Em vésperas de mais uma cimeira europeia ao mais alto nível, que há semelhança das anteriores se deverá saldar pela total ausência de medidas tecnicamente eficazes, socialmente adequadas e politicamente defensáveis para combater a crise que assola particularmente a Zona Euro, não será demais recordar o porquê do completo fracasso das medidas até agora aplicadas e o verdadeiro efeito provocado pelo dogma do equilíbrio orçamental a qualquer custo, que está a conduzir as economias “apoiadas” a um estado de estrangulamento.
Não que o erro esteja no conceito do equilíbrio orçamental (algo com que qualquer pessoa de bom senso concorda facilmente), mas sim na forma como tem sido aplicado num espaço económico heterogéneo, como é o da UE, desprovido dos mínimos mecanismos de correcção e sem atender a que os destinatários finais dessas políticas são os cidadãos dos estados-membros.
O que a realidade mostra é que a Grécia após o acordo, em meados de 2010, para uma primeira intervenção do FMI e da UE, avaliada em 110 mil milhões de euros, acompanhada da aplicação duma rigorosa política orçamental vive hoje uma acentuada recessão económica e volta a apresentar as mesmas necessidades de financiamento que os milhares de milhões “atribuídos” há um ano era suposto terem resolvido. Então o que correu mal? Terão sido os técnicos do FMI e do BCE que avaliaram mal as necessidades helénicas ou outros factores contribuíram para o resultado actual?
Como é normal a resposta não é assim tão simples. A avaliação terá pecado por prever uma recessão menos grave e o sucesso das medidas de contenção orçamental (redução das despesas e aumento das receitas), o que não se verificou. Confrontadas com aumentos desproporcionados da carga fiscal as populações saíram à rua e o governo grego (por temer o aumento da agitação social ou por genuína incapacidade) nunca conseguiu reduzir as despesas (nomeadamente através dum ambicioso programa de privatizações) aos níveis idealizados; por outro lado a peregrina ideia de resolver um problema de endividamento excessivo mediante o recurso a mais endividamento, não poderia resultar senão em maiores dificuldades no cumprimento do serviço duma dívida que agora se apresenta bem maior que antes.
Tal como aconteceu no caso grego, também na Irlanda e em Portugal (os outros dois estados alvo de idênticos programas) se registará um efeito idêntico e tudo isto apenas porque as “mentes brilhantes” que gizaram o mecanismo de resgate europeu enfermam no seu conjunto de pequenos mas críticos vícios de raciocínio:
1. idolatram os “mercados” e acima de tudo colocam o seu livre funcionamento em detrimento dos cidadãos;
2. têm horror a tudo o aparente configurar uma política de redistribuição social da riqueza em benefício do factor trabalho (por isso significar uma intolerável intromissão na liberdade económica e na promoção da igualdade de oportunidades) mas não rejeitam com igual veemência o processo de claro favorecimento do factor capital, nomeadamente através redução da carga fiscal, grandemente responsável pelo agravamento dos desequilíbrios orçamentais.
O que está aqui em causa não é apenas uma questão de visão política do problema, antes uma clara deturpação da sua verdadeira essência. Bem podem agora argumentar que gregos e portugueses não souberam gerir os fundos comunitários de que beneficiaram durante anos e anos..., facto que sendo verdadeiro não esconde duas outras realidades que aqueles “ideólogos” não querem ver, nem deixar ver: a má gestão que referem aconteceu com o seu beneplácito (senão com o incentivo) e enquanto as suas economias lucraram (e continuam a lucrar) com os “investimentos públicos” gregos e português, não só mediante a venda de bens e serviços aos recém chegados e ávidos consumistas, mas também por via dos financiamentos realizados através dos seus bancos.
E se nos dois casos citados (grego e português) ainda se pode apontar a irresponsabilidade dos governantes nacionais que governo atrás de governo foram sobreendividando as finanças nacionais, já no caso irlandês a origem próxima do colapso foi a inexplicável decisão política de financiar “ad infinitum” os bancos nacionais profundamente envolvidos em processos financeiros altamente especulativos, a expensas da esmagadora maioria da população.
Estes simples factos – o claro enviesamento ideológico que tem presidido à actuação dos poderes públicos que em caso hesitaram na protecção excessiva aos ganhos que o sector financeiro continua a acumular – revelam bem a natureza dos fundamentos habitualmente utilizados para justificar primeiro a adopção de medidas protectoras duma minoria em detrimento da grande maioria e depois, evidenciada a sua clara insuficiência, utilizadas como subterfúgio para a escolha doutras opções que terão de incluir, em maior ou menor grau, alguma forma de renegociação da dívida pública.
De adiamento em adiamento, a UE, o BCE e estados como a Alemanha e a França (para citar apenas os principais) têm contribuído de forma decisiva para o alastramento dum fenómeno que, agora que ameaça duas economias de maior dimensão (a espanhola e a italiana) confirma tratar-se de algo que visa mais que as pequenas economias periféricas da Zona Euro, está a ganhar força e começará já a reflectir-se nas suas próprias economias domésticas, pois importa não esquecer que parte significativa dos bens transaccionáveis vendidos pela Alemanha são destinados aos mercados dos parceiros comunitários (cerca de 65% para a UE e 52% para a Zona Euro[1]) e que uma quebra neste fluxo terá inegáveis resultados negativos na sua balança corrente e que o mesmo se poderá dizer relativamente aos ganhos de capital que aquele excedente permitiu “investir” nas economias comunitárias em seu redor.
A inépcia dos responsáveis europeus chegou a um ponto em que vários antigos dirigentes têm lançado apelos[2] mais ou menos directos à indispensabilidade da definição duma acção política para enfrentar um problema – o do financiamento dos estados - que como o tenho defendido noutras ocasiões[3] não pode estar entregue aos “mercados”[4].
[4] Posição coincidente com a expressa pelo Prof. José Reis, director da Faculdade de Economia de Coimbra, e hoje publicada no I.