sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

AS FACADAS DE HOLLANDE

Cada vez mais enredado nas suas conhecidas hesitações, confrontado com uma crescente quebra de popularidade e alvo da recente exposição pública num “affaire” extraconjugal, o presidente francês, François Hollande, reagiu como é devido a qualquer político da sua estirpe e proferiu o solene anúncio duma nova política para uma “França forte”, a qual contrariando as promessas eleitorais, pasme-se, é em tudo idêntica á do seu antecessor e demais congéneres europeus.

Em Paris, como em Lisboa e noutras capitais europeias, o eufemismo passou a ser a figura de estilo dominante na retórica política. Do mesmo modo que, em Lisboa, Passos Coelho fala de “ajustamento” quando a realidade significa “desemprego”, também em Paris não se instalou uma política de “austeridade” mas de “rigor”; rigor sobre o segmento da população que vive do rendimento do trabalho com a contrapartida do alívio sobre os rendimentos do capital.


Distantes parecem os tempos em que Hollande, recém-chegado ao Eliseu, falava para os países do Sul da Europa dizendo que «“Chegou a hora de oferecer aos portugueses uma perspectiva que não seja só de austeridade”», agora que as necessidades políticas levaram a que «Hollande anuncia programa de austeridade para relançar crescimento e emprego» e ao paradoxo de saber que «Hollande quer reduzir Estado para baixar impostos às empresas», depois de ter passado o último ano a aumentá-los, faz com que estes anúncios se assemelhem estranhamente a ominosas facadas.

Menos estranha, apesar de carregada de eufemismo, será a notícia de que a «Alemanha saúda “mudança de paradigma” em França», como se alguma vez tivesse existido uma real e assumida divergência entre Hollande e Merkel (como se o essencial não tivesse sido sempre a convergência de interesses dos sectores financeiros francês e alemão), ou como se a abjuração dos princípios sociais-democratas constituísse novidade para quem calcorreia os corredores do poder.

O cinismo de Hollande e da CDU alemã encontra par à altura no comentário onde o nacional «PSD aplaude Hollande. "Acabou por reconhecer que não tem alternativa"», dizem, como se o debate em torno das alternativas à política da “austeridade expansionista” se limitasse à franja política representada pelo que resta duma social-democracia que fez dos princípios ideológicos um mero vaivém para a disputa eleitoral.

Esta questão da secundarização das ideologias constitui um dos principais entraves ao funcionamento dos Estados (e por extensão da própria UE, que na insignificante figura de Durão Barroso deixou de ter governança própria) cujas administrações foram tomadas de assalto por uma pretensa nova concepção política sustentada no primado das opções técnicas, a maioria das vezes apoiada em meros empirismos ou, pior, em fundamentações erradas. Veja-se o recente episódio do erro detectado na formulação popularizada por Reinhart e Rogoff (ver a propósito os “posts” «ACONTECE…» e «O ERRO DO FMI») que ainda assim continua a ser apresentada como axioma técnico para a justificação dos malefícios do endividamento público em geral.

Com a mesma jactância com que em tempos foi decretado o “Fim da História” (referência ao conceito desenvolvido pelo filósofo e economista norte-americano, Francis Fukuyama, defensor da ideia dum estado mais pequeno mas mais forte e que muito influenciou a actual corrente neoliberal), continua a pretender-se fazer crer aos incautos que as decisões são sustentadas em irrefutáveis análises técnicas quando na maioria das situações traduzem meras opções políticas empiricamente sustentadas, tanto ou mais discutíveis que o seu contrário, que estão a conduzir as economias e os cidadãos para o que cada vez mais se aproxima dum vórtice de destruição social.

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