sexta-feira, 4 de outubro de 2013

SHUTDOWN


A notícia da semana é, sem dúvida, a situação de paralisia financeira, verdadeiro apagão financeiro, que vive o governo da principal potência mundial: os EUA.

Desprovidos dum mecanismo automático de orçamentação por duodécimos, a tentativa suicida do Partido Republicano para fazer depender a provação do orçamento da suspensão da entrada em vigor do “Obamacare” (programa que alarga as franjas mais desfavorecidas da população o acesso aos seguros de assistência na saúde e que tem a designação oficial de Affordable Care Act), redundou num impasse que se traduz agora no encerramento dos serviços federais não essenciais, algo que os americanos designam de “shutdown”.

Resumir que o que este braço-de-ferro encobre é, além da velha sanha da facção republicana radical conhecida como Tea Party contra Obama, fruto do desespero político e reduzi-lo à afirmação que «Guerra contra Obamacare é "medida extrema" para não perder eleitores», esconde mais que o que revela. As mutações (ou a falta duma verdadeira adaptação) do modelo bipartidário norte-americano atingiram um estado onde uma minoria num dos partidos pode transformar em refém todo o sistema, incluindo a maioria do seu próprio partido; se a isto somarmos o peso da institucionalizada prática de “lobbying” e o facto dos congressistas viverem em permanente estado eleitoral (o sistema eleitoral norte-americano é tão complexo que é um dado adquirido para qualquer político que a campanha de reeleição tem de ser iniciada no dia imediato à eleição), bem se pode afirmar, como o fez o influente colunista do THE NEW YORK TIMES, Thomas Friedman, que a democracia americana está em risco e que o «Presidente Obama não defende o sistema de saúde. Está a defender a saúda da nossa democracia e cada americano que preze isso deve apoiá-lo».



Assim, fruto dum sistema bipartidário que caminha para ao bsurdo, duma conjuntura política onde cada um dos partidos lidera uma das câmaras (a dos Representantes é liderada pelos Republicanos e o Senado pelos Democratas) e da crescente irracionalidade dos extremistas (sim, nos EUA também existem extremistas…) da facção republicana conhecida como “Tea Party”, que levou o próprio presidente Obama a dizer que a paragem do Governo se deve a uma "cruzada ideológica", da noite para o dia e sem qualquer racionalidade cerca de 800 mil americanos – o quadro nacional de funcionários federais terá cerca de 2 milhões, mas os restantes integram os chamados serviços essenciais (militares, segurança, guardas prisionais, controladores aéreos, serviços secretos, incluindo os membros do Congresso, facto que, a par com as manifestações populares de desagrado, já motivou a notícia que alguns «Congressistas abdicam de salário durante 'shutdown'») pelo que deverão continuar a trabalhar sabendo que registarão atrasos nos salários – acordaram na madrugada do dia 1 de Outubro na pouco invejável situação de empregados sem remuneração.

Com o passar dos dias, o custo do encerramento de departamento federais começará a produzir efeitos crescentes no conjunto da economia norte-americana, que apesar das notícias recentes de que cresceu 2,5% no segundo trimestre ainda se encontra longe de poder afirmar-se saudável e capaz de absorver uma estimativa de custos que aponta para que o «Estado fechado custa mais por mês que o Katrina», a tempestade tropical que varreu o sul dos EUA em 2005 e terá originado prejuízos superiores a 80 mil milhões de dólares; mais concretamente uma estimativa apresentada pela consultora IHS aponta para que o crescimento trimestral do PIB norte-americano possa ser afectado em 0,2% (mais de 3 mil milhões de dólares), por cada semana de paralisação.

Mas não são apenas as consequências de natureza económica interna que devem merecer atenção neste momento (sem esquecer a particularidade de se saber que o «Pentágono gastou 5 mil milhões na véspera de administração encerrar», num verdadeiro frenesim de assinaturas em 94 novos contratos com empresas privadas para aumentar os arsenais e as capacidades dos vários ramos das forças armadas), pois a manutenção deste braço de ferro, agora que o «Prazo para aumentar tecto da dívida pública está quase a terminar» e até já se avisa que uma situação de «Bancarrota nos EUA pode gerar uma crise pior que a de 2008», deverá inviabilizar também a aprovação dos novos financiamentos necessários à liquidação de parte da dívida (começa a vencer-se a partir do dia 18) e o consequente incumprimento, situação que já levou o presidente Obama a alertar para o efeito do shutdown na dívida americana enquanto na Europa se faz sentir o efeito com a subida do euro para máximos de oito meses.

O sistema político/legislativo norte-americano é de tal forma sui generis que não está excluída a hipótese da crise se poder resolver rapidamente ou a de se arrastar durante duas penosas semanas. Admitindo que nas vésperas da data fatídica (18 de Outubro) os representantes republicanos e democratas continuam sem alcançar um entendimento, já começaram a ser desenhadas as alternativas que restarão à Casa Branca para evitar o “default”: ordenar, à revelia da limitação, a emissão de nova dívida, optar pela suspensão dos pagamentos correntes ou não pagar a dívida. O interessante nesta polémica académica (os EUA nunca irão deixar de amortizar a dívida vencida) é que alguns especialistas norte-americanos defendem que é obrigação constitucional do presidente violar a limitação orçamental e nunca reduzir a despesa, ponto de vista que deste lado do Atlântico se pretende ver aplicado precisamente ao contrário.

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