sexta-feira, 31 de outubro de 2014

OPINIÕES

Depois de em anos anteriores aqui ter deixado algumas reflexões sobre os Orçamentos de Estado, constatando que sem grande debate ou discussão o Parlamento aprovou hoje na generalidade o quarto OE do governo Passos Coelho/Paulo Portas, limito-me a resumir o seguinte:
  1. A equipa das Finanças (com Vítor Gaspar ou com a “Srª Swapp”) até à data nunca apresentou um OE que não estivesse ferido de inconstitucionalidades nas suas linhas fundamentais;
  2. O OE2014 foi aprovado sem a mínima referência aos evidentes erros técnicos em que assentava, principalmente no que se referia à insistência no uso dum multiplicador orçamental que até o FMI já reconhecera como incorrecto;
  3. O OE2015 adiciona aos erros anteriores uma manifesta desadequação com a realidade económica da Zona Euro, da UE e global, insistindo em projecções de crescimento económico desajustadas da realidade;
nada disto mereceu a mínima ponderação pelos deputados da maioria parlamentar (PSD e CDS) nem estes revelaram o menor incómodo ou dúvida sobre o sentido do seu voto, nem sequer quando a UTAO (o departamento da Assembleia da República que através da elaboração de estudos e documentos de trabalho técnico sobre a gestão orçamental e financeira pública apoia o hemiciclo) pede mais informação sobre orçamento pouco transparente ou quando alerta para risco de sobrevalorização das receitas fiscais.


A menoridade e a subserviência parlamentar é tal que nem quando a «Ministra das Finanças atira para o TC culpas pelo não cumprimento do défice» se ouviu a mínima reacção ao despautério de acusar um tribunal pelo cumprimento das regras estabelecidas pelo próprio parlamento.

Não será pois de estranhar que de hoje a amanhã venhamos a ver um qualquer alegar em tribunal a nulidade do crime de que venha acusado, sob o pretexto da lei não se ajustar aos seus interesses.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

PPD

Nos primeiros anos da III República esta sigla remetia de imediato para a figura de Sá Carneiro e para o partido (Partido Popular Democrático) que fundara com Francisco Pinto Balsemão e Magalhães Mota; pretendendo rever-se nos princípios da social-democracia, mudaria mais tarde a sigla para PSD, assegurou a governação do país em cerca de metade dos últimos quarenta anos.

Talvez saudoso desta reminiscência da sua juventude, o actual primeiro-ministro (cargo que acumula como de presidente do PSD) bem poderia recuperá-la agora que foram conhecidos dois relatórios de reputadas entidades internacionais (a OCDE e a UNICEF) onde se assegura que «Portugal tem uma das distribuições de rendimento mais desigual da Europa» e que a «Pobreza afecta um terço das crianças em Portugal».

Numa jogada digna do seu reconhecido calibre político, Passos Coelho poderia até associar a figura do fundador (fica sempre bem recordar e homenagear o legado de Sá Carneiro) ao regresso à velha sigla PPD. Não com o tradicional significado mas antes com um bem mais moderno e actualíssimo: o de País Pobre e Desigual.


Melhor que o fundador, que nunca fez verdadeira profissão de fé da social democracia, ou que os continuadores, que sempre lhe sobrelevaram o carácter populista, Passos Coelho deixará o inesquecível legado de associar definitivamente o Partido ao País.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

DEBATE SIM, MAS POUCO…

Atendendo ao discurso oficial e por incrível que possa parecer, esta semana houve debate no Parlamento sobre a questão da reestruturação da dívida; claro que tudo decorreu da forma mais asséptica possível com a maioria parlamentar a impor o princípio que «Debate público sobre a dívida sim, mas curto e depois do OE».

Reforçando na prática a pouca ou nenhuma importância que o assunto lhe merece. Enquanto isso a comunicação social prima por esquecer os defensores da solução e assim evitar a divulgação dos seus argumentos enquanto dá espaço aos críticos que questionam a ideia de «Resolver o problema da dívida» reduzindo-a à questão da sustentabilidade (o importante é que dinheiro para honrar os inalienáveis compromissos com os credores, mesmo que isso implique a violação dos compromissos assumidos com a generalidade da população) ou chalaceando sobre a auditoria à dívida (transformada numa paródia entre dívida boa e dívida má), para concluir que o importante é não gastar mais que o que se recebe.


Sobre o facto da pretensa sustentabilidade assentar no pressuposto de que a economia portuguesa precisa de crescer a uma taxa mínima de 4% ao ano (algo que nas últimas décadas não tem sido alcançado nem pela “moderna” e “poderosa” economia alemã) ou de que a auditoria à dívida constitui um imperativo ético e pedagógico que revele a incúria e inépcia que conduziram as contas nacionais ao seu estado actual, nem uma palavra.

Mesmo quando se houve anunciar que «Portugal vai pagar 60 mil milhões em juros da dívida até 2020» (um montante quase igual ao que “recebeu” ao abrigo do resgate da “troika”), nada parece alarmar as vozes bem informadas que insistem no salutaríssimo princípio de que as “dívidas são para pagar” e que se “andámos a viver acima das nossas posses”, agora temos que pagar… o pior é que a realidade, nomeadamente a revelada na proposta de orçamento para 2015 onde os «Gastos em estudos sobem 32% para 766 milhões» e o aumento dos consumos intermédios já ultrapassa as “poupanças” realizadas nos anos anteriores, mostra cada vez mais que é a máquina da Administração quem tem vivido acima das nossas posses.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

ADEUSINHO

Em vésperas da aprovação da próxima Comissão Juncker «Durão Barroso despede-se da Europa», da mesma forma que pautou a sua passagem por Bruxelas, com um flanante «Goodbye, au revoir, auf Wiedersehen. O adeus de Durão Barroso ao Parlamento Europeu» foi condizente com a nulidade da sua liderança.


No improviso com que se dirigiu aos deputados europeus deixou, talvez inconscientemente, um claro retrato da sua actuação quando salientou os apelos dramáticos (sic) com que enfrentou as várias crises que assolaram a sua presidência da Comissão Europeia; o que Durão Barroso não referiu – nem precisava pois a memória colectiva ainda está bem fresca – é que deixará o seu nome indelevelmente associado ao processo de esvaziamento de poderes da Comissão.

Em Bruxelas, como em Lisboa, Durão Barroso poderá ter sido um afável mordomo (aliás essa foi a característica claramente evidenciada durante a famigerada cimeira Bush-Blair que ditou a invasão do Iraque que lhe valeu a ascensão na UE), mas nunca um líder à altura das necessidades. Sem outras convicções além das inerentes às necessidades da sua própria sobrevivência, Durão Barroso pactuou silenciosa e obedientemente com a fragmentação de poderes derivada da criação da presidência do Conselho Europeu (personificada também num personagem politicamente menor e amorfo, como Van Rompuy), confirmando para a História a proverbial imagem da tibieza lusa.

Sai agora de cena (pela porta pequena da História) sacudindo responsabilidades (a culpa foi dos líderes nacionais que não da sua menoridade) e seguramente em direcção a outros voos mais altos…

sábado, 18 de outubro de 2014

PELA BOCA MORRE O PEIXE

Quando alguma da poeira começa a querer assentar sobre o fim do BES, talvez já se possa escrever algo mais que o mero lugar-comum de vituperar Ricardo Salgado (o banqueiro falido) pela catástrofe, ou endeusar Carlos Costa (o governador do banco central) pela solução sem custos para o contribuinte, quando afinal a «Ministra já admite custos para os contribuintes» e até «Passos Coelho também admite que contribuintes podem ter de suportar perdas», talvez julgando que já esquecemos que «Passos, Maria Luís, Costa e Cavaco: todos garantiram que não havia custos para contribuintes com resgate do BES».


O fim do Grupo Espírito Santo (GES) e do BES constitui um inegável marco na história empresarial nacional contemporânea, história a que não tem faltado quem lembre o feito notável da recuperação duma família que, espoliada na sequência do 25 de Abril de 1974, veio em 1986, com a reabertura do sector financeiro à iniciativa privada, a reconstruir e ampliar o seu império empresarial, graças ao seu esforço e à sua superior capacidade de liderança e condução dos negócios. Da singela casa de câmbios e de venda de lotarias, fundada em 1869 por José Maria do Espírito Santo Silva, até ao império financeiro e industrial agora desmoronado passámos do capitalismo industrial ao apogeu da sua vertente financeira, como o que isso representou de miséria humana e de desenvolvimento social.

Mesmo longe do balanço final, há uma conclusão já hoje inegável: a extinção do BES é mácula indelével no dogma da superioridade da gestão privada sobre a congénere pública. Esta conclusão não constituirá novidade universal, mas tem sido tal a sanha dos seus defensores e tamanha a menorização dos seus contraditores que de tão repetida a mentira ganhou foros de verdade. Sendo garantido que a qualidade da gestão depende directamente da qualidade da equipa gestora, tem sido facto corrente (transformado também ele em verdade absoluta) que o modelo de nomeação política dos gestores públicos redunda quase inevitavelmente na escolha dos menos capazes.

Houvesse outro empenho na selecção que não o da satisfação das clientelas políticas e o dos interesses privados ávidos do rápido (e barato) acesso aos bens públicos e o tecido produtivo nacional não estaria destruído a ponto da quase irrelevância (como o comprova a situação da PT e da TAP), nem serviços da relevância dos CTT (a importância para a coesão social dum serviço postal público é tal que nem os EUA alguma vez pensaram privatizar a US Postal) nunca teriam sido vendidos como foram.

O dogma que a realidade agora desmascarou já nos custou demasiado, mas há quem continue a negar a evidência e, quando a «Maioria rejeita iniciativa de cidadãos para manter água no domínio público», insista na maior das vilanias: a privatização das águas.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

MALES MENORES

As notícias este semana difundidas – mesmo variando entre a peremptória afirmação que o «Estado Islâmico toma cidade fronteiriça de Kobani» ou mais comedida, onde o «Estado Islâmico recua em cidade que faz fronteira com a Turquia» – não reflectem apenas a realidade no terreno nem o fracasso duma solução ocidental assente na mera utilização de meios aéreos contra as forças no terreno.


Quando a administração Obama anunciou a formação duma coligação internacional contra uma organização que se intitula de Estado Islâmico e reivindica a ocupação dum território “roubado” à Síria e ao Iraque, já se sabia da sua composição heterogénea e da limitação a uma táctica limitada. Ainda não refeitos das ocupações militares do Afeganistão e do Iraque, os americanos pretendem resolver a situação mediante o simples recurso a bombardeamentos aéreos; porém, as bem equipadas forças do ISIS (sem esquecer o muito armamento capturado ao exército iraquiano, há quem assegure até que o «Armamento do Estado Islâmico vem dos EUA e da China») têm logrado resistir melhor que o fez há anos o desmotivado exército iraquiano.

Quando, no âmbito da recém-constituída coligação, «Turquia e EUA decidem colaboração conjunta contra Estado Islâmico» não ficou claro o papel daquele estado islâmico como não ficou o das petro-oligarquias da península arábica, especialmente porque destas (Arábia Saudita, Bahrein, Qatar…) derivam as principais fontes de financiamento do ISIS; certo é que as monarquias sunitas nunca esconderam o apoio aos “jihadistas” que no terreno têm combatido regime alauita da Síria (pró-iraniano xiita), sentimento que partilham com a Turquia a par com o horror à constituição dum estado curdo (é histórico o receio que os curdos sempre infundiram nos árabes).

Nesta contradição poderá estar a razão para o relativo sucesso dos “jihadistas” do ISIS, dotados de armamento pesado, na sua luta contra os “peshmergas” curdos que americanos e árabes insistem em equipar apenas com armamento ligeiro. Outros sinais deste problema surgiram quando o presidente turco «Erdogan antecipa queda de Kobani mas atribui as culpas aos EUA», ou quando se anuncia que a «Turquia não quer deixar cair Kobani mas recusa ser arrastada para a guerra».

Divididos entre o risco de armar e apoiar os combatentes peshmergas” curdos e o de ver «Bandeiras do Estado Islâmico hasteadas na fronteira da Síria com a Turquia», mesmo admitindo que «Kobani ateou revolta curda e ameaça pôr a Turquia de novo a ferro e fogo», Ancara parece não ter hesitado em manter os seus «Tanques parados a observar a guerra», escolhendo assim o que entende como o mal menor.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

ELES ANDAM AÍ…

Na sequência da notícia o primeiro caso de contaminação pelo Ébola na Europa, para mais na vizinha Espanha, não faltaram declarações de responsáveis assegurando que «“Portugal está bem preparado” para fazer face ao surto de ébola, garante Paulo Macedo», o ministro da Saúde do governo de Passos Coelho.

O problema é que se o nível de responsabilidade e de organização naquele ministério for equivalente ao dos seus congéneres da Educação e Justiça, bem podemos recear que no prazo de quinze dias estejamos todos mortos, a menos que…



segunda-feira, 6 de outubro de 2014

CONVERSAS…


A celebração da Implantação da República voltou ontem a ser assinalada sob o opróbrio imposto pela iníqua decisão que, com o beneplácito presidencial, lhe retirou a qualificação de feriado nacional.

Não desapareceram as cerimónias oficiais nem os discursos de circunstância mas está a perder-se a memória colectiva, como o comprova o teor do discurso oficial onde «Cavaco critica promessas irrealistas e defende contenção dos défices»


A amnésia revela-se em toda a sua dimensão pois quem terá esquecido que no que respeita ao tema glosado foi o orador o responsável pelo anúncio em vésperas de eleições da maior subida de sempre nos vencimentos da função pública. Mais, quem, senão o próprio, pode esquecer que Cavaco é dos políticos com mais tempo de função de governação (entre o cargo de ministro das Finanças, Primeiro-ministro e Presidente da República acumula quase duas décadas), logo de responsabilidade acrescida na situação que o País atravessa.

Será então espantoso ouvi-lo distribuir críticas em redor como se de um virtuoso, ou recém-chegado, se tratasse?

A sobejamente conhecida faceta de Cavaco, que o acompanha desde os primórdios da sua carreira política e sempre o levou a não se comprometer e a enjeitar responsabilidades, retira muito do fundamento à questão de saber «Quem escreveu o discurso de Cavaco?» enquanto justifica as críticas que de imediato se ouviram, lembrando que o PR devia ter feito autocrítica ou que não assumiu as suas responsabilidades.

Não é pois espantoso que o primeiro magistrado da república tenha sacudido toda e qualquer responsabilidade na situação que criticou, como não foi estranho que tivesse aceite em silêncio a menorização das comemorações da Implantação da República nem a da sua própria função quando optou por receber a pensão de reforma em detrimento do inferior salário de Presidente da República.


sábado, 4 de outubro de 2014

OS TRABALHOS DE JUNCKER

Enquanto internamente se vive o rescaldo das eleições primárias do PS, a novidade da formação de novas forças políticas (Livre e PDR) e há quem continue especialmente embrenhado na polémica passagem do primeiro-ministro Passos Coelho por uma ONG cujo dinheiro era todo gasto com pessoal, no plano europeu continuamos a assistir ao triste espectáculo duma UE mergulhada na sua própria ineficácia, tendo como pano de fundo uma situação em que uma «Guerra esquerda-direita ameaça decapitar Comissão Juncker», quando se anuncia que está a «Actividade económica na zona euro em mínimos de um ano» e se diz que, na sequência da reunião desta semana do BCE, o anunciado «Pacote Draghi é insuficiente para reavivar economia do euro».


Mesmo para quem não esperava nada de especial da próxima Comissão Europeia, a notícia de que «Juncker escolhe um braço-direito e quatro coordenadores», todos fortemente enfeudados ao “status quo” (como explicou esta semana a eurodeputada Elisa Ferreira no artigo «Nova Comissão Europeia: tudo na mesma?»), não augura nada de significativamente positivo num momento em que a UE atravessa uma das suas fases mais delicadas.

Embora o confronto entre conservadores e sociais-democratas/socialistas no Parlamento Europeu se traduza numa situação em que os «Eurodeputados querem mais explicações dos nomeados para a Comissão de Juncker», nada garante que a próxima Comissão represente uma efectiva mudança na orientação política seguida no consulado de Durão Barroso ou em qualquer inflexão na vigente ortodoxia económica de orientação ordoliberal, que está a condenar a Europa a um ciclo recessivo, hipótese cada vez mais forte quando além da referida quebra na actividade económica já se começa a falar que a Alemanha, «Motor do euro já dá sinais de contracção».

Até agora a comissão liderada por Durão Barroso tem secundado as teses germânicas do equilíbrio orçamental a qualquer preço, mas qual será a reacção do seu sucessor, Jean-Claude Juncker, agora que a Alemanha ameaça entrar ela própria em recessão. Persistirá no discurso de Berlim que a crise deriva do despesismo populista e será rapidamente substituída pela acusação prontamente lançada sobre as sanções económicas impostas à Rússia (especialmente agora que já é público que o vice-presidente norte-americano Joe «Biden afirma que EUA obrigaram UE a impor sanções contra a Rússia») na sequência da crise ucraniana, ou assumirá que as verdadeiras origens da crise são outras (a opção pela protecção cega a um sistema financeiro completamente deslifado da realidade económica dos estados) e agirá em conformidade com a realidade até agora negada?

terça-feira, 30 de setembro de 2014

ARA ES L’HORA

Depois do referendo escocês e num contexto europeu cada vez mais fragmentado não é de espantar que a Catalunha insista também numa consulta popular sobre a mesma questão, como não será de estranhar que outras regiões coloquem o problema.

O que parece digno de referência é a diferença de atitude entre Londres e Madrid; enquanto o governo inglês não revelou hesitações na realização do referendo na Escócia, que a par com oferta de uma maior autonomia em caso de vitória do Não poderá ter valido a rejeição da independência, já o congénere madrileno tem optado por uma clara e frontal oposição à iniciativa.


A última das jogadas do governo de Mariano Rajoy passou pela recente declaração de inconstitucionalidade do referendo a promover na Catalunha, prontamente respondida pelos catalães com a convocação de manifestações de rua sob o “slogan” “Ara es l’hora” (Está na hora), conduzindo na prática a uma crescente tensão entre Barcelona e Madrid e reduzindo as hipóteses de entendimento entre as partes que levou mesmo o EXPRESSO a considerar a «Catalunha em rota de colisão com Madrid».

A resistência castelhana ao referendo tem reduzido substancialmente as hipóteses de entendimento com a comunidade catalã e, pior, poderá em última instância acirrar ainda mais os ânimos autonomistas, com profundos antecedentes históricos e culturais.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

PARADIGMA DO EMPREGO

No mesmo dia em foi possível ler num jornal nacional que o «Banco Mundial denuncia crise de emprego à escala global», ficávamos a saber por outro que «Em Portugal é mais fácil perder trabalho para uma máquina», facto profundamente preocupante quando perante a persistência dos sinais de mudança se insiste num paradigma laboral cada vez mais desadequado.

Há alguns anos que se vêem acumulando os sinais de mudança com as organizações cada vez mais empenhadas na redução dos custos de produção a optarem seja pela extinção pura e simples de postos de trabalho, seja pela redução de salários ou pela automação dos postos de trabalho. Enquanto se desenvolvem estes processos de redução das necessidades de mão-de-obra (uns mais forçados que outros) a sociedade em geral mantém a mesma perspectiva de abordagem que remonta à transição do século XVIII para o XIX e aos tempos da Revolução Industrial.


Mantendo o paradigma de vilanizar todos os que – na ausência reiterada de trabalho ou por opção própria – se não inserem num mercado de trabalho dito normal, transformando-os em párias da sociedade, não estaremos apenas a ostracizar uma parte dos cidadãos, tão digna quanto qualquer outra, mas principalmente a contribuir para o agravamento do mal-estar geral da sociedade e a escamotear o verdadeiro cerne do problema.

Tratar os sem-emprego como párias ou vadios inúteis desvia as atenções do facto das sociedade modernas se organizarem preferencialmente em torno do valor dinheiro, tratando os indivíduos como meras peças numa engrenagem concebida para a acumulação de lucros, esquecendo que, por manifesta escassez de mercados compradores, a pauperização de sectores cada vez maiores da sociedade só poderá culminar na redução desses lucros; no limite até as grandes empresas encerrarão por não encontrarem compradores para as mercadorias que produzem a custos ínfimos graças à redução dos postos de trabalho, dos salários ou da automação.

O reconhecimento desta espiral depressiva, agravada pelas elevadas taxas de desemprego-jovem e pela quase completa ausência de políticas que as contrariem, levou-me em tempos a escrever no “post«A CRISE, O EMPREGO E O RENDIMENTO», que «[c]omprovado o fracasso prático de estímulos fiscais e outras medidas pontuais, como forma de redistribuição da riqueza, torna-se cada vez mais óbvia a necessidade de trazer para o debate outras vias para o atingir. A primeira e mais óbvia – a do aumento generalizado dos salários – será naturalmente recebida pelas associações patronais e pelos defensores do liberalismo económico como mais uma inaceitável intromissão do Estado na esfera privada e no livre funcionamento do mercado; assim, só resta ponderar a hipótese de criação de um modelo assente na distribuição de um rendimento garantido, segundo o princípio do pagamento de um dividendo “per capita” em função do PIB.

Para quem comece já a questionar sobre a viabilidade de semelhante medida, recordo que modelos desta natureza estão actualmente em vigor e que um dos locais onde isso acontece é nos EUA, ou melhor no estado do Alasca, onde desde o início do processo de exploração petrolífera e como forma de tentar fixar definitivamente muita da mão-de-obra que para lá se deslocou para a realização das infra-estruturas petrolíferas, foi decidida a criação de um fundo (o Alaska Permanent Fund) alimentado pelas receitas das concessões petrolíferas cujo rendimento anual é distribuído pelos residentes.(…)A consagração universal do princípio da distribuição de um rendimento garantido não constitui apenas uma medida de combate à crise económica; será, além de uma medida de justiça social (o PIB resulta da contribuição de toda a população para a produção nacional, pois se os que têm emprego contribuem de forma directa, os que o não têm contribuem indirectamente por via do consumo), uma boa forma de começarmos a preparar-nos para um futuro em que, graças aos desenvolvimentos tecnológicos e aos ganhos de produtividade, dificilmente existirão empregos para toda a gente.»

Se já em Fevereiro de 2009 avancei a necessidade de equacionarmos novas abordagens para o problema da redistribuição da riqueza, agora que constatamos na prática os efeitos da fracassada “austeridade expansionista”, que somos alertados por um claro aviso do Banco Mundial e que a situação das elevadas taxas de desemprego-jovem não deixa perspectivar nada de muito positivo – em Janeiro de 2010, no “post«OS JOVENS NÃO SÃO “LEMMINGS”», deixei a dúvida de saber «[a]té quando iremos esperar para ver melhorar a situação das gerações que a nossa inépcia condenou (e continua a condenar) a vegetarem numa sociedade cada vez mais egoísta, onde os objectivos individuais continuam a sobrepor-se aos colectivos e onde os que não alcançarem o sucesso (que pode até ser apenas um trabalho digno e adequadamente remunerado) continuam a ser vistos como marginais. Quanto tempo sobreviverá uma sociedade onde as gerações futuras continuam a ser encaradas apenas como uma submissa reserva de mão-de-obra barata?» - quando se confirma que «Portugal é um dos países da OCDE onde a percentagem de jovens que não estudam nem trabalham mais tem crescido», já estará esgotado o tempo de espera.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

CTTesouro

Na semana passada fomos informados, com a jactância e a presunção habitual, que numa operação mais ou menos secreta para o grande público (através dum IPO na Bolsa de Lisboa) foram os «CTT vendidos a "investidores do melhor que há"».

Depois de em final do ano passado ter começado a seguir o exemplo de Inglaterra e Bélgica, vendendo 70% do capital a 5,52€ por acção, acaba agora de completar o quadro vendendo o restante a 7,25€ por acção. Sem entrar em demais considerandos sobre a valia da alienação duma empresa que mais que prestar um serviço constitui (ou devia constituir) um património inestimável na prossecução do fundamental papel de coesão social, constata-se que o grande negócio se traduziu em “entregar” quase um 1/3 da empresa com um desconto superior a 7% (na véspera as acções dos CTT cotaram a 7,81€) aos tais “investidores do melhor que há”.


Depois de na primeira fase terem sido “premiados” o «Goldman Sachs e Deutsche Bank com 7% dos CTT» ao verem disponível uma valorização superior a 40% (diferença entre os 5,52€ a que compraram e os 7,81€ da cotação, sem falar na generosa distribuição de lucros), foi agora a vez doutros que como a «UBS e Fidelity Management compraram 2% dos CTT na segunda fase de privatização» compraram a desconto.

Quem seguramente não ficar a ganhar são as populações quando começarem a ver encerrar mais estações e a ter que pagar mais pelo serviço postal (a razão fundamental dos CTT), mas a que menos importa à actual administração e aos novos accionistas cujo verdadeiro interesse será o de aproveitar a reputação de credibilidade que, de norte a sul do país, gerações de trabalhadores garantiram para começar a impingir aos pequenos aforradores arriscados produtos financeiros em substituição dos confiáveis certificados de aforro a que estes estavam habituados, ou não fossem eles bancos e fundos de investimento.

E para quem julgue tudo isto natural também não deverá espantar que Sérgio Monteiro – o responsável governativo, com o cargo de secretário de Estado das Comunicações, que deveria ser o principal zelador do interesse geral mas se revela afinal mais preocupado com os negócios que se poderão concretizar a expensas desse interesse – tenha afirmado que o «"Exemplo dos CTT deve inspirar muitos outros grupos empresariais"».

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A ESCÓCIA PRESTES A VOTAR

É já amanhã que os escoceses vão decidir em referendo a sua continuação no seio da Grã-Bretanha e qualquer que seja o desfecho da votação, depois das notícias que asseguram que os «Principais partidos britânicos cumprem promessa de dar mais poderes à Escócia se o 'não' ganhar», nada continuará como dantes; se por um lado será de louvar o carácter dos escoceses…


…que souberam aproveitar as circunstâncias inauguradas com a aceitação pela UE de iniciativas independentistas como a do Kosovo, por outro estão a ser fomentadas as condições para que outras regiões europeias formulem idênticas intenções.


E agora que os dirigentes europeus escolham entre estas o mal menor…

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

COMPETITIVIDADE, PARA QUE TE QUERO?

Poucos dias volvidos sobre a grande notícia de que o «Portugal pós-troika voltou a ganhar competitividade», prontamente aproveitada por governantes e seus apoiantes (como quando o «CDS-PP diz que subida no ranking da competitividade é “prova de confiança” na economia») para venderem a ideia que tudo funciona como no melhor dos mundos.

O ministro da Economia, Pires de Lima, chegou a afirmar que a «Subida no ranking da competitividade prova que a "economia ganhou"»...


…algo que até em função da definição fixada pelos promotores do indicador (o World Economic Forum define a competitividade como o conjunto de instituições, políticas e factores que determinam o nível de produtividade dum país) deixa antever alguma melhoria num indicador muito utilizado na formação dos salários – a produtividade.

Pouco tempo antes desta “prova de confiança” na economia, foi notícia que o «Governo vai propor aumento do salário mínimo»; embora dando a “entender que pretende fixar o salário mínimo de forma plurianual e ligado a critérios de produtividade” seria de esperar algum reflexo positivo na fixação do novo valor.

Porém, ao ouvir agora a invocação do argumento que a «Queda de preços pode travar aumentos de pensões e salários», não se pode deixar de sorrir e lembrar outras aberrações históricas em torno da questão da evolução salarial, de que a mais moderna – a associação com a produtividade – nem sequer será a mais absurda.

Nesse capítulo, a palma de ouro terá que ser atribuída à famigerada ideia, lançada na década de 1980, de associar a evolução salarial à inflação esperada. Para se ter ideia do verdadeiro absurdo basta recordar que a inflação esperada é um indicador construído para a produção de projecções macroeconómicas (muito utilizado na elaboração do Orçamento do Estado), cujo resultado deriva mais das expectativas dos governos que da realidade económica, que conheceu o seu apogeu num período de regressão na evolução das taxas de inflação e que foi prontamente aproveitado pelas associação patronais para antecipar os ganhos resultantes dum crescimento mais reduzido dos salários.

Já a ideia de associar os salários à produtividade, aparentemente menos ridícula, esbarra na própria definição do indicador de comparação. A produtividade apenas pode ser avaliada “ex-post”, a sua determinação – rácio entre a quantidade de bens produzidos e a conjugação dos factores produtivos capital e trabalho – está longe de resultar num indicador consistente, pois basta uma ligeira alteração da composição dos factores capital e trabalho para originar resultados muito diferentes mas sempre independentes da vontade de quem apenas vende a força de trabalho, além de que pode (como o faz Carvalho da Silva no artigo «O empobrecimento competitivo» quando lembra que «[a]s roças de café de São Tomé e Príncipe já foram muito "competitivas"») ser associado a fases do capitalismo, como a esclavagista, julgadas extintas.

Em resumo: acalmem-se os que rapidamente aplaudiram o resultado da subida no ranking da competitividade do WEF, pois como escreveu Viriato Soromenho Marques no artigo «Futuro exíguo», “nenhum ranking internacional de competitividade substitui a decisiva missão da política, que é a de garantir o futuro da comunidade de destino a que chamamos Portugal e os que pensam ver na generosa oferta da subida do salário mínimo algum sinal de moderação na política económica e social deste governo, pois além do valor agora proposto não repor sequer o poder de compra perdido ainda se encontrará rapidamente limitado pela conjuntura deflacionista que (inexplicável na óptica ordoliberal imposta por Berlim) a Zona Euro atravessa.