sexta-feira, 27 de junho de 2014

VONTADE PRÓPRIA

Os desenvolvimentos na situação interna do Iraque, onde as forças “jihadistas” do ISIS (Estado Islâmico do Iraque e do Levante) parecem capazes de manter a pressão militar sobre o regime de Bagdad, continuam a centrar as atenções de vários quadrantes.

No Ocidente continuam as movimentações diplomáticas, confirmadas pela notícia de que o secretário de estado John «Kerry chega a Bagdad para analisar crise no Iraque», enquanto se mantêm em aberto a hipótese de ver regressar os bombardeamentos norte-americanos à região. Depois de Bagdad esteve «Kerry na região curda para discutir crise no Iraque», mas a única reacção conhecida continua a ser a de que, o primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-«Maliki rejeita governo de unidade nacional para travar ISIS».

A estratégia de aparente desinteresse curdo deve resultar da conjugação de factores como a impopularidade do xiita Nouri al-Maliki e da sua política sectária, a par com a opção táctica de aguardar para avaliar quem sairá vencedor do braço de ferro entre sunitas e xiitas; o enfraquecimento do poder em Bagdad e uma eventual fragmentação do Iraque parece a opção que melhor servirá a sua ancestral aspiração ao reconhecimento do direito à formação do estado curdo, preferível ao seu envolvimento directo em prol dum ou doutro dos opositores.

Já para Teerão e Damasco (cujo regime alauita de Bashar al-Assad é um velho aliado dos xiitas) a ascensão sunita e em especial a hipotética formação dum estado islâmico em parte do seu território, é algo tão difícil de aceitar quanto a dum estado curdo, apreciação que partilham com uma Turquia que continua a braços com as tendências independentistas do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) curdo.

Esta intrincada teia de interesses e a frágil estrutura governativa deixada pelos americanos no Iraque, que já levou a declarações onde «Nouri al-Maliki culpa "atraso" dos EUA pelos avanços do ISIS», explica a facilidade como que esta organização tem logrado ocupar ponto estratégico após ponto estratégico no território que reivindica. Outras razões têm sido aduzidas para aquele sucesso, entre as quais avulta a facilidade com que os radicais dos ISIS beneficiaram do armamento e demais material logístico disponibilizado aos opositores de al-Assad sem qualquer garantia sobre a idoneidade e efectivo destino, facto que motivou já escaramuças entre os grupos de opositores das diferentes origens e orientações.

Encontrando na corrente wahhabita (movimento muçulmano ultra-conservador originado na Arábia Central em meados do século XVIII e fundado por Muhammad bin Abd al Wahhab, continua a ter uma forte influência na actualidade política e cultural na Arábia Saudita, no Kuwait e no Qatar) a sua principal inspiração e na facilidade de recrutamento (ver a propósito o artigo de Bernardo Pires de Lima «‘JIHAD’ 3.0») a sustentação para a implantação dum califado islâmico, incluindo a aplicação da “sharia” (lei religiosa islâmica), em territórios maioritariamente ocupados por sunitas, está a ser objectivamente combatida no Iraque e na Síria (o ISIS é uma das várias organizações que se opõe militarmente ao regime de Bashar al-Assad), não beneficia do apoio ocidental e começará mesmo a inquietar as conservadoras monarquias árabes (reconhecidas financiadoras dos movimentos sunitas radicais) a ponto de recordar a situação em que a criatura ultrapassa o criador.


Para entender esta situação, recorde-se que a origem do ISIS deriva do ISI (movimento formado após a invasão americana do Iraque que integrava sunitas a par de “jihadistas” de diferentes proveniências e orientações que encontraram na presença ocidental o cimento para justificar a sua união) que então era ainda marcado por reminiscências dos movimentos “mujhaedin” criados ao tempo da ocupação soviética do Afeganistão. Deste tempo remonta também o apoio financeiro e logístico das conservadoras monarquias árabes (Arábia Saudita e Kuwait) e do Ocidente em geral, que não souberam, ou não quiseram, perceber as alterações conceptuais operadas e se confrontam agora com um movimento bem financiado e bem equipado, que com maior ou menor apoio das populações locais está a tentar redefinir fronteiras numa região onde elas foram desenhadas a régua e esquadro no início do século passado conforme os interesses de ingleses e franceses (ver o “post” «FRAGMENTOS DO CRESCENTE FÉRTIL») e onde agora se digladiam os modernos interesses energéticos.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

UM PAÍS PENDURADO

Precisamente agora que os Portugueses vivem um dos períodos mais negros da sua História recente (quando, miséria das misérias, a selecção nacional de futebol se encontra à beira da eliminação no campeonato mundial da especialidade), chegou às notícias que um «Artista vai a tribunal por ultraje a símbolos nacionais».

Os mais incautos (ou mais empenhados nos rosários futebolísticos) poderiam pensar de imediato que algum entusiasta mais exaltado tivesse rasgado a camisola dalgum craque, mas afinal tudo aconteceu há já algum tempo e resultou dum trabalho realizado no âmbito do curso de Artes Visuais da Universidade do Algarve, quando um dos finalistas, Élsio Menau, apresentou uma instalação que consistia duma bandeira nacional pendurada numa forca, a que deu o sugestivo título de “Portugal Enforcado”. A instalação valeu-lhe na altura uma boa nota (17 valores, segundo o I), uma queixa dum cidadão e agora a presença em tribunal.


O Tribunal, que já ouviu as partes e inclusive que o «Ministério Público pediu absolvição de jovem acusado de "ultrajar" bandeira nacional», promete pronunciar-se daqui a uns dias sobre um evento da maior gravidade para o País: o ultraje a um símbolo nacional.

Por explicar ficam alguns detalhes que gostava de ver esclarecidos. Primeiro, como é que este “crime” chega a julgamento quando em época igualmente próxima o episódio, protagonizado pelo Presidente da República, do hastear ao contrário da mesmíssima bandeira foi apreciado e mandado arquivar pelo Ministério Público? Segundo, como é que o caso chega a julgamento se o Ministério Público vem agora pedir a absolvição?

Da rocambolesca e bacoca pretensão de querer ver punido o acto descrito, como se de um ultraje se tratasse, quando assistimos quase diariamente, da parte dos maiores responsáveis políticos nacionais, ao que ultrapassa aquela classificação para configurar um verdadeiro crime de traição, nem me pronuncio, mas sempre gostava de ver divulgados os custos de tão sui generis iniciativa.

sábado, 21 de junho de 2014

RECONFIGURAÇÃO GEOPOLÍTICA MUNDIAL

Enquanto na opinião da imprensa nacional as questões fundamentais são as quezílias internas do PS, a troca de “galhardetes” entre o Governo e o Tribunal Constitucional, ou a entronização dum novo monarca na vizinha Espanha, cresce na Europa e no Mundo uma luta mais ou menos surda pela definição dos futuros parâmetros da geopolítica mundial.

Após quase seis anos de bloqueio da previsível evolução do sistema unipolar, sustentado num enxurrada de dólares que levou a uma renovação artificial da dependência global face ao dólar dos EUA, a história segue o seu curso e se nada parece ter mudado o facto é que os EUA não conseguiram reanimar a sua economia (ver nesta notícia do The Wall Street Journal, que confirma um crescimento negativo de 1% para o PIB) e a situação real para os americanos tem piorado, com a dívida privada a crescer 2% (ver notícia da CNBC), o sistema de pensões a ameaçar o colapso (como referido aqui) e, a fazer fé nesta notícia da REUTERS, o agravamento das dificuldades financeiras dos municípios.

É que se durante estes seis anos pouco ou nada aconteceu, a crise ucraniana e agressão contra os interesses específicos da Rússia, um dos principais intervenientes do mundo multipolar emergente, e a tentativa de captura económica da Europa pelos Estados Unidos, via TTIP (questão abordada no “post” «O PROBLEMA EUROPEU»), pode assinalar o final daquela estratégia. O mundo estará a dar-se conta que uns Estados Unidos esgotados se estão a converter num perigo, tornando urgente outra solução, que não as que têm sido ensaiadas no interior do G7.


De facto, alguns não têm outra escolha, começando pelos russos que terão sido forçados a lançar as bases duma grande reconfiguração geopolítica mundial ao assinar o acordo de gás com a China (ver esta notícia do New York Times), e abriram um novo canal de distribuição de energia que pode mudar radicalmente um continente até agora dependente do abastecimento de gás líquido por via marítima o que revela as razões da pressão norte-americana para um rápido entendimento com a UE sobre o TTIP e aumenta as reservas com que este deve ser encarado.

E assim, paralelamente à aproximação entre Moscovo e Pequim (que representa a abertura duma oportunidade para os importadores asiáticos renegociarem os preços dos combustíveis), os EUA procuram estender o conteúdo e os efeitos do TTIP que pretendem que os europeus subscrevam a parceiros tradicionais na Ásia, como o Japão e as Filipinas, enquanto a reacesa questão iraquiana lhe poderá fornecer a desculpa necessária à prorrogação do estacionamento de tropas numa região tão importante em termos energéticos como o Médio Oriente.

O problema é que tudo isto exige um esforço financeiro acrescido e essa é precisamente a maior fragilidade da economia norte-americana; mas a limitação dos EUA pode criar a oportunidade para quem assuma que uma solução passa pelo abandono da actual linha de pensamento único, quem sabe recuperando a ideia de “ousar lutar, ousar vencer”!

terça-feira, 17 de junho de 2014

FRAGMENTOS DO CRESCENTE FÉRTIL

Muitos serão os motivos invocáveis (desde a crise na Zona Euro, a famigerada situação político-económica nacional, o aparente apaziguamento com a saída das tropas dos EUA ou até a situação no resto do Médio Oriente) para que a situação no Iraque tenha deixado de ser presença marcante neste espaço. Não que a criminosa invasão decidida por Bush e Blair esteja esquecida (que o digam as populações locais e a generalidade dos povos do Médio Oriente, com especial destaque para o sírio) e ainda menos que os seus perniciosos efeitos se tenham desvanecido, antes e pelas piores razões surgiram novos focos de conflito, prontamente seguidos de reacções como aquela onde o fanático Tony «Blair quer nova ofensiva militar do Ocidente no Iraque».

Saddam Hussein poderia ser o déspota que os cândidos dirigentes ocidentais da época passaram a descrever quando ameaçou começar a cotar o petróleo iraquiano em euros, mas foi, em grande medida, um forte travão às múltiplas divergências étnicas e religiosas numa região charneira para xiitas, sunitas e curdos, que inclusivamente potenciou alguma acalmia na região curda situada no interior das fronteiras turcas.

Parte nuclear do milenar Crescente Fértil e Berço da Civilização, os vales do Tigre e do Eufrates voltaram recentemente ao centro das atenções com a notícia de que organizações sunitas de «Insurrectos tomam Mossul em assalto-relâmpago». A ocupação da segunda maior cidade do país, um dos principais centros da indústria petrolífera e um importante centro cultural (a menos de 500 km da capital), seguida da notícia que «Jihadistas ocupam mais duas cidades iraquianas» sem resistência (no caso as cidades de Baiji, importante centro de refinação petrolífera, e Tikrit, cidade natal de Saddam a apenas 150 km da capital), coloca os «Rebeldes às portas de Bagdade», que o mesmo é dizer a um pequeno passo de aniquilar os benefícios norte-americanos, impostos na sequência da II Guerra do Golfo; estes desenvolvimentos já fizeram soar os alarmes em Washington e da capital do país que é o principal responsável pela situação caótica que vivem os iraquianos, chega a notícia que o presidente «Obama está a analisar "todas as opções" sobre Iraque», pelo que deverão regressar brevemente os raids aéreos sobre o Iraque.

Mas talvez mais grave que tudo isso é a constatação de reduzida capacidade de resposta militar dumas forças armadas que pouca ou nenhuma resistência opuseram, a ponto do governo do xiita Nouri Al-Maliki ter anunciado a distribuição de armas à população, no que aparenta uma manobra desesperada face a uma situação que nem sequer se pode designar como novidade, tantas têm sido as revoltas contra o que sunitas, curdos e rivais xiitas designam de deriva autoritária do primeiro-ministro, que estará nas origens próximas de mais esta rebelião sunita.


É claro que no discurso das autoridades iraquianas não falta a menção do seu papel na luta contra o terrorismo regional – leia-se a Al-Qaeda e o movimento sunita conhecido como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS), um poderoso ramo dissidente da Al-Qaeda que procura implantar um estado teocrático nas áreas de maioria sunita da Síria e do Iraque – facto ampliado pela pronta reacção de apoio chegada de Damasco e do presidente Bashar Al-Assad (também ele a braços com uma guerra civil onde pontifica o mesmo ISIS), que tal como Al-Maliki se esforça pela sobrevivência dum regime contra a militância das respectivas minorias sunitas, que – paradigma da “real politik” – conhecem do lado sírio da fronteira um apoio disfarçado dos EUA contra o regime alauita de Bashar Al-Assad (apoiado pelo regime xiita de Teerão) e do lado iraquiano a oposição à tentativa de substituição do regime pró iraniano de Al-Maliki.

Se esta teia de interesses regionais parecer pouco intricada, deve ainda juntar-se o apoio da Turquia (tanto mais expressivo quando já foi noticiado que a «Turquia pede reunião urgente da NATO para discutir situação do Iraque») ao governo dum Al-Maliki que procura negociar desesperadamente com a mesma minoria curda que o regime de Ancara se esforça em erradicar e o facto do extremismo do ISIS (a organização liderada por Abu Bakr Al-Baghdadi que ocupou o vazio deixado no Iraque pela Al-Qaeda e que tem assumido a responsabilidade pelas acções terroristas que na última década inviabilizaram a pacificação do país) ter levado o actual líder da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, a distanciar-se-lhe.

Ao contrário da ambígua estratégia ocidental para a região – bem evidente perante a recente afirmação onde o alto responsável da administração Obama John «Kerry admite colaborar com o Irão contra islamitas iraquianos» ou a notícia de que «Londres reabre embaixada em Teerão» –, os islamitas do ISIS têm definido de forma clara e precisa um objectivo – a unificação dum território de maioria sunita repartido entre a Síria e o Iraque nos termos do velhinho acordo de definição de fronteiras coloniais entre ingleses e franceses (o acordo Sykes-Picot), assinado em 1916 – e estão a revelar-se capazes de o alcançar. A grande incógnita é o que dele farão!

sexta-feira, 13 de junho de 2014

BRASIL 2014

Iniciou-se ontem mais um Campeonato do Mundo de Futebol, evento global que justifica atenção pelo facto do local onde ocorre – o Brasil – e pelos movimentos de contestação de que tem sido objecto e cujas razões – os gastos faraónicos em estádios e infra-estruturas – deverão ser perfeitamente entendidas por quem ainda não esqueceu o logro nacional que foi a organização do Euro 2004.

É claro que em certa imprensa a imagem que se pretende transmitir do “país do futebol”, tal é a paixão nacional pelo jogo, é que aquelas manifestações se extinguirão logo que comece o campeonato.


Ainda assim, no dia da abertura noticiava-se que a polícia tivera que recorrer a «Gás lacrimogénio contra manifestantes anti-Mundial» e que ocorreram «Protestos em 11 capitais de Estados no Brasil», mas pouco, muito pouco, sobre a realidade social e económica brasileira.

Para colmatar esta lacuna e porque raramente os cabeçalhos são o fundamental da informação, recomendo a leitura do artigo «Classes e rebeliões sociais no Brasil», onde o professor Elísio Estanque deixa uma outra perspectiva da situação, a par com os desenvolvimentos que o cadinho brasileiro promete, mau grado as enormes medidas de segurança que rodeiam os negócios mediáticos deste género, cuja protecção é tanto mais importante quanto maiores são os lucros e as benesses fiscais de organizadores (FIFA) e patrocinadores que já asseguraram a sua repatriação isenta de impostos.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

SOUND BITES MANIPULADORES

Os últimos dias têm sido férteis em afirmações tonitruantes e manipuladoras.

Desde que o Tribunal Constitucional anunciou o seu veredicto sobre algumas das medidas mais polémicas do OGE que não tem passado um dia sem que alguém do Governo ou dos partidos que o apoiam, saia a terreiro criticando aquela decisão, num crescendo que culminou com declarações da vice-presidente do PSD, onde «Teresa Leal Coelho defende que detentores de cargos públicos devem ser “observados”» ou que «Juízes do TC devem ser alvo de «sanções jurídicas».


Quando um dirigente do principal partido da coligação governativa, jurista de formação, produz afirmações deste jaez (numa entrevista que o PUBLICO resumiu sob o título: «“Se os juízes do TC não aceitam a crítica, não têm condições para exercer o cargo”») poucas dúvidas podem restar sobre os conceitos e as ideias que medram nos corredores do PSD, aliás perfeitamente corroborados pela mesma personagem quando afirma que o «PSD foi iludido pelos juízes que indicou para o Tribunal Constitucional», duplamente grave por confirmar a suspeita que as nomeações resultam de meros interesses partidários e a “candura” dos políticos agora “enganados” que julgaram assim ultrapassar o princípio da separação de poderes. 

Quando tal é publicado e a ministra da Justiça (militante do mesmo PSD) não sente a necessidade de vir a público defender a magistratura que é suposto tutelar, fica ainda mais claro o crescente divórcio entre governantes e governados, sentimento que aliás é patentemente extensível a outras áreas da governação, como a saúde, a defesa e a administração interna, pastas onde são notórias as críticas à governação a tal ponto que o que o DN destacou do discurso presidencial do 10 de Junho foi que «Cavaco insta Governo a evitar degradação das FA».

Este é o estado de despudor e de vilania a que um bando de “iluminados” continua a conduzir o país com o beneplácito dum “reformado nacional” que, perante a degradação da sociedade e a apatia do país a que diz presidir, insiste numa desgastada e improvável ideia e nas celebrações oficias do 10 de Junho voltamos a ouvir que «Cavaco pede diálogo e acordo partidário até Dezembro», como se bastasse um entendimento entre PSD e PS para erradicar a cultura de mediocridade e nepotismo que nos levaram onde nos encontramos.

terça-feira, 10 de junho de 2014

NÃO DESLIGUEM OS TELEFONES!

Segundo uma sondagem recentemente realizada, cujo resultado foi ontem publicado pelo I, «Metade dos portugueses dá nota negativa a Cavaco».

Embora o resultado não surpreenda pela novidade e a notícia inclua uma referência a uma ficha técnica que aponta para um erro máximo da amostra de 4,4%, para um grau de probabilidade de 95,5%, nem por isso a minha perplexidade diminuiu. Como é que só 50% dos inquiridos disseram o que dizem na rua, nos empregos e nos cafés?


Será que na hora de sermos sondados todos tínhamos o telefone desligado? ou já antecipavam a mais recente versão presidencial, onde melifluamente «Cavaco defende que é tempo de "o medo dar lugar à esperança"», como se com esta qualidade de gente alguém, senão eles, pudesse ter esperança.

sábado, 7 de junho de 2014

O PIOR CENÁRIO

Não é preciso pensar muito para perceber que a afirmação de que o «Tribunal Constitucional põe em causa governação», significa afinal que o governo de «Passos Coelho questiona limites do Constitucional à governação», como se o exercício do poder pudesse ser ilimitado ou simplesmente balizado por quem perfilha a mesma linha de raciocínio.

Por outras palavras, Passos Coelho & Cª entendem que os votos obtidos à custa da mais mentirosa das campanhas devem sobrepor-se a tudo e a todos e que as leis da República são apenas aplicáveis aos outros. Esta prática de deformar e distorcer a realidade em benefício próprio não constitui recurso recente nem expediente de última hora, antes tem feito parte integrante do arsenal de expedientes a que os governantes se habituaram a recorrer.

Nada do que Passos Coelho & Cª têm feito constitui verdadeira novidade, apenas um degrau mais na panóplia de manipulações, meias-verdades e escandalosas mentiras com que costuma mimosear os cidadãos.

A questão agora fulcral da declaração de inconstitucionalidade de parte determinante do OGE para 2014 é que o «Chumbo do TC vale 750 milhões este ano» acarretando a necessidade de revisão do Orçamento e a elaboração de novas medidas compensatórias. À luz desta necessidade foi compreensível que numa primeira reacção tenha sido assegurado que o «Governo vai "analisar com toda a tranquilidade" acórdão do TC», até porque não se tendo registado qualquer reacção extraordinária nas taxas de juro houve quem afirmasse que «Para os investidores chumbo do TC é apenas “pedra no caminho”», talvez porque afinal o desvio orçamental vale menos de 0,4% do orçamento.

Esta aparente acalmia durou pouco mais que o fim-de-semana, até que se ouviu que o parceiro menor da coligação governativa, Paulo «Portas defende "clarificação do pensamento" do TC». Denunciada a opção e definidas as linhas gerais do confronto, pela voz do CDS, de pronto o «PSD acusa TC de não estar "à altura das responsabilidades"» e avança formalmente com um pedido de aclaração do acórdão, envolvendo a Assembleia da República na polémica.

Rapidamente ultrapassada a fase da “análise tranquila”, PSD e CDS insistem em afirmações bombásticas, como aquela onde Paulo Portas assegurou que o «Chumbo do TC coloca Portugal em "escravidão fiscal"» ou quando o «Governo diz que é "adequado e idóneo" insistir na redução dos salários», reafirmando afinal a clara intenção de persistir no desrespeito da Constituição e do Tribunal Constitucional, enquanto esperam que os cidadãos não questionem as opções de verdadeira “escravidão económica e social” que sobre eles têm sido aplicadas, nem lembrem que o orçamento aprovado inclui uma “almofada financeira” da ordem dos 900 milhões de euros.

Toda esta polémica deveria ter sido evitada por Belém se tivesse enviado o OGE ao Tribunal Constitucional para apreciação prévia, como aconselhava a mais elementar prudência, tantas que eram as dúvidas e as opiniões contra o documento, ou se corrigisse agora aquela opção com uma intervenção forte que pusesse cobro à situação. Mas para isso era necessário que o inquilino de Belém fosse outro que não Cavaco Silva…


…que a estratégia de confronto e vitimização seguida por Passos Coelho não fosse decalcada da teoria das “forças de bloqueio” (desenvolvida pelo agora presidente na fase final da sua passagem pela liderança do governo) e que de momento, continuando a evitar todo e qualquer comprometimento, não veja qualquer razão para dizer mais que «"Uma crise política agora teria um custo muito elevado"».

quarta-feira, 4 de junho de 2014

ABOMINAÇÕES

Enquanto no país assistimos ao desenrolar duma abominável “guerrilha” entre o governo de Passos Coelho e o Tribunal Constitucional, o Mundo continua a mover-se… mesmo quando isso pode parecer anacrónico.

Este raciocínio aplica-se a muito do que está a ocorrer na mais conturbada das regiões do Globo – o Médio Oriente – onde ocorreram (ou estão a ocorrer) processos eleitorais que merecem, dos analistas e comentadores ocidentais, opiniões diversas em função da sua localização e das perspectivas que criam para o Ocidente. Assim, a eleição no Egipto dum general que comandou o mais recente golpe militar merece os maiores encómios enquanto a previsível reeleição de Bashar Al-Assad na Síria é apontada como uma calamidade.

É claro que a eleição do general Abdel Fattah al-Sissi se poderá traduzir numa certa pacificação do país (tanto mais importante quanto a débil economia egípcia depende estruturalmente das receitas do turismo) que pouca ou nenhuma crítica tem recebido, mas saber-se «Sissi proclamado Presidente do Egipto, com 96,9% dos votos» é, como disse o candidato derrotado, o nacionalista de esquerda Hamdeen Sabahi, «“um insulto à inteligência dos egípcios”» e de toda a gente, tanto mais que o mesmo poderá ocorrer em Damasco, com a diferença de que semelhante vitória de Al-Assad será prontamente rotulada no Ocidente de “farsa eleitoral”.


Esta ambivalência, que já acarretou alguns amargos de boca às potências ocidentais e às suas diplomacias, repete o que ocorreu no início de 2006 quando o Ocidente rejeitou a vitória eleitoral do Hamas em eleições na Palestina que redundaram na formação de governos distintos para a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, secessionismo que se arrastou ao longo oito longos anos até que esta semana o «Presidente da Palestina deu posse ao governo de coligação entre a Fatah e o Hamas» e nada garante que esteja resolvido, pois Israel e os EUA continuam apostados em identificar o Hamas com os Irmãos Muçulmanos, movimento islâmico implantado em vários países da região que participou activamente nas revoltas que derrubaram vários ditadores árabes, enquanto apoiam o regime turco de Recep Tayyip Erdogan, líder do AKP (partido islâmico da linha da Irmandade Muçulmana) e chefe dum governo pró-NATO que se está a distinguir pela repressão dos mesmos anseios populares que deram origem à Primavera Árabe.

Generalizadamente designada como Primavera Árabe, as revoltas populares iniciadas em 2010 culminaram com o derrube de regimes como o tunisino (Zine Ben Ali) e o líbio (Muammar Al-Khaddafi), tendo atingido o seu ponto mais alto com o derrube do regime egípcio de Hosni Mubarak, em Janeiro de 2011. Na sequência desta revolta popular, em meados de 2012 e numa segunda volta foi democraticamente eleito um presidente da Irmandade Muçulmana, Mohamed Morsi, que dirigiu o Egipto até que a contestação a uma crescente islamização levou ao golpe militar de Al-Sissi, fazendo com que em pouco mais de três anos se tenha regressado ao predomínio e ao arbítrio duma estrutura militar (algo que Morsi procurou combater) querida aos olhos dum Ocidente sempre predisposto à desconfiança de tudo quando cheire a islamismo.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

EM QUEDA LIVRE

Graças ao “fait divers” da luta interna no PS e à conivência da comunicação social o anúncio na passada sexta-feira de mais um chumbo constitucional a decisões do Governo de Passos Coelho está a passar quase despercebida e quando referida tem-no sido de forma limitada e reduzida ao impacto no OGE, como se tudo se resumisse a uma mera questão de natureza financeira.


É preciso procurar com afinco para encontrar mais que a referência ao anúncio que o «Tribunal Constitucional chumba três artigos do OE2014» ou a menção que o «Constitucional chumba cortes salariais». Sem negar a importância de informar o público que em consequência daquela decisão fica o «Governo obrigado a repor salários de 2010 à Função Pública em Junho» seria de esperar muito mais de quem tem por missão informar os cidadãos.

Excepção feita a um ou outro comentador, o essencial da informação difundida quedou-se pelo óbvio e básico. Até os comentários à fundamentação apresentada pelos juízes de que os «Cortes afectam salários «exíguos» e prestações sociais perto ou abaixo do limiar de pobreza» ou de que a «Redução salarial superou “limite do sacrifício admissível”», à excepção da transcrição duma ou outra declaração mais inflamada de personalidades do PSD ou do CDS, se esqueceram da incongruente decisão de declarar uma medida inconstitucional (cortes nos salários da função pública) sem impor a reversão dos seus efeitos enquanto noutra (cortes nos subsídios de doença e de desemprego) foi, logicamente, imposta a reposição dos valores indevidamente retidos. Nada que afinal espante quem ainda se recorda da decisão sobre o primeiro OGE dos tempos de Passos Coelho, quando os juízes demoraram seis meses para concluírem a inconstitucionalidade do documento mas permitiram que o mesmo conhecesse aplicação prática.

Por referir continua o facto incompreensível do País estar a ser dirigido por um Governo que ainda não conseguiu, ou não quis, apresentar um único Orçamento conforme as regras constitucionais, do mesmo modo que continua por questionar a decisão do Presidente da República de promulgar um documento sobre o qual pendiam profundas dúvidas (bem reais, como se agora se comprovou) quanto ao respeito pela lei fundamental.

Matéria onde não devem existir dúvidas é a de que no areópago dos poderosos ninguém quererá render-se à evidência das evidências – o poder (e quem em torno dele gravita) está entregue à demasiado tempo a quem o desprestigia e nele mais não procura que agendas alheias ao interesse geral – tanto assim que até «Passos diz que chumbo do TC é uma “enorme adversidade”», tentando que não reconheçamos no mesmo mais que o episódio isolado que não é, e que o deixemos persistir na estratégia de queda livre em que nos mergulhou.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

A EUROPA FOI A VOTOS…

Afirmar que a Europa foi a votos deveria ser a melhor forma de retractar a normalidade da vida democrática do mais importante mercado mundial, mas face aos resultados do fim-de-semana mais pareceria uma hecatombe.

Usando uma figura de estilo cara aos modernos líderes liberais (incluindo até os pós-modernos das facções mais radicais), no passado fim-de-semana foi dada a palavra aos agentes do mercado – vendo bem a maioria das campanhas realizadas pelos candidatos não passaram do mero exercício publicitário – que duma forma geral se pronunciaram contra as políticas em curso.


Afinal o voto na extrema-direita francesa ou inglesa, assumidamente contra um processo de integração europeia que tem na sua génese a livre circulação de pessoas, ou na esquerda grega organizada em torno do Cyriza, declaradamente contra as políticas de austeridade e de claro benefício do factor capital em detrimento do factor trabalho, foi um voto contra uma União Europeia altamente burocratizada e organizada para benefício dos “mercados”, cristalizada na sua própria organização e “modus operandi” (que persiste em privilegiar as “negociações de bastidores” à transparência das opiniões populares) e incapaz de qualquer sinal de mudança.

Afirmar-se a «UE inquieta com avanço da extrema-direita» pode nem sequer se traduzir em mudança significativa, se dermos crédito à afirmação de que Durão «Barroso preocupado com resultados eleitorais, mas recusa leituras simplicistas», ou se simplesmente se mantiver o estado de impasse político forjado na falta de capacidade mobilizadora das diversas tendências que grassam no seio da nomenclatura de Bruxelas. Este fenómeno ameaça já estender-se aos deputados recém-eleitos, incluindo os grandes vencedores do UKIP inglês e da FN francesa, onde os líderes «Farage e Le Pen em braço-de-ferro para controlar a extrema-direita» se dizem empenhados na constituição dum novo grupo parlamentar mas que se confrontam com a regra que impõe a participação de deputados de sete estados diferentes – para já poderão contar com os dinamarqueses do Partido do Povo, os alemães do Alternative für Deutschland (AfD), além de finlandeses e húngaros – mas esbarram na relutância em alargar o grupo aos neonazis do partido grego Aurora Dourada.

A tendência eurocéptica estende-se a outros sectores, como seja o agrupamento GUE-NGL (Gauche Unitaire Europénne/Esquerda Nórdica Verde) – que incluirá os portugueses do PCP e do BE e os grandes vencedores das eleições na Grécia, o Syriza – e o EFD (União para a Europa das Nações) que junta pequenos partidos mais ou menos anti-federalistas mas distintos dos princípios mais nacionalistas e xenófobos do UKIP ou da FN, facto que não obviou a que em 1999 nele encontrasse abrigo o líder do UKIP.

Não se confirmando a criação de novos agrupamentos, a distribuição dos eurodeputados eleitos pelos actuais grupos será mais ou menos a seguinte:


pelo que a escolha do novo presidente da Comissão Europeia dependerá de complicadas negociações centradas nas principais forças (PPE e S&D), mecanismo particularmente grato da burocracia de Bruxelas, que a crer na notícia de que o «PPE corteja eurodeputados indecisos para escolher sucessor de Barroso» até já se terá iniciado.

Enquanto isto, na reunião do Conselho Europeu que esta semana teve lugar, foi notícia que «Cameron dá o primeiro passo para uma União Europeia diferente, sem Juncker e sem federação» no que pode ser entendido com uma óbvia reacção aos maus resultados internos do seu partido e assemelhado a uma clara tentativa de capitalizar os ventos de mudança que parecem desejados pelos poucos eleitores europeus que manifestaram a sua opinião (no conjunto do espaço europeu a abstenção foi de 56,9%) e que, para já, não mereceu resposta claramente negativa de Berlim, que persistirá com a ideia de substituir o dúctil Durão Barroso por um europeísta mais convicto, preferentemente o luxemburguês Jean-Claude Junker, mas que o pragmatismo imposto pela nova realidade europeia que se desenha – aceleração da derivação do centro da crise dos países da periferia europeia para os do centro (França e Reino Unido) e alteração dum discurso predominantemente económico e financeiro para uma abordagem de natureza mais política – poderá afinal substitur por outro que melhor sirva os interesses ligados às políticas de rigor orçamental e austeridade social em curso.

terça-feira, 27 de maio de 2014

VOTOS PARA A EUROPA

No passado Domingo votou-se um pouco por toda a Europa para a eleição de deputados ao Parlamento Europeu; a quota portuguesa de 21 parlamentares acabou quase irmãmente distribuída entre os grupos nacionais do costume (PS, PSD e CDS), com o PS a reivindicar uma vitória que, reflectida, deveria exigir grandes mudanças perfeitamente justificadas quando «PS vence por cerca de quatro pontos, abstenção atinge recorde».

Pese embora a escassa diferença, nem por isso a coligação PSD/CDS deixou de ver esfumarem-se mais de meio milhão de votos relativamente às Europeias anteriores (2009) e um milhão e novecentos mil votos relativamente às últimas legislativas (2011); se é verdade que todos os partidos com assento parlamentar perderam votos, os da coligação PSD/CDS foram quase o triplo dos restantes (PS, PCP e BE perderam no conjunto cerca de 700 mil votos) facto que torna quase incompreensível a afirmação de que o «Governo tem condições para vencer legislativas».

A aparente calma nos partidos da coligação não está a ser seguida para os lados do Largo do Rato, pois a escassa margem de vantagem alcançada pelo principal partido da oposição a um Governo generalizadamente criticado levou mesmo a uma reacção interna onde «António Costa diz que vitória do PS "soube a pouco"» ou o histórico Mário «Soares critica Seguro após "vitória de Pirro" do PS», com o EXPRESSO a assegurar «António Costa "naturalmente disponível" para liderar o PS» enquanto a «Coligação tenta aproveitar crise socialista» e «PSD e CDS fazem figas por Seguro».

Mas a figura desta votação, mantendo a tendência dos últimos vinte anos, voltou a ser a abstenção, que chegou acima dos 66% e atingiu novo recorde; nunca fomos tão poucos a votar, pois entre os países europeus «Portugal é o oitavo estado-membro com mais abstenção» apenas ultrapassado por sete estados da Europa de Leste.


Mesmo descontando o facto da evidente distorção nos cadernos eleitorais – com uma população em evidente recuo devido ao aumento da emigração e atendendo ao facto do último senso (2011) ter determinado que para uma população total da ordem dos 10,5 milhões existirem mais de 1,5 milhões de jovens até aos 14 anos, é óbvio que não podem existir mais de 9,6 milhões de eleitores – mantém-se como facto irrefutável o crescimento da abstenção, que depois de ter aumentado 13,3% nas últimas eleições europeias (2009) volta agora a crescer mais 4,5%. Outra forma de olhar para o fenómeno é através da evolução do número de votantes (qualitativamente preferível por afastar a subjectividade do total de eleitores), verificando-se que entre europeias o decréscimo foi da ordem dos 300 mil eleitores e desde as últimas legislativas (2011) a quebra foi superior a 2,5 milhões.

Ao preocupante fenómeno da abstenção temos ainda que juntar o fenómeno ocasional de mais 230 mil eleitores terem votado num partido (o MPT) quase desconhecido. A decuplicação da votação neste pequeno partido, definido como ambientalista e ruralista e que teve Gonçalo Ribeiro Teles como fundador, dever-se-á principalmente ao cabeça de lista proposto, o conhecido e polémico ex-bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto, pois poucos dos que nele votaram serão conhecedores do seu programa.

Este fenómeno, em tudo comparável com anteriores ocorrências, como a do meteórico PRD (o partido com que Ramalho Eanes pretendeu esvaziar PS e PSD) ou a do polémico Fernando Nobre (o fundador da AMI que, depois de ter ensaiado uma candidatura presidencial independente, aceitou integrar uma lista do PSD para o Parlamento e acabou rejeitando o mandato de deputado na sequência do clamoroso fracasso na sua eleição para a presidência da Assembleia), deverá conhecer destino idêntico num futuro próximo e abandonará a cena política sem nada acrescentar de verdadeiramente novo.


Ausência de novidades ou soluções é precisamente a principal imagem que ressalta de mais este acto eleitoral, cujos verdadeiros efeitos em Bruxelas serão objecto de análise futura.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

SÓ RAZÕES PARA VOTAR

Quase a terminar mais uma campanha eleitoral fácil se tornaria recuperar a ideia que novamente os principais partidos e os seus candidatos voltaram a passar ao lado do essencial na sua função – debater ideias e divulgar intenções de actuação.

A olhar apenas para a actual conjuntura europeia e nacional seria de admitir que nunca tal terá sido tão fácil, tantos são os problemas e tão díspares as opções possíveis para os enfrentar que enorme seria o esforço dos candidatos populares e socialistas para lhes escapar senão fosse o cansado recurso ao agitar de fantasmas e à troca de piropos mais ou menos ofensivos. Esforço que, diga-se, é indispensável para tentar disfarçar a sua quase nula relevância no panorama europeu e o facto de, quer nos objectivos quer nas estratégias, quase nada os separar.

Desta lamacenta realidade ter-se-ão distinguido os candidatos dos chamados partidos pequenos (os que nunca tiveram qualquer influência na condução das políticas internas), mas disso a comunicação social não deu destaque, preferindo alinhar na mesma onda de facilitismo e populismo que deverão ser apontadas como principais responsáveis por uma abstenção que não pára de crescer (nem pode quando é cada vez mais evidente a divergência entre os nove milhões e meio de eleitores registados e uma população de dez milhões e meio que nos últimos anos viu emigrar cerca de meio milhão e deve contar com mais dois milhões de jovens sem idade para votar), pois têm-se demitido da sua função e nada têm feito no sentido de contrariar a estratégia desinformativa dos grandes partidos, mesmo quando apelam ao voto enunciando «Cinco razões pelas quais as eleições europeias importam», pois isto só é manifestamente insuficiente para mobilizar um eleitorado que se sente marginalizado – a regra passou a ser a de eleger representantes com base em promessas que nunca pensaram cumprir – e, sobretudo, completamente abandonado à sua sorte.

O desencantamento e uma clara sensação de manipulação poderá nestas eleições converter-se ainda num resultado muito mais perigoso que o da abstenção, caso se confirmem as previsões de vitórias nacionais dos partidos de extrema-direita em França, com a Frente Nacional da Marine Le Pen, e na Inglaterra, onde as sondagens indicam que o «UKIP, o partido que começou como uma piada, pode ficar em primeiro», traduzido numa forte probabilidade de agravar a inoperância do Parlamento Europeu precisamente quando este está a ver os seus poderes aumentados.

Além duma cobertura jornalística facilitista e sensacionalista, de que é claro exemplo o destaque dado à “boutade” em que «Portas apela ao direito à indignação contra Sócrates», a imprensa tem-se esquecido sistematicamente de explicar que os deputados nacionais (propostos e eleitos pelos diferentes partidos) irão integrar, no quadro parlamentar europeu, outros grupos parlamentares, nem sempre coincidentes com a sua distribuição nacional. Assim, por exemplo o PSD e o CDS integram o PPE (Partido Popular Europeu), o PCP e o Bloco integram o GUE/NGL (Gauche Unitaire Européenne/Nordic Green Left), enquanto o PS surge na S&D (Aliança dos Socialistas e Democratas Progressistas).

Esta particularidade, que se repete noutros estados –membros, leva a que a mais recente projecção efectuada pelo Parlamento Europeu e pela TNS Opinion (que pode ser consultada aqui) aponte para os seguintes resultados:


nada que pareça preocupar os líderes do centrão nacional (tanto mais que quando a última «Sondagem dá ligeira vantagem ao PS» partem com a garantia de que nada de substancial mudará) e a crer no I a chanceler «Merkel já decidiu a próxima Comissão Europeia, antes das eleições», anúncio que deve merecer resposta adequada no próximo Domingo, data em que se deverá proceder à escolha (ainda que por via indirecta) do próximo presidente da Comissão Europeia e onde os eleitores poderão ainda afirmar a sua opinião sobre a opção pela política de austeridade vigente.

Como em ocasiões anteriores, nada tem sido ensaiado para que os actos eleitorais recuperem a dignidade perdida, em especial quando os principais candidatos – e os que têm quase exclusiva atenção dos meios de informação -, falhos de ideias próprias (ou impedidos das exprimir pelas máquinas partidárias a que se sujeitam) se limitam a trocar farpas anódinas em lugar de apresentarem uma campanha eleitoral assente no debate de ideias e na difusão de informação potenciadora que do acto de votar resultasse uma opção de escolha consciente e livre; mas a atestar pelo triste desempenho das máquinas partidárias e dos candidatos dos partidos que têm partilhado o poder em Portugal, pelo paupérrimo trabalho de informação e esclarecimento da imprensa e pelo manobrismo que raia o criminoso dos políticos no poder por essa Europa fora, receio bem que os cidadãos europeus deixem escapar novamente esta oportunidade para entregar a sua representação a quem realmente represente os seus anseios.