quinta-feira, 24 de julho de 2014

DE CPLP A CPQL

Têm sido cada vez mais frequentes as ocasiões em que não me revejo nas políticas de quem nos tem governado. Dito assim e tantas têm sido as enormidades, nem parecerá estranho, mas desta vez tenho sérias dificuldades para encontrar o adjectivo adequado para classificar o resultado da última assembleia da CPLP.

Há quem se declare, como «Ana Gomes chocada com adesão da Guiné Equatorial à CPLP», mas eu sinto-me para além de incomodado e muito mais que melindrado ou ofendido com a inclusão daquele país africano na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa; não bastando a conhecida situação de profunda limitação das liberdades na Guiné-Equatorial, o regime de Obiang (uma das maiores cleptocracias conhecidas) ainda se dá ao luxo de gozar com a própria essência da comunidade internacional que agora o acolheu. É que embora a região tenha sido em tempo uma colónia portuguesa, é hoje universalmente reconhecido que os únicos falantes da língua portuguesa no país serão turistas ocasionais ou os nacionais a quem a necessidade obriga a lá ir trabalhar. Isto é tanto verdade e a farsa a que assistimos é tal que a portuguesíssima «Guiné Equatorial anuncia adesão em várias línguas, menos em português», à CPLP.


Excluída a afinidade de natureza linguística ou cultural que outro motivo pode justificar esta adesão? Do ponto de vista do regime de Obiang a CPLP constitui um refúgio depois da condenação nos principais areópagos internacionais e vai claramente na confluência de interesses com o regime angolano quando já se fala que, por passar a representar entre 25% a 27% das reservas mundiais de petróleo, a «CPLP prepara consórcio para explorar petróleo», mesmo que a cimeira não tenha contado com as presenças do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, nem da presidente brasileira, Dilma Rousseff, pretensamente muito ocupada com as eleições presidenciais de Outubro num país que ainda não terá esquecido a muito criticada aproximação entre Lula da Silva, o anterior presidente, e Obiang.

A polémica adesão dum estado como a Guiné Equatorial não foi naturalmente bem aceite por vários sectores da opinião pública lusófona, onde além da já referida Ana Gomes se ouviram vozes como a de João Soares afirmar que a «adesão da Guiné Equatorial é vergonha e um erro monumental», de Adriano Moreira, para quem «Admitir a Guiné Equatorial na CPLP é “inaceitável”» ou até o documento onde «50 personalidades assinam apelo contra a adesão da Guiné Equatorial à CPLP» lembrando que "Os milhões de dólares que o regime tem investido não conseguem, porém, esconder as violações de direitos humanos", antes realçam as "manobras de propaganda e de compra de favores por parte da Guiné Equatorial", que resultaram numa «cimeira da cobiça e da desvergonha» (como se lhe refere um editorial do PUBLICO) a ponto de se constatar que a «CPLP dispensa votação e integra Guiné Equatorial». O que se afigura de todo inaceitável é que a diplomacia portuguesa tenha voltado a revelar a sua enorme tibieza quando previamente à cimeira já o primeiro.ministro anunciava que a «oposição ao alargamento deixaria Portugal isolado», como se em matéria de tal envergadura uma posição firme constituísse óbice ou opróbrio.

Fraqueza confirmada com a reacção dum «Portugal "surpreendido" por "incidência protocolar"» quando a delegação portuguesa se viu confrontada com a antecipação do anúncio da adesão plena da Guiné Equatorial no início da cimeira que o facto de se saber que «Cavaco Silva não aplaudiu adesão da Guiné Equatorial» em nada altera.

É claro que depois ninguém deixa de pensar que algum resultado terá tido a pronta disponibilidade de Obiang em acorrer em socorro dum descapitalizado BANIF cujo presidente, o ex-ministro dos negócios estrangeiros Luís Amado, não se coibiu em assegurar que a entrada da Guiné Equatorial no capital do banco, seria um “reencontro com a História de Portugal”.

Nesta linha de pensamento – recuperação da gesta descobrimentista de quinhentos – e sabendo-se que, juntando-se às ilhas Maurícias e ao Senegal, foram agora a «Geórgia, Namíbia, Turquia e Japão admitidos como observadores associados na CPLP», talvez o próximo estado a ser admitido possa ser o Quirguistão ou Samoa, territórios onde seguramente uma minuciosa investigação detectará vestígios de ADN dalgum explorador ou comerciante luso que por lá terá passado há cinco séculos atrás e assim se justificará que a actual CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) se converta numa mais global e ecuménica CPQL (Comunidade dos Países de Qualquer Língua).

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