sábado, 30 de julho de 2011

AS FACES DO TERRORISMO


A dimensão do ocorrido na ilha norueguesa de Utoya ultrapassará o que expressões como horror e tragédia podem sugerir e se após uma primeira ideia, avançada a propósito do carro-bomba deflagrado em pleno centro de Oslo, foi afastada a hipótese dos actos se enquadrarem no chamado terrorismo islâmico, a confirmação de que o seu autor seria um plácido cidadão norueguês parece ter deflagrado com um ainda maior ruído.

Não que esta tenha sido a primeira vez que algo de tão trágico foi perpetrado por um personagem acima de qualquer suspeita islâmica – para tanto basta recordar o episódio do massacre de Oklahoma, quando Timothy McVeigh provocou a morte de 178 e feriu quase sete centenas de pessoas ao fazer explodir um camião junto a um edifício federal naquela cidade norte-americana – mas porque agora, tal como então, todas as atenções dos experientes, sofisticados e eficientes serviços de informações são exclusivamente orientados para o famigerado terror islâmico.


Não se trata apenas duma questão formal ou de mero desabafo, pois não faltarão episódios regularmente presenciados nos mais diversos pontos do mundo para confirmar que a par da existência duma paranóia securitária (que tantos governos das mais variadas orientações políticas e ideológicas se esforçam por manter activa) esta se revela particularmente racista e islamófoba, como se apenas os portadores duma certa cor de tez ou os seguidores duma certa religião pudessem ser capazes da alvejar de forma fria, determinada e desapiedada umas centenas de jovens.

Tal como Timothy McVeigh, Anders Behring Breivik veio demonstrar que o barbarismo e a desumanidade não constituem apanágio de raças ou credos e que massacres tresloucados podem ser praticados por qualquer um que a isso se atenha, pena é que os tais serviços de informações se revelem apenas capazes de vigiar e controlar uma parte dos possíveis perpetradores, precisamente aqueles que são diferentes deles... no aspecto!

quarta-feira, 27 de julho de 2011

GOLDEN SHARES


É certo que nos agitados tempos que correm existirão assuntos muito mais importantes que este, mas ainda assim a aceitação pelo governo português do fim dos direitos especiais em empresas como a PT, a GALP e a EDP merece alguma reflexão.


Não apenas nos termos em que esta recente notícia do PUBLICO o coloca – não só existem estados membros da UE que mantém em vigor o princípio, como entre estes se contam os dois igualmente submetidos a intervenção financeira do FMI e do BCE – mas principalmente naqueles que parecem não despertar a atenção da generalidade da imprensa e dos quais me permito destacar dois: o facto de se tratarem de empresas fornecedoras de bens e serviços estratégicos e de possível interesse vital para a segurança pública e nacional e ainda o facto da significativa alteração de valor patrimonial que resultará do fim unilateral dos referidos direitos especiais.

Quanto ao primeiro não parece de todo em todo difícil de entender a necessidade de que serviços como o fornecimento de energia e de comunicações não possam ser descurados completamente por qualquer estado sob o risco de em situação de crise não dispor dos mecanismos de intervenção e de segurança mínimos.

É evidente que esta era por si só razão bastante para que empresas com aquelas características nunca tivessem sido privatizadas, decisão que em nada belisca o princípio da livre concorrência pois a sua existência não constitui a priori impedimento para a instalação de potenciais concorrentes. Se o inverso é geralmente apontado como a razão para a privatização é apenas porque à iniciativa privada não interessam investimentos sujeitos a um risco elevado e a simples existência de um concorrente público é prontamente apontada como factor perturbador do mercado, fenómeno que estranhamente se esfuma logo que a empresa passa para a esfera privada e a assegurar chorudos lucros de monopólio aos seus accionistas. 

Ora são precisamente esses accionista os que agora com o fim das “golden shares” se preparam para ver ainda aumentado o valor das participações que adquiriram a desconto (um preço especial para compensar a clausula da “golden share”) sem que de entre os acérrimos defensores do mercado livre se faça ouvir um mais justificado coro de reclamações sobre esta distorção no mercado.

Em jeito de conclusão lembro ainda, como o fizeram os autores da notícia já referida, que outros estados membros da UE mantém intacta e inalterada a política de preservação dos direitos especiais em algumas empresas que entendem estratégicas e que razão tem Nuno Cunha Rodrigues para apelidar, como o fez nesta entrevista ao PUBLICO, o governo português de mais papista que o papa, expressão que me parece pecar apenas pela ternura que encerra. O que na realidade se passa é que os partidos do arco do poder (PS, PSD e CDS) aceitaram de forma demasiado fácil e submissa a imposição do FMI e que a troco de um prato de lentilhas (que outra coisa são para eles 78 mil milhões de euros que facilmente esbulharão dos bolsos dos contribuintes) aceitaram abdicar dum dos poucos instrumentos estratégicos que ainda detinham.

Talvez mais cedo que tarde sentiremos a diferença e voltaremos a chorar o leite derramado...

domingo, 24 de julho de 2011

MÃO CHEIA DE MUITO POUCO


Quem após a cimeira extraordinária dos chefes de governo da Zona Euro tenha lido os principais títulos dos jornais nacionais ficará com a ideia que muito foi feito em benefício da resolução da malfadada crise das dívidas soberanas e em especial da situação grega e portuguesa.

Títulos como «Europa perdoa 25% da dívida à Grécia, baixa juros a Portugal e previne mais contágio», «Novo plano de ajuda é “grande alívio” para economia grega», «Euro impulsionado por resultados da cimeira» apenas encontram rival no triunfalismo e na euforia com o que assegura que «Portugal pode poupar 676 milhões de euros por ano com nova taxa de juro» e sendo todos mais ou menos verdadeiros – é certo que na cimeira foi acordado proporcionar um novo pacote de 109 mil milhões de euros (a que acresceram mais 50 mil milhões destinados em exclusivo ao sector privado), proceder a uma descida da taxa de juro para 3,5% e dilatar o prazo de amortização do máximo de 15 anos para 30 anos – não é menos verdade que a Grécia, a Irlanda e Portugal irão pagar mais juros em consequência da dilatação do prazo; na prática e para glosar o tema escolhido pela SIC NOTÍCIAS iremos “poupar” mais milhões durante mais anos...

No essencial os líderes europeus tomaram agora (mais de um ano após o início da crise) algumas das medidas que deveriam ter decidido há muito, nomeadamente a de algum reforço da solidariedade entre os estados-membros (expressa na redução da taxa de juro para valores menos usurários) e a aceitação da ideia da inevitabilidade da redução das dívidas (para já aplicada apenas ao caso grego); fizeram-no tarde e porque a pressão, oriunda de quase todos os quadrantes e fortemente agravada com a possibilidade de alastramento da crise a Espanha e Itália, começava a tornar-se insustentável para a própria Alemanha.
Aliás, basta consultar a lista de presenças na reunião para constatar que o convite de alguns influentes banqueiros europeus não terá acontecido por acaso, do mesmo modo que um terço do novo financiamento à Grécia se destina ao sector privado (leia-se correctamente o sector financeiro) e que a ideia defendida pela França de aplicação dum imposto extraordinário à banca desapareceu como por encanto. Para disfarçar o indisfarçável – na prática a Zona Euro reconhece e aceita o princípio da necessidade de redução do valor das dívidas – até «A imprensa alemã dá vivas ao poder de Merkel» enquanto o presidente francês assegura peremptório que «Não haverá plano igual ao da Grécia “para nenhum outro país”», o problema que um e outro são os personagens que desde o iníco desta crise se têm repetido a assegurar que cada medida tomada era a suficiente e que o efeito de contágio às restantes economias da Zona Euro estava garantidamente contido, enquanto na prática vão continuando por resolver os problemas estruturais da moeda única e do funcionamento da UE.

A sucessiva dilação de medidas de fundo que efectivamente invertam o modelo de financiamento dos estados-membros, retirando o poder discricionário que o sector financeiro continua a deter (não será o perdão parcial da dívida grega, traduzido na prática na conversão da dívida em vias de atingir a maturidade em nova dívida com menor valor e maior duração que virá alterar esta realidade) e lançando definitivamente o princípio das “eurobonds” (obrigações comunitárias), continua a ser a realidade que impede a desactivação da “bomba de relógio” que ameaça o conjunto da UE.


Talvez para escamotear esta realidade ou apenas para manter as respectivas expectativas eleitorais é que Merkel e Sarkozy insistem no desgastado e improcedente modelo de concertação privada de soluções[1] que interessam ao conjunto dos cidadãos europeus, tanto mais que continuará a ser dos seus bolsos que sairão os milhares de milhões de euros regularmente anunciados aos sete ventos e que os meios de comunicação se apressam a propagandear sem o mínimo comentário.

E será que os líderes europeus consagraram mesmo todos os instantes da cimeira para discutir a questão da crise ou, como se pode concluir da notícia do PUBLICO informando que o «Estado quer alemães a controlar EDP», também foram “discutidas” algumas outras contrapartidas...


[1] Esta situação é noticiada de forma cada vez mais corriqueira, como o atesta a forma como o PUBLICO noticiou na véspera da última cimeira que «Alemanha e França chegam a acordo sobre crise grega»

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O MECANISMO DE RESGATE


Em vésperas de mais uma cimeira europeia ao mais alto nível, que há semelhança das anteriores se deverá saldar pela total ausência de medidas tecnicamente eficazes, socialmente adequadas e politicamente defensáveis para combater a crise que assola particularmente a Zona Euro, não será demais recordar o porquê do completo fracasso das medidas até agora aplicadas e o verdadeiro efeito provocado pelo dogma do equilíbrio orçamental a qualquer custo, que está a conduzir as economias “apoiadas” a um estado de estrangulamento.


Não que o erro esteja no conceito do equilíbrio orçamental (algo com que qualquer pessoa de bom senso concorda facilmente), mas sim na forma como tem sido aplicado num espaço económico heterogéneo, como é o da UE, desprovido dos mínimos mecanismos de correcção e sem atender a que os destinatários finais dessas políticas são os cidadãos dos estados-membros.

O que a realidade mostra é que a Grécia após o acordo, em meados de 2010, para uma primeira intervenção do FMI e da UE, avaliada em 110 mil milhões de euros, acompanhada da aplicação duma rigorosa política orçamental vive hoje uma acentuada recessão económica e volta a apresentar as mesmas necessidades de financiamento que os milhares de milhões “atribuídos” há um ano era suposto terem resolvido. Então o que correu mal? Terão sido os técnicos do FMI e do BCE que avaliaram mal as necessidades helénicas ou outros factores contribuíram para o resultado actual?

Como é normal a resposta não é assim tão simples. A avaliação terá pecado por prever uma recessão menos grave e o sucesso das medidas de contenção orçamental (redução das despesas e aumento das receitas), o que não se verificou. Confrontadas com aumentos desproporcionados da carga fiscal as populações saíram à rua e o governo grego (por temer o aumento da agitação social ou por genuína incapacidade) nunca conseguiu reduzir as despesas (nomeadamente através dum ambicioso programa de privatizações) aos níveis idealizados; por outro lado a peregrina ideia de resolver um problema de endividamento excessivo mediante o recurso a mais endividamento, não poderia resultar senão em maiores dificuldades no cumprimento do serviço duma dívida que agora se apresenta bem maior que antes.

Tal como aconteceu no caso grego, também na Irlanda e em Portugal (os outros dois estados alvo de idênticos programas) se registará um efeito idêntico e tudo isto apenas porque as “mentes brilhantes” que gizaram o mecanismo de resgate europeu enfermam no seu conjunto de pequenos mas críticos vícios de raciocínio:
1.      idolatram os “mercados” e acima de tudo colocam o seu livre funcionamento em detrimento dos cidadãos;
2.      têm horror a tudo o aparente configurar uma política de redistribuição social da riqueza em benefício do factor trabalho (por isso significar uma intolerável intromissão na liberdade económica e na promoção da igualdade de oportunidades) mas não rejeitam com igual veemência o processo de claro favorecimento do factor capital, nomeadamente através redução da carga fiscal, grandemente responsável pelo agravamento dos desequilíbrios orçamentais.

O que está aqui em causa não é apenas uma questão de visão política do problema, antes uma clara deturpação da sua verdadeira essência. Bem podem agora argumentar que gregos e portugueses não souberam gerir os fundos comunitários de que beneficiaram durante anos e anos..., facto que sendo verdadeiro não esconde duas outras realidades que aqueles “ideólogos” não querem ver, nem deixar ver: a má gestão que referem aconteceu com o seu beneplácito (senão com o incentivo) e enquanto as suas economias lucraram (e continuam a lucrar) com os “investimentos públicos” gregos e português, não só mediante a venda de bens e serviços aos recém chegados e ávidos consumistas, mas também por via dos financiamentos realizados através dos seus bancos.

E se nos dois casos citados (grego e português) ainda se pode apontar a irresponsabilidade dos governantes nacionais que governo atrás de governo foram sobreendividando as finanças nacionais, já no caso irlandês a origem próxima do colapso foi a inexplicável decisão política de financiar “ad infinitum” os bancos nacionais profundamente envolvidos em processos financeiros altamente especulativos, a expensas da esmagadora maioria da população.

Estes simples factos – o claro enviesamento ideológico que tem presidido à actuação dos poderes públicos que em caso hesitaram na protecção excessiva aos ganhos que o sector financeiro continua a acumular – revelam bem a natureza dos fundamentos habitualmente utilizados para justificar primeiro a adopção de medidas protectoras duma minoria em detrimento da grande maioria e depois, evidenciada a sua clara insuficiência, utilizadas como subterfúgio para a escolha doutras opções que terão de incluir, em maior ou menor grau, alguma forma de renegociação da dívida pública.

De adiamento em adiamento, a UE, o BCE e estados como a Alemanha e a França (para citar apenas os principais) têm contribuído de forma decisiva para o alastramento dum fenómeno que, agora que ameaça duas economias de maior dimensão (a espanhola e a italiana) confirma tratar-se de algo que visa mais que as pequenas economias periféricas da Zona Euro, está a ganhar força e começará já a reflectir-se nas suas próprias economias domésticas, pois importa não esquecer que parte significativa dos bens transaccionáveis vendidos pela Alemanha são destinados aos mercados dos parceiros comunitários (cerca de 65% para a UE e 52% para a Zona Euro[1]) e que uma quebra neste fluxo terá inegáveis resultados negativos na sua balança corrente e que o mesmo se poderá dizer relativamente aos ganhos de capital que aquele excedente permitiu “investir” nas economias comunitárias em seu redor.

Assim, se a reunião de amanhã terminar em novo impasse, como indicam notícias como a que assegura que «Merkel afasta “avanço espectacular” sobre crise grega na cimeira de Bruxelas», ainda que disfarçado com muitos sorrisos e sonoras declarações de intenções sem conteúdo prático, não deverão tardar a fazer sentir-se novos efeitos sobre a cada vez mais fragilizada Zona Euro e sobre a sua moeda, a ponto da nova directora-geral do FMI, a ex-ministra francesa das finanças Christine Lagarde, já ter avisado que a «Economia mundial arrisca ser castigada pela crise no euro».

A inépcia dos responsáveis europeus chegou a um ponto em que vários antigos dirigentes têm lançado apelos[2] mais ou menos directos à indispensabilidade da definição duma acção política para enfrentar um problema – o do financiamento dos estados - que como o tenho defendido noutras ocasiões[3] não pode estar entregue aos “mercados”[4].


[1] Os dados constam num ensaio publicado por Simon Tilford, o economista chefe do “think tank” inglês Centre for European Reform, e pode ser lido aqui.
[2] Entre estes destaquem-se o documento assinado por Jacques Delors, Felipe Gonzalez, Romano Prodi, Etienne Davignon et Antonio Vitorino, publicado no LE MONDE, ou a notícia sobre a opinião expressa pelo antigo chanceler alemão e segundo a qual «Kohl acusa Merkel de estar a destruir o projecto europeu».
[4] Posição coincidente com a expressa pelo Prof. José Reis, director da Faculdade de Economia de Coimbra, e hoje publicada no I.