sexta-feira, 22 de agosto de 2014

MAIS FANATISMO E INTOLERÂNCIA

Enquanto a notícia do regresso aos bombardeamentos na Faixa de Gaza e ao espectáculo da morte diária da população palestiniana sem qualquer hipótese de fuga dum território cercado foi recebido em Washington com naturalidade, a divulgação do vídeo da decapitação dum jornalista norte-americano capturado na Síria mereceu a mais veemente condenação, com o presidente Obama a proferir declarações que o “Estado Islâmico não tem lugar no século XXI” e que “é um cancro que deve ser extraído”.

Ao contrário do que sugere administração Obama a barbárie subjacente aos dois não pode nem deve ser escamoteada. Envolva um ou centenas de vítimas a violência gratuita devia há muito encontrar-se erradicada, mas tal como uma doença que julgávamos extinta, também o fanatismo e a intolerância parecem regressados para nos atormentarem e usados para esconderem apenas uma realidade: no Médio-Oriente ou no Leste europeu o que se pretende é apenas o controlo das reservas de hidrocarbonetos ou das vias para o seu transporte.

Clama-se hoje a partir de Washington contra o ISIS (o movimento jihadista que visa a instalação dum califado muçulmano entre a Síria e o Iraque) enquanto se procura fazer esquecer o apoio financeiro e material a esse mesmo movimento quando serviu para tentar o derrube do regime sírio e para assegurar a deposição do ex-líder líbio, Muammar al-Kadhafi. Tal como aconteceu com o apoio fornecido a Bin Laden no combate à presença soviética no Afeganistão e no pretexto que os atentados do 11 de Setembro forneceram para justificar as invasões do mesmo Afeganistão e do Iraque, voltamos agora a assistir à mesma sucessão e tipo de eventos, pelo que não será de estranhar se dentro em pouco ocorrer nova movimentação militar na região.


Apesar de horrendo e condenável, o acto agora perpetrado pelo ISIS apresenta-se carregado dum simbolismo idêntico ao que ditou a escolha do alvo do 11 de Setembro e constitui, enquanto acto de propaganda, um marco importante que a reacção ocidental apenas ajuda a alimentar.

Responder ao fanatismo “takfir” (expressão que significa "aquele que renega a Deus" e que identifica uma interpretação mais radical do islamismo, segundo a qual é legítimo matar todos aqueles que recusem a conversão) dizendo do assassinato do jornalista que este morreu em martírio pela liberdade equivale a usar argumentos quase tão radicais e primários quanto os que se pretendem combater, para mais quando dentro da própria comunidade islâmica se fizeram ouvir vozes, como a do mufti egípcio Shawki Allam (ler aqui no Huffington Post) ou a do sheik saudita Abdul-Aziz al-Sheik (ler aqui no Yahoo), condenando aquele acto e classificando o ISIS como um perigo para o Islão e para os muçulmanos. A opção por uma resposta musculada – seja mediante o envio de forças militares para a região seja mediante o simples recurso a meios aéreos – será uma repetição da estratégia de fragmentação da zona, agravada com as administrações de Bush pai e Bush filho, e visando o controlo das reservas de hidrocarbonetos e uma resposta ao recente anúncio de que os «BRICS criam banco para rivalizar com FMI e Banco Mundial», colocando em risco o papel hegemónico do dólar norte-americano e fazendo perigar a continuação do seu uso exclusivo como meio de pagamento do petróleo e dos seus derivados.

O regresso militar à Mesopotâmia, implícito em declarações do Chefe de Estado-Maior das forças norte-americanas quando afirmou que «"É preciso combater o Estado Islâmico também na Síria"», a par com a continuação dos raides israelitas sobre a Faixa de Gaza abre todas as perspectivas para a manutenção da instabilidade numa região fulcral para as principais potências.

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