quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O CUBO MÁGICO


Não fossem os recentes acontecimentos nos países islâmicos do Mahgreb e do Médio Oriente e a quase euforia com que a imprensa ocidental se ocupa do que classifica como emergência da democracia e a total inoperância de mais uma reunião do G20 – que teve lugar em Paris no último fim-de-semana – teria sido bem mais evidente. Tão evidente que nem a sapientíssima tirada da ministra das finanças francesa, Christine Lagarde, consegue escamotear a mais completa incapacidade daqueles que é suposto “governarem o Mundo, quando afirmou, segundo esta notícia do LE MONDE, que «toda a gente concorda que o sistema monetário não pode ser refeito num dia, nem mesmo num ano», esquecendo que esta é a questão que há dois anos vem sendo recorrentemente adiada para a reunião seguinte daquele areópago.

Afinal, a avaliar pelas notícias que entre nós circularam sobre a reunião de Paris, quase tudo se terá resumido a umas conversas inócuas e à importante declaração de Jean-Claude Trichet, o governador do BCE, que, qual Deus do Olimpo, se dignou dirigir-se aos pobres mortais (que somos todos nós) recordando que os europeus (e Portugal em especial) precisam de aplicar os planos de austeridade anunciados de forma tão rigorosa e convincente quanto possível...

Quase em simultâneo, o mesmo Jean-Claude Trichet reafirmou numa entrevista à Europe 1 o seu credo (e o do BCE que dirigirá por mais alguns meses), elegendo o controlo da inflação – que classificou como «um imposto sobre os mais pobres e os mais desfavorecidos» – como principal objectivo, declaração que me leva a concluir que entende que os planos de austeridade, com as medidas de aumentos da carga fiscal, de redução de benefícios sociais e de salários, são um importante contributo para o controlo da inflação e constituem medidas de protecção e apoio aos mais pobres e desfavorecidos.

Não fosse a gravidade da situação e tamanha hipocrisia não mereceria outro comentário além de uma sonora gargalhada. Porém, o caminho que continuam a tomar as políticas de combate à crise na UE começa a atingir foros de gravidade incompatível com uma reacção tão simples, tanto mais que a distância entre os discursos dos responsáveis – chefes de governo e governadores dos bancos centrais da Zona Euro – e a realidade continua a aumentar numa proporção inversa á do fracasso das suas soluções que, privilegiando políticas para reduzir os défices públicos à custa quase exclusiva dos trabalhadores por conta de outrem, sob o argumento de que estas são indispensáveis para reduzir os juros cobrados nos financiamentos de que crescentemente necessitam, embora enquanto anunciam reduções nos défices se assista ao anacronismo da contínua subida daqueles juros, sinal que prontamente interpretam como a necessidade de ainda maiores cortes, restrições e sacrifícios para os trabalhadores, nunca como rotundo falhanço das suas políticas.

No caso concreto do défice português e das notícias que nos últimos dias têm circulado, dando conta, por exemplo, que o «Défice do Estado diminui 33 por cento em Janeiro» importa recordar, como o faz estoutra notícia, de que o «Défice baixa com impostos. Estado gasta 66 milhões em bens e serviços», distinguindo assim alguma da muita fumaça política que tem rodeado uma questão que muitos parecem insistir em abordar da mesma forma popular e empírica com que na juventude terão abordado o Cubo Mágico[1].


Sucede porém que os problemas dos desequilíbrios orçamentais têm que se abordados numa perspectiva técnica e em função da sua origem, pois os défices não acontecem apenas – como habitualmente se faz crer – em resultado dum excesso de despesa pública, podendo também ser originados em consequência duma redução das receitas.

Fruto das habituais chicanas políticas entre os partidos que entre nós disputam e partilham os corredores do poder, tornou-se hábito atribuir a responsabilidade ao despesismo dos antecessores, que mais não fosse para esconder as opções (próprias ou alheias) duma política fiscal que têm vindo a reduzir a carga fiscal sobre o capital (seja este entendido na vertente especulativa ou de investimento) enquanto estratégia para beneficiar aquele grupo em detrimento dos trabalhadores por conta de outrem e dos pequenos empresários e reduzindo, consequentemente, as receitas fiscais cobradas.

Idêntico efeito teve nos anos mais recentes a retracção da actividade económica determinada pela crise global despoletada em 2007 com a crise do “subprime” norte-americano e globalizada em 2008 com a falência do sistema financeiro mundial.

Por estas duas vias, ou ainda pelo aumento da despesa pública determinada pelas políticas de resgate dos bancos tornados insolventes pelas estratégias especulativas das suas direcções, os Estados ocidentais têm-se visto mergulhados numa espiral de crescimento da dívida pública que parecem de todo em todo incapazes de controlarem, tanto mais que persistem em recorrer à velha e mais simples das receitas, cobrindo o défice crescente com mais endividamento, ou com agravamento da carga fiscal, e raramente com uma efectiva política de redução da despesa.


[1] O Cubo Mágico, também conhecido como cubo de Rubik, é um quebra-cabeça tridimensional, inventado em 1974 pelo húngaro Erno Rubik; trata-se de um cubo geralmente confeccionado em plástico e que apresenta várias versões, sendo a versão 3x3x3 a mais comum, composta por 6 faces de 6 cores diferentes. No ano da sua apresentação (1974) ganhou o prémio alemão do "Jogo do Ano". In Wikipedia (adaptado)

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