domingo, 8 de maio de 2011

EXEMPLO PARADIGMÁTICO


Se dúvidas houvesse quanto à forma e conteúdo do pensamento dominante nos círculos financeiros e empresariais europeus, bastará ler este artigo do FINANCIAL TIMES para que estas se desvaneçam.

Sob o esclarecedor título «Portugal: demasiada cenoura e pouco cacete», aquela influente publicação deixa bem claro como uma certa europa encara a existência da União Europeia e a forma como esta deverá funcionar no futuro, com as grandes economias a controlarem o funcionamento das pequenas e mediante o recurso à política da cenoura (a promessa de recompensa) e do cacete (ao mínimo caso de desafio das ordens ou de desvio das regras).


O artigo é de tal forma esclarecedor que não resisto a deixar uma sua tradução: 

«Demasiada cenoura e pouco cacete. O resgate de 78 mil milhões de euros pela UE e pelo FMI tem demasiado dinheiro e poucas contrapartidas. A UE, fazendo o papel de polícia bom, comparticipa com dois terços dos fundos (o valor total da ajuda atinge os 45% do PIB português) e o FMI, o polícia mau, um terço. Estes valores reflectem o desiquilíbrio no peso dos dois financiadores de último recurso, mas se alguma vez uma economia necessitou de menos Europa e mais FMI, foi Portugal.

Portugal desperdiçou a sua década na Zona Euro. A economia registou um pequeno alento antes da desão graças às reformas necessárias para garantir a candidatura de Lisboa., mas, segundo o Capital Economics, entre 2001 e 2007 a sua economia cresceu apenas 1,1% ao ano. Valor comparado com os mais de 5% anuais da Irlanda e embora equivalente à taxa de crescimento registada no mesmo período na Itália e na Alemanha, nem por isso a economia portuguesa deixou de se apresentar mias pobre e com menor desenvolvimento industrial que estas duas economias da Zona Euro.

Lisboa tem pela frente um enorme esforço para alcançar o resto da Europa. No entanto, José Sócrates, o primeiro-ministro demissionário, não deixou transparecer nada disto quando anunciou o programa de resgate na passada terça-feira. Num comentário que tresandava a complacência e numa ostentação de riqueza, pareceu sugerir que recorrer a um pacote de resgate enorme seria relativamente indolor.

Houve especulação que a UE e o FMI divergiram sobre a dureza que as contrapartidas do resgate deveriam ter. Era bom que isso fosse verdade: dada a dimensão do ajustamento estrutural que se exige, os funcionários do FMI deveriam estar ansiosos para pôr as mãos sobre a economia portuguesa, que muito se assemelha a um mercado emergente. Uma dose de medicamento Consenso de Washington é precisamente o que Portugal precisa.»

E chamando uma especial atenção para o seu final, onde com o maior dos despudores se faz uma clara apologia da aplicação pura e dura do chamado ”Consenso de Washington”, ou seja a cartilha de políticas monetaristas e neoliberais traduzidas na desregulamentação e na liberalização dos mercados, na abertura ao investimento estrangeiro, na privatização de empresas públicas, na reforma fiscal e na redução dos gastos públicos, que, em todos os cenários onde foram aplicadas, conduziram a profundas recessões económicas, ao empobrecimento geral das populações e nunca aos objectivos de crescimento e reequilíbrio económicos prometidos, como ainda recentemente o lembrou o ex-presidente brasileiro Lula da Silva que na sua última visita a Portugal afirmou, para quem o quis ouvir, que «O FMI não resolve o problema de Portugal» como não resolveu o do Brasil.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

É SÓ ROSAS...


Ontem à noite, aproveitando o intervalo de um importante desafio de futebol, o primeiro-ministro José Sócrates informou-nos pela televisão, com a pompa e a circunstância possíveis, quais as medidas que não estariam previstas no acordo de assistência financeira (termo mais adequado que o vulgarucho resgate) a assinar com o FEEF, o BCE e o FMI, em troca de (diz-se) 78 mil milhões de euros.

Sobre os termos do acordo, ou seja, quais as medidas que os portugueses pagadores de impostos terão que suportar, o primeiro-ministro nada adiantou, mas não perdeu a oportunidade para, travestindo-se em líder do PS, repetir uma e outra vez que o acordo era belíssimo, mais não fazia que recuperar o famoso PEC IV, rejeitado pela maioria parlamentar, e que dificilmente poderia ter sido alcançado outro melhor.


De pronto (o tempo indispensável para transferir o directo) o PSD reagiu pela voz de Eduardo Catroga (ex-ministro das finanças dum governo de Cavaco Silva e que tem sido apresentado como o chefe da delegação do partido às negociações com o FMI, como se alguém, governo incluído, negociasse alguma coisa com os “técnicos” estrangeiros), para declarar que, face ao aumento do prazo para a redução do défice em mais um, o acordo alcançado constituía uma derrota do governo, mas sobre o seu real conteúdo foi ainda mais omisso que Sócrates.

É certo que hoje já se começaram a surgir algumas observações a propósito duns aumentos de impostos (ou o seu equivalente via redução das isenções fiscais ou correcções na tabela do IVA), mas nada alarmante, tanto mais que a entretando conhecida redução da taxa social única (ou seja a contrapartida paga pelas empresas para o financiamento da segurança social) irá seguramente contribuir de forma decisiva para a redução duma taxa de desemprego que persiste em quedar-se nos dois dígitos.

Mesmo que do anúncio nada tenha constado quanto a medidas para o relançamento da actividade económica (salvo a tal redução da taxa social única) e para o indispensável crescimento da riqueza nacional, mesmo que sobre o agravamento do endividamento público em 78 mil milhões de euros (quase 50% do PIB nacional) e sobre a forma como este irá ser pago nada tenha sido dito é inegável que depois do muito que se especulou sobre a intervenção conjunta do FMI e da UE, tudo parece correr sobre rodas... perdão, rosas... como convém em vésperas eleitorais.

Depois de escolhido o novo governo e quando novamente a proverbial mansidão portuguesa tenha recolocado no poder a mesma elite carecida de cultura e de valores que tem governo o país nas últimas décadas, tornar-se-ão então paulatinamente visíveis os reais custos dum resgate financeiro desnecessário (salvo sob o ponto de vista dos credores), gravoso para os interesses nacionais e ineficaz para o fim anunciado, pois a redução da dívida soberana só será alcançável com um conjunto de políticas diametralmente opostas das agora anunciadas. O desendividamento apenas será alcançado mediante o aumento da produção nacional, a qual depende de dois factores: investimentos orientados para o sector de bens transaccionáveis e salários que permitam gerar receitas (lucros e poupanças) fomentadoras de novos investimentos.

O parco oásis que agora se anuncia voltará, inexoravelmente, a converter-se na miragem que sempre tem sido o horizonte proporcionado pelos tristes governantes que temos tido.

terça-feira, 3 de maio de 2011

MAIS DÚVIDAS QUE CERTEZAS


De um momento para o outro, do silêncio à quase hegemonia informativa, eis que Osama Bin Laden, o mítico fundador e líder da rede terrorista Al-Qaeda, instigador de inúmeros atentados contra os EUA ou os seus interesses espalhados pelo Mundo, voltou á ribalta, tendo agora como pano de fundo o anúncio da sua morte.


Segundo a administração norte-americana, uma operação militar desencadeada contra um complexo habitacional situado no Paquistão culminou com a morte do homem mais procurado do Mundo.

Após anos e anos de quase absoluto silêncio (o último registo audio remonta a 2006 e encontra-se rodeado de algumas dúvidas enquanto a última gravação vídeo autenticada remonta a finais de 2004) chega de repente a notícia da sua morte; não o óbito natural de quem se dizia portador de insuficiência renal (doença profundamente limitadora de movimentos e associada, como se sabe, ao recurso regular a hemodiálise, facto que nunca impediu as suas constantes deslocações nem facilitou a sua localização), antes a dum lutador que recebeu a tiro de Kalashnikov as tropas especiais norte-americanas.

Aparte as óbvias dúvidas que há muito tempo têm vindo a lume sobre a real situação (vivo ou morto) de Bin Laden que levaram o PUBLICO a questionar-se em 2007 «Como é que o líder da Al-Qaeda chegou aos 50 anos em liberdade?»[1], os factos agora noticiados reacendem velhas questões que merecem ser ponderadas, tanto mais que a sua morte terá ocorrido no coração do território paquistanês, na localidade de Abbottabad, a cerca de 50 quilómetros da capital Islamabad, e a umas meras centenas de metros duma academia militar paquistanesa. 

Este avolumar de circunstâncias que apenas dão maior credibilidade às tantas vezes referidas ligações entre a Al-Qaeda, pelo menos o seu círculo interno, e o ISI (os serviço secretos paquistaneses), facto aliás do domínio público, ou não tivesse Bin Laden sido apoiado por aquela agência no período da ocupação soviética do Afeganistão


Que desde o início foi patente o incómodo dos serviços secretos americanos e paquistaneses sempre que o tema abordado era Bin Laden e a Al-Qaeda, que uns e outros nunca conseguiram explicar de forma convincente o rotundo fracasso na localização do homem mais procurado (para mais com as limitações físicas que lhe atribuíam), foram factos que os governos paquistanês e norte-americano sempre trataram com extremo cuidado e com firmes declarações de princípios mas escassos ou nulos resultados práticos.

Embora a questão do conhecimento e aprovação paquistanesa para a operação militar não tenha ainda sido respondida convenientemente, não deverão restar dúvidas quanto à sua existência, pois doutra forma seria difícil que a violação do espaço aéreo deste país tivesse decorrido de forma tão pacífica.

A adicionar a estes factos estranhos, que especialistas e analistas de questões militares e de “inteligência” facilmente demonstrarão que nada de extraordinário apresentam, deixo ainda mais duas questões; uma directamente ligada à acção militar da qual resultou a morte de cinco dos ocupantes da habitação (incluindo Bin Laden), a queda dum dos quatro helicópteros (por meras razões técnicas, segundo a versão norte-americana), incendiado e abandonado no local, a identificação e recolha do corpo de Bin Laden, a ausência de qualquer baixa ou simples ferido por parte dos intervenientes norte-americanos na operação e a forma expedita (diria mesmo demasiado apressada) como se desfizeram do corpo, lançando-o ao mar.

A outra prende-se com uma estranha sucessão de acontecimentos recentes, pois que outra coisa pode ser dita quando tudo isto acontece poucos dias após o anúncio[2] da “promoção” do chefe da CIA, Leon Panetta, para Secretário de Estado da Defesa (substituindo Robert Gates que transitou da administração Bush) e da nomeação de David Petraeus (comandante no Afeganistão) para o lugar vago na CIA?


[1] O “link” remete para o texto ontem republicado.
[2] Como sucede na notícia do JN intitulada: «Obama confirma novos responsáveis na Defesa e na CIA».

domingo, 1 de maio de 2011

MAIO, MADURO MAIO

Ao longo dos tempos sempre ouve quem mantivesse viva a chama de valores e ideais que por desagradáveis aos poderes estabelecidos iam sendo alvo de velados ostracismos ou até de declaradas perseguições.

Foi assim com Galileu Galilei, físico, matemático, astrónomo e filósofo italiano que teve um papel preponderante na chamada revolução científica, é hoje é considerado como o "pai da ciência moderna" mas que na sua época se viu forçado a negar as suas próprias descobertas para escapar à perseguição da Inquisição, com Mahatma Gandhi, o maior defensor do princípio da não-violência enquanto forma de protesto, até como meio revolucionário, e que assim conseguiu a libertação da Índia da colonização britânica, com Martin Luther King Jr, pastor protestante, activista político norte-americano, líder do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, apologista da não-violência que foi assassinado pelas suas ideias, com Nelson Mandela, o líder histórico da oposição negra sul-africana ao regime do “apartheid” que mau grado a condenação a uma pena de prisão perpétua viria a ser o primeiro presidente negro da África do Sul, na sequência dum longo processo de desobediência civil levado a cabo por uma população negra privada de quase todos os direitos e com tantos outros, em maior ou menor escala.

Por todos eles, a celebração de um dia consagrado aos trabalhadores, aos seus direitos e às suas conquistas é algo que importa preservar e engrandecer; mas porque outros melhores que eu descreveram a importância de Maio e a urgência da luta aqui relembro a lírica com que Zeca Afonso cantou revoluções colectivas e pessoais:

Maio maduro Maio, quem te pintou?
Quem te quebrou o encanto, nunca te amou.
Raiava o sol já no Sul.
E uma falua vinha lá de Istambul.

Sempre depois da sesta chamando as flores.
Era o dia da festa Maio de amores.
Era o dia de cantar.
E uma falua andava ao longe a varar.

Maio com meu amigo quem dera já.
Sempre no mês do trigo se cantará.
Qu’importa a fúria do mar.
Que a voz não te esmoreça vamos lutar.

Numa rua comprida El-rei pastor.
Vende o soro da vida que mata a dor.
Anda ver, Maio nasceu.
Que a voz não te esmoreça a turba rompeu.

Zeca Afonso