segunda-feira, 4 de julho de 2016

ESTRANHEZAS


Poucos dias depois dum atentado no aeroporto de Ankara que o governo de Erdogan não conseguiu atribuir aos separatistas curdos e no final do período do Ramadão, surge a notícia que a Arábia Saudita foi vítima de três atentados em menos de 24 horas.


Apontado já como um Ramadão sangrento, pois em cinco dias o Daesh matou 190 pessoas em três países (125 pessoas em Bagdad, 20 em Daca e 45 em Ankara) quase não se fala no estranho facto dos três atentados em território saudita se terem resumido a provocar 4 mortes.

Claro que apenas uma que fosse teria sido uma a mais, mas que estes estranhos números podem sustentar a ideia que os atentados na Arábia Saudita parecem estranhamente benignos e quem sabe talvez motivados por razões estranhamente favoráveis a uma “limpeza” entre a esparsa oposição local à dinastia da casa Al-Saud... ou a afastar a evidente proximidade entre um regime influenciado em demasia pelo wahabismo, corrente sunita radical normalmente apontada como fonte ideológica dos movimentos sunitas extremistas, como a Al-Qaeda ou o Daesh.

A seguir com atenção as notícias (que transpirem para uns meios de comunicação especialmente conciliadores com o regime saudita) dos próximos dias...


quinta-feira, 30 de junho de 2016

A BOMBA-RELÓGIO DO FRACASSO DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA

Mesmo após as eleições gerais em Espanha, concluídas com o mais que óbvio resultado da manutenção do impasse entre as forças políticas tradicionais, a questão fulcral para os europeus continua a ser o “Brexit” como se esta constituísse um fenómeno autónomo ao processo de integração europeia, processo que o Reino Unido sempre abordou de forma enviesada.

Foi assim que os ingleses fomentaram a EFTA,para a abandonarem em 1973 com a aproximação à CEE, e que desde a sua permanência na UE sempre se destacaram pela sua aproximação a Washington e à NATO (caso da invasão do Iraque) ou no fomento das políticas de alargamento ao leste europeu em detrimento da consolidação do projecto europeu. O alargamento aos países do antigo bloco soviético foi o maior fracasso dos 30 anos de construção europeia porque foi movida essencialmente pela ganância das empresas da Europa Ocidental (e dos EUA) e executada a expensas da integração política do continente no seu conjunto.


O flanco oriental da UE é hoje  uma manta de retalhos de países movidos por interesses diferentes, com graus de integração diversos (uns integram a zona Schengen, outros o Euro e outros nem uma coisa nem a outra) e sustentados por interesses de todas as naturezas, pelo que os riscos de desintegração e de conflitos são consideráveis e ameaçam o projecto europeu, tanto ou mais do que a saída do Reino Unido. O recrudescimento da tensão com a Rússia (primeiro a propósito da Geórgia e agora com a questão ucraniana) criou as condições para uma desarticulação duma região agora dividida entre inúmeros interesses e futuros possíveis e marca, com a questão ucraniana, o reaparecimento das extremas-direitas.


Níveis de integração e direitos diferentes criam verdadeiras desigualdades de tratamento na região que ultrapassam em muito as já grandes diferenças em termos de desenvolvimento económico. Se a UE está na realidade longe de ser homogénea, a sua zona oriental situa-se no extremo, quando em termos de salário médio a Bulgária regista um valor que é um terço do salário médio dos países ocidentais mais pobres (inferior a mil euros em Portugal e na Grécia) e inferior ao dos chineses ou nos níveis de pobreza,o que revela um fracasso de convergência económica, que foi no entanto a principal motivação para a sua entrada na UE.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

“BREXIT” A QUENTE!

A decisão ontem tomada em referendo pela saída do Reino Unido da UE, colocando em causa o funcionamento e o futuro da união não anula minimamente a ideia que aquela foi ditada por razões de natureza populista, ou não se tivesse chegado do outro lado do canal a notícia que «Marine Le Penn satisfeita com Brexit defende referendo em França», e que questões como a da falta de democraticidade dos organismos europeus ou do desenho inadequado de tratados e outros instrumentos pouco ou nada pesaram na decisão.
No dia seguinte, tudo continua na mesma...


...Angela «Merkel convoca líderes partidários alemães após referendo britânico», pressagiando que os dirigentes europeus continuam a ignorar estoicamente os verdadeiros problemas duma união que dizem defender, mantendo em funcionamento conclaves de duvidosa legalidade (como o Conselho Económico-Financeiro) e de reconhecida inoperacionalidade (como o Conselho Europeu) para debaterem as condições de saída do Reino Unido quando no seu próprio interior crescem os sinais de dissensão pois a «Escócia e Irlanda do Norte queriam ficar. E já dão sinais de afastamento» que se poderão traduzir na desagregação do Reino Unido e terão seguras consequências noutros territórios europeus como a Catalunha e a Valónia.


O fortalecimento dos movimentos populistas e xenófobos europeus será outra indesejável consequência do referendo britânico que para já pouco contribuirá para a melhoria das instituições europeias e poderá ainda servir de pretexto para agravar a sua entropia.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

“BREXIT” VERSUS “UEXIT”

Decorre hoje, por terras britânicas, um referendo sobre a permanência do país na UE cujo resultado não poderá deixar de influenciar o futuro imediato duma união que se esboroa, surgido não porque o governo de Londres tenha algum projecto significativamente diferente mas porque voltaram a grassar ventos isolacionistas e xenófobos.

Além das óbvias diferenças entre ingleses e escoceses (que em caso de vitória do “não” deverão reacender as tendências autonómicas destes) e da famigerada estratégia que levou os sucessivos governos ingleses a nunca abraçarem declaradamente a causa europeia, a ideia de referendar a permanência na UE tem principal origem em questões de política interna e até entre facções do partido conservador, no poder.


Sabido que a Inglaterra sempre desprezou todas as iniciativas que conduzissem a uma crescente integração do espaço europeu – espaço Schengen, moeda única – e sempre privilegiou o seu alinhamento com Washington – caso da invasão do Iraque e apoio à NATO em detrimento dum exército único europeu – não se estranha que perante a confirmação de que a crise está a alastrar dos países do sul para os do norte se tenha reforçado o discurso isolacionista, pseudo protector dos interesses das populações nacionais, mesmo quando o «Secretário-geral adjunto da NATO avisa que saída do Reino Unido terá impacto na segurança da Europa» ou quando até os «Principais empresários britânicos apelam à permanência na UE».

A leviandade com que a partir de Londres tem sido encarada a construção europeia e a infantilidade de questionar agora a sua continuidade, mais que justificam que a verdadeira consulta popular deva ser a de saber se os europeus querem continuar a suportar o verdadeiro “peso morto” que tem sido a participação inglesa num processo de integração em que estes nunca acreditaram.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

RENDIMENTO BÁSICO INCONDICIONAL NA SUÍÇA

Realizou-se no passado fim-de-semana mais um referendo na Suíça, facto tão habitual entre os helvéticos que talvez nem merecesse referência de maior, não fora o facto do assunto referendado (e a forma como tem sido divulgado nos meios de comunicação) se revestir duma importância que o tempo tornará relevante.

A mera ideia que o assunto em debate se resumia a saber se os suíços querem receber dinheiro por estarem vivos, transmite a absoluta falta de conhecimento sobre o tema e ainda mais um completo desrespeito pela velha arte de informar, pois o princípio subjacente à noção de Rendimento Básico Incondicional está muito além daquele simplismo e actual conjuntura de radical alteração dos paradigmas económicos é o momento certo para o debater.

Não acompanhei minuciosamente o debate na Suíça, mas creio não andar longe da verdade se disser que pouco do fundamental (alteração dos modelos de produção por via da robotização e o que isso implica de redução no número de trabalhadores, pauperização dos mais novos e em especial dos que nunca irão encontrar trabalho, abandono do estigMa social do desempregado preguiçoso...) terá sido debatido quando no próprio anúncio do resultado se centram as atenções em comparações espúrias...


... e em estribilhos depreciativos, dizendo que os «Suíços rejeitam receber 2260 euros por mês só por estarem vivos», quando este montante naquele país não representa sequer 50% do rendimento médio nacional.

É que mesmo depois de vermos o «Rendimento fixo rejeitado por 76,9% dos suíços», não tardará que os até os mais acérrimos defensores do “mercado livre” se vejam obrigados a constatar que num mundo de desempregados não existe “mercado” para defender..

sábado, 4 de junho de 2016

TEMER PELO BRASIL

Enquanto se aguarda a conclusão do processo de impeachment da presidente brasileira, Dilma Rousseff, continuamos a ser regularmente presenteados com notícias sobre o novo governo liderado por Michel Temer, que depois de ter perdido um segundo ministro em apenas 17 dias vê agora umseu terceiro membro envolvido em mais uma suspeita de crime.

Depois de ter perdido o ministro do Planeamento, Romero Jucá viu divulgadas escutas onde se propunha obstruir o processo Lava Jato, seguiu-se-lhe uma semana depois o ministro da Transparência, Fiscalização e Controlo, Fabiano Silveira, por razões idênticas: envolvimento em acções visando o branqueamento de acusações de corrupção.


Além destas duas demissões é ainda conhecido o envolvimento doutros seis ministros do governo Temer no caso Lava Jato, facto por si só particularmente interessante num governo formado por quem se propôs afastar um presidente eleito por alegadas más práticas. Talvez para tentar contrariar esta imagem e ainda o facto do seu governo apenas integrar homens, o habilíssimo Temer optou por nomear para o cargo de Secretária de Políticas para as Mulheres a ex-deputada do PMDB, Fátima Pelaes.

Não fora o facto desta ser conhecida pelas suas posições contra o aborto (mesmo em caso de violação) e a coincidência com o recente caso de violação colectiva duma menor, talvez a escolha até pudesse ser bem acolhida, mas a verdadeira dimensão do valor da equipa governativa de Michel Temer ficou clarificada logo que surgiu «Maisuma suspeita de crime no Governo de Temer» quando foi divulgado que Fátima Pelaes é alvo de investigação devido à acusação de “associação criminosa” para o desvio de 4 milhões de reais (cerca de um milhão de euros).

Se o governo de Dilma Rousseff errou na questão da desorçamentação da dívida (as famosas pedaladas fiscais, na terminologia brasileira) o seu substituto, Michel Temer, não só tem revelado enormes fragilidades de natureza ética (começando nas próprias manobras políticas que culminaram no impeachment como um claro  envolvimento no caso Lava Jato) como uma espantosa capacidade para escolher colaboradores entre os mais duvidosos e inqualificáveis.

E assim, entre o recurso a criticáveis opções de gestão e o claro conúbio de interesses, se continua a hipotecar o futuro de milhões de brasileiros e a arruinar aquela que já foi uma das maiores economias emergentes... em benefício de quem?


terça-feira, 31 de maio de 2016

DE NOVO A MAIORIA SILENCIOSA

O debate de ideias, em qualquer sociedade, deveria ser sempre encarado como factor altamente positivo e fomentador de progresso geral., asserção que é “vox populi” e de tão banal e enraizada nos hábito gerais nem deveria merecer grande atenção; sucede, porém, que regularmente surge quem procure – por interesse próprio ou, pior ainda, para agradar a terceiros – desvirtuar o debate mediante apelos de duvidosa consistência quando não de flagrante indigência intelectual.

Vem esta introdução a propósito duma questão – a proposta de revisão dos contratos de associação promovidos entre o Ministério da Educação e um conjunto de escolas privadas – que saltou para o debate público e de pronto se transformou em mais uma “batalha política” entre os defensores da “livre iniciativa” e os da escola pública., onde não têm faltado interventores, entre os quais destaco um eminente euro-deputado que hoje mesmo publicou no PUBLICO uma interessante reflexão sobre o tema e que intitulou «De novo, a maioria silenciosa. Venha ela».

Claro que, mais que a defesa dos interesses das empresas proprietárias de escolas privadas através dum conteúdo onde despudoradamente acusa o Ministério da Educação do mesmo crise de incumprimento de compromissos que apoiou e aplaudiu no tempo em que o governo era liderado pelos seus correlegionários do PSD e o alvo da acção eram os trabalhadores e os pensionistas, o que me despertou a atenção foi o título do texto. Para os mais novos sempre recordo que a figura da maioria silenciosa é anterior à passagem de António de Spínola pela Presidência da República (1974), quando os seus “fiéis” lançaram um apelo em defesa da sua sobrevivência no cargo, pois remonta aos anos finais da década de 60 quando o famigerado presidente Richard Nixon a invocou em oposição aos movimento de contestação à Guerra do Vietname.

Convenhamos que, vista sobre que perspectiva for (a de Spínola ou a de Nixon), a recuperação de semelhante aforismo e a sua aplicação à “causa das escolas privadas” deixa muito a desejar, pouco fará pelas “escolas” e, claro, ainda menos pelo autor, ou não comparasse ele a situação conjuntural vivida no Verão de 74 com uma medida da mais elementar justiça financeira (suspensão do financiamento público a colégios privadas em zonas onde existem escolas públicas) que a generalidade dos comentadores não contesta.

Em resumo, a histeria que está rodear esta questão e a forma como Paulo Rangel a alimenta (o regresso ao estafado “papão do comunismo devorador de criancinhas”) deixa pensar que o seu verdadeiro receio é o de que a racionalização que esta iniciativa pressupõe venha a ser estendida a outros sectores da actividade económica onde impera uma lógica rentista sustentada a expensas da generalidade dos cidadãos e em benefício exclusivo duma minoria.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

THE TIMES THEY ARE A-CHANGIN'

Ao ler notícias sobre coisas aparentemente tão distintas como a greve dos estivadores no Porto de Lisboa, as famigeradas sanções da UE sobre Portugal ou a forte contestação dos trabalhadores franceses às novas leis do trabalho que o governo Hollande pretende aplicar, veio-me à memória “The Times They Are A-Changin’”, o sentido grito de apelo à mudança escrito por Bob Dylan num momento que pode parecer distante (1963) mas que continua actual.


É que o denominador comum na intenção de aumento da desregulamentação das relações de trabalho (seja no Porto de Lisboa, numa Europa onde se sucedem as «Manifestações em França contra reforma do Código de Trabalho», ou noutro lugar qualquer), a par com a quase histérica campanha para sancionar os estados ibéricos que seguiram à risca as fracassadas políticas da “austeridade expansionista” oriundas da ordoliberal nomenklatura de Bruxelas, é à evidência o temor de ver soçobrar um modelo económico assente na pauperização e precarização dos vastos sectores da população que vivem do trabalho ou de pequenos negócios.

Notícias que dão conta da posição do ministro alemão das Finanças Wolfgang «Schäuble contra adiamento de sanções a Portugal e Espanha» ou onde, o líder do ECOFIN, Jeroem «Dijsselbloem diz haver "razões sérias" para aplicar sanções a Portugal» traduzem principalmente o despudor dos principais porta-vozes do ordoliberalismo, porquanto invocando uma violação da letra dos tratados europeus escamoteiam que a toda poderosa Alemanha também os desrespeita quando há três anos vem ultrapassando o limite máximo de 6% para o superavit da sua balança corrente.
2016-05-26

quarta-feira, 18 de maio de 2016

HUMORES

As notícias dos últimos dias em torno da questão da aplicação de sanções por défice excessivo, nomeadamente ao ser conhecido que o «PPE pediu “força máxima” nas sanções a Portugal», continuam a evidenciar a transformação da UE num centro de pressão política que voga ao sabor doutros interesses que não os dos povos europeus.


Depois de nos últimos dias as notícias em torno da questão da aplicação de sanções por défice excessivo terem variado entre as hipóteses em que «Bruxelas está a considerar a possibilidade de sanções para Portugal e Espanha» ou a de que a «Violação do limite do défice pode não dar sanções», eis que saiu hoje a decisão onde «Bruxelas exige mais medidas para reduzir défice e adia sanções até Julho»... como se o desrespeito pela meta do défice não se reportasse a 2015 ou se esta tivesse a primeira e única vez em que um qualquer estado-membro tivesse incumprido aquela meta.

O estrabismo político dos dirigentes europeus está a atingir dimensões perigosas – clara afronta ao princípio do respeito e da igualdade entre estados – a ponto de até os correlegionários nacionais do PPE («Passos e Maria Luís contra sanções da UE») terem manifestado oposição a semelhante ideia, se é que não o fizeram por mero tacticismo, pois o sancionamento representa uma clara declaração de fracasso da política que estes aplicaram por imposição dos “amigos” de Bruxelas.

Adiando a decisão para data posterior às eleições espanholas, a nomenklatura comunitária volta a repetir a mesma táctica que usou contra Atenas e da qual resultou uma vitória eleitoral do Syriza; será que esperam ver agora um resultado diferente ou são apenas genuinamente incompetentes para compreender que pouco a pouco os povos se vão revoltando contra os diktats neoliberais?

quarta-feira, 4 de maio de 2016

NÃO COMPREENDO

Segundo o NEGÓCIOS, Belmiro de Azevedo, o “patrão” da SONAE, afirmou hoje que "Não sei por que não deve haver economia baseada em mão-de-obra barata"...


Pensando bem e observando o Mundo que me rodeia faço minha alguma da sua perplexidade, pois também não compreendo porque não pode haver economia sem capitalistas super-ricos que se eximem ao pagamento de impostos e sem o mínimo de pudor ético para proferir afirmações daquele jaez.



sexta-feira, 29 de abril de 2016

O SILÊNCIO QUE TEM RODEADO O TTIP

Muito se falou na imprensa sobre a visita de Obama à Europa e em especial sobre o seu encontro com um príncipe inglês de pijama, a ponto de ter sido notícia que o «Roupão do príncipe George está esgotado», quando o que na realidade se deveria ter falado – e muito – era na pressão que este veio fazer para a rápida aprovação do TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) e das graves consequências que este acarretará para todos quantos entendem que há muito mais na vida além dos “negócios”.


Claro que houve quem não deixasse passar a visita sem dizer que «Obama leva a batalha pelo comércio livre à Alemanha», ou não fosse este um dos países que mais se opõe ao tratado dito de comércio livre, que afinal mais não faz que subalternizar o interesse geral (o dos cidadãos consumidores) aos interesses específicos das grandes empresas e que, apesar do quase secretismo (ver o artigo «The great TTIP debate that never was») que tem rodeado o seu conteúdo e o debate das suas vantagens versus inconvenientes, tem sido resumido nas seguintes linhas simples: primeiro, o acesso ao mercado mediante a redução de tarifas; segundo, a uniformização de regras a usar dos dois lados do Atlântico, incluindo as sensíveis negociações sobre a segurança alimentar (o uso de transgénicos e hormonas de crescimento na produção animal); terceiro, a aplicação de regras a questões tão delicadas como a propriedade intelectual, as denominações de origem de produtos alimentares e os mecanismos de solução de conflitos – como escrevi em 2014 no “post” «O PROBLEMA EUROPEU», esta “...questão igualmente polémica e não menos importante prende-se com a inclusão no acordo duma cláusula, designada de “acordo judicial de disputa Estado-investidor”, que possibilita às multinacionais processarem judicialmente, em tribunais especiais, governos cuja orientação política ou leis domésticas entre em conflito com os interesses das grandes companhias” rapidamente transformará os Estados em reféns dos interesses das grandes multinacionais que verão as suas “alegações” ainda mais facilmente sustentadas fora dos tribunais nacionais.

O pouco que se vê referido na informação são previsões de ganhos, onde os promotores estimam que irá beneficiar a economia da UE em 120 biliões de euros, a economia dos EUA em 90 biliões e o resto do mundo em 100 biliões, invariavelmente desprovidas de qualquer suporte factual pois os estudos económicos (se existem) continuam a ser sonegados aos cidadãos.

Não bastando a escassez de informação como argumento suficiente para a contestação ao TTIP e sabendo-se que os EUA já assinaram com uma dúzia de sócios da Ásia e do continente americano o Acordo Transpacífico de Cooperação Económica (TPP), com idênticos termos, mais fácil se torna entender que se fecharem um acordo comercial com a UE, aumentam grandemente as hipóteses de conseguirem impor esse mesmo tipo de tratado a todos os outros países (leia-se China, Índia e Rússia)...


segunda-feira, 25 de abril de 2016

ABRIL, 42 ANOS DEPOIS

Hoje, dia em que celebramos mais um aniversário sobre a reconquista da democracia e da liberdade, deveríamos dedicar uma atenção especial a tentar recordar o que então pensámos e projectámos para o futuro e onde hoje estamos.


Esqueçamos o conceito maniqueísta de “celebrar Abril” e reflictamos um pouco sobre o que aqui nos trouxe... Mais de quatro décadas volvidas em que um verdadeiro turbilhão de acontecimentos mudou radicalmente a nossa vida colectiva, estaremos inegavelmente melhor que então, mas quase certamente muito longe de onde sonhámos poder estar.

Então o futuro éramos nós e estava, em boa medida, nas nossas mãos; hoje parece não termos futuro ou então sentimos perante ele todo o peso duma impotência que nos querem impor. À alegoria das brilhantes “portas que Abril abriu” deixámos que construíssem muros (reais e imaginários) que nos isolam dos outros – até dos que nos são próximos e semelhantes – e, sob a ameaça de desempregos e demais vilanias, nos transformassem em “zombies” políticos e sociais.

No meio da incerteza, da desesperança, da dúvida e de todos os medos, deve emergir a ideia que é urgente recuperar o sonho (aquele que o poeta nos ensinou que comanda a vida...) de querermos ser melhores e todos iguais, mas diferentes!

quarta-feira, 20 de abril de 2016

VERGONHOSO ESPECTÁCULO

Domingo foi dia de votar, no Parlamento brasileiro, o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff e depois de outros casos brasileiros, como o de Fernando Collor de Melo (que renunciou antes da votação), ou americanos, como o de Richard Nixon que não resistiu ao escândalo Watergate, seria de esperar que este decorresse dentro da possível normalidade... e que a notícia de que o «Parlamento brasileiro aprova impeachment da Presidente Dilma» representasse afinal o funcionamento da democracia.

Seria, se o caso não estivesse rodeado de mais que uma natural polémica em torno da actuação política de Dilma Rousseff e se aqueles que defendem (justa ou injustamente) o pedido de impeachment representassem valores éticos e políticos superiores aos da visada. Sucede porém que o presidente do Parlamento, Eduardo Cunha, está ele próprio envolvido no escândalo “Lava-Jato” tal como o vice-presidente, Michel Temer, que se prepara para suceder a Dilma embora também já tenha sido alvo de pedido de impeachment semelhante.


Quando o Brasil se debate com uma crise económica declarada, eis que a sua classe política embala sem hesitação em direcção a uma crise política de dimensão ainda difícil de equacionar. Claro que a vaga de escândalos de corrupção envolvendo grandes empresas e membros dos principais partidos políticos em nada contribui para a credibilidade do processo de impeachment contra Dilma Rousseff, a ponto de haver quem a descreva como uma manobra de encobrimento dos processos judiciais em curso e se aquele pedido vingar no Senado persistirá sempre a dúvida sobre a verdadeira responsabilidade da visada.

O que seguramente não vai deixar de persistir é a imagem duma classe política desgastada, minada pela corrupção e pelo recurso a manobras de bastidores que já levaram a própria Dilma Rousseff a dizer que «"Isso não é impeachment, mas eleição indireta"», agravada ainda pela triste reunião parlamentar, difundida em directo pelas televisões, que justificou perfeitamente o epíteto de «Um vergonhoso espectáculo de hipocrisia».

sexta-feira, 15 de abril de 2016

PARAÍSOS FISCAIS

As sucessivas notícias resultantes da divulgação dos “Panama Papers” não só continuam na ordem do dia como se estão a revelar bem mais interessantes que o mero voyeurismo social deixaria antever. E isso além de positivo deveria servir de ponto de arranque para uma mobilização geral contra a existência dos offshores, sugerida pela notícia que a «UE quer total transparência das grandes empresas quanto aos lucros e aos impostos».

Claro que não têm faltado referências ao assunto e até se diz que «Grandes empresas dos EUA têm 1,4 mil milhões de dólares em paraísos fiscais» ou que alguns famosos (o caso mais recente veio do país vizinho onde «Ministro espanhol pede demissão depois de ser associado a offshore»), mas de forma geral o que ressalta do corpo das notícias e dos comentários que vão sendo publicados é uma clara condenação do aproveitamento de legislações desadequadas ou manifestamente criadas para facilitar e justificar a existência desta aberração económica e social que já levou à afirmação que até «"Os Estados Unidos são um país onde é possível esconder dinheiro"».


Além de poderosas máquinas de lavar dinheiro proveniente de origens duvidosas, os paraísos fiscais são ainda moral e eticamente injustificáveis, tantos são os danos que têm provocado na erosão do tecido social e tanto mais graves quanto aqueles só podem resultar duma estratégia concertada precisamente para o desgaste e desmantelamento das estruturas públicas regularmente apontadas como as responsáveis pelas elevadas cargas fiscais aplicadas aos cidadãos. Veja-se o caso português, que num relatório da OCDE (o 'Taxing Wages 2016', relatório que analisa a evolução da carga fiscal nos 34 países que integram a organização) hoje publicado, onde se confirma que «Portugal foi o país em que a carga fiscal sobre os salários mais subiu» e que classifica «Portugal entre 11 países da OCDE com maior carga fiscal sobre o trabalho».

Embora criados sob argumento de aumentarem a competitividade das economias, os offshores, na sua vertente mais ou menos legal, têm servido fundamentalmente para assegurar meios de evasão fiscal às grandes empresas e às grandes fortunas, e afirmar-se agora que «Não é impossível pôr os ricos a pagar impostos... mesmo no Panamá», poderá não passar de mais uma manobra para ludibriar a opinião pública e evitar que esta exija a extinção, pura e simples, dos paraísos fiscais e a penalização efectiva de quem deles retirou ganhos indevidos.

terça-feira, 12 de abril de 2016

MAIS UM BAD BANK

Enquanto ainda se aguarda para conhecer todos os contornos das operações de saneamento do BPI – que prevê a tomada da maioria do capital pelo espanhol CaixaBank em troca da cedência da sua posição no BFA, de Isabel dos Santos – e de “resolução” do BES e do BANIF, quando o FMI anuncia perspectivas onde a «Zona Euro desacelera com todos os clientes de Portugal a perder gás» eis que volta à primeira linha da actualidade uma ideia onde «António Costa quer limpar de vez o lixo que há nas contas dos bancos», concentrando os créditos malparados num “bad bank” mas deixando intocado o actual modo de funcionamento dum sector bancário sem separação entre as actividades comerciais (captação de depósitos e concessão de créditos) e as especulativas.

Esta ideia de isolar os chamados activos tóxicos segue de perto a solução adoptada pela UE para os sistema financeiros de Espanha e Itália, pelo que não será surpreendente que até o «Presidente vê uma ajuda para fortalecer banca em veículo com malparado», embora, olhando para o crescimento insuficiente de ambas as economias, os resultados parecerem francamente duvidosos.


As reacções à proposta vão desde a já referida, de Marcelo Rebelo de Sousa, até uma onde «Jerónimo de Sousa teme que sejam contribuintes a fazer "limpeza" dos bancos» ou outra onde o «BE diz que veículo para malparado em Espanha causou danos à economia»... Nada de novo, portanto!

Mais curioso foi o comentário de Durão Barroso, dizendo que «"Algo deve ser feito para resolver a questão dos bancos"», o que é especialmente interessante vindo de um ex-primeiro-ministro e ex-presidente da Comissão Europeia que durante o seu mandato pouco ou nada fez de útil a partir de Bruxelas, mas que agora entre recados para a continuação das “reformas estruturais” (leia-se redução do investimento público e continuação das privatizações) nem sequer se esqueceu de frisar a importância do sector financeiro para a economia.

Em termos gerais toda a gente concordará com Durão Barroso, pois é evidente que "algo deve ser feito" para resolver a situação da banca; o pior é que as soluções até agora gizadas entre a nomenklatura europeia – que mereceram o beneplácito do ex- presidente da Comissão – sempre se saldaram em elevados prejuízos para os contribuintes e em claros benefícios para os banqueiros e os seus accionistas, continuando por demonstrar a pretensa indispensabilidade económica dum sistema financeiro primordialmente orientado para a especulação.

Claro que a solução mais rápida e económica para os banksters será sempre o “bail out” (resgate) e em especial se estes continuarem a assegurar-lhes uma quase inimputabilidade, quando o que deveria já ter ocorrido era uma radical mudança no modelo de organização do sector bancário, nomeadamente através do regresso ao princípio da separação entre bancos comerciais e bancos de investimento, vedando aos primeiros a prática de aplicações especulativas e aos segundo o acesso aos depósitos dos cidadãos.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

EXPOSTO

A recente divulgação dos chamados “Panama Papers” (colectânea de 11,5 milhões de ficheiros sobre actividades em offshores, investigados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, que tem como parceiros nacionais o Expresso e a TVI) trouxe à luz do dia muito mais que o que os títulos das notícias resumem. Dizer que um «Escândalo de corrupção envolve 72 chefes de Estado, de Putin a Cameron» ou chamar-lhe «O maior crime de sempre», como fez Pedro Santos Guerreiro no EXPRESSO, não é bem a mesma coisa pois no primeiro caso centra-se a atenção nas personalidades enquanto o segundo remete para o verdadeiro flagelo que constituem os offshores e que ultrapassa em muito a questão da lavagem de dinheiro originado em negócios ilegais (armas, droga e outros tráficos) e expõe de forma definitiva os que a eles recorrem como meio de evasão fiscal.


Tornar claras as suspeitas de conúbio entre o poder económico e o político, é importante e não se deve reduzir aos citados Putin e Cameron, tanto mais que importa não esquecer a referência ao presidente argentino, Mauricio Macri, que ajuda a explicar a ânsia que a que recentemente a «Argentina aprova acordo para pagar a fundos abutres», já que muitos outros nomes virão a público (que o diga o Sigmundur David Gunnlaugsson, de quem já se diz que o «Primeiro-ministro da Islândia é a primeira vítima do Panama Papers»), além de empresários, desportistas (onde já se destacam os nomes de «Messi e Platini na lista comprometedora») e artistas.

Lembrando aquela velha máxima latina que recomenda que “há mulher de César não basta parecer séria...”, o desejável era que à semelhança da mobilização doutros povos (como o caso da Islândia onde logo que o caso se soube «Milhares pedem renúncia do PM da Islândia» seguindo-se a notícia que o «Governo islandês demite-se devido ao Panama Papers»), todos exigíssemos o mesmo tipo de comportamento aos agentes envolvidos, sem esquecer o acréscimo de responsabilidade daqueles que apregoam a sua superioridade moral...

Não constituindo novidade o problema dos paraísos fiscais, não se pode falar em espanto perante a dimensão do que agora se começa a conhecer, nem sequer com a notícia que «Há mais do que 34 portugueses nos Panama Papers»; muitos dos visados virão clamar que nada de ilegal praticaram, pois os offshores até são legais, mas não poderão continuar a esconder que no mínimo têm beneficiado de vantagens fiscais negadas à maioria dos seus concidadãos, ou, como escreveu José Vítor Malheiros no PUBLICO, evitar a confirmação que «Os impostos são só para os trabalhadores e para os pobres», agravando ainda mais a já enorme desigualdade gerada por um modelo de distribuição da riqueza que privilegia os rendimentos do capital em detrimento dos do trabalho.

Dado o já referido carácter legal dos offshores, resumir o problema à afirmação de que os «Casos do Panama Papers serão remetidos para Ministério Público», como o fez o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, é um eufemismo; este é o momento de exigirmos dos poderes estabelecidos uma clara e definitiva alteração das regras dum jogo viciado desde o primeiro instante, mas ao observar a passividade geral – em claro contraste com a rápida e eficaz mobilização dos islandeses – duvido que algo mude além do indispensável para parecer que algo mudou.