Quando aos simples observadores, que somos todos nós, parecem restar cada vez menos dúvidas sobre o avolumar da tempestade e sobre a sua velocidade de aproximação, haverá ainda lugar a alguma complacência para com aqueles que intitulando-se (ou intitulados) líderes e condutores de destinos colectivos continuam sem apresentar qualquer solução, por tímida ou insipiente que seja?
Os acontecimentos nacionais e internacionais da semana que agora terminou, e em especial os da área económica, não constituíram senão nova demonstração da tibieza daqueles a quem confiámos a liderança do nosso futuro. Desde a caricata discussão em torno do limite ao endividamento norte-americano – com Democratas e Republicanos a revelarem o que de pior pode representar um sistema bipartidário, com as suas “jogadas” de bastidores e permanente “negociação” de interesses[1] –, à ridícula apresentação duma mera estratégia de redução dos rendimentos do trabalho em claro benefício dos do capital, levada acabo pelo governo de Passos Coelho e justificada como se dela dependesse a salvação dum défice e de toda a economia nacional, passando pela contínua sucessão de adiamentos na definição da política europeia para enfrentar a crise das dívidas soberanas[2], tudo dentro da mais habitual das normalidades onde nem a aparentemente temerária decisão de contrariar o barão da comunicação, Rupert Murdoch, na aquisição da totalidade do capital do canal de televisão BSkyB passou afinal duma pífia sugestão à sua desistência[3].
Enquanto as sociedades se degradam nos seus fundamentos económicos e sociais, os líderes recusam-se a fazer uso das medidas políticas que poderiam minorar ou até estancar aqueles efeitos. Fingem-se preocupados com o sofrimento dos milhões de desempregados que as suas opções originaram, afirmam-se dispostos a tudo fazer para resolver a situação mas as medidas que anunciam são geralmente mais gravosas que produtivas, como se pode confirmar no último Relatório do Banco de Portugal que assegura que a «Actividade económica contrai pelo sexto mês seguido», ou inferir duma recente apreciação do FMI que assegura que a «dívida grega está numa espiral descontrolada».
Numa estrita observância das regras duma economia dita de mercado, insistem em mais e maior liberdade de ganhos para o capital – sejam estes representados pelo aumento dos lucros fruto da redução do número de empregados, pela redução/limitação dos crescimentos salariais ou ainda pela redução dos encargos sociais (veja-se a famigerada pretensão, defendida por Passos Coelho, de reduzir a TSU sob o pretexto de assim se aumentar a produtividade nacional) –, na alienação a qualquer preço de empresas públicas e recusam, com a jactância dos soberbos, qualquer iniciativa que possa melindrar os interesses económicos que outra coisa não têm feito que crescer à sombra e protecção dos Estados que execram.
A grande incógnita que hoje, duzentos e vinte e dois anos e um dia depois da Tomada da Bastilha[4], aqui deixo é até quando continuaremos a aceitar a predominância das ideias e dos ideólogos (ou dos seus apaniguados de pacotilha) que visivelmente nos têm conduzido ao ponto em que nos encontramos, sem um claro sinal de revolta e de rejeição de tais princípios?
[1] Um bom exemplo disso mesmo é a recente notícia duma «Proposta republicana para salvar o tecto da dívida», em cujo corpo surgem referências a alguns dos “interesses” envolvidos.
[2] Dos quais a notícia de que mais uma «Reunião de crise entre responsáveis da zona euro terminou sem conclusões oficiais» é apenas um exemplo recente.
[3] Conclusão fácil ao ler as notícias do PUBLICO de que «Rupert Murdoch desistiu da compra do serviço de televisão BSkyB» e que «Governo pede a Rupert Murdoch para desistir da canal televisivo».
[4] Episódio ocorrido no dia 14 de Julho de 1789, que ficaria para sempre como um dos grandes marcos da Revolução Francesa e é actualmente assinalada como o principal feriado francês. Na essência tratou-se do assalto pela população de Paris a uma fortaleza que servia na época como prisão, com o intuito da posterior utilização do armamento nela guardado para a defesa da cidade contra as tropas fiéis à monarquia