quinta-feira, 15 de outubro de 2015

CENÁRIO NOVO…

Mesmo o mais distraído dos observadores da conjuntura política nacional não pode ignorar o facto do resultado eleitoral ter introduzido algo de novo no tradicional ramerame da alternância entre PS e PSD…


ou talvez não!

A pressa com que Cavaco Silva veio para a televisão indiciar – porque como é seu hábito e apanágio o discurso é de tal forma rebuscado que o afirmado parece sugerido e o dito nunca foi referido – que iria convidar o líder do partido mais votado para formar governo, se não foi uma violação grosseira do ponto 1 do Artigo 187º da Constituição da República, que estabelece que «O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais», foi, no mínimo, uma clara manobra de influência e condicionamento dos partidos. Isso mesmo transparece de comentários de dois dos candidatos presidenciais, quando Sampaio da «Nóvoa considera "grave" se Cavaco Silva estivesse a diminuir espaço democrático» ou quando «Henrique Neto diz que Cavaco Silva devia ter dito antes o que ia fazer».

Ainda mal eram conhecidos os resultados eleitorais e já dois assessores presidenciais, José Moura Jacinto e Nuno Sampaio, deixavam nas páginas do EXPRESSO, uma clarificação do que chamavam uma «Uma solução estável», dizendo, nomeadamente, que «[n]os sistemas de governo parlamentares ou semipresidenciais a regra é governar em coligação. Na Europa essa tendência é marcante: apenas quatro Estados-membros têm governos monopartidários».

Mas claro que não tem faltado quem conteste outra solução que não a que mais lhe agrada, como é o caso do inefável Nuno Melo, deputado do CDS, que já veio afirmar aos microfones da RDP que a «"Ambição socialista está a fazer mal a Portugal"» (esperando que todos esqueçamos o mal que a ambição neoliberal fez a Portugal neste últimos quatro anos), na mesma linha dum artigo de Diogo Agostinho que pretende fazer crer que o debate aberto em torno da formação do próximo governo se assemelha a um processo antidesportivo de querer «Ganhar na secretaria». É certo que António Costa deveria ter tido o cuidado de minimizar as críticas se tivesse optado por apresentar a sua demissão de líder do PS na sequência da vitória eleitoral da coligação PSD/CDS, tanto mais que quase seguramente os órgãos do partido o reconduziriam, pelo menos até à realização do próximo Congresso socialista, mas não é menos verdade que os argumentos apresentados em contrário são por demais fracos. Exemplo disso é a argumentação de Diogo Agostinho, que escreve sem pejo que: «O problema deste país sempre foi a perfídia na secretaria e o poder oculto. As eleições legislativas servem para eleger 230 deputados. No entanto, todos nós sabemos, servem também para escolher o primeiro-ministro», ignorando que este é um slogan que há muito os partidos do arco do poder e a imprensa que lhes é afecta não se cansa de repetir, mas que carece da mais elementar veracidade. As eleições legislativas, como o próprio nome indicam, servem para eleger uma câmara de deputados, não para a escolha do primeiro-ministro. Se assim fosse a eleição teria de decorrer a duas voltas (como sucede no caso das presidenciais) para assegurar que o eleito nunca o seria por uma maioria relativa.

Ao contrário, como enfatizam os conselheiros presidenciais, a solução terá que sair do quadro parlamentar e as opções parecem resumir-se a três: um governo maioritário formado pelos partidos do arco do poder (PSD/CDS e PS), um governo minoritário do PSD/CDS com apoio/abstenção do PS ou um governo minoritário do PS com apoio parlamentar do Bloco e do PC. O busílis é que na actual conjuntura de radicalização entre PSD e PS a terceira alternativa parece bem mais fiável e quiçá capaz de sobreviver durante a duração da legislatura.

Isto mesmo foi hoje muito bem explicado nas páginas do PUBLICO por André Freire, no artigo «Um governo de esquerdas, uma “revolução” democrática para Portugal», onde lembra que nenhuma coligação do PS com o PSD ou o CDS se traduziu em estabilidade, senão até à primeira oportunidade para ensaiar a mudança.

Cientes disso mesmo, os partidários do PSD e do CDS não conseguem disfarçar mais o incómodo que essa solução lhes acarreta. Repetem frases apocalípticas, do género da proferida por Marçal Grilo, um ex-ministro de António Guterres, que assegurou a quem o quis ouvir que «“O país está entalado. Governo à esquerda será um enorme desastre”», como se o governo à direita que tivemos pudesse vir a assegurar outra coisa que não mais da mesma contraproducente política da austeridade expansionista.
Claro que à excepção da formação dum governo tripartidário (PSD/CDS e PS) as opções de governo minoritário apresentarão sempre o risco de soçobrar às conveniências tácticas de quem lhe proporcionar a maioria parlamentar, mas quando a primeira hipótese parece seriamente comprometida pelo perfil e historial de inflexibilidade do anterior primeiro-ministro que até já vez saber que «"Talvez seja altura de pôr um ponto final" nas conversações com o PS», resta uma das outras duas e nesse caso parece, em teoria, mais sustentável um apoio do Bloco e do PC a um governo minoritário do PS que um apoio deste a uma versão minoritária do actual governo, em especial quando para sucessão presidencial se antevê um cenário de eleição de Marcelo Rebelo de Sousa.

Confirme-se ou não o anúncio onde a «Direcção socialista admite referendar acordo à esquerda» e o vaticínio de Sampaio da Nóvoa de que «“Cavaco deve aceitar as maiorias que sejam construídas”», os próximos dias ditarão o resultado. Não havendo margem para grande dúvida sobre o desfecho, fica a sensação de que algo parece estar a mudar.

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