sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

KIEV JÁ ESTÁ A ARDER

Embora as imagens que correm Mundo sugiram o título, a imprensa ocidental, comedidamente, ficou-se pelo anúncio de estar a «Praça de Kiev transformada em campo de batalha». O reacender da tensão entre manifestantes e forças policiais ocorreu com o anúncio do início da operação de financiamento russo e depois de esgotada a ténue tentativa do presidente Yanukovich ter «Marcado ultimato para fim de protestos em Kiev».


Muito se tem escrito sobre as razões para a actual crise ucraniana, que vão desde a periclitante situação financeira do país às recorrentes suspeitas de corrupção, que a separação cultural entre ucranianos (cerca de 65% da população) e russos (cerca de 30%) não ajuda a ultrapassar. Como causas próximas apontam-se a fracassada assinatura dum acordo comercial com a UE e a pressão russa para impedir a aproximação dos interesses ocidentais ao que o Kremlin considera a sua fronteira natural de interesses (Bielorrússia, Ucrânia, Geórgia), que a oposição procura capitalizar a seu favor.

Recorde-se que nos anos recentes a Ucrânia tem conhecido sucessivas reviravoltas na orientação política e que quase todas as figuras que passaram pelo poder, como o ex-primeiro-ministro e actual presidente Viktor Yanukovich ou a antiga primeira-ministra Yulia Timoschenko, em algum momento se viram envolvidos em acusações de corrupção, facto que em nada contribui para a estabilidade no país e que justificará a justa revolta de muitos dos que há cerca de três meses ocupam a Maidan Nezalezhnosti (Praça da Independência), em Kiev.

A pressão popular levou já à demissão do governo encabeçado por Mikola Azarov, à aprovação duma amnistia para os manifestantes detidos pela polícia, mas entre avanços e recuos mantem-se um clima de antagonismo, pelo que nem foi motivo de estranheza quando no início da semana se ficou a saber que a «Tensão aumenta junto ao Parlamento em Kiev»; em jeito de resposta o presidente «Yanukovich denuncia insurreição» a que se seguiu a informação que os «Confrontos voltaram ao centro de Kiev e fizeram vários mortos» em ambos os lados. Enquanto isso, ia sendo dado destaque à reacção de Bruxelas, com o anúncio de que «Durão Barroso quer acordo urgente sobre sanções na Ucrânia», ou que os «Chefes da diplomacia francesa, alemã e polaca vão a Kiev» encontrar-se com o governo e a oposição, horas antes duma reunião onde se espera que a «UE decide quinta-feira sanções contra Presidente ucraniano».

Independentemente dos justos anseios de combate à corrupção e de aproximação à UE (apesar da crise que atravessa esta união económica ainda representa um forte atractivo para quem há poucas décadas abandonou do regime soviético), manifestados pela população ucraniana, é indispensável para uma correcta apreciação da situação não esquecer que (como escrevi no “post” «DIVIDIDOS») “…uma aproximação à UE seria seguida da deslocalização da importante indústria tecnológica e aeroespacial” que a Rússia mantém no país, deteriorando ainda mais uma situação económica já precária, ou que algumas das forças políticas que hoje integram a oposição partilham os mesmos estigmas com os políticos no poder – caso da UDAR (Aliança para a Reforma Democrática Ucraniana, cujas siglas significam “murro”) do ex-pugilista Vitali Klitschko e do partido Batkivshchina (Pátria) liderado por Arseni Iatseniuk, o substituto de Iulia Timoschenko , enquanto outras como o partido nacionalista Svoboda (Liberdade), liderado por Oleg Tiahnibokrevelam uma perigosa aproximação a teses neonazis e a grupos inorgânicos, como o Praviy Sektor (Sector Direito, maioritariamente integrado por “hooligans” associados às claques de futebol) e o menos violento Spilna Sprava (Causa Comum).

Esta realidade tem contado com o beneplácito duma imprensa que não hesita em condenar a actuação dos extremistas do Black Bloc nas manifestações brasileiras enquanto branqueia imagens do mesmo tipo de actuação em Kiev (a excepção que confirma é regra é um recente artigo do PUBLICO sobre «Os protagonistas da batalha de Kiev»); esta dualidade de critérios estará também subjacente na intenção anunciada pela UE de aplicar sanções contra Presidente ucraniano, quando nos casos iraniano e sul-coreano as sanções aplicadas continuam a recair sobre toda a população.

Depois algum aumento de tensão, na sequência de notícias que asseguravam estar o «Exército ucraniano autorizado a recorrer às armas», o anúncio de que a «Oposição ucraniana aceita propostas de Ianukovitch» para a realização de eleições antecipadas e a redução dos poderes presidenciais deveria reacender a esperança de resolução da crise, a menos que já esteja irremediavelmente perdido o pouco controlo sobre os grupos extremistas ou que estes, em defesa de qualquer um dos interesses em conflito, voltem à acção por desacordo com o resultado eleitoral.

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