segunda-feira, 25 de julho de 2016

A PIOR CRISE É A QUE NÃO QUEREMOS VER

A propósito dos recentes acontecimentos registados em países europeus, como a França e a Alemanha, e na Turquia (que por acidente geográfico é um pouco europeia), que levaram à instauração, parcial ou total, do estado de emergência, António Barreto aproveita para dizer que esta é a maior e «A pior crise» da Europa desde o final da II Guerra Mundial, avançando com inegáveis argumentos, como sejam: o alastramento do terrorismo e do medo que gera; a fragilidade duma unidade política agravada pelo fraco crescimento económico e pelas altas taxas de desemprego; a elevada tensão com a vizinha Rússia, a crescente pressão migratória vinda do Sul e do Médio Oriente, agora agravada pelo “turbilhão turco”; o “brexit” e a deslocação do “interesse americano” para o Oceano Pacífico, mas esquecendo aquela que parece a mais evidente explicações para este avolumar de “catástrofes”: a crise sistémica global, despoletada a partir de 2008 com a revelação da fragilidade do sistema financeiro global.


A revelação da inconsistência duma economia global de casino, desenvolvida por uma elite de “banksters” e de mega-ricos especuladores com o apoio duma classe de políticos que por comodidade ou pura ignorância alinharam no dogma da “infalibilidade dos mercados”, fragilizou todo o tecido económico e social dum sistema capitalista há muito anquilosado e marcou o início da fase de entropia.

A sua substituição é tão inexorável quanto o foi a do “ancien regime” feudal ou a queda do Império Romano e dispersar as atenções pelas crises subsidiárias (as que mais interesse continuam a despertar numa comunicação social também ela rendida aos dogmas dos mercados) apenas contribuirá para agravar os custos económicos e sociais que já suportamos; adiando o inevitável não contribuímos nem para a solução nem para a mitigação dos seus custos.

O regresso à execução de políticas em prol do interesse-geral, em detrimento do interesse particular dos “banksters”, deverá ser o suficiente para assegurar a recuperação dum crescimento económico centrado na esfera produtiva e não na especulativa e a única via para o restabelecimento da confiança dos cidadãos em novas lideranças políticas, que no caso europeu deverão ainda assegurar, prioritariamente, a coesão entre os estados e investir fortemente em três linhas: reformulação da moeda-única no sentido de transformar o BCE no principal financiador dos estados; criação do exército único europeu e reorientação da sua política externa no sentido da defesa dos interesses europeus; simplificação da estrutura e do ordenamento legislativo comunitário.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

INADMISSÍVEL

Perante o avolumar de notícias sobre as “sanções” (nem que seja para dizer que teremos as «Sanções a Portugal decididas para a semana, congelamento dos fundos depois do verão») continuam a surgir reacções de contestação aberta que até já levaram o Presidente da República a assumir posição pública, não se estranhando que na abertura da "Grande Conferência Europa", promovida pelo Diário de Notícias, se tenha ouvido que «Marcelo considera inadmissível referendo em Portugal sobre a União Europeia».


A personalidade que nos habituou a sempre ter opinião sobre tudo aproveitou para defender que “a resposta só pode ser mais Europa, e não menos Europa”, que “considera um “erro” uma “aventura referendária” sobre a UE” e que entende inadmissível um “referendo sobre a pertença à Europa ou um referendo sobre a vinculação a tratados ou pactos celebrados no quadro europeu”; atravessássemos nós uma outra conjuntura (ou uma idêntica mas num quadro comunitário de igualdade e respeito entre os diferentes estados-membros) e talvez até pudesse concordar com ele, mas para que quererão os cidadãos europeus mais Europa da desigualdade e do secretismo?

É compreensível que a nomenklatura de Bruxelas e os “banksters” que a alimentam pretendam manter uma linha de actuação que lhes é claramente favorável e que os apaniguados que pululam pelos diferentes governos nacionais continuem prestáveis ao “normal” funcionamento da economia de casino que nos arrastou até onde estamos, agora que o comum dos cidadãos aceite tudo isto de bom grado e sem nada questionar é que é inadmissível e quase criminoso.

terça-feira, 19 de julho de 2016

ESCONDER PROBLEMAS

Já quase tudo se escreveu sobre a iniquidade das possíveis sanções a Portugal por causa da quebra da regra do limite do deficit, mas muito ainda permanece na penumbra sobre as verdadeiras razões para o processo aberto pela UE contra Portugal e Espanha quando outros estados-membros quebraram a mesma regra, ou outras, sem qualquer reacção dos eurocratas de Bruxelas. Foi assim com a França, que também ultrapassou o limite dos 3% do deficit, ou com a Alemanha que há anos vem desrespeitando o limite máximo de 6% para o superavit comercial; sobre o assunto «Juncker diz não sancionar a França "porque é a França"» e sobre a Alemanha... nem isso.

Enquanto «Espanha reage às sanções com mais 6000 milhões em impostos», por cá, «Costa diz a Bruxelas que tem verba para controlar défice» e mantém que nada irá mudar na sua estratégia e um dos seus parceiros de coligação, o «BE diz que há pressões para que processo das sanções se arraste ...», com o evidente intuito de desgastar até à inviabilidade o apoio parlamentar ao governo.

Claro que desde o início se percebeu que as “sanções” visam principalmente o “assassinato político” do governo de António Costa (nada de novo depois do que assistimos na Grécia), mas o recente empenho com que diversas figuras alemãs – Klaus Regling, o director-geral do Mecanismo Europeu de Estabilidade e «Director do fundo de resgate europeu só está “preocupado” com Portugal», Gunter Oettinger, comissário europeu para a Economia e a Sociedade Numérica que defende sanções contra Portugal, e o inefável ministro das finanças alemão, Wolfgang Schauble (ver o post «EFICIÊNCIA ALEMû) – têm vindo a terreiro defender aquela ideia justifica outra abordagem a tamanho interesse e preocupação.


Claro que todos têm em comum as suas crenças ordoliberais (além duma ancestral formação de natureza calvinista), mas neste momento creio bem que o seu principal receio é a situação do sistema financeiro alemão – ou não fosse cada vez mais evidente que o «Deutsche Bank assusta com "alertas já indisfarçáveis"», alertas que nos últimos dias se clarificaram quando o próprio «Deutsche Bank pede resgate de 150 mil milhões para a banca europeia» – e o desvio das atenções o seu principal objectivo

Conhecido desde finais de Junho que o «Fed reprova Deutsche Bank e Santander em "teste de stress"», ouvir o FMI dizer que o «Deutsche Bank é o maior risco mundial para a estabilidade», pode não passar dum eufemismo face à possível dimensão da tormenta que se avizinha. A confirmar-se que aquele banco alemão acumula produtos derivados num montante da ordem dos 70 biliões de dólares (mais de 20 vezes o PIB alemão, que em 2015 andou na ordem dos 3 biliões de euros) reduz a um quase absoluto zero o problema do incumprimento português e espanhol e a muito pouco a notícia de que o «Crédito mal parado em Itália atinge os 200 mil milhões de euros» (uns impressionantes 12% do PIB italiano) e torna bem mais perceptível porque é os políticos alemães falam tanto de Portugal... ajudados pelo FMI que parece ter esquecido o que disse há duas semanas e afirma agora no seu 'World Economic Outlook' que «Há problemas nos bancos portugueses que são um risco global».

Assim, a estratégia para enfrentar as anunciadas sanções não deve passar apenas pela sua contestação ou futuro repúdio, tem também que passar pela clara denúncia de que há muito o “kaiser vai nu”!

sábado, 16 de julho de 2016

SULTÃO ATÉ QUANDO?

Está já confirmado o fracasso da tentativa de derrube do regime turco de Recep Tayyip Erdogan e do seu partido (o AKP) de matriz islâmica.

Prontamente apontado como de origem externa (Erdogan associou já Mohammed Fethullah Gullen, seu ex-associado e grande rival depois de ter rebentado em 2013 o escândalo denunciando a corrupção do regime do AKP) o golpe terá soçobrado após o apelo feito por Erdogan aos seus apoiantes para que saíssem à rua em defesa do actual governo.


Embora aparentemente resolvida a «Tentativa falhada de golpe de Estado na Turquia», restam por esclarecer as verdadeiras razões para a iniciativa militar. Se estas derivarem dum clima de mal-estar resultante do agravamento do conflito com a minoria curda e não apenas duma justificada oposição ao desvario dum Erdogan que pretende ser um novo sultão absolutista num estado neo-otomano que encerra jornais e prende jornalistas e intelectuais (ver o post «DELITO DE OPINIÃO», enquanto reprime brutalmente as minorias étnicas (como a curda) e reduz os direitos das mulheres, talvez este fracasso iniba próximas tentativas; mas se a origem do problema estiver ligado à vizinha situação na Síria (onde o regime de Erdogan é um activo apoiante do Daesh que o recompensa com o petróleo contrabandeado para uma empresa do seu filho) ou ao recrudescimento das acções contra o PKK (o Partido dos Trabalhadores Curdos, que representa a minoria curda, retirou a maioria parlamentar ao AKP e é apodado de terrorista pelo regime de Ancara) e ao crescente número de baixas entre os militares turcos, então voltaremos a ouvir falar de revoltas na Turquia.


Inevitavelmente!

sexta-feira, 15 de julho de 2016

NICE

As comemorações de mais um 14 de Julho, em França, ficaram tristemente assinaladas por um atentado; desta vez numa pequena cidade do sul, em Nice, onde um camião irrompeu por uma multidão de pessoas que assistia ao tradicional fogo de artifício que assinalava a chegada do dia nacional francês, originando mais de oito dezenas de mortos e de uma centena de feridos.
Este foi o quadro geral com que os meios de comunicação divulgaram um atentado que algumas horas depois já começava a ser noticiado de forma bem mais integrada numa agenda política francesa cada vez mais ditada pela Front National, quando até o EXPRESSO se lhe referiu como «Forte polémica e perguntas sem resposta a seguir ao massacre de Nice» e todos ficámos a saber que Christian Estrosi – político republicano, antigo maire de Nice e presidente desta região do sudeste de França, acusado do envolvimento em dois casos de fraude e apropriação de fundos públicos e condenado por difamação – teria manifestado ao presidente François Hollande, precisamente na véspera e na sequência do anúncio do levantamento próximo do estado de emergência que vigorava desde os atentados de Paris, a necessidade de reforço dos meios de segurança.

A tudo isto se deve ainda juntar o facto de continuar ao rubro a polémica sobre as mudanças nas leis eleitorais e da contestação sindical associada só não ter sido tratada como actividade terrorista (quando o governo socialista de Manuel Valls tentou proibir uma manifestação sindical) graças ao repúdio generalizado da ideia e que em próximas ocasiões poderá não beneficiar já da mesma reacção, para concluirmos que o atentado de Nice pode constituir muito mais que uma mera acção de radicais islâmicos (aliás, ainda não reivindicada), porque mesmo apresentando um modus operandi habitual àqueles grupos parece muito mais enquadrada numa agenda visando a prorrogação do estado de emergência e a limitação às liberdades fundamentais dos franceses.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

A EFICIÊNCIA ALEMÃ

Depois de ter sabido que em reacção à notícia que o «Ecofin confirma sanções para Portugal e Espanha» e que de pronto a «Espanha reage às sanções com mais 6000 milhões em impostos», não pode espantar o facto de lermos em seguida que «Schäuble diz que sanções são para “incentivar” Portugal a actuar».


Do ponto de vista do ordoliberalismo trata-se de, tal como anteriormente fizeram com a Grécia, conduzir as “ovelhas” tresmalhadas ao redil da obediência e do bem-estar dos mandantes (o futuro e o bem-estar dos mandados é irrelevante para quem sistematicamente se revela desprovido dos conceitos éticos mais básicos), por outras palavras uma simples apologética bem representada na figura da “política do cacete e da cenoura”.

Schauble e os seus “amigos” estão focados em garantir a salvaguarda dos interesses que representam e, o tempo têm-o comprovado, tudo farão para atingir esse objectivo. Crêem poder submeter tudo e todos, mas o que eles efectivamente almejam é disfarçar a fragilidade do tecido bancário alemão que caminha rapidamente para se revelar tão tóxico como o dos restantes parceiros da europa do dinheiro especulativo e depois da hecatombe apenas ficará a europa que eles mais têm desprezado; a europa do trabalho e do investimento produtivo.

terça-feira, 12 de julho de 2016

CLARO SR DIJSSELBLOEM...

Ainda não era conhecida a notícia de que o «Ecofin confirma aplicação de sanções a Portugal e Espanha» e já circulava na imprensa nacional uma outra manchete dando conta que «Dijsselbloem espera reacção “ofensiva” do governo».


Poucas têm sido as vezes que aplaudo comentários ou afirmações do sr. Dijsselbloem, mas desta vez tenho que concordar em pleno com a ideia que a aplicação de sanções sob a justificação de não terem sido adoptadas "medidas eficazes" para corrigir os défices excessivos, quando é sabido que as medidas aplicadas foram ditadas pela própria CE que agora pretende que foram insuficientes, só pode merecer uma “reacção ofensiva” do governo português.

É que não só pelas razões explicadas as sanções constituem por si só uma aberração, como a sua verdadeira finalidade não é a de alcançar o reequilíbrio orçamental,antes a de penalizar um governo que se mostra pouco cooperante com a ortodoxia e os dogmas neoliberais.

O cinismo e a hipocrisia de tudo isto é sabermos que a «Regra já foi violada mais de 100 vezes, mas Portugal e Espanha são primeiros a ser castigados», quando estes estiveram entre os países que mais fizerem para agradar a Bruxelas e às suas anacrónicas políticas financeiras e orçamentais.
Será preciso juntar ainda mais razões para concordar com o sr. Dijsselbloem? e esperar uma resposta adequada do governo português? especialmente depois de lermos que na opinião do PSD o Governo abriu porta a sanções por "razões políticas", como se existisse tal figura nos tratados europeus ou se a UE já tivesse deixado de ser, de jure, uma associação de estados livres.

É que agora, como na época da mudança de política expansionista para contraccionista, decretada pelo directório alemão, o que faz verdadeiramente falta para iniciar o processo de recuperação duma UE dos e para os cidadãos é haver quem de forma frontal diga “NÃO” à discricionariedade e à prepotência.

sábado, 9 de julho de 2016

O RELATÓRIO CHILCOT

Foi esta semana divulgado um relatório sobre a participação britânica na Guerra do Iraque; quinze anos volvidos sobre o início da invasão do Iraque e sete sobre o início dos trabalhos, concluiu-se por terras de Sua Majestade («Relatório Chilcot: O pior pesadelo de Tony Blair divulgado esta quarta-feira») que: 1) a justificação para a guerra foi deficiente; 2) a sua base legal esteve longe de satisfatória; 3) o Reino Unido sobrestimou a sua capacidade para influenciar as decisões norte-americanas sobre o Iraque; 4) a preparação e o planeamento da guerra foram “globalmente inadequadas”; 5) a intervenção militar não atingiu os objectivos fixados.

Foi preciso esperar tanto tempo para concluir o que basicamente veio sendo dito desde a primeira hora? Alguém, de bom senso, duvidava já que a famigerada justificação para a invasão do Iraque – as famosas armas químicas cuja existência os próprios especialistas da Agência Internacional para a Energia Atómica não reconheciam cabalmente – nunca passou duma mentira construída pela conjugação dos interesses do complexo industrial-militar norte-americano e da agenda da facção neo-conservadora?

Claro que os principais actores nesta farsa, George W Bush e Tony Blair, poderão continuar a clamar a sua boa-fé e o seu estrito interesse na defesa dos direitos humanos e dos valores da democracia ocidental, mas a responsabilidade pelos milhares de mortos e pelos milhões de desalojados resultantes, além da fragmentação cultural e política dum território milenar como a Mesopotâmia, continuará a ser-lhes atribuída por inteiro... além do famigerado episódio da estranha morte de David Kelly, um dos especialistas britânicos em guerra biológica que, suspeito de ter denunciado a falsificação do seu governo, se viu vilipendiado e perseguido até uma morte (sobre este assunto ver os posts «BLAIR, O SICOFANTA» e «VOLTAVA A FAZER O MESMO») que continua por esclarecer.


O «Relatório sobre guerra do Iraque arrasa Governo de Tony Blair», mas o pior é que veio revelar quão estranho foi o papel desempenhado por Tony Blair quando ignorando, como agora se sabe, que os próprios serviços de informação britânicos previram com antecedência a fragmentação do Iraque e o recrudescimento do terrorismo optou por secundar a loucura norte-americana em nome da preservação do papel de principal aliado. Por outras palavras, em nome duma visão imperial e contra a opinião generalizada dos seus parceiros europeus, o grande estadista Tony Blair, envolveu o seu próprio povo numa guerra sem justificação.

Pouco mais haverá a acrescentar salvo o desejo de que os actuais e futuros dirigentes políticos de todo o Mundo aprendam a lição, mas o entretanto sucedido nos casos da Síria e da Líbia, a par com o conhecimento de que «Durão Barroso vai ser presidente da Goldman Sachs» – em mais uma evidente recompensa pelo seu papel na infausta decisão onde ombreou com Bush e Blair –, deixam pouca, ou nenhuma, esperança.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

ESTRANHEZAS


Poucos dias depois dum atentado no aeroporto de Ankara que o governo de Erdogan não conseguiu atribuir aos separatistas curdos e no final do período do Ramadão, surge a notícia que a Arábia Saudita foi vítima de três atentados em menos de 24 horas.


Apontado já como um Ramadão sangrento, pois em cinco dias o Daesh matou 190 pessoas em três países (125 pessoas em Bagdad, 20 em Daca e 45 em Ankara) quase não se fala no estranho facto dos três atentados em território saudita se terem resumido a provocar 4 mortes.

Claro que apenas uma que fosse teria sido uma a mais, mas que estes estranhos números podem sustentar a ideia que os atentados na Arábia Saudita parecem estranhamente benignos e quem sabe talvez motivados por razões estranhamente favoráveis a uma “limpeza” entre a esparsa oposição local à dinastia da casa Al-Saud... ou a afastar a evidente proximidade entre um regime influenciado em demasia pelo wahabismo, corrente sunita radical normalmente apontada como fonte ideológica dos movimentos sunitas extremistas, como a Al-Qaeda ou o Daesh.

A seguir com atenção as notícias (que transpirem para uns meios de comunicação especialmente conciliadores com o regime saudita) dos próximos dias...


quinta-feira, 30 de junho de 2016

A BOMBA-RELÓGIO DO FRACASSO DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA

Mesmo após as eleições gerais em Espanha, concluídas com o mais que óbvio resultado da manutenção do impasse entre as forças políticas tradicionais, a questão fulcral para os europeus continua a ser o “Brexit” como se esta constituísse um fenómeno autónomo ao processo de integração europeia, processo que o Reino Unido sempre abordou de forma enviesada.

Foi assim que os ingleses fomentaram a EFTA,para a abandonarem em 1973 com a aproximação à CEE, e que desde a sua permanência na UE sempre se destacaram pela sua aproximação a Washington e à NATO (caso da invasão do Iraque) ou no fomento das políticas de alargamento ao leste europeu em detrimento da consolidação do projecto europeu. O alargamento aos países do antigo bloco soviético foi o maior fracasso dos 30 anos de construção europeia porque foi movida essencialmente pela ganância das empresas da Europa Ocidental (e dos EUA) e executada a expensas da integração política do continente no seu conjunto.


O flanco oriental da UE é hoje  uma manta de retalhos de países movidos por interesses diferentes, com graus de integração diversos (uns integram a zona Schengen, outros o Euro e outros nem uma coisa nem a outra) e sustentados por interesses de todas as naturezas, pelo que os riscos de desintegração e de conflitos são consideráveis e ameaçam o projecto europeu, tanto ou mais do que a saída do Reino Unido. O recrudescimento da tensão com a Rússia (primeiro a propósito da Geórgia e agora com a questão ucraniana) criou as condições para uma desarticulação duma região agora dividida entre inúmeros interesses e futuros possíveis e marca, com a questão ucraniana, o reaparecimento das extremas-direitas.


Níveis de integração e direitos diferentes criam verdadeiras desigualdades de tratamento na região que ultrapassam em muito as já grandes diferenças em termos de desenvolvimento económico. Se a UE está na realidade longe de ser homogénea, a sua zona oriental situa-se no extremo, quando em termos de salário médio a Bulgária regista um valor que é um terço do salário médio dos países ocidentais mais pobres (inferior a mil euros em Portugal e na Grécia) e inferior ao dos chineses ou nos níveis de pobreza,o que revela um fracasso de convergência económica, que foi no entanto a principal motivação para a sua entrada na UE.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

“BREXIT” A QUENTE!

A decisão ontem tomada em referendo pela saída do Reino Unido da UE, colocando em causa o funcionamento e o futuro da união não anula minimamente a ideia que aquela foi ditada por razões de natureza populista, ou não se tivesse chegado do outro lado do canal a notícia que «Marine Le Penn satisfeita com Brexit defende referendo em França», e que questões como a da falta de democraticidade dos organismos europeus ou do desenho inadequado de tratados e outros instrumentos pouco ou nada pesaram na decisão.
No dia seguinte, tudo continua na mesma...


...Angela «Merkel convoca líderes partidários alemães após referendo britânico», pressagiando que os dirigentes europeus continuam a ignorar estoicamente os verdadeiros problemas duma união que dizem defender, mantendo em funcionamento conclaves de duvidosa legalidade (como o Conselho Económico-Financeiro) e de reconhecida inoperacionalidade (como o Conselho Europeu) para debaterem as condições de saída do Reino Unido quando no seu próprio interior crescem os sinais de dissensão pois a «Escócia e Irlanda do Norte queriam ficar. E já dão sinais de afastamento» que se poderão traduzir na desagregação do Reino Unido e terão seguras consequências noutros territórios europeus como a Catalunha e a Valónia.


O fortalecimento dos movimentos populistas e xenófobos europeus será outra indesejável consequência do referendo britânico que para já pouco contribuirá para a melhoria das instituições europeias e poderá ainda servir de pretexto para agravar a sua entropia.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

“BREXIT” VERSUS “UEXIT”

Decorre hoje, por terras britânicas, um referendo sobre a permanência do país na UE cujo resultado não poderá deixar de influenciar o futuro imediato duma união que se esboroa, surgido não porque o governo de Londres tenha algum projecto significativamente diferente mas porque voltaram a grassar ventos isolacionistas e xenófobos.

Além das óbvias diferenças entre ingleses e escoceses (que em caso de vitória do “não” deverão reacender as tendências autonómicas destes) e da famigerada estratégia que levou os sucessivos governos ingleses a nunca abraçarem declaradamente a causa europeia, a ideia de referendar a permanência na UE tem principal origem em questões de política interna e até entre facções do partido conservador, no poder.


Sabido que a Inglaterra sempre desprezou todas as iniciativas que conduzissem a uma crescente integração do espaço europeu – espaço Schengen, moeda única – e sempre privilegiou o seu alinhamento com Washington – caso da invasão do Iraque e apoio à NATO em detrimento dum exército único europeu – não se estranha que perante a confirmação de que a crise está a alastrar dos países do sul para os do norte se tenha reforçado o discurso isolacionista, pseudo protector dos interesses das populações nacionais, mesmo quando o «Secretário-geral adjunto da NATO avisa que saída do Reino Unido terá impacto na segurança da Europa» ou quando até os «Principais empresários britânicos apelam à permanência na UE».

A leviandade com que a partir de Londres tem sido encarada a construção europeia e a infantilidade de questionar agora a sua continuidade, mais que justificam que a verdadeira consulta popular deva ser a de saber se os europeus querem continuar a suportar o verdadeiro “peso morto” que tem sido a participação inglesa num processo de integração em que estes nunca acreditaram.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

RENDIMENTO BÁSICO INCONDICIONAL NA SUÍÇA

Realizou-se no passado fim-de-semana mais um referendo na Suíça, facto tão habitual entre os helvéticos que talvez nem merecesse referência de maior, não fora o facto do assunto referendado (e a forma como tem sido divulgado nos meios de comunicação) se revestir duma importância que o tempo tornará relevante.

A mera ideia que o assunto em debate se resumia a saber se os suíços querem receber dinheiro por estarem vivos, transmite a absoluta falta de conhecimento sobre o tema e ainda mais um completo desrespeito pela velha arte de informar, pois o princípio subjacente à noção de Rendimento Básico Incondicional está muito além daquele simplismo e actual conjuntura de radical alteração dos paradigmas económicos é o momento certo para o debater.

Não acompanhei minuciosamente o debate na Suíça, mas creio não andar longe da verdade se disser que pouco do fundamental (alteração dos modelos de produção por via da robotização e o que isso implica de redução no número de trabalhadores, pauperização dos mais novos e em especial dos que nunca irão encontrar trabalho, abandono do estigMa social do desempregado preguiçoso...) terá sido debatido quando no próprio anúncio do resultado se centram as atenções em comparações espúrias...


... e em estribilhos depreciativos, dizendo que os «Suíços rejeitam receber 2260 euros por mês só por estarem vivos», quando este montante naquele país não representa sequer 50% do rendimento médio nacional.

É que mesmo depois de vermos o «Rendimento fixo rejeitado por 76,9% dos suíços», não tardará que os até os mais acérrimos defensores do “mercado livre” se vejam obrigados a constatar que num mundo de desempregados não existe “mercado” para defender..

sábado, 4 de junho de 2016

TEMER PELO BRASIL

Enquanto se aguarda a conclusão do processo de impeachment da presidente brasileira, Dilma Rousseff, continuamos a ser regularmente presenteados com notícias sobre o novo governo liderado por Michel Temer, que depois de ter perdido um segundo ministro em apenas 17 dias vê agora umseu terceiro membro envolvido em mais uma suspeita de crime.

Depois de ter perdido o ministro do Planeamento, Romero Jucá viu divulgadas escutas onde se propunha obstruir o processo Lava Jato, seguiu-se-lhe uma semana depois o ministro da Transparência, Fiscalização e Controlo, Fabiano Silveira, por razões idênticas: envolvimento em acções visando o branqueamento de acusações de corrupção.


Além destas duas demissões é ainda conhecido o envolvimento doutros seis ministros do governo Temer no caso Lava Jato, facto por si só particularmente interessante num governo formado por quem se propôs afastar um presidente eleito por alegadas más práticas. Talvez para tentar contrariar esta imagem e ainda o facto do seu governo apenas integrar homens, o habilíssimo Temer optou por nomear para o cargo de Secretária de Políticas para as Mulheres a ex-deputada do PMDB, Fátima Pelaes.

Não fora o facto desta ser conhecida pelas suas posições contra o aborto (mesmo em caso de violação) e a coincidência com o recente caso de violação colectiva duma menor, talvez a escolha até pudesse ser bem acolhida, mas a verdadeira dimensão do valor da equipa governativa de Michel Temer ficou clarificada logo que surgiu «Maisuma suspeita de crime no Governo de Temer» quando foi divulgado que Fátima Pelaes é alvo de investigação devido à acusação de “associação criminosa” para o desvio de 4 milhões de reais (cerca de um milhão de euros).

Se o governo de Dilma Rousseff errou na questão da desorçamentação da dívida (as famosas pedaladas fiscais, na terminologia brasileira) o seu substituto, Michel Temer, não só tem revelado enormes fragilidades de natureza ética (começando nas próprias manobras políticas que culminaram no impeachment como um claro  envolvimento no caso Lava Jato) como uma espantosa capacidade para escolher colaboradores entre os mais duvidosos e inqualificáveis.

E assim, entre o recurso a criticáveis opções de gestão e o claro conúbio de interesses, se continua a hipotecar o futuro de milhões de brasileiros e a arruinar aquela que já foi uma das maiores economias emergentes... em benefício de quem?


terça-feira, 31 de maio de 2016

DE NOVO A MAIORIA SILENCIOSA

O debate de ideias, em qualquer sociedade, deveria ser sempre encarado como factor altamente positivo e fomentador de progresso geral., asserção que é “vox populi” e de tão banal e enraizada nos hábito gerais nem deveria merecer grande atenção; sucede, porém, que regularmente surge quem procure – por interesse próprio ou, pior ainda, para agradar a terceiros – desvirtuar o debate mediante apelos de duvidosa consistência quando não de flagrante indigência intelectual.

Vem esta introdução a propósito duma questão – a proposta de revisão dos contratos de associação promovidos entre o Ministério da Educação e um conjunto de escolas privadas – que saltou para o debate público e de pronto se transformou em mais uma “batalha política” entre os defensores da “livre iniciativa” e os da escola pública., onde não têm faltado interventores, entre os quais destaco um eminente euro-deputado que hoje mesmo publicou no PUBLICO uma interessante reflexão sobre o tema e que intitulou «De novo, a maioria silenciosa. Venha ela».

Claro que, mais que a defesa dos interesses das empresas proprietárias de escolas privadas através dum conteúdo onde despudoradamente acusa o Ministério da Educação do mesmo crise de incumprimento de compromissos que apoiou e aplaudiu no tempo em que o governo era liderado pelos seus correlegionários do PSD e o alvo da acção eram os trabalhadores e os pensionistas, o que me despertou a atenção foi o título do texto. Para os mais novos sempre recordo que a figura da maioria silenciosa é anterior à passagem de António de Spínola pela Presidência da República (1974), quando os seus “fiéis” lançaram um apelo em defesa da sua sobrevivência no cargo, pois remonta aos anos finais da década de 60 quando o famigerado presidente Richard Nixon a invocou em oposição aos movimento de contestação à Guerra do Vietname.

Convenhamos que, vista sobre que perspectiva for (a de Spínola ou a de Nixon), a recuperação de semelhante aforismo e a sua aplicação à “causa das escolas privadas” deixa muito a desejar, pouco fará pelas “escolas” e, claro, ainda menos pelo autor, ou não comparasse ele a situação conjuntural vivida no Verão de 74 com uma medida da mais elementar justiça financeira (suspensão do financiamento público a colégios privadas em zonas onde existem escolas públicas) que a generalidade dos comentadores não contesta.

Em resumo, a histeria que está rodear esta questão e a forma como Paulo Rangel a alimenta (o regresso ao estafado “papão do comunismo devorador de criancinhas”) deixa pensar que o seu verdadeiro receio é o de que a racionalização que esta iniciativa pressupõe venha a ser estendida a outros sectores da actividade económica onde impera uma lógica rentista sustentada a expensas da generalidade dos cidadãos e em benefício exclusivo duma minoria.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

THE TIMES THEY ARE A-CHANGIN'

Ao ler notícias sobre coisas aparentemente tão distintas como a greve dos estivadores no Porto de Lisboa, as famigeradas sanções da UE sobre Portugal ou a forte contestação dos trabalhadores franceses às novas leis do trabalho que o governo Hollande pretende aplicar, veio-me à memória “The Times They Are A-Changin’”, o sentido grito de apelo à mudança escrito por Bob Dylan num momento que pode parecer distante (1963) mas que continua actual.


É que o denominador comum na intenção de aumento da desregulamentação das relações de trabalho (seja no Porto de Lisboa, numa Europa onde se sucedem as «Manifestações em França contra reforma do Código de Trabalho», ou noutro lugar qualquer), a par com a quase histérica campanha para sancionar os estados ibéricos que seguiram à risca as fracassadas políticas da “austeridade expansionista” oriundas da ordoliberal nomenklatura de Bruxelas, é à evidência o temor de ver soçobrar um modelo económico assente na pauperização e precarização dos vastos sectores da população que vivem do trabalho ou de pequenos negócios.

Notícias que dão conta da posição do ministro alemão das Finanças Wolfgang «Schäuble contra adiamento de sanções a Portugal e Espanha» ou onde, o líder do ECOFIN, Jeroem «Dijsselbloem diz haver "razões sérias" para aplicar sanções a Portugal» traduzem principalmente o despudor dos principais porta-vozes do ordoliberalismo, porquanto invocando uma violação da letra dos tratados europeus escamoteiam que a toda poderosa Alemanha também os desrespeita quando há três anos vem ultrapassando o limite máximo de 6% para o superavit da sua balança corrente.
2016-05-26

quarta-feira, 18 de maio de 2016

HUMORES

As notícias dos últimos dias em torno da questão da aplicação de sanções por défice excessivo, nomeadamente ao ser conhecido que o «PPE pediu “força máxima” nas sanções a Portugal», continuam a evidenciar a transformação da UE num centro de pressão política que voga ao sabor doutros interesses que não os dos povos europeus.


Depois de nos últimos dias as notícias em torno da questão da aplicação de sanções por défice excessivo terem variado entre as hipóteses em que «Bruxelas está a considerar a possibilidade de sanções para Portugal e Espanha» ou a de que a «Violação do limite do défice pode não dar sanções», eis que saiu hoje a decisão onde «Bruxelas exige mais medidas para reduzir défice e adia sanções até Julho»... como se o desrespeito pela meta do défice não se reportasse a 2015 ou se esta tivesse a primeira e única vez em que um qualquer estado-membro tivesse incumprido aquela meta.

O estrabismo político dos dirigentes europeus está a atingir dimensões perigosas – clara afronta ao princípio do respeito e da igualdade entre estados – a ponto de até os correlegionários nacionais do PPE («Passos e Maria Luís contra sanções da UE») terem manifestado oposição a semelhante ideia, se é que não o fizeram por mero tacticismo, pois o sancionamento representa uma clara declaração de fracasso da política que estes aplicaram por imposição dos “amigos” de Bruxelas.

Adiando a decisão para data posterior às eleições espanholas, a nomenklatura comunitária volta a repetir a mesma táctica que usou contra Atenas e da qual resultou uma vitória eleitoral do Syriza; será que esperam ver agora um resultado diferente ou são apenas genuinamente incompetentes para compreender que pouco a pouco os povos se vão revoltando contra os diktats neoliberais?