sábado, 19 de novembro de 2011

TECNOCRACIAS


A complicada situação política na Europa do Sul, região que num espaço de tempo inferior a um ano já viu cair cinco governos (Irlanda, Portugal, Espanha, Grécia e Itália), realizarem-se duas eleições antecipadas (Irlanda e Portugal), está em vésperas duma terceira (Espanha) e já viu a formação de dois governos ditos de unidade nacional, não pode deixar de estar na ordem do dia, tanto mais que nada do ensaiado parece contribuir para a acalmia da crise das dívidas soberanas.


Para cúmulo, como se não bastasse a tendência para a sobrevalorização política de estruturas não eleitas (BCE e FMI), parece estar a tornar-se moda (ou apenas mera tábua de salvação) a formação de governos ditos de tecnocratas, como os que estão em formação em Itália e na Grécia, tudo isto sem que nada se faça no sentido dum profundo debate da real situação europeia.

Não que faltem as vozes a alertar para o cerne do problema – a manifesta falta de orientação e de visão dos líderes europeus que, pior que navegarem à vista parecem fazê-lo às cegas – nem que aqui e ali vão surgindo sérios avisos sobre as consequências que rapidamente advirão da insistência numa via que longe de congregar a maioria dos cidadãos está a transformá-los cada vez mais em críticos e contestatários duma solução que persiste teimosamente em ver apenas a ponta do iceberg e a preservação dum sistema financeiro totalmente divorciado da economia real. A questão dos elevados défices das economias europeias (sejam eles de natureza pública ou privada) é problema que necessita da devida correcção, mas a sujeição de tudo e todos ao primado da sua resolução e em especial a absurda escolha duma via de austeridade num momento em que as economias apresentam ainda crescimentos anémicos (taxas inferiores a 1%) não pode resultar senão no seu agravamento, pois a redução do consumo interno apenas pode gerar redução nas receitas fiscais e em maiores dificuldades no pagamento dos financiamentos.

Ao contrário do que defendem os “técnicos” neoliberais e que Passo Coelho não hesitou em expressar de viva voz e sem subterfúgios[1], não será pela via do empobrecimento que economias débeis, como as do sul da Europa, conseguirão criar a riqueza de que necessitam para pagar aos credores; e isto é tanto mais verdade que eles (e os seus representantes) estão bem cientes que a “recuperação” do seu capital terá que ser assegurada no mais curto espaço de tempo possível, pois os “planos” que propõem são sempre de curta duração, orientado quase exclusivamente para o reembolso do capital e nunca centrados na recuperação das economias.

Assim, a chamada a funções governativas dos ditos tecnocratas, podendo aparentar uma tentativa de abordagem menos enviesada dos problemas, rapidamente se revela afinal como, no máximo, uma mera mudança de direcção… (para mais rapidamente se atingir o fundo!) acompanhada dum aparente afastamento dos decisores políticos que geralmente estiveram na origem do sobreendividamento. Confortados no argumento da indispensabilidade das medidas e da inexistência de alternativas (debate a que nunca se submeteram) esbulharão os cidadãos se estes não se dispuserem a fazer-lhes frente, arrostando com as dificuldades que para tal forem necessárias.

A agudização da crise não será resolvida com as medidas de austeridade defendidas pelos países do norte europeu, como a iminência da sua propagação à França o está a demonstrar e a própria Alemanha não tardará a sentir, pois a sua posição de força sustentada no superavit da balança comercial só pode ameaçar ruína com a erosão do restante mercado europeu que representa mais de 60% das suas exportações.

Não tardará muito para que os hoje muito aplaudidos tecnocratas (sejam eles chefes de governo ou apenas ministros das finanças) comecem a ser confrontados com as limitações das suas opções, restando-nos esperar que não seja, então, demasiado tarde para as decisões políticas que têm faltado.


[1] De que esta notícia do EXPRESSO é um exemplo.

Sem comentários: