quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O PAPEL DAS ONG

O incidente recentemente ocorrido no Chade que envolve uma ONG francesa - a Arche de Zoé - e uma centena de crianças que esta pretendia transportar para a Europa, alegadamente órfãos da região do Darfur[1], para serem alvo de adopção, recolocou na ordem do dia uma questão que recorrentemente surge: a da actuação das ONG em cenários de catástrofe.

Há muitos anos que se multiplicam as interrogações sobre a utilidade da maior parte destas organizações. Mesmo sem querer pôr em causa o voluntarismo e a boa vontade que moverá a grande maioria dos intervenientes, casos como este não só deterioram o clima de trabalho das restantes ONG (onde quer que estas operem) como colocam os seus voluntários em situação de crescente risco.

Polémica política aparte – e neste capítulo o governo de Sarkozy terá agido particularmente mal em quase todas as fases do processo quer quando, conhecedor dos contornos da operação ou não, disponibilizou meios militares em apoio da Arche de Zoé para em seguida informar o governo chadiano sobre a acção da ONG e acabar agora pela voz do seu presidente a afirmar que «resgatará todos os detidos seja qual for o crime que cometeram» - e após um completo apuramento das responsabilidades dos envolvidos no polémico assunto (já se fala em pagamentos de vários milhares de euros realizados pelas “famílias adoptantes”) deveria ser dado lugar a um profunda reflexão sobre os modelos de actuação das ONG em acções humanitárias.
Independentemente do evidente conflito de interesses que mantém vivo o que tudo indica seja um cenário de limpeza étnica no Darfur e da inegável tentação de intervenção militar que o governo francês vem revelando, o debate sobre os modelos de funcionamento das ONG e os princípios éticos e diplomáticos que terão que respeitar parece cada vez mais necessário e deveriam ser os principais responsáveis pelas ONG a fomentar e facilitar esse mesmo debate.

Além das questões de natureza ética que deveriam presidir à actuação destas organizações há ainda que considerar a avaliação dos efeitos da sua presença em termos culturais e religiosos[2], porque o facto do Ocidente ter abandonado os modelos colonialistas não significa que os territórios e as populações até há poucas gerações colonizados não sintam ainda o seu prolongado efeito[3].

Neste caso, como em tantos outros no nosso dia-a-dia, é bem adequado o ditado popular que lembra que «de boas intenções está o Inferno cheio» e serão seguramente meritórias todas as iniciativas que contribuam para minorar os efeitos físicos e materiais dos conflitos que um pouco por todo o lado continuam a deteriorar as condições de vida das populações das regiões mais carenciadas, mas que de modo algum interfiram com o direito dos povos escolherem e manterem os seus modelos culturais.
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[1] O Darfur é uma região do Sudão, próxima da fronteira com o Chade, a República Centro Africana e a Líbia, onde decorre um conflito armado, iniciado em Fevereiro de 2003, que opõe principalmente forças muçulmanas de origem árabe aos não-árabes da área; segundo algumas fontes os milicianos estarão a ser apoiados pelo governo sudanês que nega o envolvimento. Embora não oficialmente reconhecido como genocídio a Organização Mundial de Saúde estimava em 2004 que já teriam morrido mais de 50 mil pessoas enquanto diversas ONG apontam para que o número atinja os 400 mil mortos e 2 milhões de deslocados. Enquanto isto, em termos diplomáticos, arrasta-se a decisão tomada pela ONU em Agosto de 2006 de enviar uma força internacional de manutenção de paz face à oposição do governo sudanês.
[2] Recorde-se o caso recentemente ocorrido no Afeganistão com os membros de uma organização religiosa sul-coreana
[3] Exemplo disso mesmo surge neste caso recente quando se debate a nacionalidade das crianças que a Arche de Zoé pretendia transferir do Chade; em regiões onde imperam ainda estreitos laços tribais o conceito de nacionalidade (associado à definição de linhas fronteiriças artificiais que não respeitam os tradicionais limites tribais) é algo de muito vago ou de todo em todo inexistente.

1 comentário:

antonio ganhão disse...

Boa análise. Pois, quando o país é peuqeno todos nós vestimos a pele de Bush, se não acreditam perguntem ao Sarkozy...