domingo, 13 de fevereiro de 2011

MONOLITISMO


A recente publicação de um relatório interno do FMI sobre o desempenho da organização na detecção e prevenção da crise económica que atravessamos (que pode ser lido aqui) constitui uma peça não apenas de leitura obrigatória, mas também de reflexão e quiçá de exemplo para outros organismos e estruturas nacionais e internacionais.

Enquanto a generalidade da imprensa destacou a prevalência duma forma única de pensamento como justificação para o rotundo fracasso do FMI na previsão da crise, esqueceu (a maioria nem sequer terá lido o relatório) de dar o devido relevo ao quinto e último capítulo, onde a equipa do IEO (Independent Evaluation Office do FMI) propõe um conjunto de estratégias para uma melhoria futura e onde destaco:
·         a criação dum ambiente que estimule a diversidade de pontos de vista;
·         a criação de incentivos a um discurso aberto e frontal ao poder;
como iniciativas de extrema valia para contrariar aquela que nas últimas décadas se tem imposto como a tendência dominante entre gestores e decisores, sejam estes da esfera empresarial ou política.

Os erros detectados e que terão estado na origem do fracasso do FMI são em grande medida os mesmos que afectam as mais diversas estruturas empresariais a cujos membros importa mais a ascensão na carreira que o fomento de novas ideias ou novas formas de execução de tarefas e que, extrapolados para a esfera política conduziram ao poder as figuras que actualmente lá encontramos.

A ineficácia e os elevados riscos associados a práticas popularizadas como a do “politicamente correcto” ou a do “carreirismo”, poderão ter resultado em elevados rendimentos para alguns dos seus prosélitos (e em segura tranquilidade e jactância para os líderes) mas nunca em reais benefícios para o conjunto da sociedade.
E os prejuízos não são apenas os resultantes do crescente divórcio e desinteresse dos cidadãos pela coisa pública, mas principalmente o ainda por avaliar desperdício de ideias e de vontades que o monolitismo implica.

E o pior é que este “vírus” propagou-se nos últimos anos com uma velocidade e uma facilidade inusitadas. Já não são apenas as estruturas mais subordinadas à lógica do poder – em princípio e por definição as estruturas públicas – mas também as empresariais e sociais aparentemente mais distantes dessa lógica que hoje se revelam cada vez mais submetidas, a ponto de cada vez menos estranharmos e nos revoltarmos contra dirigentes, como os europeus, que persistem no uso e na recomendação das “mezinhas” que conduziram a UE e a sua economia ao estado em que se encontra, como panaceia para todos os males.

Exemplo disto mesmo é a última invenção da dupla Merkel-Sarkozy, o famigerado pacto de competitividade, que mistura medidas como a harmonização da idade da reforma em todos os países, a fixação constitucional dum limite ao endividamento público, o fim da indexação entre os salários e a inflação ou a definição de uma taxa mínima do imposto sobre as empresas (IRC), com o objectivo declarado de, pasme-se, combater a crise do Euro.


Numa fase conturbada como a que atravessa a UE e enquanto os seus dirigentes conservadores persistem em resumir o problema ao de umas quantas economias excessivamente endividadas, esperando assim que a tormenta os não atinja e aproveitando a oportunidade para insistir nas ideias dum liberalismo que lhes promete ganhos de curto prazo – seja em eleições que se avizinham, seja no crescimento das suas exportações – mas os afasta cada vez mais da solução para um problema que apenas a completa inversão dos modelos de financiamento público poderá ajudar a resolver.

As poucas vozes que aqui ou ali se vão insurgindo contra o absurdo das soluções continuam a ser ostracizadas, enquanto os ineptos que têm conduzido a UE num sentido cada vez mais neoliberal e menos solidário e social continuam a alardear a estultícia do modo de pensamento que há trinta anos foi personificado por um presidente norte-americano e ex-actor da segunda linha de Hollywood.

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