
Os sinais de preocupação que são por demais evidentes, quer quando se analisa o comportamento da economia norte-americana (cujo PNB medido em euros apresenta evidentes sinais de quebra[1]) quer quando se constata a sua forte dependência da importação de capitais, têm vindo a ser denunciados por muitos analistas e as indispensáveis medidas correctoras tardam em surgir.
Além das há muito conhecidas críticas sobre a actuação das agências de rating, repetidas até à exaustão aquando dos crashs bolsistas originados pelos excessos de confiança (e de especulação) sobre as economias sul-americanas e asiáticas e pela falência da ENRON, economistas norte-americanos apontam hoje para a necessidade de repensar a estratégia que conduziu a esta situação. Num artigo publicado no FINANCIAL TIMES, Charles W Eliot, professor na Universidade de Harvard, sublinha que «...os padrões de crédito no mercado hipotecário de maior risco (subprime) foram demasiado baixos durante demasiado tempo. Agora, à medida que os mutuários enfrentam um acréscimo de custos devido à subida das taxas de juro, não será o momento adequado para que as autoridades monetárias se mostrarem dogmáticas e desencorajarem o fornecimento de crédito».
Bem podem agora os tradicionais apologistas dos mercados de capitais vir à liça, como o faz o DIÁRIO ECONÓMICO que hoje publicou, com chamada na primeira página, uma entrevista com Ricardo Reis, professor na Universidade de Princeton a passar férias em Portugal que afirma bombasticamente que «num mês não se falará nesta crise do crédito» e que não lhe «…parecem suficientes [as notícias na economia real durante as últimas semanas, sobretudo as relativas ao mercado à habitação norte-americano] para causar uma alteração [pelo que mantém] a previsão de que o BCE suba as taxas de juro uma ou duas vezes até ao fim do ano e o FED não as desça». Baseia-se na sua profunda convicção de que o período que atravessamos represente apenas uma crise de liquidez e não uma crise financeira, mas sempre vai concluindo o seu raciocínio dizendo que um «…grande senão é se a actual crise de liquidez se transforma numa crise financeira. Aí, tudo é possível». Não fora o entrevistado um convicto seguidor de Milton Friedman e das teorias monetaristas, e talvez desse mais atenção a outros indicadores além do M1[3] e a outras variáveis além da inflação, não necessitando de terminar desdizendo o que dissera no início.
Para se fazer uma ideia mais correcta da situação e de que o anúncio de que a crise originada no mercado subprime é apenas a ponta actualmente visível de um iceberg de muito maiores proporções e que as tentativas de minimização estão condenadas ao fracasso leia-se esta outra notícia do FINANCIAL TIMES que dá conta de um grande aumento no nível de incumprimento no mercado do crédito automóvel. Segundo aquele jornal, as empresas emprestadoras naquele sector viram o incumprimento aumentar 30% no primeiro semestre deste ano .
Tudo isto mais não faz que confirmar o que autores como Richard C Cook vêm defendendo há algum tempo – o crédito precisa ser entendido como um bem público – enquanto lança o debate sobre a necessidade de uma nova política monetária que contribua para ultrapassar a situação.
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[1] Ver o post A MÃO INVISÍVEL
[2] Em inglês urso diz-se bear e no mercado de capitais a expressão “bear market” designa um período de quebra nas cotações, por oposição à expressão “bull market” que assinala um período de subida. Esta analogia resulta de particularidades linguísticas próprias do inglês mas também reflecte muito a postura dos dois animais em causa – o urso mais contido e o touro mais impetuoso.
[3] Agregado monetário, constituído pela moeda em circulação, os cheques de viagem, os depósitos à vista e outros depósitos, comummente utilizado pelas autoridades monetárias (bancos centrais) para avaliar os níveis de liquidez das respectivas economias.