terça-feira, 21 de abril de 2015

MEDITERRÂNEO MORTAL

Não constituindo novidade o verdadeiro calvário que as populações africanas em fuga da fome, miséria e guerras têm vivido nos últimos anos no Norte de África, com o início da Primavera reactivaram-se as tentativas desesperadas para atravessar o Mediterrâneo que as separa da almejada Europa. Como consequência aumentaram também o número de naufrágios e demais desventuras náuticas, ou não fossem estes migrantes transportados em embarcações sem um mínimo de condições de segurança e até de navegabilidade.


A imprensa europeia voltou a encher-se de manchetes, como a que refere a ocorrência da «Maior tragédia de sempre no Mediterrâneo. Mais 700 mortos a somar aos 4500 dos últimos 15 meses», e de pronto chegou a notícia que solícitos e empenhados «Chefe de Estado e de Governo vão reunir-se de emergência para discutir tragédia no Mediterrâneo». Da reunião extraordinária dos 41 ministros dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna dos estados-membros da UE (aquela organização que nos últimos anos tem primados pela rapidez e qualidade das suas resoluções) resultou um conjunto de medidas de acção imediata (para serem analisadas na próxima cimeira extraordinária que reunirá os 28 chefes de Estado e de Governo da UE), assim enumeradas pelo EXPRESSO:

«As 10 medidas de acção imediata:
1.      A UE vai reforçar as operações de patrulhamento marítimo do Mediterrâneo, denominadas Triton e Poseidon, concedendo-lhes mais dinheiro e equipamento. A UE vai também expandir o patrulhamento para uma área marítima mais ampla.
2.      O bloco vai fazer um esforço sistemático para capturar e destruir embarcações usadas pelos traficantes de pessoas, usando a "Atalanta", a operação anti-pirataria na Somália, como modelo. Os responsáveis da UE indicaram que será uma operação conjunta civil e militar, não especificando mais.
3.      Os agentes responsáveis pelo cumprimento da lei da UE, pelo controle de fronteiras, as instituições encarregues da concessão de asilos vão reunir-se regularmente para trabalharem de forma mais próxima para recolherem informação sobre o modo como os traficantes operam, para rastrear o seus fundos e auxiliar nas investigações em torno deles.
4.      O gabinete da UE para apoio aos refugiados irá destacar equipas em Itália e na Grécia para um processamento conjunto das candidaturas para obtenção de asilo.
5.      Os governos da UE vão registar as impressões digitais de todos os migrantes.
6.      A UE irá considerar todas as opções para um "mecanismo de relocalização de emergência" dos migrantes.
7.      A Comissão Europeia irá lançar um projecto voluntário piloto para a reinstalação dos refugiados por toda a UE.
8.      A UE vai estabelecer um novo programa para o rápido regresso dos migrantes 'irregulares' coordenado pela agência da UE Frontex para os países do Mediterrâneo da UE.
9.      A UE vai empenhar-se através da Comissão e dos serviços diplomáticos da UE para desenvolver um esforço conjunto com países vizinhos da Líbia.
10.  A UE vai destacar responsáveis dos gabinetes de imigração para fora do seu território para reunir informação sobre os fluxos migratórios e para fortalecer o papel das delegações da UE.»

Estas medidas destacam-se por uma forte componente burocrática (que outra coisa seria de esperar…) e uma breve referência a «…um esforço conjunto com países vizinhos da Líbia», no que aparenta ser a única aproximação ao cerne do problema: a criação de mais um estado inviável no território líbio, originado após a acção concertada entre europeus e americanos para o derrube de Muammar al-Kadhafi.

Depois de décadas de abandono económico e político, no afã de afastar um ditador o Ocidente voltou a repetir os erros cometidos noutras partes do mundo e em especial nos territórios muçulmanos do Afeganistão e do Iraque, criando uma situação caótica onde os heterogéneos opositores (desde os laicos mais ou menos moderados até aos fundamentalistas muçulmanos) passaram a guerrear-se entre si e a financiar essa actividade através do “transporte” de migrantes do sul do Sahel e de todos os que queiram fugir ao conflito e à crescente influência dos radicais islâmicos.

É claro que a simples referência aos milhares de mortos já registados é suficientemente perturbadora das consciências para merecer atenção e uma solução adequada, porém aquilo que os dirigentes da UE se preparam para implementar será tão-somente um reforço das medidas de protecção da sua fronteira marítima (o Mediterrâneo), numa clara transformação daquele foi o “Mare Nostrum” que ao longo de séculos facilitou e fomentou as trocas comerciais e de ideias entre a Europa e o Mundo Islâmico, porque uma solução orientada para o investimento e a inclusão dos povos – que não conseguem, ou não querem, realizar no interior do seu próprio espaço económico – está completamente arredada das suas cogitações.

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