quarta-feira, 16 de novembro de 2011

REEQUILÍBRIO NUCLEAR


Avolumaram-se, desde a apresentação na passada semana do relatório da AIEA (Agência Internacional de Energia Atómica), as notícias em torno do Irão e do desenvolvimento dum programa de armamento nuclear que as autoridades de Teerão desmentem, tal como as de Tel-Aviv continuam a fazer.


Independentemente da maior ou menor acuidade daquele relatório (para já não falar da estranha coincidência da data da sua apresentação ocorrer poucos dias após a conclusão da intervenção militar da NATO na Líbia), dois factos continuam omissos na generalidade das notícias sobre o assunto. 

Primeiro, que a confirmar-se que o Irão se apresta a entrar no clube dos países com armamento nuclear, esta situação nada tem de inédito, pois após os EUA e a Rússia, vários foram os que os seguiram; o Irão nem sequer será o primeiro regime totalitário a consegui-lo (essa glória cabe à Coreia do Norte), nem o primeiro estado islâmico (o primeiro foi o Paquistão) e ainda menos o primeiro a negá-lo até ao paroxismo do absurdo, pois essa honra cabe por inteiro a Israel, país que continua a negar a existência do seu arsenal nuclear ao mesmo tempo que condena um seu cidadão por, ao divulgá-lo, revelar segredos de estado.

Segundo, que embora seja compreensível a preocupação em torno da entrada de mais um membro no restrito clube dos países com capacidade nuclear, muito do que sobre o assunto se diz e escreve perde uma significativa carga quando avaliado em termos comparativos com a realidade actual. Existirá zona nuclear potencialmente mais explosiva que a fronteira indo-paquistanesa, região que regularmente regista uma ou outra escaramuça, ou regime mais instável que o norte-coreano? Que dizer da complicada relação de forças no Paquistão entre civis e militares ou entre radicais islâmicos e sociedade laica?

Embora a custo, as notícias acabam por quase sempre conduzir-nos sub-repticiamente para a muito variável noção de armamento nuclear bom e mau, apodando de bom o que é detido e pode ser utilizado pelo Ocidente e de mau todo aquele que o mesmo Ocidente não detém nem controla. E não se pense que esta apreciação maniqueísta é usada apenas por jornalistas mais ávidos de emoções, pois basta ler as declarações que o PUBLICO atribui ao ministro dos negócios estrangeiros português, Paulo Portas, para quem “qualquer pessoa medianamente informada pode imaginar o que é que significa a detenção de armamento nuclear por parte de autoridades que estejam ligadas a uma qualquer forma de fanatismo religioso”, como se nesse capítulo existisse qualquer diferença entre o regime islâmico dos “ayatollahs” xiitas ou a do regime judaico do estado de Israel (o único estado ocidental declaradamente religioso).

No fundo, talvez a verdadeira grande preocupação ocidental não passe afinal do acréscimo dos receios pela perpetuidade dos equilíbrios alcançados pela força numa das mais instáveis regiões do planeta (o Médio Oriente), que ainda por cima é a fonte de origem da grande maioria dos hidrocarbonetos indispensáveis às economias mais desenvolvidas.

Que o Irão (ou outro estado árabe) venha a alcançar em breve o estatuto de potência nuclear deve ser uma preocupação central para quem tem usado e abusado duma força desproporcionada na região para fazer vingar as suas intenções, não sendo pois de estranhar a veemência com que o duo Israel-EUA pretende travar aquela hipótese nem, a aparente tranquilidade com que a China ou a Rússia continuam a olhar para a questão.

Nesta mesma linha de pensamento se insere o interessante artigo de opinião assinado por um antigo embaixador francês em Teerão e ontem publicado no LE MONDE, onde François Nicoullaud chama a tenção para o risco da acção precipitada e recorda que o processo sempre registou avanços e recuos coincidentes com a maior ou menor hostilidade ocidental e onde admite, como titula o autor, que a bomba iraniana não é uma realidade para amanhã e que acções violentas, como o recurso ao assassinato selectivo de presumíveis membros influentes do programa[1], ou mesmo o recurso a sanções económicas têm invariavelmente resultados contraprodutivos.

Tudo somado e considerando que o risco duma acção militar israelita é hoje francamente superior ao que se registava quando em 1981 foi lançado um “raid” aéreo contra o reactor iraquiano Osirak, talvez restem cada vez menos opções que a de adiar o mais possível a entrada no tabuleiro geoestratégico regional duma nova realidade que determinará não só a necessidade de revisão dos termos de força entre judeus e árabes, mas também as divisões que já se conhecem no seio da grande família árabe onde importa não esquecer a velha rivalidade entre sunitas e xiitas.


[1] A última notícia sobre o tema remonta ao recente mês de Agosto e foi divulgada pelo LE FIGARO que se fez eco da suspeita de envolvimento da MOSSAD (os serviços secretos israelitas) no assassinato de Darius Rezainejad, físico nuclear alvejado mortalmente em Teerão no dia 23 de Julho deste ano.

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