terça-feira, 31 de janeiro de 2017

AINDA A REFORMA DO EURO

Numa época em que parece fazer sentido erguer muros no lugar de pontes (veja-se as recentes medidas da administração Trump) aconteceu que final da semana passada «Lisboa acolhe cimeira de sete países do sul da Europa para preparar posições comuns» em temas como: o euro, a economia, o investimento e a convergência, a segurança interna e externa das fronteiras, o terrorismo, as migrações e a cooperação com outros países do Mediterrâneo e de África; sobre os quais «Países do sul da Europa acordam cooperar para Europa “forte e unida”».

Os líderes de Portugal, Grécia, França, Espanha, Itália, Chipre e Malta procuraram deixar claro que o actual «"Tempo de incertezas" obriga a uma "União Europeia mais forte e mais unida"», no que parece significar alguma confluência de intenções, mesmo que os seus os resultados práticos sejam ainda uma mera miragem.


Claro que o tema central de todas as preocupações recai sobre o desenho da Moeda Única e uma UEM que tarda em apresentar-se como um mecanismo eficaz e afirmar-se que a «Reforma do euro centra debate na cimeira dos sete do Sul da UE», quando, a crer na intervenção de António Costa (que pode ser lida aqui, na íntegra) o que se pretende é ir «...aperfeiçoando e completando a União Económica e Monetária, melhorando o Tratado Orçamental e dotando a Zona Euro de recursos orçamentais próprios, dignos desse nome». Algo tão vago e anódino que levou Duarte Marques a escrever no EXPRESSO que «António Costa recupera propostas de Passos Coelho e até faz boa figura».

A revisão do Tratado Orçamental, especialmente na flexibilização do colete de forças legal que está a estrangular qualquer hipótese de rápida recuperação das economias europeias, a criação duma capacidade orçamental própria e a melhoria dos mecanismos da UEM são questões que a progressiva extinção do estafado argumento da inexistência de alternativa revela como cada vez mais candentes e que a anunciada postura da nova administração Trump, que pela voz do seu putativo embaixador junto da UE, Tedd Malloch, vai prognosticando que a «Moeda única pode entrar em colapso nos próximos 18 meses», apenas torna mais urgente.

Parecendo cada vez mais consensual a necessidade de reformar a Moeda Única, parece igualmente evidente que a sua principal limitação deriva do facto de ter retirado aos Estados qualquer papel no processo de criação de moeda, situação que urge inverter fazendo subordinar essa criação ao interesse-geral e não ao interesse particular dum sector económico tão desordenadamente auto-regulado como o sector financeiro.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

A VELHA FACE DA AMÉRICA

As notícias que nos chegam do outro lado do Atlântico, que vão desde o simples «Trump promete a empresários suprimir 75% da regulamentação e baixar impostos» ao discutível «Trump diz que tortura funciona e está disposto a aplicá-la» ou ao preocupante «Trump já assinou autorização para a construção do muro com o México» e «Trump assina decreto para relançar dois oleodutos controversos», serão mais ou menos inquietantes mas perfeitamente enquadráveis no egocentrismo do nóvel inquilino da Casa Branca e merecedoras de futura apreciação nos seus efeitos práticos.

Já a recente notícia de que os «Republicanos do Wyoming querem multar produtores de electricidade que usem energia eólica ou solar» não será um mero reflexo da chegada de Trump à Casa Branca, antes a consequência duma visão redutora da realidade que as franjas mais boçais da sociedade americana há muito nos habituaram. Negar o efeito da acção humana nas alterações climáticas ou defender até ao absurdo o direito ao porte de arma, são apenas dois dos aspectos duma sociedade que ainda não resolveu muitas das suas mais profundas e enraizadas contradições, nem apresenta progressos na formação e educação semelhantes aos do seu desenvolvimento económico.


A origem de semelhante ideia – que por absurdo se poderia comparar à de penalizar os consumidores de água em detrimento dos consumidores de cerveja, porque os primeiros penalizam os lucros dos cervejeiros – afigura-se quase comparável à dos antigos movimentos que nos primórdios da Revolução Industrial defendiam a destruição da maquinaria por esta “roubar” postos de trabalho; não é apenas perigosa no que respeita à conservação da natureza, é reveladora dum pensamento primário potencialmente muito perigoso quando aplicado aos grandes problemas mundiais.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

TRUMP EM WASHINGTON E XI EM DAVOS

A cerimónia da tomada oficial de posse de Donald Trump como Presidente dos EUA coincidirá com o fim da edição anual da Cimeira de Davos, fórum que ficará marcado pela presença de Xi Jinping, o seu homólogo chinês, que na primeira presença dum líder do Império do Meio e num momento em que «Elites de Davos buscam respostas a incertezas mundiais no início da era Trump» deixou bem clara a mensagem onde o «Presidente da China avisa que não há vencedores numa guerra comercial».


Claro que o principal destinatário deste aviso é um novo inquilino da Casa Branca com óbvias dificuldades de afirmação externa, nenhuma experiência política e um currículo empresarial de muito duvidosa qualidade.

A presença de «Xi Jinping em Davos num momento de tensão com os EUA» não é coincidência nem opção para encarar levianamente, tanto mais que a mera referência ao papel dum «Presidente chinês em destaque em Davos face a tendência populista no Ocidente» é, de per si, uma clara afirmação da intenção de ocupar, na cena internacional, o papel central que os EUA se têm revelado incapazes de assegurar e quase seguramente Trump irá degradar com a sua postura megalómana e o seu comportamento errático.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

NOVO BANCO, PROBLEMAS VELHOS

A recente notícia de que o «Banco de Portugal escolhe Lone Star para negociar venda do Novo Banco» por um valor da ordem dos 750 milhões de euros, não terá estalado como uma bomba porque já estamos demasiado habituados a ver contrariadas as melhores previsões sobre o sector financeiro, mas justifica plenamente, como o fez Nicolau Santos em «Novo Banco: o brutal falhanço do Banco de Portugal» «...concluir‑se que o Banco de Portugal não sabe vender bancos. E que Carlos Costa é o pior governador que passou pelo banco central – apesar de continuar a atirar as culpas para cima de outros.»


Recorde-se que quando o Banco de Portugal anunciou a resolução do BES, no início de Agosto de 2014, e o Fundo de Resolução e o Governo PSD/CDS injectaram quase 5 mil milhões de euros na parte sadia do banco que a família Espírito Santo e Ricardo Salgado tinham dirigido, já se questionava se o «Novo Banco vale 4,4 mil milhões de euros?» Dois ou três meses depois o próprio «Carlos Costa admite perdas na venda do Novo Banco» e na primeira tentativa de venda, em Abril de 2015, as «Propostas ficam todas abaixo dos 4,9 mil milhões», para em Agosto já se dizer abertamente que a «Resolução do BES "pode custar muitos milhões aos contribuintes"».

Em finais de 2015 e depois de recusadas propostas de compra do Santander e do BPI, entre os 2 e os 2,8 mil milhões de euros, o Banco de Portugal resolveu contratar um ex-secretário de Estado do Governo PSD/CDS, Sérgio Monteiro, com um contrato de 12 meses e mediante uns parcos 300 e tal mil euros, para gerir adequadamente o dossier; com o contrato já prorrogado e os custos a rondarem o meio milhão de euros, eis que tudo o que o “especialista” conseguiu foi uma oferta de 750 milhões de euros, por um banco com um valor patrimonial declarado de quase mais 6 mil milhões de euros, e ainda a associação duma garantia pública de 2,5 mil milhões de euros, para prevenir qualquer eventualidade...

E, na linha do que o principal responsável pelo nebuloso negócio de privatização da TAP nos habituou, tudo o que conseguiu foi uma proposta apresentada por um fundo de private equity (fundo que habitualmente se designa de “fundo abutre”, por se especializar na aquisição de empresas com grande património imobiliário a preços muito reduzidos, que rapidamente desmembra para vender os imóveis), e que ainda exige contra-garantias públicas de 2,5 mil milhões de euros, que se traduzirão num garantido agravamento de mais 2 mil milhões de euros aos prejuízos já acumulados.

Que adiantam agora declarações de que o «"Processo foi um fiasco" e propostas são "vexatórias"», salvo alguma irrisória pressão sobre os compradores?

Claro que «Perdas que nem Estado nem compradores querem assumir dificultam venda do Novo Banco», mas explicações sobre uma tão rápida erosão de valor do Novo Banco, nem vê-las! O que se vislumbra serão «Seis desfechos para o Novo Banco e nenhum é bom», pois desde: 1) o Estado dar a garantia exigida pelo Lone Star e o Fundo de Resolução arriscar vender o Novo Banco com prejuízo; 2) não dar a garantia, eliminando os riscos mas dificultando a venda; 3) nacionalizar o Novo Banco e ficar com este e a CGD; 4) deixar a CGD (quejá tem a maior fatia de investimento no Fundo de resolução) comprar e absorver o Novo Banco; 5) prolongar a situação de transição do Novo Banco na expectativa de o vir a vender por um preço mais adequado; 6) optar pela liquidação do Novo Banco e procurar vendê-lo por partes; o que temos de seguro é que vender o terceiro banco do país ao Lone Star ou a qualquer outro equity fund, cujo negócio é a dívida e a destruição de empresas para a sua venda a curto prazo, traduzir-se-á, com ou sem garantias adicionais, na destruição de valor e no agravamento dos prejuízos públicos. Da nacionalização, com integração ou não na CGD, resultarão dificuldades adicionais com a UE e previsíveis novas necessidades de capital, o mesmo sucedendo com o prolongamento da situação (na realidade uma nacionalização temporária); a liquidação ordenada poderá permitir a integração das actividades mais importantes e rentáveis noutras instituições financeiras e alguma minimização dos efeitos perniciosos duma venda apressada e sem outro fito que o lucro imediato.

Em resumo, bem se pode dizer que vender ou «Nacionalizar o Novo Banco: como e quanto custa? Ninguém sabe», mas era importante que uma questão desta natureza e dimensão fosse respondida com melhor informação e quantificação de cada uma das alternativas, sem dogmatismos nem histerismos pseudo-ideológicos.

domingo, 8 de janeiro de 2017

A “PÓS-VERDADE” E O POPULISMO

Nos últimos tempos não há meio de comunicação que se preze que, a propósito do “Brexit”, da eleição de Trump,do referendo italiano ou das eleições europeias que se avizinham, não refira a “pós-verdade” para explicar o que lhes afigura inexplicável.

A “pós-verdade”, afinal, não é mais que uma narrativa onde a emoção e as convicções pessoais desempenham um papel mais decisivo na construção da opinião pública que os factos objectivos; por outras palavras, trata-se da aplicação dum princípio geral bem conhecido no marketing, onde o que importa não é a realidade, mas a percepção que dela temos... ou que os demagogos nos vendem. Entrámos no campo ideal do populismo onde alguém apresenta algumas verdades aceites pela generalidade, mas de cuja enunciação duma forma incorrecta, resulta o seu reconhecimento como o novo salvador.


Se alguém reconhecer nesta descrição um qualquer recém-chegado à política não é coincidência, antes é porque ele não passa dum demagogo populista.

Mas isto está a acontecer apenas pelo desgaste dos políticos tradicionais, porque é crescente o número dos que se estão a deixar seduzir por estas novas figuras, ou pelos interesses que os sustentam?

E como podem (e devem) ser combatidos?

E, em boa verdade se diga, que o melhor antídoto continua a residir numa observação e análise criteriosa dos seus discursos e da exigência por políticas de autenticidade. Habituemo-nos a contrariar a aceitação fácil e acrítica do que ouvimos e lemos; pensemos na quantidade de informação que diariamente nos fornecem para no dia seguinte a desdizerem ou contradizerem com a mesma facilidade e ligeireza de sempre. Interroguemo-nos, sempre, sobre quem pode efectivamente beneficiar de cada evento ou ideia que nos apresentam como absolutos e definitivos.

Lembremo-nos que a tão necessária autenticidade pode começar por aqueles que analisem e reconheçam os seus próprios erros... O que no caso europeu significaria:

  • reconhecerem que os critérios de convergência do Tratado de Maastricht resultaram num crescente divórcio entre a política e os cidadãos;
  • reconhecerem que não souberam aproveitar o alerta lançado pelos cidadãos em 2005, quando da rejeição francesa e holandesa do Tratado que propunha uma Constituição para a Europa;
  • reconhecerem que a corrupção globalizada e a sua quase ausência de resposta, levaram a alargar um fosso que outra coisa não faz que multiplicar os problemas:
  • reconhecerem que foram os líderes dos partidos políticos que desgastaram a sua própria legitimidade, quando o mundo globalizado e os partidos deviam ter procurado estruturar-se e converter-se em partidos transeuropeus;
  • reconhecerem sua incapacidade de prever e criar uma visão para o futuro, identificando os principais desafios para as sociedades que pretendem dirigir.
Mas, serão os actuais líderes ocidentais (social-democratas, democratas-cristãos, liberais, ou qualquer outra que seja a sua “família” política) capazes desse passo indispensável para parar a onda de populismo que grassa ou continuam agarrados à ideia que o reconhecimento dos erros (e a óbvia e indispensável correcção possível) destruí-los-ia e aos seus partidos?

Na falta de personalidades carismáticas do passado – Olof Palme, Willy Brandt ou até Mário Soares, que com a suas qualidades e defeitos conseguiram sobrelevar o  interesse geral sobre o particular –, teremos agora que ajudar a criar novas, se quisermos recuperar alguma da dignidade e dos valores que os interesses instalados têm subvertido.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

NA PALESTINA NADA DE NOVO

Aprestamo-nos a encerrar mais um ano e voltamos recordar algumas das grandes questões internacionais que continuam por resolver, com a famigerada Palestina e a não menos aviltada questão do Sahara Ocidental sempre presentes.

Diga-se em abono da verdade que a primeira destas conheceu algum destaque informativo nos últimos dias, devido à aprovação duma resolução (mais uma...) onde a «ONU exige a Israel fim “imediato” da política de colonatos». De imediato ficámos a saber a reacção de Tel-Aviv, na qual «Israel critica abstenção dos Estados Unidos na ONU», pois a única verdadeira novidade foi o facto destes não terem vetado – como habitualmente – mais uma iniciativa de condenação a Israel.


Sabido que estamos em vésperas de mudança do inquilino da Casa Branca, nem se estranha que o seu novo ocupante, Donald Trump, tenha prontamente anunciado que «"As coisas serão diferentes" a partir de Janeiro», facto que em nada acalmou o governo do seu amigo Benjamin Netanyahu que já afirmou que «Israel diz ter “provas” de que Obama orquestrou resolução anticolonatos», como se a política israelita de expansão dos colonatos respeitasse realmente as regras internacionais e tudo isto não passasse duma campanha difamatória.

Simultâneamente não deixa de ser curioso que seja no final da passagem de Ban Ki-moon pela liderança da ONU que tenha surgido esta iniciativa a que o próprio se referiu dizendo que a «resolução da ONU sobre Israel é “um passo significativo”» para apoiar a a visão norte-americana dos “dois Estados”; mas sobre a visão da ONU, se é que ela existe, ou sobre a normal violação das suas resoluções nem uma palavra.

Claro que «Israel não vai cumprir resolução do Conselho de Segurança e ataca Obama» numa estratégia de fuga para a frente porque se espera confortado com a nova administração Trump, mas se este cumprir a promessa de viragem autárcica poderá comprometer a qualidade do respaldo que todas as administrações norte-americanas nunca negaram a Israel na precisa medida em que a viragem para dentro dos norte-americanos será compensada com a emergência doutra potência no seu lugar, que deverá ser menos “amiga” da causa sionista.

Nem mesmo com uma intervenção onde o ainda secretário de Estado «John Kerry diz que paz só é possível com solução de dois Estados» os EUA conseguirão convencer os sectores sionistas mais radicais, que continuando a negar a inevitabilidade da pressão demográfica palestiniana se recusam a inverter a estratégia de afrontamento que escolheram para lidar com a Autoridade Palestiniana.

Mesmo não crendo que António Guterres, o novo secretário-geral da ONU cuja eleição (mais que a de Donald Trump) bem merece a designação de acontecimento do ano, acredite, como o afirmaram o Hamas e a Jihad Islâmica, que a «Resolução da ONU que “apoia palestinianos” representa “mudança positiva”» e admitindo que as suas reconhecidas capacidades de negociação e de influência até possam fazer alguma diferença nos resultados obtidos pela ONU na questão palestiniana, esperar desta resolução uma efectiva melhoria para a região do Médio Oriente tem mais de pensamento dogmático que do pragmatismo que o historial das partes envolvidas exige. Basta recordar que o regime de Tel-Aviv sempre tem encontrado apoio para desrespeitar as resoluções da ONU que não o satisfaçam cabalmente e as que o satisfazem em nada têm contribuído para resolver um conflito que se arrasta desde a declaração unilateral de independência em 1948 (como é o caso da solução “dois povos – dois estados”, que na versão patrocinada pelos EUA se converteu numa solução “dois povos – um estado e outro fantoche”) e contribuído largamente para que a região do Médio Oriente seja, ano após ano, uma crónica zona de instabilidade com evidentes reflexos à escala global.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

SACO CHEIO, SACO VAZIO

A recente confirmação da Bloomberg de que os «Mais ricos do mundo amealharam mais 237 mil milhões» durante este ano que termina não pode deixar de contribuir para cimentar a ideia que cada vez mais vivem cada vez pior.


É triste, mas muito real e com perspectivas de inversão cada vez menos realistas.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

REFORMEM O SISTEMA ECONÓMICO AGORA OU OS POPULISTAS FÁ-LO-ÃO... PARA PIOR

Surpreendentemente, ou talvez não para quem acompanhe regularmente as crónicas que Wolfgang Munchau publica no FINANCIAL TIMES (e que em boa hora o DN tem vindo a publicar em português), começam a ouvir-se cada vez mais opiniões sobre a necessidade de reformar um sistema económico  e financeiro que dá cada vez mais sinais de esgotamento.

No seu último artigo, intitulado «REFORMEM O SISTEMA ECONÓMICO AGORA OU OS POPULISTAS FÁ-LO-ÃO» defende a ideia que «...começaria com uma reavaliação fundamental da gestão macroeconómica moderna, desde os bancos centrais independentes e a deliberação das metas de inflação até aos mercados financeiros desregulamentados e as metas da política orçamental» e deixa logo o aviso que «...se nós, que somos a ordem estabelecida liberal, não fizermos isso, os populistas fá-lo-ão por nós», mesmo considerando que os axiomas que sustentam o sistema não conseguem explicar «...as coisas que vemos à nossa volta: crises financeiras sem fim; uma perda permanente da produção económica; desequilíbrios persistentes, incapacidade dos bancos centrais de cumprirem os seus objectivos de inflação; taxas de juro zero».

Para salvar o essencial Munchau até já aceita discutir o dogma neoliberal da independência dos bancos centrais... mas continua a não dedicar a menor atenção ao problema do controlo privado da emissão de moeda, verdadeiro fulcro da espiral de endividamento público e privado em que vivemos.


No essencial como o seu aviso é destinado precisamente aos fiéis do neoliberalismo desregulador usa o cada vez mais desgastado princípio de aparentar mudar alguma coisa para que tudo continue na mesma e a seguirmos um roteiro que preserva o essencial – o controlo da criação privada de moeda – estaremos a manter intactas as facilidades que levaram ao deflagrar duma crise sistémica que as elites dirigentes insistem que vejamos com os seus olhos benignos e nos regozijemos pelas pequenas mudanças que em nada afectam os seus interesses, do mesmo modo que as grandes causas populistas (a limitação à circulação de pessoas ou o fortalecimento dos aparelhos policiais e militares) apenas contribuem para uma falsa sensação de segurança ou para o aumento dos lucros dos fabricantes e fornecedores de equipamentos a eles associados.

sábado, 17 de dezembro de 2016

TEATRO DA CORNUCÓPIA

Fundado em 1973 por Luís Miguel Cintra e Jorge Silva Melo, levou à cena 126 criações de autores como Molière, Bertold Brecht, Pier Paolo Pasoloni, Gil Vicente, William Shakespeare, Albert Camus, Federico Garcia Lorca, Eurípedes, Paul Claudel, José Tolentino Mendonça, Luigi Pirandello, Henrik Ibsen, Sófocles, Ruy Belo, Anton Tchekov, Rainer Werner Fassbinder, Luís de Camões, Goethe, António José da Silva, Sophia de Mello Breyner Andresen, August Strindberg, Pierre Corneille, Luis Buñuel, Jean Genet, Plauto, Samuel Beckett e Dario Fo, entre muitos outros, ao longo dos últimos 43 anos e lançou nomes que se destacam na cena teatral e cinematográfica, como Nuno Lopes e Leonor Batarda.



Presente esta tarde na última apresentação, o presidente «Marcelo propõe estatuto de exceção para a Cornucópia», mas o fundador e grande animador do projecto «Luís Miguel Cintra mantém intenção de fechar Cornucópia».

Obrigado Luís Miguel Cintra, foi um sonho lindo... que acabou!


sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

AS NOTAS DE MARCELO

Depois de no início da semana se ter deslocado a Nova Iorque para assistir à cerimónia de tomada de posse do seu amigo António Guterres, como novo secretário-geral da ONU, dando assim o devido destaque a uma personalidade nacional e parecendo querer inverter atitudes de despeito do seu antecessor, eis que o presidente «Marcelo Rebelo de Sousa volta a dar notas na TSF».


Capaz do melhor e do pior, mas quase sempre incapaz de resistir ao estrelato mediático, foi a uma antena de rádio prestar-se a um papel indigno e inadequado a quem ocupa a principal magistratura do país.

Ao contrário de Cavaco Silva, de quem poucas vezes ouvimos algo de relevante e cujos discursos de tão tortuosos se tornavam facilmente inextricáveis, Marcelo revela-se sempre pronto a comentar o que quer que seja e assim está a vulgarizar as suas intervenções a ponto de que não haverá mais quem queira perder tempo a ouvi-lo.

Estivemos mal servidos por um presidente pouco culto e notoriamente vingativo e corremos agora o risco de ficar mal servidos por outro cuja cultura dispersa aos quatro ventos.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

UE DESEQUILIBRADA

Conhecidos os resultados dos escrutínios realizados na Europa no passado fim-de-semana, concluídos com a relativa surpresa que foi a confirmação da derrota do candidato de extrema-direita à presidência austríaca e a antecipada vitória do “Não” à proposta de reforma política defendida pelo governo italiano, que deixando antever alguma instabilidade não deverão representar uma significativa mudança nos equilíbrios europeus.


É claro que a UE poderá abanar (o que haverá que não abane a UE?...) mas deverá sobreviver a mais um contratempo, mesmo depois de conhecido que o «Banco Monte dei Paschi di Siena pede ao BCE mais tempo para se capitalizar» face às dificuldades que decorrerão da instabilidade política em Itália.
Mas serão apenas as convulsões políticas que poderão abalá-la ou pelo contrário estas não passam de meros reflexos dum generalizado sentimento de insatisfação perante a degradação das condições socio-económicas da esmagadora maioria dos cidadãos europeus, fruto das políticas desadequadas que os seus líderes persistem em aplicar?

Vem tudo isto a propósito da mais recente vaga de notícias sobre a reestruturação da dívida pública e da mistificação que esta ideia continua a suscitar; mesmo depois do primeiro-ministro, António Costa, ter afirmado que a «UE “não pode continuar a ignorar” o problema da dívida» ou de sabermos que, institucionalmente, «BE e PCP não desistem de renegociação da dívida, PS quer discussão "cumprindo as regras"», persiste o ruído em torno duma questão que para muitos continua a ser tabu, mas já levou ao anúncio de que o «Eurogrupo apoia alívio da dívida grega», mesmo que esse “apoio” se resuma a uma redução nos juros.

Ainda no âmbito nacional (onde até à constituição do actual governo a questão da renegociação, muito mais que tabu, era algo absolutamente impensável) até a presidente do Conselho de Finanças Públicas, Teodora Cardoso, se destacou quando afirmou que «Portugal vai precisar de uma reestruturação da dívida "pela positiva"», mesmo sabendo que aquela sugestão nunca deverá passar por um qualquer perdão de dívida.

Embora também tenha sido noticiado que o «Eurogrupo não discute nem vai discutir juros da dívida portuguesa», o facto é que cresce o sentimento que essa terá que ser uma via obrigatória no futuro. Por muito que tal desagrade aos indefectíveis do virtuosismo da “austeridade expansionista”, a realidade nacional – um governo que aplica políticas de austeridade com maior sensibilidade social que a seita ordoliberal que o antecedeu e que, mesmo graças a uma conjuntura externa favorável, está a alcançar melhores resultados que os dogmáticos obtiveram – mostra que existem alternativas à política anterior, ainda que estas não logrem resolver o que apenas uma adequada reestruturação poderá alcançar: a estabilização das economias europeias numa via de crescimento em linha com o resto das economias ocidentais e que a asfixia de juros e amortizações de dívida impede, quando não assegura que nunca sucederá.

A ideia da inevitabilidade dum processo de reestruturação das dívidas é reforçada ainda pelo facto reconhecido de que a «Dívida global vale mais de três vezes a economia mundial» (216 biliões de dólares, para ser mais preciso e que só a do sector financeiro ascende a cerca de 80 biliões), donde facilmente se conclui que esta é impagável. Embora já o tenha referido no post «O MUNDO FALIDO», retorno a estes números para ressaltar o absurdo da rejeição da reestruturação das dívidas quando, para mais já se reconhece que a crise financeira de 2008 se ficou a dever, em grande medida, à transformação da colossal dívida do sector financeiro em dívida pública.

Como se não bastassem as políticas de redução da carga fiscal sobre o factor capital (com o consequente agravamento sobre o factor trabalho e o que tal implicou na redução do rendimento disponível das famílias, compelindo-as, a par com os estados, ao endividamento como via para a satisfação das suas necessidades) que ao longo de décadas foram cimentando o papel do sector financeiro e que culminaram na economia de casino em que vivemos, na qual se julga mais importante a existência de meios financeiros para assegurar a liquidez dos mercados especulativos que o investimento nos meios produtivos e na sua modernização, eis que agora ainda haja quem defenda que se devem exaurir ao máximo as populações e que pouco ou nada seja feito que afecte os interesses dos poucos que vivem (cada vez melhor...) da especulação na dívida pública, numa UE espartilhada pelas limitações duma moeda única controlada pelo sector financeiro e não pelos estados.

domingo, 4 de dezembro de 2016

VOTAÇÕES EUROPEIAS

O final do dia de hoje pode apresentar-nos um cenário europeu diverso do das primeiras horas do dia. Concretize-se a esperada vitória do candidato de extrema-direita, Norbert Hoffer, nas eleições presidenciais austríacas e um “Não” no referendo italiano – referendo sobre reformas constitucionais transformado num plebiscito onde o primeiro-ministro «Renzi arrisca futuro com referendo» – e estará concretizada um profunda alteração na distribuição de forças (e vontades) em dois dos mais importantes membros da UE.


Confirmando-se que a «Extrema-direita pode vencer presidenciais na Áustria», o país – originado com a derrocada do Império Austro-Húngaro e sobrevivente do Anschluss (anexação com a Alemanha nazi) – conhecerá o primeiro presidente de extrema-direita desde a II Guerra Mundial, o que se deverá traduzir num reforço das tendências nacionalistas que já grassam por outros estados do leste europeu.

Por seu turno, a possível queda de Renzi e a convocação de eleições antecipadas poderá acelerar a ascensão do populista Beppe Grillo e o regresso do famigerado Silvio Berlusconi.
Tudo boas notícias para uma UE que há muito deixou de revelar a menor capacidade para gerir crises de qualquer natureza, salvo o recurso à comprovadamente ineficiente procrastinação responsável pela sua actual letargia.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O NÓ

Pese embora a inegável habilidade que António Costa demonstrou ao longo deste último ano (começando no processo negocial que levou à formação dum inédito governo com apoio da esquerda parlamentar, passando pela negociação com Bruxelas de assuntos delicados como o orçamento e a recapitalização da CGD e acabando na evitável polémica das sanções comunitárias), o muito que se disse e escreveu sobre o processo de recapitalização da CGD e da nomeação duma nova administração que procurou por todos os meios eximir-se à obrigação legal de entregar as obrigatórias declarações de rendimentos e património, acaba por constituir o único escolho no seu percurso.


A demissão de António Domingues (o nome escolhido para liderar uma equipa vinda quase exclusivamente do BPI) tornou-se inevitável e pela sua demora acaba por atirar sobre si uma responsabilidade que deveria ser distribuída pelo Governo e por uma oposição que à míngua de capacidade e de motivos acabou por usar o problema para tentar desgastar o governo de António Costa.

Resta agora esperar que este desate mais um nó – nomear nova administração – para avaliarmos até que ponto a real preocupação de PSD e CDS, que enquanto parceiros no anterior governo forçaram a CGD a vender a sua participação na CIMPOR abaixo do preço de mercado, assistiram (sem qualquer sinal de preocupação) ao acumular de prejuízos e a obrigaram a recorrer às ajudas ao abrigo do programa da troika (quando à evidência o que necessitava era dum aumento de capital),  não vai além do velho desejo de ver a CGD privatizada.

sábado, 26 de novembro de 2016

FIDEL CASTRO

A notícia da morte de Fidel Castro tomou hoje de assalto os meios de informação. Esperada,dado o evidente estado de degradação física daquele que dirigiu uma revolta nacionalista contra o governo de Fulgêncio Batista. A reacção do vizinho norte-americano à substituição dum regime oligárquico e favorável ao domínio económico que vinha exercendo sobre o território, acabou por forçar Fidel e o novo governo a uma aproximação à União Soviética, transformando-o no “perigo comunista” que a crise dos mísseis de Cuba (episódio famoso da Guerra Fria, originado na intenção da URSS  instalar mísseis com ogivas nucleares a escassas milhas da costa americana) confirmaria.


Ainda anterior a este episódio foi a imposição pelos EUA, em 1960, dum bloqueio económico em retaliação pela nacionalização de interesses norte-americanos na ilha, entre os quais, diga-se, se destacava a importante indústria do jogo (sob controlo da máfia) e que perdura até à actualidade. Bloqueio que agravou as condições de vida da generalidade do povo cubano e a implosão da URSS (no início da última década do século passado) transformou num total isolamento da ilha.

Esta morte, por muitos ansiada como potencial fim dum bloqueio desumano, foi celebrada com fogo de artifício e vivas a Donald Trump por milhares de cubanos radicados na Florida, muitos dos quais têm beneficiado do lucrativo contrabando que o bloqueio imposto pelos EUA alimenta e que agora esperam participar na renovação dum país que muito terá a ganhar com a normalização das relações comerciais, mas igualmente a recear do regresso dos “interesses” que levaram a que, no tempo de Batista, a ilha fosse conhecida como o bordel da América.