quarta-feira, 1 de junho de 2011

G8-CANCAN


Despropositada ou não, a alusão à popular dança francesa, da autoria do caricaturista Petar Pismestrovic[1] parece assentar como uma luva no “espectáculo” oferecido pela última cimeira do G8.


Pois que outra coisa poderá ser dita a propósito da reunião dum areópago que supondo reunir os chefes de estado ou de governo dos oito países mais ricos e mais influentes dum Mundo que se encontra ainda mergulhado numa crise económico-financeira de proporções ainda por determinar, produz como resultado final a notícia de apoios financeiros à democratização dos países árabes, quando é cada vez mais evidente que aqueles não dispõe nem dos meios financeiros (a excepção poderá ser a China) nem da real vontade para alterar o “status quo” nos países e nas oligarquias islâmicas de cujo petróleo dependem.

O descrédito deste tipo de resoluções é um dado histórico facilmente comprovado pelas anteriores decisões de apoio financeiro ao combate à fome no continente africano.

Se tempos houve em que este tipo de conclaves mereceu algum crédito, a significativa alteração nas relações de forças internacionais (com a ascensão de países emergentes como a Índia e o Brasil), a crescente debilidade das economias ocidentais e o ridículo da UE se fazer representar por quatro países (França, Alemanha, Itália e Grã-Bretanha) e ainda pelo presidente da Comissão Europeia e pelo chefe de estado ou de governo do país que ocupe na altura a presidência da UEE, têm minado significativamente a sua importância, servindo hoje para pouco mais que uma oportunidade de visibilidade mediática do líder anfitrião, facto que o cada vez menos popular Sarkozy não deixou de aproveitar.


[1] Desenhador austríaco que nasceu em Sremska Mitrovica (ex-Jugoslávia) em 1951. Estudou Ciência Política em Zagreb; trabalha desde 1970 como desenhador profissional e desde 1992 que colabora com o Kleine Zeitung, além colaborações no Nebelspalter, Courrier International, The New York Times, International Herald Tribune, e Cicero.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

…E POR CAUSA DOUTRAS

Não são apenas as questiúnculas, as tricas partidárias ou até o mais abjecto silêncio sobre o futuro que os candidatos sabem que a todos nos aguarda, o que me tem afastado do comentário (e até de algum acompanhamento) da campanha, pois até o tratamento jornalístico da informação se revela cada vez menos apelativo e mobilizador.

Senão, veja-se o que têm sido os últimos dias com a sucessão de sondagens que ora dão vantagem a uma ora a outra formação partidária, como se a opção dos eleitores apresentasse volatilidade idêntica à dos mercados bolsistas.


Talvez transformando o pleito eleitoral numa espécie de corrida de cavalos os jornalistas (e os donos dos jornais) alimentem a expectativa de ver aumentadas as suas tiragens, mas a imagem que promovem é a antítese do que deveria ser uma campanha eleitoral na qual os concorrentes se empenham num processo de informação aos eleitores, tanto mais quando os próprios políticos parecem eles próprios cada vez menos interessados nesses penosos (e potencialmente perigosos) processos de esclarecimento.

Seguir diariamente a evolução das tendências transmitidas pelas sondagens pode ser um exercício de ocupação de tempo livre e até uma prática indispensável aos “especialistas” que conduzem as campanhas de cada uma das forças políticas; porém, ao comum dos cidadãos eleitores, aqueles a quem escapam as minudências das transferências de voto, aqueles que simplesmente se preocupam em acompanhar a pontuação do seu “eleito” ou ainda mais prosaicamente hesitando em quem votar esperam por um sinal que os “ilumine”, para esses a avalanche de informação pode até ser contraproducente e as variações que apresentam de difícil explicação, É certo que não faltam comentadores para prontamente explicarem aos eleitores o significado de cada sondagem e dos resultados que antevêem, nem que isso implique contradizerem hoje o que categoricamente afirmaram ontem.

Na prática as sondagens apresentam-se cada vez mais como outra forma de intoxicação colectiva, ampliando e repetindo os chavões que os políticos da área do poder diariamente repetem até à exaustão. Na ausência de vontade ou conhecimentos, torna-se bem mais fácil, quiçá também mais eleitoralmente lucrativo, repetir lugares comuns a arriscar opiniões próprias (podendo até a contradizer os líderes) e a abordar questões verdadeiramente importantes para os cidadãos.

Preferindo jogar pelo seguro, os políticos têm conduzido uma campanha de desfiles (oportunidade soberba para cumprimentar os mesmos eleitores cujos anseios e interesses esquecerão logo que eleitos e aparecer nos écrans das televisões mergulhados em banhos de multidões comprovativos da popularidade de que se vangloriam) pontuados aqui e ali por discursos inflamados mas completamente vazios de conteúdo, de ideias e de fundamentadas intenções, sempre na esperança de que a mobilização dos mais fiéis e os resultados das sondagens lhes proporcionem os votos dos indecisos que não logram conquistar através de propostas ou programas de governo.


Mesmo sendo certo que o acordo de resgate financeiro, aceite desde a primeira hora por PS, PSD e CDS, define em muito o que será a acção governativa de qualquer um deles (ou de todos em conjunto), nem por isso esgota a possibilidade de debate de soluções alternativas (facto que a generalidade dos meios de comunicação ignora por completo) e ainda menos elimina essa mesma necessidade, principalmente quando se sucedem as notícias das fundadas dúvidas sobre idênticas soluções aplicadas na Grécia e na Irlanda, a comprovada ideia do seu fracasso e a crescente oposição das populações.

sábado, 28 de maio de 2011

POR CAUSA DUMAS COISAS…

Por justas e variadas razões abstive-me até esta data de tecer qualquer tipo de comentário sobre a realidade eleitoral nacional; não que o comentário à situação económica possa (em caso algum) ser asséptico ou apolítico, mas o panorama político nacional está de tal forma distorcido e tem sido alvo das mais abjectas manipulações que no conturbado momento que atravessamos quase parece desnecessário qualquer tipo de comentário.

Senão vejamos. Os três partidos da área do poder (PS, PSD e CDS) lançaram-se numa campanha eleitoral procurando evitar a mínima referência à forma como pretendem lidar com as consequências do acordo de resgate financeiro firmado entre o governo de José Sócrates, o FMI e a EU, e que todos solidariamente subscreveram; apesar de alguns dos condicionalismos doo documento serem já públicos, continuam por revelar de forma clara as suas condições – algo de impensável e completamente surreal em vésperas dum processo eleitoral que determinará a formação dum governo encarregue de gerir aquele mesmo acordo – e enquanto os três grandes partidos mantém heroicamente o silêncio sobre o assunto apelam ao voto dos eleitores em nome da sua simpatia ou da incompetência dos concorrentes. Vendo bem, esta atitude até pode se considerada como perfeitamente normal que depois de terem subscrito um cheque em branco com os financiadores salvadores esperem agora que os eleitores (tão crédulos e inocentes quanto eles) procedam do mesmo modo e os elejam para o exercício dum poder reduzido mas nem por isso menos importante e compensador: o de assegurar que os eleitores contribuintes paguem a factura dos dislates que eles, ou outros como eles, praticaram.

Em contrapartida os que defendem a existência doutras alternativas, ou simplesmente criticam a opção, não conseguem fazer ouvir a sua voz na gritaria que os primeiros fazem. Com ou sem o beneplácito da generalidade da imprensa, o facto é que os cabeçalhos das notícias centram-se nas tricas e nos dichotes que os candidatos a deputados (e seus ajudantes de circunstância) trocam entre si, enquanto pouco ou nada se ouve ou lê sobre propostas concretas para enfrentarmos a crise.

Entre “slogans” vazios de conteúdo, chavões martelados até à exaustão e mentiras despudoradas, continua a fazer-se uma campanha eleitoral cujos principais intervenientes fintam descaradamente o debate sobre as reais consequências da opção de recurso ao programa de resgate financeiro, sobre se este servirá ou não os interesses dos eleitores ou até se resolverá ou não a situação financeira nacional; se por acaso se vêem confrontados com alternativas ou forçados a ouvir opções, desconhecedores do assunto e vazios de ideias próprias, argumentam de pronto que as réplicas são impraticáveis ou irreais, mas em caso algum adiantam argumentos que provem aquela impraticabilidade o irrealidade. 

Talvez ainda pior que o silenciar a realidade económica nacional e europeia, o fazer campanha – como o fazem algumas figuras de menor relevo oficial mas não de maior qualidade ética – opinando sobre as parcas qualidades e as imensas fragilidades do governo cessante enquanto esquecem que aqueles que defendem em alternativa são no essencial cópias fieis dos que execram, ou dar ao prelo obras de aparente solidez técnica e de imensas referências estatísticas para demonstrar os erros e os fracassos dos governos que tivemos duma tendência enquanto esquecem e escamoteiam os mesmos erros e os mesmos fracassos de governos doutra tendência.

A vacuidade e o manobrismo revelado pelos contendores da área do poder (desde os auto-proclamados candidatos a primeiro-ministro até às figuras de segundo e terceiro plano, ou desde os que afirmam não alinhar em campanhas caluniosas enquanto encarregam terceiros de as fazer por eles), os resultados das suas passagens por anteriores governos – com o que trouxeram de má-gestão e de compadrios múltiplos – deveriam ser motivo bastante para que poucos ainda se deixassem iludir pelos seus cantos de sereia ou pelos seus indisfarçáveis e afiados caninos.


Bem gostaria que os eleitores nacionais revelassem a voracidade de feras no momento de julgar aqueles que agora se nos oferecem com a candura das virgens impolutas e com voto claro e firme afastassem das páginas da História aqueles que tão vilmente têm conduzido o país nas últimas décadas e que agora, vestidos com roupagens de cor igual ou diversa, se aprestam a continuar o trabalho iniciado.

terça-feira, 24 de maio de 2011

PRIMAVERA ÁRABE OU AMERICANA?


Na passada semana o presidente norte-americano proferiu, a partir do Departamento de Estado, o segundo discurso do seu mandato especificamente orientado para o mundo árabe. Quase dois anos após o celebrizado Discurso do Cairo[1], Obama voltou a abordar a delicada questão árabe, num momento em que boa parte dos estados daquela região vivem conturbados momentos de convulsão social. 

A imprensa nacional e internacional comentou amplamente este novo discurso, destacando de forma quase unânime a referência que o chefe da Casa Branca proferiu a propósito do velho conflito israelo-árabe e da necessidade de retoma do diálogo baseando-o nas fronteiras definidas em 1967 (e reconhecidas pela ONU) e na criação dum estado palestiniano desmilitarizado; tudo o mais que foi referido no longo discurso, nomeadamente o manifesto apoio aos movimentos reformistas, foi prontamente relegado para o limbo da memória.


Ainda antes da publicação da notícia que o «Primeiro-ministro israelita rejeita “visão” de Obama para um Estado palestiniano», já o influente “think tank” americano, o COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS, tornava públicos comentários e críticas mais ou menos ferozes e pró judaicas de alguns dos seus membros[2], que esquecendo o essencial da mensagem se concentraram principalmente na polémica questão palestiniana.

De um e do outro lado do Atlântico quase terá passado despercebida a inflexão política agora redefinida, quando, Obama privilegiou a opção pela defesa da vontade popular em detrimento da via da força (como defendeu Bush e o grupo dos neoconservadores), e ainda mais o rápido recuo na questão palestiniana. O muito comentado discurso de Obama e as prontas e críticas reacções apenas necessitam de ser analisadas sob uma luz diferente, pois não só Obama nunca pensou em colocar em perigo a independência judaica (a prova está nas próprias palavras de Obama quando defende a criação dum estado palestiniano desmilitarizado), como o discurso que proferiu no último fim-de-semana na cerimónia de abertura do congresso da AIPAC[3] o confirma e no qual retomou a tradicional exigência de que o Hamas reconheça a existência de Israel e precisou que as negociações de paz terão que contemplar cedências de território de parte a parte.

Na prática Obama produziu um discurso para consumo externo (e em especial para o mundo árabe) num dia para, 72 horas volvidas, produzir outro para consumo interno, não sem pelo meio ter participado numa reunião com Netanyahu na qual terão confrontado argumentos e donde resultou a notícia que «EUA e Israel reconhecem “divergências” e admitem “perigos”», mas sem deixarem transpirar uma única palavra sobre a forma de fazer avançar a famigerada solução dois povos–dois estados que o arrastar do tempo, das indecisões e da fragilidade dos políticos que a lideram (americanos, israelitas e palestinianos) se revela cada vez mais distante e difícil.


[1] Ver a propósito o “post” «DO ALTO DESTAS PIRÂMIDES...»
[2] Entre outras destaco as de Elliot Abrams (Mideast Speech – Strong Rethoric, Weak Plan) e de Robert Danin, Eni Enrico Mattei (Obama’s Bold, Uneven Mideast Vision), que alinham numa claríssima defesa dos interesses e das teses mais sionistas.
[3] Sigla do American Israel Public Affairs Committee , o poderoso e influentsíssimo “lobby” pró-judaico nos EUA.