Quando a UE continua
penosamente a atravessar aquela que é a maior crise económica que já conheceu,
é natural que a escolha do próximo presidente francês se revista de especial
importância para o conjunto dos cidadãos europeus, não só pelo papel que este
país tem assumido na definição das políticas comunitárias como pelo facto de
representar uma das maiores economias da Zona Euro.
Tradicionalmente
resolvida numa segunda volta, a eleição presidencial gaulesa tem conhecido desde
a edição de 2002 alguma novidade e incerteza quando um “outsider”, o nacionalista Jean-Marie Le Pen, a disputou contra o
liberal Jacques Chirac. Embora completamente afastada essa hipótese nesta
edição, nem por isso a grande surpresa da campanha eleitoral deixou de ser o
desempenho doutro “outsider”, que não
a sucessora de Le Pen mas o candidato da Front de Gauche, Jean-Luc Mélenchon.
O expectável confronto
da segunda volta entre o actual presidente Nicolas Sarkozy e o socialista
François Hollande, deverá ocorrer sob a clara influência dos resultados duma
primeira volta que poderá constituir um marco histórico caso não se confirmem
as sondagens mais recentes (e posteriores aos acontecimentos de Toulouse) que
dão uma ligeira vantagem ao presidente em exercício. Até às mortes perpetradas
por um anunciado extremista islâmico, as sondagens davam uma humilhante
vantagem a Hollande que nem uma campanha aguerrida e carregada de desculpas e
de promessas eleitorais nem o claro apoio dos parceiros europeus de Sarkozy
parecia capaz de inverter. Apoio que, encarado por muitos dos eleitores
franceses como uma clara ingerência nos seus assuntos internos, levou o próprio
Sarkozy, em mais uma evidente pirueta eleitoral, a demarcar-se de posições de
Merkel e de Monti, como a da recusa de encontros com um François Hollande,
candidato que não esconde a sua oposição aos termos do tratado orçamental europeu novo, defende a uma taxação mais agressiva dos
mais ricose propõe-se usar o investimento público para combater o desemprego. A este programa, Sarkozy contrapõe a redução do
défice e da máquina do Estado, ou seja mais do mesmo..., pelo que a sua
derrota, além de prevista na
generalidade das sondagens integra há mais de um ano o cenáro de antecipações
políticas elaborado pelo “think tank” europeu LEAP, poderá ser
segura, mas depois da relativa decepção que foi a “esperança” trazida pela
eleição em 2008 de Barack Obama para a presidência dos EUA, convém aguardar
pelos reais efeitos da esperada mudança no Eliseu[1].
A sensação Mélenchon é
tal que além de boa parte do eleitorado francês (mais de 50%) ver nele um
verdadeiro candidato de mudança, estará em vias de afastar Marine Le Pen do
terceiro lugar na primeira votação, pois as sondagens atribuem-lhe entre 13% e
17%, enquanto a filha de Jean-Marie Le Pen, que chegou a contar com intenções
de voto da ordem dos 20%, queda-se agora entre os 13% e os 16%. Mesma tendência
recessiva apresenta o centrista François Bayrou (Movimento Democrata) que após
ter sido a grande sensação das eleições de 2007 não deverá ultrapassar agora os
10% a 11%.
Se as sondagens
conhecidas divergem sobre o resultado da primeira volta, dando a vitória ora a
Sarkozy ora a Hollande, todas concordam que na segunda a vitória de Hollande é
garantida. Talvez por isso tenha ganho maior relevo na imprensa a polémica
ascensão de Mélenchon, com o PUBLICO a
afirmar que «O
trotskista Mélenchon é o incómodo ‘terceiro homem’ das presidenciais francesas»
e o insupeito EXPRESSO
a descrevê-lo como autor de «...discursos mobilizadores de
belo efeito, sempre com citações literárias, filosóficas e referências às
grandes revoluções da História», e o
efeito potencialmente perigoso que resultará do seu apoio ao candidato
socialista na segunda volta, hipótese que Hollande já começou a minimizar ao
assegurar que se apresentará na segunda volta com o mesmo projecto da primeira.
O desespero da direita liberal e populista, representada na candidatura de
Sarkozy, é tal que à falta de novos argumentos já se começam a desenterrar os
velhos anátemas anti-comunistas, esquecendo que a quase certa vitória de
Hollande acontecerá não pelas suas virtudes ou qualidades mas, principalmente,
pelo acumular de erros e de piruetas políticas dum Sarkozy que nunca se
afigurou um digno representante dos valores republicanos particularmente caros
aos franceses, especialmente depois de Chirac (o presidente que antecedeu
Sarkozy e , como este, pertencente à UMP) se ver condenado num caso de
corrupção e se ter tornado no primeiro presidente da V República a ostentar tão
demeritória glória.
Não será pois estranho
que alguém com características como uma ideologia sólida e os grandes dotes de
oratória de Jean-Luc Mélenchon cative um eleitorado cansado de candidatos
anódinos e desprovidos de grandes ideais ou até de simples ideias (salvo a do
desejo de eleição), tudo isto numa época em que o desalento e a incerteza
passaram a constituir o elemento diário da maioria dum eleitorado ao qual pouco
mais resta senão esperar que a transformação que ocorra em França e na Europa
com a eleição de François Hollande seja na direcção duma sociedade mais justa e
equitativa.
[1] Na mesma linha de expectativa, matizada entre o optimismo dum e a frieza
analítica do outro, se manifestaram Mário Soares, por exemplo no artigo «A
França pode mudar a Europa», ou Manuel Maria Carrilho em «O fim
da estratégia da avestruz?», ambos publicados no DN
e enfatizando a importância que essa mudança poderá ter no futuro da Europa.
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