terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O EXECUCIONISTA[1]


A dureza e a barbárie social que imperam recomendam um acréscimo de atenção geral a tudo o que nos rodeia. Digo isto porque nunca tendo sido um atento ouvinte (ou leitor) das rotineiras mensagens que os líderes (políticos ou religiosos) têm por hábito difundir nesta quadra, parece-me na actualidade de reflectir um pouco sobre o conteúdo da mensagem do primeiro-ministro[2], não tanto pelos títulos da imprensa, que vão desde um quase apologético «Passos Coelho pede "fôlego para as grandes tarefas"», do DN, um esperançoso «Passos promete reformas para “democratização” da economia», do PUBLICO, um cordial «Passos pede confiança para as reformas de 2012», do JN, e um mais assertivo «Passos aponta 2012 como ano de "grandes mudanças"», do EXPRESSO, mas principalmente pela afirmação de que “…temos de abrir a concorrência, agilizar a regulação…”.

É que expressões como “democratizar” a economia podem encobrir mecanismos particularmente perversos, como recentemente o referiu Emmanuel Todd numa entrevista ao LE POINT, lembrando que os «…países que estão ameaçados ou ficaram sob o controle de tecnocratas são a Grécia, Itália, Espanha e Portugal, países de democracia recente. Aliás, foi para garantir esses espaços democráticos que eles foram integrados na Europa e na zona euro. Mas hoje, longe de estabilizar estas frágeis democracias, os mecanismos burocrático-monetários lançam-nos de forma acelerada para os piores momentos do seu passado de instabilidade. Sim, a situação é grave. O risco de um ressurgimento do fascismo na Itália, na Grécia dos coronéis, na Espanha de Franco, no Portugal de Salazar é real».

Do mesmo modo que ouvir Passos Coelho afirmar que «…2012 será um ano determinante para nós, para todos os Portugueses. Será determinante porque temos muitos compromissos para honrar, muitos objectivos orçamentais e financeiros para cumprir…», numa clara reafirmação de que para o seu governo a primeira prioridade não são os cidadãos do país que dirige mas sim os credores (bancos e “hedge funds” internacionais) para os quais cumprirá diligentemente, leia-se doa-nos o que doer, a infame função de cobrador.

Mias, para os seguidores da linha de pensamento de Passos Coelho expressões como “concorrência” e “regulação” não têm o significado que habitualmente se lhes atribui. Basta lembrar o que tem acontecido após a abertura à concorrência de sectores fundamentais da economia como a produção e distribuição de energia (electricidade e combustíveis) e a actuação de entidades reguladoras como a Autoridade da Concorrência que nunca conseguiu lobrigar nas muitas subidas e nas poucas descidas iguais de preços dos combustíveis o mínimo vislumbre de concertação e a consequente manipulação de preços. Subjacente à ideia de “abrir a concorrência” não tem estado a da protecção dos consumidores, tanto mais importante quanto aquela concorrência assume quase sempre as características dum oligopólio[3], da mesma forma que referir a necessidade de “agilizar a regulação” tem significado a pura e simples eliminação de regras e restrições que dificultem a produção de valor para os empresários.

Outra preocupante afirmação de Passos Coelho foi a de que «…temos muitas reformas estruturais para executar»…


…porque a atestar pelo que já foi “executado” teremos tudo a temer, muito em especial quando ouvimos que «…um dos objectivos prioritários do programa de reforma estrutural do Governo consiste precisamente na recuperação e no fortalecimento da confiança. Não só da confiança dos cidadãos nas instituições, mas também da confiança que temos uns nos outros, nas nossas relações profissionais, nas nossas relações sociais e nas nossas relações de cidadania» e quando vimos a ligeireza com que o mesmo Passos Coelho “cortou” salários e benefícios sociais, já podemos antever quem irá ver fortalecida a sua confiança.


[1] Adjectivo resultante da aglutinação de executor com o igualmente adjectivo exibicionista, indispensável para caracterizar um carrasco que revla particular empenho em se exibir e agradar aos mandatários.
[3] Designa-se por oligopólio a situação dum mercado com um número reduzido de empresas (no caso particular de duas chama-se duopólio), de tal forma que cada uma tem que considerar os comportamentos e as reacções das outras quando toma decisões de mercado, como seja o caso dos preços.

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