Maio de
2012, foi o maestro da Filarmónica de San Bernardino. Ao longo das últimas duas
décadas, a cidade perdeu cerca de 86.000 postos de trabalho: a base da Força
Aérea e a fábrica Kaiser Steal fecharam. Os caminhos-de-ferro de Santa Fé mudaram-se.
Como no resto do país, os preços das casas subiram nos anos 1990 e 2000 e caíram
a partir de 2008, resultando numa série catastrófica de falências. Quanto às
receitas do IVA, continuam a declinar 10 a 16 milhões de dólares por ano.
Resultado: San Bernardino enfrenta um défice orçamental de 45,8 milhões dólares
e já não tem recursos para pagar nem aos empregados, nem aos fornecedores, que
começaram a exigir o pagamento dos seus serviços em dinheiro. Em caixa existem
apenas 150.000 dólares em dinheiro, enquanto se vence no final do mês um
empréstimo de 3,4 milhões de dólares em títulos de poupança-reforma. Gerri
Franske, 62, está exasperada: «A cidade é governada por incompetentes. O meu
cão teria feito um trabalho melhor do que essas pessoas», diz a irritada
funcionária municipal. «Veja ao que cheguei depois de dezoito anos de trabalho
na direcção de urbanismo.» Nos últimos três anos, Gerri viu o seu salário reduzir-se
em 30%. Pensava trabalhar mais três anos até à reforma, mas acaba de se demitir
para não arriscar perder, em caso de falência, a parte da pensão de reforma
paga pela prefeitura. «Vi quantidades astronómicas de dinheiro a passar pela
direcção de urbanismo. Comissões de vários milhões de dólares. Onde foi parar esse
dinheiro?», questiona-se ela. Alguns desses milhões foram usados para renovar o
cinema do centro, cuja fachada nova e brilhante contrasta fortemente com os
prédios abandonados que o cercam. «O cinema já fechou uma vez devido à falta de
clientes, há dois anos, explica Gerri. Ninguém lá vai, vai voltar a fechar e o
nosso dinheiro foi lá enterrado para nada.»
Para
relançar a economia, um grupo de moradores promoveu o lançamento dum aeroporto
internacional à imagem do de Burbank, no Ontário. Mas dado o aviso de
cancelamento de várias reuniões organizadas em torno do projecto, afixado no
pátio da Câmara Municipal, duvida-se que venha a ver a luz do dia. Bud Ammons,
o comerciante tem uma solução muito simples, mas difícil de aplicar: ele queria
convencer os seus concidadãos a desembolsarem 250 dólares mensais para a cidade
amortizar o seu défice. «Calculei que não levaria muito tempo para repor o
equilíbrio dos fundos, mas no meio desta crise, quem tem meios para o fazer?
Talvez se cada um contribuísse com o que pudesse.» Mas que irá confiar numa
cidade onde o procurador-geral acaba de revelar que os seus gestores falsificaram
treze dos últimos dezasseis orçamentos para encobrir o seu défice ao Conselho
Municipal?»
do qual
destaco o quadro de absoluta incompreensão e revolta que os entrevistados não
conseguem esconder. Isto mais de três anos após as primeiras notícias sobre a
dramática situação dalgumas comunidades nos EUA, que abordei no “post” «ASSIM
VAI A AMÉRICA…», e que bem justificam a atenção de todos, pois como lembra
o ditado popular: “pelas costas dos outros, vemos as nossas”.
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