O movimento de contestação popular profundamente enraizado na vontade das populações maghrebinas e árabes parece cada vez mais imparável, quando se constata o sucesso da «Marcha do Milhão»[1] convocada para o Cairo ou quando se lêem outras notícias como a dos «Apelos para uma revolução esta sexta-feira na Síria», a de que o «Rei da Jordânia demite o Governo»ou até a declaração do presidente do Yemen, Ali Abdullah Saleh, de que não se recandidatará nas eleições que terão lugar em 2013.
Na própria Tunísia, local onde eclodiu a chamada «Revolução de Jasmin»[2], continuam os protestos contra a presença no governo de figuras ligadas ao deposto presidente Ben Ali, enquanto os egípcios não desistem de reafirmar o seu desejo de ver partir também o presidente Hosni Mubarak.
Sensível como é toda a região do Médio Oriente (não apenas pelo facto de ser a origem das maiores jazidas petrolíferas, mas principalmente pela famigerada e nunca resolvida questão israelo-palestiniana) não espanta o cuidado e atenção com que os poderes político e económico observam o desenvolvimento desta verdadeira revolta, que nem a velha receita das intervenções policiais nem a aparentemente conciliatória promessa de reformas parecem acalmar. Após uns primeiros fogachos de repercussão, a contestação da juventude parece cada vez mais fortalecida pela presença de milhares de jovens que sofrem de forma cada vez mais dura as consequências de lideranças ineptas e especialmente orientadas para satisfazer os interesses dos países ocidentais ou das grandes empresas que exploram os seus recursos naturais.
A emergência de uma geração cada vez menos temerosa das políticas repressivas que submeteram os progenitores, denuncia à evidência os seus desejos de mais empregos, menor corrupção e maior justiça social enquanto os dirigentes ocidentais, sempre tão prontos a florear os seus discursos com questões ligadas aos direitos humanos, à democracia e ao bem-estar dos povos, hesitam em apoiar claramente estes movimentos de contestação e, aqui e ali, “recomendam” aos ditadores locais maior abertura política enquanto esperam deles um feroz e empenhado combate aos movimentos de matriz islâmica.
Confrontados com esta insanável contradição nunca os governos ocidentais constituíram verdadeira referência moderadora e democratizadora junto dos governos árabes que, na boa tradição islâmica, sempre alicerçaram o seu poder no exército e sempre o exerceram de forma particularmente despótica; prosperaram não apenas devido ao insaciável apetite ocidental pelo petróleo que exploram, mas principalmente porque sempre foram entendidos como bastiões dos seus interesses e indispensáveis a ponto de se lhes “perdoar” alguns pecadilhos.
Bem pode agora o poder estabelecido em Tel Aviv tentar mover todas as suas (muitas) influências perante a necessidade de salvar Mubarak, afinal um dos grandes garantes da continuação da sua política sionista na região, que a resposta popular ao anúncio de que este se manteria no poder até à realização das eleições presidenciais de Setembro, pouco campo de manobra lhes deixa.
É evidente, como sucedeu na Tunísia, que já se negoceia na sombra a partida de Mubarak, restando agora um de dois cenários possíveis: a formação de um governo provisório com ElBaradei (solução que a administração Obama tem defendido publicamente e até, pasme-se, a influente Irmandade Muçulmana[3]) ou a encenação de um golpe militar que permita a manutenção do “status quo” sob a aparência de uma mudança de regime.
Esta solução, particularmente adequada ao histórico político-militar na região e até aos desejos judaicos ou aos não confessos anseios norte-americanos, poderá ser a escolhida, tanto mais que já se começaram a registar conflitos entre partidários e oponentes de Mubarak – iniciados na cidade de Alexandria logo após o discurso deste e que se espalharam hoje até ao Cairo – aumentando assim grandemente a fundamentação para a intervenção do exército numa solução regional para o problema, que poderá estar já a ser “pilotada” a partir da vizinha Tel Aviv.
[1] A avaliar pela notícia do DIÁRIO DIGITAL, que citava fontes da Al Jazeera, os manifestantes terão atingido os «Dois milhões de pessoas concentradas no centro Cairo»; mas mesmo que estes números pequem por exagero, seguramente que o número de pessoas nas ruas das principais cidades ultrapassaram largamente a meta estabelecida.
[2] O nome tem um significado particular para os tunisinos por recuperar o que foi utilizado em 1987 para designar o golpe palaciano com que Ben Ali afastou o velho presidente Habib Bourguiba.
[3] Sobre esta questão (e o aparente espanto associado) veja-se, por exemplo, o artigo do PUBLICO intitulado «A Irmandade Muçulmana ainda não abriu o jogo», que deixa bem claro o pragmatismo que esta organização egípcia (a prinicpal e melhor organizada força de oposição a Mubarak) tem demonstrado ao longo da sua existência.
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