domingo, 8 de janeiro de 2012

EURO BOMBA


A aparente bombástica novidade transmitida pela notícia do PUBLICO de que a «Grécia admite entrada em bancarrota se não tiver avaliação positiva da troika» merece mais do que uma leitura superficial.


Além da óbvia ideia de que o discurso político parece estar a sofrer alguma mutação, facto que não deixa de ser especialmente curioso por surgir dum governo sem legitimidade eleitoral e formado por tecnocratas, e que esta poderá estar a ser fomentada pela clara oposição das populações à continuação das políticas de austeridade, merece igual ponderação a hipótese das declarações de Papademos não constituírem mais que uma manobra táctica para quebrar a oposição popular grega com o fantasma da falência do Estado.

Em qualquer dos casos continua a merecer destaque a novidade (seja esta de natureza estratégica ou táctica), até porque esta configura uma evidente negação da famigerada tese apocalíptica da inexistência de alternativas.

Além dos esforços que aqui ou ali vão furando o bloqueio informativo[1], particularmente eficaz no âmbito nacional onde jornais, rádios e televisões têm primado por um silêncio cúmplice e cobarde, cabeçalhos como este do NEGÓCIOS onde claramente se diz que a «Grécia avisa que pode sair do euro se não houver acordo com a troika» constituem o máximo que se pode ler ou ouvir entre nós.

Enquanto isto, outros órgãos de informação citam ou abrem espaço para comentários ou textos de opinião autênticas bombas para os ortodoxos) que de forma cada vez mais clara vão desmontando e desmascarando as propostas neoliberais que insistem que a panaceia consiste em sangrar o doente… até à morte, se tal for necessário. Entre aqueles cito o excelente exemplo do LE MONDE, que no início desta semana publicou um artigo de opinião assinado pelo antigo primeiro-ministro francês, Michel Rocard, e o economista, Pierre Larrouturou, cujo título é especialmente esclarecedor ao deixar a interrogação: Porque é que os Estados pagam 600 vezes mais que os bancos?[2]

Nele os autores, além da denúncia, deixam hipóteses de actuação imediata – como seja o financiamento público através do BEI e dos bancos públicos (entidades que ao abrigo dos tratados europeus se podem financiar directamente junto do BCE) e a do refinanciamento da dívida a taxas próximas de 0% - que contrariam abertamente o desgastado argumento da inexistência de alternativas.

O artigo, importante enquanto proposta de actuação alternativa, ignora algumas questões tão determinantes quanto as que aborda. De fora ficaram questões como a do exercício do poder político e a do poder financeiro. A primeira lacuna pode-se considerar parcialmente colmatada com a leitura do artigo que Manuel Maria Carrilho publicou no DN, onde sob o mote de «Uma ponte para lado nenhum» retoma o texto de Rocard e Larrouturou ligando-o às realidades política e ideológica subjacentes aos princípios neoliberais, já a segunda – e tanto ou mais importante que as anteriores, por ser o epicentro da crise sistémica que atravessamos – raramente é mencionada.

A generalidade dos especialistas e analistas que têm abordado a questão da crise das dívidas soberanas, fazem-no na óptica da inevitabilidade das políticas de austeridade ou na da contraposição de algumas alternativas mas sem nunca mencionarem a verdadeira origem do problema. Por vezes lá surge uma referência à distorção que as políticas de distribuição do rendimento têm registado nas últimas décadas, originando uma redução das receitas fiscais e uma maior tendência para o endividamento público mas raramente é mencionado que o verdadeiro malefício resulta do facto dos Estados terem livremente abdicado do poder de criação da moeda, entregando-o em exclusividade ao sistema financeiro.

Uma excepção, a última com que me deparei, são as declarações de Emmanuel Todd[3] numa entrevista ao LE POINT quando defende que a dívida pública não foi originada pelos devedores (Estados) mas pelos credores (bancos e grandes investidores) que vêem esse tipo de dívida como uma segurança acrescida, raciocínio que complementa referindo que «…os super-ricos beneficiaram duma redução nos impostos que lhes permitiu emprestar ao Estado os recursos de que ele próprio se privou. Para não mencionar a auto-proibição do Estado emitir a sua própria moeda, instituído pela lei Pompidou em 1973, e tornada ideologicamente importante pelo mito suplementar dum Banco Central Europeu em Frankfurt, supostamente fora do alcance do Estado...».


[1] Destaque para uma entrevista a Éric Toussaint, historiador e politólogo belga que é o presidente do COMITÉ POUR L'ANNULATION DE LA DETTE DU TIERS MONDE (CADTM) da Bélgica, que pode ser lida aqui.
[2] O texto integral, em francês, pode ser lido aqui.
[3] Demógrafo, historiador, sociólogo, politólogo e ensaísta francês, reputado por em 1976 ter publicado "La chute finale: Essais sur la décomposition de la sphère Soviétique", obra onde antecipou o colapso da União Soviética.

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