quinta-feira, 13 de novembro de 2014

MULTINACIONAIS E FISCALIDADE

Embora sem constituir verdadeira novidade (há muito que a questão era falada), a notícia que na passada semana denunciou a existência de «Acordos fiscais secretos entre Luxemburgo e 340 multinacionais» não deixou de cair como uma bomba, especialmente por colocar o, ex-governante e actual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude «Juncker sob fogo cruzado por fazer do Luxemburgo um paraíso fiscal».

Há muito que a famosa atractividade do Luxemburgo era comentada e que argumentos como a sua centralidade geográfica ou até a veterania no processo de construção da UE (recorde-se que o Luxemburgo, juntamente com as vizinhas Bélgica e Holanda, integrou a primeira comunidade económica na Europa, o BENELUX), mais não faziam que sorrir os observadores avisados. Era claro que a atractividade dum território minúsculo (cerca de 2.500 Km2, sensivelmente metade da área do Algarve, e um pouco mais de meio milhão de habitantes) sem especiais recursos naturais mas onde campeia a intermediação financeira, não poderia resultar senão dum mecanismo artificial.

É claro que numa época onde o “leitmotiv” da gestão é a “criação de valor para o accionista”, tudo serve para aumentar os lucros e melhorar o bónus anual dos gestores; dizer-se, como o fez Rui Tavares na crónica «A solução está na cara» que «[o] escândalo não é só financeiro, mas moral», mais que evidenciar o problema traduz a essência dos responsáveis em quem temos delegado a gestão da coisa pública.

Quando a cupidez de gestores e accionistas das grandes multinacionais se conluia com políticos desprovidos de sólidos padrões éticos e morais, quando no sector financeiro passaram a pontificar os “banksters”, quando o embuste e a mistificação passaram a ser virtudes glorificadas e endeusadas como condição “sine qua non” para os CEO’s, dificilmente se poderia esperar outro resultado que não o de ver as economias e os sistemas fiscais transformados num jogo de pura batota.


A investigação realizada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), que denuncia claramente a evasão de milhares de milhões de euros, deixa poucas dúvidas quanto ao papel desempenhado por Juncker (primeiro-ministro e ministro das finanças durante largos anos) em todo este processo; a pressão tem sido tal que depois das primeiras reacções onde a nomenclatura de Bruxelas fez coro na estratégia de desculpabilização do novo presidente da Comissão (enquanto este declarava, sem pejo, que não tencionava demitir-se), ontem e numa completa inversão táctica (talvez tentando amenizar as críticas) até já «Jean-Claude Juncker admite ser responsável pelo golpe fiscal».

Neste caso vertente, como noutros, nada deverá acontecer aos responsáveis, pois a “investigação” que a Comissão não deixará de efectuar resultará, para tranquilidade dos crentes, numa inequívoca ilibação do seu responsável máximo que perante o Parlamento Europeu e «Acossado pelo escândalo do Luxemburgo, Juncker promete uma revolução fiscal».

Quando já se admite que o «Grupo da Esquerda Unitária prepara moção de censura contra Juncker», a cereja no topo do bolo da irresponsabilidade colectiva poderá até ser a informação que «Para a Bloomberg Juncker deve demitir-se da CE», pois conhecida como é a posição daquela agência de informação financeira contra a nomeação de Juncker (que define como um escolha dum Parlamento Europeu desejoso de reforçar os seus poderes) a iniciativa pode ser entendida como uma manobra de contra-informação e originar como reacção contrária a aclamação do prevaricador.

Muitos têm sido os casos de evidentes más práticas governativas, de abuso de poder ou de conluios diversos e poucos aqueles em que os responsáveis envolvidos revelam a dignidade mínima de se afastarem de funções.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

MIOPIA FORMATIVA

Correu célere a afirmação produzida na passada semana pela chanceler alemã, Angela Merkel, de que Portugal tem licenciados a mais.

Invariavelmente fora de contexto, a afirmação não deixa de merecer reflexão mais aprofundada que uma contestação que se limita a ouvir que o «Ministro da Educação afirma que país não tem licenciados a mais», ou mesmo a servir de justificação para uma troca de acusações entre a oposição e a maioria, como aconteceu quando o «PS pede «posição política» do Governo sobre afirmações de Merkel sobre licenciados».

O cerne da questão não deverá estar na percentagem de licenciados nem em distâncias para as médias europeias (todos sabemos perfeitamente quanto este tipo de comparações pode ser ilusório), antes na qualidade e na capacidade do País aproveitar plenamente as juventudes que tem formado. Discutir se os jovens devem optar pelo ensino profissional ou pelo universitário pode facilmente descambar no desfilar de argumentos populistas ou elitistas, especialmente quando nunca se equaciona nem se formaliza um plano de desenvolvimento a médio prazo para uma economia que além dos óbvios sinais de debilidade apresenta características pouco motivadoras para investidores e trabalhadores.

Verdadeiramente preocupante é saber que «Portugal é um dos países da OCDE onde a percentagem de jovens que não estudam nem trabalham mais tem crescido», num sinal de total ausência de políticas de desenvolvimento sustentadas na mais elementar necessidade de visão estratégica, ou ver «Portugal entre os dez países da Europa com pior classificação na Educação».

Esqueçamos os pomposos apelos governativos ao empreendedorismo (o que quer que seja que tal significa) num país que continua a evidenciar-se sem sinais de recuperação na formação bruta de capital fixo (indicador das contas nacionais que mede o investimento em activos corpóreos e incorpóreos e que, segundo o PORDATA, regista o valor mais baixo dos últimos 50 anos), propagandeando a necessidade de promover estratégias de excelência e de qualidade mas onde regularmente chegam a público notícias como esta que assegura que «Banco de Portugal contratou por convite filho de Durão Barroso».

Mesmo neste clima de farsa, mais importante que formar, ou não, “doutores” (no jargão popular), apostar, ou não, numa via de ensino profissional, será discutir desde já o futuro dos jovens que estão a entrar no primeiro ciclo de escolaridade, competindo aos poderes estabelecidos (Governo e Assembleia da República) esclarecer se o que os aguardará serão empregos precários e mal remunerados como os que agora estão a ser oferecidos aos jovens que tentam entrar no mercado de trabalho.

Neste sentido, a afirmação de Angela Merkel pode ganhar outra dimensão, facto que não lhe reduzindo a pontinha de arrogância até serviu para se recordarem fenómenos recentes:


que além de porem em evidência a bacoquice lusa espelham na perfeição a atávica incapacidade das elites governantes.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

NÓS AGUENTAMOS… ELES É QUE NÃO!

A afirmação produzida pelo presidente executivo dum dos maiores bancos nacionais de que «Se Novo Banco der prejuízo, BPI vai processar o Estado», não foge um milímetro da mesma lógica que o levou no ano passado, quando questionado sobre a capacidade dos cidadãos aguentarem mais austeridade, a afirmar peremptoriamente que “aguentam! aguentam!”.


Então, como agora, Fernando Ulrich mantém uma clara e óbvia distinção ente o “eles” (aqueles que na lógica ordoliberal andaram a viver acima das suas possibilidades) e o “nós” (banqueiros) que não querem deixar de viver acima das nossas possibilidades e à custa do erário público que tanto vilipendiam e de tudo acusam (excepto de sempre acorrer prontamente às necessidades dos banqueiros). Porque é um cidadão sem mácula e acima de qualquer suspeita até admite aceitar uma solução que repudia se esta for lucrativa, mas se, erros deles, má fortuna vossa, o “negócio” correr mal ele cá estará para nos exigir a devida indemnização.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

MALABARISTAS

Depois de ouvir ontem nos canais nacionais de televisão, a figura do irrevogável Paulo Portas, a aconselhar os jornalistas a acompanharem hoje o anúncio pelo INE da estimativa para evolução da taxa de desemprego, não estranho que o ECONÓMICO tenha anunciado que «Taxa de desemprego recua para 13,1%».


O que estranho é que em lado algum tenha visto a notícia acompanhada dum mínimo de reflexão que o tema e a conjuntura aconselham (a excepção poderia ser uma notícia do EXPRESSO quando ao afirmar que «Menos desempregados pode não significar mais emprego» deixa a dúvida no ar). É que parece por demais insólito que um país onde não param de se avolumar os sinais negativos, que perdeu quase meio milhão de jovens na última década e onde quase metade dos desempregados estão sem trabalho há 2 anos, possa afirmar que a taxa de desemprego está a descer, salvo para um qualquer cabotino de trazer por casa…

terça-feira, 4 de novembro de 2014

CITIUS OU PARADIUS?[i]

Com mais uma “reforma da Justiça” como pano de fundo, conduzida ao que tudo indica com a habitual falta de tacto e de capacidade de diálogo entre todos os intervenientes, não será de estranhar que andem agitados os ares, tanto mais que à mudança se juntou o colapso da aplicação informática que serve de base ao funcionamento do processo judicial.

À falta de diálogo tem sobejado alguma altivez (mesmo quando mal disfarçada por um pedido de desculpas formal), não faltando sequer insinuações, especialmente quando a «Ministra da Justiça diz que está a "apanhar" porque mexeu em interesses».


Após umas primeiras declarações referindo a existência de «Suspeitas de crime no 'crash' do Citius», rapidamente surgiu a notícia que a «Ministra da Justiça acusa dois técnicos da Judiciária de sabotagem do Citius». Notificada a PGR daquela suspeita, soube-se quase de imediato que aquela «Procuradoria deixa cair sabotagem no Citius e investiga ocultação de informação», deixando perceber uma abordagem menos radical da acusação e que enqunto os «Funcionários da PJ que trabalhavam no Citius refutam acusações de sabotagem», «negam boicote e garantem que cumpriram ordens», crescem as hipóteses dos “culpados” parecerem cada vez mais meros bodes expiatórios que os perigosos sabotadores inicialmente apresentados.

Só o tempo esclarecerá se o que levou o Citius a bloquear foi o facto dos acusados não terem reportado as limitações da aplicação informática ou se as cúpulas do poder simplesmente preferiram não os ouvir. Esta questão não é displicente – para já o que parece evidente é que a equipa que pretende governar a Justiça afinará pelo mesmo diapasão do resto da estrutura governativa montada pela dupla Passos Coelho/Paulo Portas – um conjunto de pretensos “jovens turcos” imaturos e incompetentes, demasiado apegados a quimeras ideológicas e tão desligados da realidade quanto da experiência que só o exercício de actividades profissionais diversificadas (que não a mera passagem pelas estruturas partidárias juvenis ou seniores) pode proporcionar – mas a sua resposta, como tantas outras, deverá permanecer omissa, tanto mais que reputados especialistas, como o professor José Tribolet (presidente do Instituto Nacional de Engenharia e Sistemas de Computadores - INESC), consideram que foram os «Problemas no Citius gerados por responsáveis "analfabetos"» e que demorará «Um ou dois anos» para o Citius ir ao sítio.

Garantido é que depois dos recentes acontecimentos com a colocação de professores e a abertura do ano escolar, com a redução do número de tribunais e o “crash” do Citius, com o SNS e os tratamentos oncológicos, a gestão da “coisa pública” continua “amarrada por arames”!


[i] Trocadilho entre o nome atribuído à aplicação de gestão processual nos Tribunais Judiciais, que em latim significa “célere” e a situação de bloqueio que o sistema informático viveu (ou vive).

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

OPINIÕES

Depois de em anos anteriores aqui ter deixado algumas reflexões sobre os Orçamentos de Estado, constatando que sem grande debate ou discussão o Parlamento aprovou hoje na generalidade o quarto OE do governo Passos Coelho/Paulo Portas, limito-me a resumir o seguinte:
  1. A equipa das Finanças (com Vítor Gaspar ou com a “Srª Swapp”) até à data nunca apresentou um OE que não estivesse ferido de inconstitucionalidades nas suas linhas fundamentais;
  2. O OE2014 foi aprovado sem a mínima referência aos evidentes erros técnicos em que assentava, principalmente no que se referia à insistência no uso dum multiplicador orçamental que até o FMI já reconhecera como incorrecto;
  3. O OE2015 adiciona aos erros anteriores uma manifesta desadequação com a realidade económica da Zona Euro, da UE e global, insistindo em projecções de crescimento económico desajustadas da realidade;
nada disto mereceu a mínima ponderação pelos deputados da maioria parlamentar (PSD e CDS) nem estes revelaram o menor incómodo ou dúvida sobre o sentido do seu voto, nem sequer quando a UTAO (o departamento da Assembleia da República que através da elaboração de estudos e documentos de trabalho técnico sobre a gestão orçamental e financeira pública apoia o hemiciclo) pede mais informação sobre orçamento pouco transparente ou quando alerta para risco de sobrevalorização das receitas fiscais.


A menoridade e a subserviência parlamentar é tal que nem quando a «Ministra das Finanças atira para o TC culpas pelo não cumprimento do défice» se ouviu a mínima reacção ao despautério de acusar um tribunal pelo cumprimento das regras estabelecidas pelo próprio parlamento.

Não será pois de estranhar que de hoje a amanhã venhamos a ver um qualquer alegar em tribunal a nulidade do crime de que venha acusado, sob o pretexto da lei não se ajustar aos seus interesses.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

PPD

Nos primeiros anos da III República esta sigla remetia de imediato para a figura de Sá Carneiro e para o partido (Partido Popular Democrático) que fundara com Francisco Pinto Balsemão e Magalhães Mota; pretendendo rever-se nos princípios da social-democracia, mudaria mais tarde a sigla para PSD, assegurou a governação do país em cerca de metade dos últimos quarenta anos.

Talvez saudoso desta reminiscência da sua juventude, o actual primeiro-ministro (cargo que acumula como de presidente do PSD) bem poderia recuperá-la agora que foram conhecidos dois relatórios de reputadas entidades internacionais (a OCDE e a UNICEF) onde se assegura que «Portugal tem uma das distribuições de rendimento mais desigual da Europa» e que a «Pobreza afecta um terço das crianças em Portugal».

Numa jogada digna do seu reconhecido calibre político, Passos Coelho poderia até associar a figura do fundador (fica sempre bem recordar e homenagear o legado de Sá Carneiro) ao regresso à velha sigla PPD. Não com o tradicional significado mas antes com um bem mais moderno e actualíssimo: o de País Pobre e Desigual.


Melhor que o fundador, que nunca fez verdadeira profissão de fé da social democracia, ou que os continuadores, que sempre lhe sobrelevaram o carácter populista, Passos Coelho deixará o inesquecível legado de associar definitivamente o Partido ao País.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

DEBATE SIM, MAS POUCO…

Atendendo ao discurso oficial e por incrível que possa parecer, esta semana houve debate no Parlamento sobre a questão da reestruturação da dívida; claro que tudo decorreu da forma mais asséptica possível com a maioria parlamentar a impor o princípio que «Debate público sobre a dívida sim, mas curto e depois do OE».

Reforçando na prática a pouca ou nenhuma importância que o assunto lhe merece. Enquanto isso a comunicação social prima por esquecer os defensores da solução e assim evitar a divulgação dos seus argumentos enquanto dá espaço aos críticos que questionam a ideia de «Resolver o problema da dívida» reduzindo-a à questão da sustentabilidade (o importante é que dinheiro para honrar os inalienáveis compromissos com os credores, mesmo que isso implique a violação dos compromissos assumidos com a generalidade da população) ou chalaceando sobre a auditoria à dívida (transformada numa paródia entre dívida boa e dívida má), para concluir que o importante é não gastar mais que o que se recebe.


Sobre o facto da pretensa sustentabilidade assentar no pressuposto de que a economia portuguesa precisa de crescer a uma taxa mínima de 4% ao ano (algo que nas últimas décadas não tem sido alcançado nem pela “moderna” e “poderosa” economia alemã) ou de que a auditoria à dívida constitui um imperativo ético e pedagógico que revele a incúria e inépcia que conduziram as contas nacionais ao seu estado actual, nem uma palavra.

Mesmo quando se houve anunciar que «Portugal vai pagar 60 mil milhões em juros da dívida até 2020» (um montante quase igual ao que “recebeu” ao abrigo do resgate da “troika”), nada parece alarmar as vozes bem informadas que insistem no salutaríssimo princípio de que as “dívidas são para pagar” e que se “andámos a viver acima das nossas posses”, agora temos que pagar… o pior é que a realidade, nomeadamente a revelada na proposta de orçamento para 2015 onde os «Gastos em estudos sobem 32% para 766 milhões» e o aumento dos consumos intermédios já ultrapassa as “poupanças” realizadas nos anos anteriores, mostra cada vez mais que é a máquina da Administração quem tem vivido acima das nossas posses.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

ADEUSINHO

Em vésperas da aprovação da próxima Comissão Juncker «Durão Barroso despede-se da Europa», da mesma forma que pautou a sua passagem por Bruxelas, com um flanante «Goodbye, au revoir, auf Wiedersehen. O adeus de Durão Barroso ao Parlamento Europeu» foi condizente com a nulidade da sua liderança.


No improviso com que se dirigiu aos deputados europeus deixou, talvez inconscientemente, um claro retrato da sua actuação quando salientou os apelos dramáticos (sic) com que enfrentou as várias crises que assolaram a sua presidência da Comissão Europeia; o que Durão Barroso não referiu – nem precisava pois a memória colectiva ainda está bem fresca – é que deixará o seu nome indelevelmente associado ao processo de esvaziamento de poderes da Comissão.

Em Bruxelas, como em Lisboa, Durão Barroso poderá ter sido um afável mordomo (aliás essa foi a característica claramente evidenciada durante a famigerada cimeira Bush-Blair que ditou a invasão do Iraque que lhe valeu a ascensão na UE), mas nunca um líder à altura das necessidades. Sem outras convicções além das inerentes às necessidades da sua própria sobrevivência, Durão Barroso pactuou silenciosa e obedientemente com a fragmentação de poderes derivada da criação da presidência do Conselho Europeu (personificada também num personagem politicamente menor e amorfo, como Van Rompuy), confirmando para a História a proverbial imagem da tibieza lusa.

Sai agora de cena (pela porta pequena da História) sacudindo responsabilidades (a culpa foi dos líderes nacionais que não da sua menoridade) e seguramente em direcção a outros voos mais altos…

sábado, 18 de outubro de 2014

PELA BOCA MORRE O PEIXE

Quando alguma da poeira começa a querer assentar sobre o fim do BES, talvez já se possa escrever algo mais que o mero lugar-comum de vituperar Ricardo Salgado (o banqueiro falido) pela catástrofe, ou endeusar Carlos Costa (o governador do banco central) pela solução sem custos para o contribuinte, quando afinal a «Ministra já admite custos para os contribuintes» e até «Passos Coelho também admite que contribuintes podem ter de suportar perdas», talvez julgando que já esquecemos que «Passos, Maria Luís, Costa e Cavaco: todos garantiram que não havia custos para contribuintes com resgate do BES».


O fim do Grupo Espírito Santo (GES) e do BES constitui um inegável marco na história empresarial nacional contemporânea, história a que não tem faltado quem lembre o feito notável da recuperação duma família que, espoliada na sequência do 25 de Abril de 1974, veio em 1986, com a reabertura do sector financeiro à iniciativa privada, a reconstruir e ampliar o seu império empresarial, graças ao seu esforço e à sua superior capacidade de liderança e condução dos negócios. Da singela casa de câmbios e de venda de lotarias, fundada em 1869 por José Maria do Espírito Santo Silva, até ao império financeiro e industrial agora desmoronado passámos do capitalismo industrial ao apogeu da sua vertente financeira, como o que isso representou de miséria humana e de desenvolvimento social.

Mesmo longe do balanço final, há uma conclusão já hoje inegável: a extinção do BES é mácula indelével no dogma da superioridade da gestão privada sobre a congénere pública. Esta conclusão não constituirá novidade universal, mas tem sido tal a sanha dos seus defensores e tamanha a menorização dos seus contraditores que de tão repetida a mentira ganhou foros de verdade. Sendo garantido que a qualidade da gestão depende directamente da qualidade da equipa gestora, tem sido facto corrente (transformado também ele em verdade absoluta) que o modelo de nomeação política dos gestores públicos redunda quase inevitavelmente na escolha dos menos capazes.

Houvesse outro empenho na selecção que não o da satisfação das clientelas políticas e o dos interesses privados ávidos do rápido (e barato) acesso aos bens públicos e o tecido produtivo nacional não estaria destruído a ponto da quase irrelevância (como o comprova a situação da PT e da TAP), nem serviços da relevância dos CTT (a importância para a coesão social dum serviço postal público é tal que nem os EUA alguma vez pensaram privatizar a US Postal) nunca teriam sido vendidos como foram.

O dogma que a realidade agora desmascarou já nos custou demasiado, mas há quem continue a negar a evidência e, quando a «Maioria rejeita iniciativa de cidadãos para manter água no domínio público», insista na maior das vilanias: a privatização das águas.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

MALES MENORES

As notícias este semana difundidas – mesmo variando entre a peremptória afirmação que o «Estado Islâmico toma cidade fronteiriça de Kobani» ou mais comedida, onde o «Estado Islâmico recua em cidade que faz fronteira com a Turquia» – não reflectem apenas a realidade no terreno nem o fracasso duma solução ocidental assente na mera utilização de meios aéreos contra as forças no terreno.


Quando a administração Obama anunciou a formação duma coligação internacional contra uma organização que se intitula de Estado Islâmico e reivindica a ocupação dum território “roubado” à Síria e ao Iraque, já se sabia da sua composição heterogénea e da limitação a uma táctica limitada. Ainda não refeitos das ocupações militares do Afeganistão e do Iraque, os americanos pretendem resolver a situação mediante o simples recurso a bombardeamentos aéreos; porém, as bem equipadas forças do ISIS (sem esquecer o muito armamento capturado ao exército iraquiano, há quem assegure até que o «Armamento do Estado Islâmico vem dos EUA e da China») têm logrado resistir melhor que o fez há anos o desmotivado exército iraquiano.

Quando, no âmbito da recém-constituída coligação, «Turquia e EUA decidem colaboração conjunta contra Estado Islâmico» não ficou claro o papel daquele estado islâmico como não ficou o das petro-oligarquias da península arábica, especialmente porque destas (Arábia Saudita, Bahrein, Qatar…) derivam as principais fontes de financiamento do ISIS; certo é que as monarquias sunitas nunca esconderam o apoio aos “jihadistas” que no terreno têm combatido regime alauita da Síria (pró-iraniano xiita), sentimento que partilham com a Turquia a par com o horror à constituição dum estado curdo (é histórico o receio que os curdos sempre infundiram nos árabes).

Nesta contradição poderá estar a razão para o relativo sucesso dos “jihadistas” do ISIS, dotados de armamento pesado, na sua luta contra os “peshmergas” curdos que americanos e árabes insistem em equipar apenas com armamento ligeiro. Outros sinais deste problema surgiram quando o presidente turco «Erdogan antecipa queda de Kobani mas atribui as culpas aos EUA», ou quando se anuncia que a «Turquia não quer deixar cair Kobani mas recusa ser arrastada para a guerra».

Divididos entre o risco de armar e apoiar os combatentes peshmergas” curdos e o de ver «Bandeiras do Estado Islâmico hasteadas na fronteira da Síria com a Turquia», mesmo admitindo que «Kobani ateou revolta curda e ameaça pôr a Turquia de novo a ferro e fogo», Ancara parece não ter hesitado em manter os seus «Tanques parados a observar a guerra», escolhendo assim o que entende como o mal menor.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

ELES ANDAM AÍ…

Na sequência da notícia o primeiro caso de contaminação pelo Ébola na Europa, para mais na vizinha Espanha, não faltaram declarações de responsáveis assegurando que «“Portugal está bem preparado” para fazer face ao surto de ébola, garante Paulo Macedo», o ministro da Saúde do governo de Passos Coelho.

O problema é que se o nível de responsabilidade e de organização naquele ministério for equivalente ao dos seus congéneres da Educação e Justiça, bem podemos recear que no prazo de quinze dias estejamos todos mortos, a menos que…



segunda-feira, 6 de outubro de 2014

CONVERSAS…


A celebração da Implantação da República voltou ontem a ser assinalada sob o opróbrio imposto pela iníqua decisão que, com o beneplácito presidencial, lhe retirou a qualificação de feriado nacional.

Não desapareceram as cerimónias oficiais nem os discursos de circunstância mas está a perder-se a memória colectiva, como o comprova o teor do discurso oficial onde «Cavaco critica promessas irrealistas e defende contenção dos défices»


A amnésia revela-se em toda a sua dimensão pois quem terá esquecido que no que respeita ao tema glosado foi o orador o responsável pelo anúncio em vésperas de eleições da maior subida de sempre nos vencimentos da função pública. Mais, quem, senão o próprio, pode esquecer que Cavaco é dos políticos com mais tempo de função de governação (entre o cargo de ministro das Finanças, Primeiro-ministro e Presidente da República acumula quase duas décadas), logo de responsabilidade acrescida na situação que o País atravessa.

Será então espantoso ouvi-lo distribuir críticas em redor como se de um virtuoso, ou recém-chegado, se tratasse?

A sobejamente conhecida faceta de Cavaco, que o acompanha desde os primórdios da sua carreira política e sempre o levou a não se comprometer e a enjeitar responsabilidades, retira muito do fundamento à questão de saber «Quem escreveu o discurso de Cavaco?» enquanto justifica as críticas que de imediato se ouviram, lembrando que o PR devia ter feito autocrítica ou que não assumiu as suas responsabilidades.

Não é pois espantoso que o primeiro magistrado da república tenha sacudido toda e qualquer responsabilidade na situação que criticou, como não foi estranho que tivesse aceite em silêncio a menorização das comemorações da Implantação da República nem a da sua própria função quando optou por receber a pensão de reforma em detrimento do inferior salário de Presidente da República.


sábado, 4 de outubro de 2014

OS TRABALHOS DE JUNCKER

Enquanto internamente se vive o rescaldo das eleições primárias do PS, a novidade da formação de novas forças políticas (Livre e PDR) e há quem continue especialmente embrenhado na polémica passagem do primeiro-ministro Passos Coelho por uma ONG cujo dinheiro era todo gasto com pessoal, no plano europeu continuamos a assistir ao triste espectáculo duma UE mergulhada na sua própria ineficácia, tendo como pano de fundo uma situação em que uma «Guerra esquerda-direita ameaça decapitar Comissão Juncker», quando se anuncia que está a «Actividade económica na zona euro em mínimos de um ano» e se diz que, na sequência da reunião desta semana do BCE, o anunciado «Pacote Draghi é insuficiente para reavivar economia do euro».


Mesmo para quem não esperava nada de especial da próxima Comissão Europeia, a notícia de que «Juncker escolhe um braço-direito e quatro coordenadores», todos fortemente enfeudados ao “status quo” (como explicou esta semana a eurodeputada Elisa Ferreira no artigo «Nova Comissão Europeia: tudo na mesma?»), não augura nada de significativamente positivo num momento em que a UE atravessa uma das suas fases mais delicadas.

Embora o confronto entre conservadores e sociais-democratas/socialistas no Parlamento Europeu se traduza numa situação em que os «Eurodeputados querem mais explicações dos nomeados para a Comissão de Juncker», nada garante que a próxima Comissão represente uma efectiva mudança na orientação política seguida no consulado de Durão Barroso ou em qualquer inflexão na vigente ortodoxia económica de orientação ordoliberal, que está a condenar a Europa a um ciclo recessivo, hipótese cada vez mais forte quando além da referida quebra na actividade económica já se começa a falar que a Alemanha, «Motor do euro já dá sinais de contracção».

Até agora a comissão liderada por Durão Barroso tem secundado as teses germânicas do equilíbrio orçamental a qualquer preço, mas qual será a reacção do seu sucessor, Jean-Claude Juncker, agora que a Alemanha ameaça entrar ela própria em recessão. Persistirá no discurso de Berlim que a crise deriva do despesismo populista e será rapidamente substituída pela acusação prontamente lançada sobre as sanções económicas impostas à Rússia (especialmente agora que já é público que o vice-presidente norte-americano Joe «Biden afirma que EUA obrigaram UE a impor sanções contra a Rússia») na sequência da crise ucraniana, ou assumirá que as verdadeiras origens da crise são outras (a opção pela protecção cega a um sistema financeiro completamente deslifado da realidade económica dos estados) e agirá em conformidade com a realidade até agora negada?

terça-feira, 30 de setembro de 2014

ARA ES L’HORA

Depois do referendo escocês e num contexto europeu cada vez mais fragmentado não é de espantar que a Catalunha insista também numa consulta popular sobre a mesma questão, como não será de estranhar que outras regiões coloquem o problema.

O que parece digno de referência é a diferença de atitude entre Londres e Madrid; enquanto o governo inglês não revelou hesitações na realização do referendo na Escócia, que a par com oferta de uma maior autonomia em caso de vitória do Não poderá ter valido a rejeição da independência, já o congénere madrileno tem optado por uma clara e frontal oposição à iniciativa.


A última das jogadas do governo de Mariano Rajoy passou pela recente declaração de inconstitucionalidade do referendo a promover na Catalunha, prontamente respondida pelos catalães com a convocação de manifestações de rua sob o “slogan” “Ara es l’hora” (Está na hora), conduzindo na prática a uma crescente tensão entre Barcelona e Madrid e reduzindo as hipóteses de entendimento entre as partes que levou mesmo o EXPRESSO a considerar a «Catalunha em rota de colisão com Madrid».

A resistência castelhana ao referendo tem reduzido substancialmente as hipóteses de entendimento com a comunidade catalã e, pior, poderá em última instância acirrar ainda mais os ânimos autonomistas, com profundos antecedentes históricos e culturais.