domingo, 24 de julho de 2011

MÃO CHEIA DE MUITO POUCO


Quem após a cimeira extraordinária dos chefes de governo da Zona Euro tenha lido os principais títulos dos jornais nacionais ficará com a ideia que muito foi feito em benefício da resolução da malfadada crise das dívidas soberanas e em especial da situação grega e portuguesa.

Títulos como «Europa perdoa 25% da dívida à Grécia, baixa juros a Portugal e previne mais contágio», «Novo plano de ajuda é “grande alívio” para economia grega», «Euro impulsionado por resultados da cimeira» apenas encontram rival no triunfalismo e na euforia com o que assegura que «Portugal pode poupar 676 milhões de euros por ano com nova taxa de juro» e sendo todos mais ou menos verdadeiros – é certo que na cimeira foi acordado proporcionar um novo pacote de 109 mil milhões de euros (a que acresceram mais 50 mil milhões destinados em exclusivo ao sector privado), proceder a uma descida da taxa de juro para 3,5% e dilatar o prazo de amortização do máximo de 15 anos para 30 anos – não é menos verdade que a Grécia, a Irlanda e Portugal irão pagar mais juros em consequência da dilatação do prazo; na prática e para glosar o tema escolhido pela SIC NOTÍCIAS iremos “poupar” mais milhões durante mais anos...

No essencial os líderes europeus tomaram agora (mais de um ano após o início da crise) algumas das medidas que deveriam ter decidido há muito, nomeadamente a de algum reforço da solidariedade entre os estados-membros (expressa na redução da taxa de juro para valores menos usurários) e a aceitação da ideia da inevitabilidade da redução das dívidas (para já aplicada apenas ao caso grego); fizeram-no tarde e porque a pressão, oriunda de quase todos os quadrantes e fortemente agravada com a possibilidade de alastramento da crise a Espanha e Itália, começava a tornar-se insustentável para a própria Alemanha.
Aliás, basta consultar a lista de presenças na reunião para constatar que o convite de alguns influentes banqueiros europeus não terá acontecido por acaso, do mesmo modo que um terço do novo financiamento à Grécia se destina ao sector privado (leia-se correctamente o sector financeiro) e que a ideia defendida pela França de aplicação dum imposto extraordinário à banca desapareceu como por encanto. Para disfarçar o indisfarçável – na prática a Zona Euro reconhece e aceita o princípio da necessidade de redução do valor das dívidas – até «A imprensa alemã dá vivas ao poder de Merkel» enquanto o presidente francês assegura peremptório que «Não haverá plano igual ao da Grécia “para nenhum outro país”», o problema que um e outro são os personagens que desde o iníco desta crise se têm repetido a assegurar que cada medida tomada era a suficiente e que o efeito de contágio às restantes economias da Zona Euro estava garantidamente contido, enquanto na prática vão continuando por resolver os problemas estruturais da moeda única e do funcionamento da UE.

A sucessiva dilação de medidas de fundo que efectivamente invertam o modelo de financiamento dos estados-membros, retirando o poder discricionário que o sector financeiro continua a deter (não será o perdão parcial da dívida grega, traduzido na prática na conversão da dívida em vias de atingir a maturidade em nova dívida com menor valor e maior duração que virá alterar esta realidade) e lançando definitivamente o princípio das “eurobonds” (obrigações comunitárias), continua a ser a realidade que impede a desactivação da “bomba de relógio” que ameaça o conjunto da UE.


Talvez para escamotear esta realidade ou apenas para manter as respectivas expectativas eleitorais é que Merkel e Sarkozy insistem no desgastado e improcedente modelo de concertação privada de soluções[1] que interessam ao conjunto dos cidadãos europeus, tanto mais que continuará a ser dos seus bolsos que sairão os milhares de milhões de euros regularmente anunciados aos sete ventos e que os meios de comunicação se apressam a propagandear sem o mínimo comentário.

E será que os líderes europeus consagraram mesmo todos os instantes da cimeira para discutir a questão da crise ou, como se pode concluir da notícia do PUBLICO informando que o «Estado quer alemães a controlar EDP», também foram “discutidas” algumas outras contrapartidas...


[1] Esta situação é noticiada de forma cada vez mais corriqueira, como o atesta a forma como o PUBLICO noticiou na véspera da última cimeira que «Alemanha e França chegam a acordo sobre crise grega»

Sem comentários: