quarta-feira, 18 de maio de 2011

A BORBOLETA NO LABIRINTO


Talvez seja oportuno, num momento em que a convulsão social no mundo árabe parece uma evidência e quando a propósito duma alegada (porque ainda não provada) tentativa de agressão sexual atribuída a uma alta figura mundial (na ocorrência, Dominique Strauss-Khan, o director-geral do todo-poderoso FMI) se relembra o famoso efeito do bater de asas duma borboleta[1], estender este aforismo à situação que se vive no Médio Oriente e Norte de África, ou seja, numa parte próxima e muito significativa do mundo islâmico.


Neste caso (e a crer na generalidade da imprensa ocidental) o bater de asas da borboleta será bem menos perturbador e objecto até duma clara distinção entre situações que poderão afinal ser bem mais semelhantes do que agora aparentam.

Se nos casos da Tunísia. Egipto e Líbia a posição ocidental (com os EUA à cabeça) foi consensual no apoio aos contestatários ao “status quo”, incluindo no extremo – o caso líbio – a aprovação na ONU duma intervenção militar, já no caso sírio as posições ocidentais balizam-se entre um discreto apoio diplomático e uma clara campanha informativa contra o regime de Bashar Al-Assad.

A avaliar pelas notícias que vão chegando parece existir uma clara distinção entre os movimentos de rejeição líbio e sírio, pese embora o número crescente de vítimas que este tem vindo a registar, facto tanto mais estranho quanto no primeiro o regime do coronel Kadhafi insiste na infiltração de movimentos próximos da Al-Qaeda e no caso do segundo continuam por explicar o número de polícias mortos às mãos de civis teoricamente desarmados.

Enquanto persistem estas dúvidas e se assiste a pontuais recrudescimentos de violência na Tunísia e no Egipto (com especial relevo para os confrontos religiosos entre muçulmanos e cristãos coptas), continua por enfrentar a situação israelo-palestiniana que no passado fim-de-semana voltou a provocar mais baixas fatais[2], quando, assinalando a passagem de mais um aniversário da Al-Nakba[3], se verificaram confrontos entre manifestantes palestinianos e o exército e a polícia judaica em vários pontos dos territórios ocupados e  nas zonas fronteiriças.

Os incidentes ocorridos nos Montes Golan (território que faz fronteira com a Síria e cuja ocupação por Israel não é reconhecida pela ONU) poderão ser, como já apontados por alguma imprensa, uma estratégia de Bashar Al-Assad junto dos poderes ocidentais (americanos e judeus) para justificar a sua manutenção no poder enquanto garante de alguma estabilidade na região, mas são um inegável indicador da incapacidade da comunidade internacional na resolução dum conflito que se arrasta desde os anos 30 do século passado e um claro sinal de que uma pequena variação nas condições em determinado ponto de um sistema dinâmico pode ter consequências de proporções inimagináveis (o tal bater de asas da borboleta) apenas adquirirá tais proporções quando isso interesse aos poderosos.


[2] De acordo com esta notícia do EURONEWS, o número será da ordem da dezena de palestinianos mortos.
[3] Expressão árabe que significa “a Catástrofe” e que desde a Guerra Israelo-Árabe de 1948 assinala a independência do Estado de Israel e o êxodo de cerca de um milhão de judeus para os países vizinhos. Este processo de expulsão colectiva deu origem à ainda hoje corrente classificação de “ausente presente” que é atribuída aos palestinianos que vivem em Israel mais viram as suas propriedades anexadas e a sua cidadania questionada.

sábado, 14 de maio de 2011

O GRANDE RESGATE


Não tem passado, praticamente, um dia desde a ocorrência da manobra propagandística de apresentação do acordo com o FEEF, UE e FMI, protagonizado por José Sócrates (que na oportunidade comentei no “post” «É SÓ ROSAS...»), sem que seja revelado um ou outro pormenor que o primeiro-ministro se “esqueceu” de revelar.

Um dos últimos (e não o menor) foi o do anúncio da taxa a aplicar ao pacote de 78 mil milhões de euros de que o país vai “beneficiar”, que segundo declarações do comissário europeu da Economia «...será "acima de cinco por cento mas claramente abaixo de seis por cento"...», para usar os termos referidos nesta notícia do PUBLICO.

Conhecido este valor – que José Sócrates, invocando que ainda não foi aprovado pelo ECOFIN, continua a classificar de não oficial – e ainda a informação em tempos adiantada por Poul Thomsen, o director do FMI responsável pela missão de resgate a Portugal, de que a taxa aquele organismo aplicaria variaria entre 3,25% e 4,25%[1], conforme o prazo, fácil se torna concluir quanto a famigerada ajuda financeira custará ao país, ou seja aos bolsos dos contribuintes, só em juros qualquer coisa como 29,5 mil milhões de euros ao longo dos treze anos que durará o empréstimo.

Cientes de que os prestamistas verão o capital emprestado aumentado em quase 40%, poderá restar qualquer tipo de dúvida sobre a qualidade da “ajuda”?


Mas para que não fiquem dúvidas eis em detalhe os passos dos cálculos que realizei: o desconhecimento de todos os pormenores do financiamento, nomeadamente os montantes e os prazos “negociados”, implica o recurso de algumas simplificações pelo que tomei como prazo médio do financiamento um período de sete anos (um pouco mais de metade do prazo total anunciado por Poul Thomsen: «Há um período de carência de três anos e depois há um período de devolução de cerca de 10 anos. No total são 13 anos»[2]) e taxas médias de 5,7%[3] para os 2/3 financiados pelo FEEF e BCE (o montante é um dado certo) e de 3,75% (média simples dos limites máximo e mínimo anunciados pelo FMI: 3,25% e 4,25%, respectivamente). Da aplicação das taxas de 5,7% e de 3,75% aos montantes financiados resulta um encargo anual de quase 4 mil milhões de euros, número que multiplicado pelos 7,5 anos de duração média do financiamento resulta nos 29,5 mil milhões de euros já referidos.

Este é o preço a pagar pelos bons amigos que temos... e dos quais não nos veremos livres se no próximo dia 5 de junho voltarmos a votar em qualquer um dos três partidos (PS, PSD e CDS) que apressada e alegremente se prontificaram a tão generosamente remunerarem os nossos “salvadores”[4], que, recordo, são nem mais nem menos que os mesmos agentes (bancos, seguradoras e fundos de investimento) que depois de se financiarem à taxa de 1% (agora 1,25%) junto do BCE, de alavancarem esse financiamento (vejam o funcionamento do mecanismo no “post” «TENHAM FÉ... MAS PREPAREM-SE PARA O PIOR») e de financiarem os estados a taxas francamente superiores, ainda se lançam em manobras especulativas contra as dívidas desses mesmos estados.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

GRAU ZERO


Retomando aqui o título e a conclusão do último artigo de opinião que António Vitorino assinou para o DN, permito-me discordar da afirmação que «...reduzir as escolhas eleitorais a um plebiscito sobre uma pessoa é o grau zero da política!», pois o raciocínio que o conduziu àquela conclusão necessita de ser estendido ao conjunto do triângulo político (PS – PSD – CDS) que nas últimas décadas tem conduzido os destinos do país.


A estreiteza de vistas das elites políticas, económicas e culturais deste país – pelo menos daqueles a quem a imprensa, nas suas mais variadas formas, tem assegurado presença e voz – que de eleição em eleição transformou o que deveria ser um processo de debate de ideias e de informação de programas numa feira de curiosidades e outras alarvidades a ponto de já se ter transformado em lugar comum a ideia que um acto eleitoral destinado à escolha dos representantes do órgão legislativo e fiscalizador por excelência – o parlamento – se traduz afinal num processo de eleição do primeiro-ministro...

terça-feira, 10 de maio de 2011

O ANIVERSÁRIO DA VELHA SENHORA


A celebração dum aniversário tem por hábito incluir a formulação de votos de felicidade e de longa vida, mesmo quando a aniversariante é uma velha senhora. Isso ocorre, não porque realmente a celebrante os entenda no sentido estrito mas pelo que representa de manifestação de carinho e de harmonia no seio do grupo dos mais próximos.

Ora a comemoração do Dia da Europa, que ontem se assinalou, não podia ter ocorrido em momento menos harmonioso. Não só a Europa – projecto de união solidária, cooperante e estimulante – se encontra cada vez mais afastada dos princípios que a originaram, como uma inversão nas políticas que a conduziram ao seu actual estado de inoperância parece cada vez mais longe.


Longe de se encontrar no seu seio o arreigado desejo de mais e melhor Europa, o que diariamente vemos é a constante aviltação daqueles valores e a sua substituição por um egocentrismo de vistas curtas e piores efeitos, bem expresso no ressurgimento de partidos populistas e nacionalistas. Até os líderes dos membros mais antigos, logo com acrescidas responsabilidades na preservação dos valores fundadores, não se têm coibido de formular as mais estapafúrdias propostas desde que estas sirvam os seus interesses conjunturais.

Nem outra coisa seria de esperar numa época em que a plêiade de dirigentes europeus é integrada por personalidades do calibre dum Silvio Berlusconi – industrial e primeiro-ministro italiano sucessivamente envolvido em polémicos casos judiciais –, dum Nicolas Sarkozy – presidente francês conhecido pelas suas posições anti-emigração, também ele envolvido em escândalos de financiamentos partidários (vejam-se os casos Clearstream e Woerth-Bettencourt) e práticas nepotistas (de que é claro exemplo a polémica tentativa de nomeação do próprio filho para a direcção da EPAD, empresa pública gestora do parque industrial de La Défense ) – ou até de uma Angela Merkel, a quem se não se apontam grandes escândalos pessoais também não se poupam as sua posições conservadoras e em especial a polémica declaração do fracasso do modelo de do multiculturalismo na Alemanha –, ou quando a liderança da UE está depositada em figuras sem ideias nem carisma, como o nosso bem conhecido Durão Barroso – o ex-primeiro-ministro português que se apresentou ao eleitorado para contrariar o “oásis guterrista” e que, depois de apoiar enfaticamente as intenções belicistas de Bush e Blair relativamente ao Iraque, trocou um “país de tanga” pela presidência da Comissão Europeia – ou a não menos triste figura de Herman Van Rompuy, o belga que há semelhança de Durão Barroso trocou o governo dum país dividido por uma profunda clivagem entre as comunidades valã e flamenga pela presidência do Conselho Europeu.

O ganho de poder das grandes economias ficou claro após a aprovação do Tratado de Lisboa – documento inicialmente apresentado como uma constituição europeia mas que a generalizada contestação que sofreu levou a generalidade dos timoratos líderes nacionais a transformar em mero tratado e assim obviar à necessidade de aprovação pelos respectivos parlamentos – realidade agravada ainda perante o poder dos interesses prefigurados pelas grandes corporações financeiras e industriais e a inevitável fragilização do tecido político europeu, cada vez mais evidente desde o início da chamada crise da dívida soberana. Embora esta tenha sido originada numa espiral especulativa financeira, a prontidão com que os poderes públicos (teoricamente eleitos para zelarem pelo interesse colectivo) acorreram a injectar milhares de milhões de euros nos balanços dum sistema financeiro descapitalizado e descredibilizado e a incapacidade (ou a intencionalidade) que estes revelaram na concertação dum estratégia comunitária de abordagem aos primeiro sinais de debilidade das economias mais frágeis, fez com que da divisão europeia nascesse nova vaga de instabilidade económica e social.

E é assim que se assinalou mais um Dia da Europa quando nela alastram sentimentos contraditórios, pois enquanto nos sectores mais opulentos e conservadores cresce a resistência à ajuda aos mais pobres e frágeis (esquecendo que parte da sua riqueza resulta do que àqueles vendem), nestes germina a dúvida sobre as reais vantagens duma união construída apenas para favorecer os primeiros e no conjunto alastram ideias cada vez mais proteccionistas, como aconteceu no primeiro quartel do século passado e a Europa viveu com as duas guerras mundiais que a devastaram um dos seus períodos mais negros.

domingo, 8 de maio de 2011

EXEMPLO PARADIGMÁTICO


Se dúvidas houvesse quanto à forma e conteúdo do pensamento dominante nos círculos financeiros e empresariais europeus, bastará ler este artigo do FINANCIAL TIMES para que estas se desvaneçam.

Sob o esclarecedor título «Portugal: demasiada cenoura e pouco cacete», aquela influente publicação deixa bem claro como uma certa europa encara a existência da União Europeia e a forma como esta deverá funcionar no futuro, com as grandes economias a controlarem o funcionamento das pequenas e mediante o recurso à política da cenoura (a promessa de recompensa) e do cacete (ao mínimo caso de desafio das ordens ou de desvio das regras).


O artigo é de tal forma esclarecedor que não resisto a deixar uma sua tradução: 

«Demasiada cenoura e pouco cacete. O resgate de 78 mil milhões de euros pela UE e pelo FMI tem demasiado dinheiro e poucas contrapartidas. A UE, fazendo o papel de polícia bom, comparticipa com dois terços dos fundos (o valor total da ajuda atinge os 45% do PIB português) e o FMI, o polícia mau, um terço. Estes valores reflectem o desiquilíbrio no peso dos dois financiadores de último recurso, mas se alguma vez uma economia necessitou de menos Europa e mais FMI, foi Portugal.

Portugal desperdiçou a sua década na Zona Euro. A economia registou um pequeno alento antes da desão graças às reformas necessárias para garantir a candidatura de Lisboa., mas, segundo o Capital Economics, entre 2001 e 2007 a sua economia cresceu apenas 1,1% ao ano. Valor comparado com os mais de 5% anuais da Irlanda e embora equivalente à taxa de crescimento registada no mesmo período na Itália e na Alemanha, nem por isso a economia portuguesa deixou de se apresentar mias pobre e com menor desenvolvimento industrial que estas duas economias da Zona Euro.

Lisboa tem pela frente um enorme esforço para alcançar o resto da Europa. No entanto, José Sócrates, o primeiro-ministro demissionário, não deixou transparecer nada disto quando anunciou o programa de resgate na passada terça-feira. Num comentário que tresandava a complacência e numa ostentação de riqueza, pareceu sugerir que recorrer a um pacote de resgate enorme seria relativamente indolor.

Houve especulação que a UE e o FMI divergiram sobre a dureza que as contrapartidas do resgate deveriam ter. Era bom que isso fosse verdade: dada a dimensão do ajustamento estrutural que se exige, os funcionários do FMI deveriam estar ansiosos para pôr as mãos sobre a economia portuguesa, que muito se assemelha a um mercado emergente. Uma dose de medicamento Consenso de Washington é precisamente o que Portugal precisa.»

E chamando uma especial atenção para o seu final, onde com o maior dos despudores se faz uma clara apologia da aplicação pura e dura do chamado ”Consenso de Washington”, ou seja a cartilha de políticas monetaristas e neoliberais traduzidas na desregulamentação e na liberalização dos mercados, na abertura ao investimento estrangeiro, na privatização de empresas públicas, na reforma fiscal e na redução dos gastos públicos, que, em todos os cenários onde foram aplicadas, conduziram a profundas recessões económicas, ao empobrecimento geral das populações e nunca aos objectivos de crescimento e reequilíbrio económicos prometidos, como ainda recentemente o lembrou o ex-presidente brasileiro Lula da Silva que na sua última visita a Portugal afirmou, para quem o quis ouvir, que «O FMI não resolve o problema de Portugal» como não resolveu o do Brasil.