quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

MIRÓBOLÂNCIAS [*]

A polémica e o “lufa-lufa” jurídico em torno do leilão de quase uma centena de obras do pintor catalão Joan Miró decidido pela PARVALOREM, entidade que gere “os restos” do famigerado BPN (banco nacionalizado em Novembro de 2008 que, segundo algumas fontes, já terá custado aos portugueses perto de 9 mil milhões de euros), representa apenas o episódio mais recente em que aquelas obras de arte se têm visto envolvidas. A própria forma como estas passaram a constituir parte do activo do BPN – em resultado do incumprimento duma operação de crédito com o promotor do BPN em Madrid (genro do ex-primeiro ministro espanhol José Maria Aznar) – é por si só reveladora dum modelo de gestão extravagante, que, considerando a sua contabilização por um valor de 150 milhões de euros (esse é o valor referido no artigo «Os quadros de Miró, o genro de Aznar, o empréstimo incobrável e as extravagâncias de Oliveira e Costa»), parece estender-se à administração da PARVALOREM quando pretende vendê-los por 1/5 daquele valor.


Independentemente da polémica sobre a qualificação pela Direcção-Geral do Património Cultural e sobre o repentino interesse da classe política – que já originou comentários onde «PSD acusa PS de «política baixa» a propósito da colecção Miró» ou, reacção perfeitamente natural de quem ignora quantos cantos compõem os Lusíadas, aquele onde «Cavaco vê Miró como “arma de arremesso político”» –, permanecem por responder questões como a de saber se os «Quadros de Miró saíram ilegalmente de Portugal», situação que a confirmar-se não ilustra nem a administração da PARVALOREM nem o Governo, tanto mais que, como escreveu o EXPRESSO, se «Obras de Miró saíram do país por mala diplomática», afirmação que significa um claro envolvimento do executivo, contrariando anteriores afirmações do secretário de Estado da Cultura, Barreto Xavier, confirmado pelas palavras do próprio primeiro-ministro: «Caso Miró “não correu bem” mas obras vão ser vendidas na mesma».

Outro foco de polémica é a invocada necessidade da venda de uma colecção de arte a preço de saldo para aliviar o fardo do BPN sobre os contribuintes, contra a opinião de especialistas como Luís Raposo, o presidente da direcção da comissão nacional do Conselho Internacional de Museus (ICOM), que afirma que a «Venda de colecção Miró "é um erro de política cultural"». Opção tanto mais estranha quanto há pouco mais de um ano o mesmo «Estado "limpou" BPN e injectou mais de mil milhões antes de vender ao BIC» por uns simpáticos 40 milhões de euros.

Depois disto haverá ainda quem estranhe a notícia de que «Berardo está interessado em comprar os "Miró"»?



[*] Se a presidente da Assembleia da República, Conceição Esteves, pode falar em “conseguimentos” acho que inventar uma aglutinação do nome de Joan Miró – escultor e pintor catalão (1893-1983), figura proeminente do movimento surrealista – com a expressão popular mirabolância, que significa ratice ou extravagância, é perfeitamente aceitável numa língua viva como a portuguesa.

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