sábado, 9 de fevereiro de 2013

VERMELHO DE VERGONHA


Quando ainda paira no ar o pó da chamada ao Governo dum dos administradores responsáveis pela gestão do famigerado BPN, que tudo indica irá custar cerca de 7 mil milhões de euros aos contribuintes portugueses, quando muito pouco se informa a opinião pública relativamente ao resgate do BANIF (aos mil cento e cinquenta milhões de euros em garantias somam-se os recente mil e cem milhões de aumento de capital) e acabou de ser exibido na SIC um trabalho jornalístico sobre o “caso BPN”, constituirá contributo positivo para a melhor compreensão possível das pesadas responsabilidades do sector financeiro na actual crise global recordar o caso recentemente divulgado dum banco italiano (ver a notícia original do LA STAMPA) que entre nós o ECONÓMICO descreveu como «Um BPN à italiana?» e que se traduz num escândalo de grandes proporções pelo uso de derivados financeiros, envolvendo os anteriores administradores, a supervisão do banco central (então dirigido por Mario Draghi, o actual presidente do BCE) e o Deustche Bank, responsáveis pela ocultação de informação e empréstimos fraudulentos.


O banco italiano em causa, o Banco Monte dei Paschi di Siena (MPS), é indicado como o banco em actividade mais antigo do Mundo (foi fundado em 1472, ou seja, é anterior à descoberta do Novo Mundo e trezentos anos mais velho que a unificação italiana) e encontra-se hoje enredado numa volumosa teia de especulação com produtos derivados financeiros, dívidas que ascenderão a quase 4 mil milhões de euros e crescentes dúvidas sobre a transparência do negócio de aquisição em 2007, ao grupo SANTANDER, do Banco Antonveneta, por 9 mil milhões de euros (quando quase na mesma data o SANTANDER comprava o ABM AMRO por 6,6 mil milhões).

A história do descalabro pode, segundo a referida notícia do LA STAMPA, recuar a 1995, ano em que foi decidido converter a sociedade de tipo mutualista numa sociedade por acções e que Roberto Barzanti, o muito respeitado ex-autarca do PCI (Partido Comunista Italiano) descreve assim: «Os habitantes de Sienas têm tido dificuldade em aceitar a separação entre as actividades filantrópicas do "Monte" e as do próprio banco, que devia ter sido concretizada através da criação por um lado, duma fundação, e pelo outro, dum banco de capital aberto. As coisas mudaram, quando finalmente o passo foi dado, mas tudo foi feito para que nada realmente mudasse», situação de compadrio entre política, negócios e benemerência que se arrastou até há pouco mais de um ano quando se descobriu a fragilidade do sistema e as populações foram confrontadas com profundas reduções nas subvenções ao futebol (Siena Calcio), ao localmente muito amado clube de basquetebol (Mens Sanna) ou ao ex-libris mundial que é o famoso Palio.

Plenamente inserido na lógica financeira global, o MPS cedo se envolveu nos “negócios” próprios da pura lógica financeira e após a aquisição de dois bancos regionais (Banca Agricola Mantovana e Banca del Salento) de pronto se abalançou ao Antonveneta, decisão quase certamente justificada na óptica da criação de massa crítica, enquanto iniciava a actividade no “interessante” mercado dos produtos derivados. Desta actividade, desenvolvida especialmente com os bancos Nomura e Deutsche Bank e numa vertente puramente especulativa (e para a qual nem sequer apresentava aptidão histórica), resultaram os primeiros prejuízos, estimados em mais de 700 milhões de euros que os administradores do MPS começaram por disfarçar com um empréstimo de 1.500 milhões de euros junto do… Deutsche Bank.

Como é bem sabido, aos primeiros prejuízos ocultados outros se sucederam e após aquele empréstimo em 2008, o MPS viu-se obrigado a pedir novo resgate no ano seguinte; desta vez obteve-o junto do governo italiano e no montante de 1.900 milhões, a que se somaram mais 500 milhões em 2010, com a agravante de só em 2011 ter tornado público os primeiros 1.500 milhões de resgate.

Com dívidas a rondarem os 4 mil milhões de euros e o recurso a um mecanismo de ocultação em tudo idêntico ao que a Goldman Sachs montou para ocultar a dívida grega (recurso a operações de curto prazo com produtos derivados, porque acreditavam que a crise agravada em 2008 com a falência do Lehman Brothers seria um sobressalto passageiro e nunca o cataclismo que abalou profundamente a essência dum sistema financeiro global, cheio de activos tóxicos e manobrado como se duma economia de casino se tratasse), o velho e respeitável MPS viu o seu valor reduzir-se em quase 90% e enfileirar entre os menos respeitáveis “banksters[1] da actualidade.

Este caso deixa claro os efeitos da promiscuidade entre a finança (em especial a especulativa), a política e outos hemisférios tantas vezes nebulosos (como o do desporto) dificilmente pode resultar noutro final que o acumular de prejuízos, com a agravante, nos casos italiano e português (a comparação é tanto mais válida quanto as origens do problema – uma estratégia de crescimento a qualquer preço –, a dimensão dos números, a promiscuidade com decisores políticos e o envolvimento com actividades lúdico/desportivas são idênticas), de se persistir na ideia que devem ser os contribuintes em geral a suportar os desmandos que deveriam deixar os responsáveis (quer os que praticaram os actos, quer os que os silenciaram) vermelhos de vergonha.


[1] A designação “bankster” remonta ao período da Grande Depressão e resulta da aglutinação dos vocábulos banker (banqueiro, em inglês) e gangster, numa clara alusão à idoneidade da actuação dos responsáveis pelo sector financeiro; no seu livro «Labirintos da crise financeira internacional», José Manuel Rolo define assim o termo: «Em inglês, bankster é um neologismo derivado da fusão dos substantivos banker e gangster duas palavras que denominam profissões/actividades que, ao longo dos tempos, não raras vezes mostraram ter demasiadas e inesperadas afinidades». 

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