quarta-feira, 20 de abril de 2011

LAVAGEM CEREBRAL


Enquanto prosseguem as “negociações” do plano de resgate com o FEEF, o FMI e o BCE, políticos e especialistas nacionais e estrangeiros persistem no processo de lavagem cerebral parcialmente responsável por ter conduzido a economia mundial ao estado em que se encontra.


De um e do outro lado do Atlântico insiste-se na propalação de dogmas – como o da redução dos salários, o da virtualidade da privatização de serviços públicos e o da desregulação dos mercados do trabalho, enquanto panaceia para todos os males que nos afligem – como se de princípios inabaláveis se tratassem, enquanto se espera que nós (os estúpidos mortais) interiorizemos a ladainha repetida até à exaustão que, qual mantra tântrico, nos elevará aos céus da abastança.

A litania chega ao absurdo de pretender convencer-nos que «Portugal vai pagar na ajuda externa metade das taxas de mercado», quando na realidade a anunciada (e ainda não confirmada taxa de 5%) representa um claro agravamento face à actual taxa média da dívida que não deverá ultrapassar os 4%[1] e uma manipulação grosseira ao comparar taxas de emissão com as taxas implícitas resultantes das transacções no mercado secundário.

Aliás a desinformação e a manipulação em torno da questão do resgate a Portugal chega ao ponto de após o ter feito passar por uma necessidade pública e não pela incapacidade de refinanciamento do sistema bancário nacional[2], esconder em seguida que o nível do endividamento público aumentará em cerca de 50%, levando a que aquele montante ultrapasse largamente o PIB, aproximando-se dos 140% daquele indicador.
Mas sobre esta nova realidade – quando o total do endividamento é superior à riqueza gerada anualmente – ninguém, nem os técnicos do FMI ou do BCE nem os especialistas nacionais, diz uma palavra, tece um comentário ou até o mínimo sinal de preocupação, de pois de nos terem “martelado” até à exaustão com o crescimento do “monstro da dívida”.

Talvez todos eles esperem que as medidas sabiamente decididas, como a da conjugação da redução salarial e do aumento dos impostos, venham a produzir os prometidos frutos da conhecida teoria do “trickle-down” – a concentração da riqueza nas classes mais abastadas gerará investimento que proporcionará um aumento da riqueza das classes mais baixas – que tendo estado na origem das políticas neoliberais iniciadas nos tempos de Reagan e de Tatcher e cujos efeitos benéficos (para os desfavorecidos) ainda hoje se aguardam, pois o aumento da concentração da riqueza num reduzido grupo de super-ricos, isso já está verificado.


[1] Não conheço com precisão aquele valor pois o IGCP, entidade que gere a dívida pública nacional, não divulga essa informação regularmente, mas a última vez que o fez anunciou que até Fevereiro a taxa média era da ordem dos 3,5%, pelo que admito que os agravamentos registados nas última emissões, depois de devidamente ponderados pelos montantes emitidos, se tenham traduzido num aumento de 50 pontos base naquela taxa.
[2] Sobre esta questão ver mais um contributo, como o dado por Sakia Sassen nesta entrevista publicada no I.

sábado, 16 de abril de 2011

CAMINHOS COM FUTURO


Enquanto se continua a ler e a ouvir que o recurso ao processo de resgate e ao auxílio do FEEF e do FMI é a única solução para o problema da dívida pública nacional, continuarei na linha dos “posts” anteriores, onde tenho procurado alertar para a existência de alternativas, válidas e consistentes, ao discurso oficial que depois de condenar a Grécia e a Irlanda se prepara para nos envolver na mesma situação.


Se em “SALVADORES DE QUEM?” citei uma opinião originária de Inglaterra (e de um grupo de reflexão de orientação trotskista), proponho agora a leitura duma notícia do ECONÓMICO onde é dada voz a Simon Tilford, o economista-chefe do “think-tank” europeu Centre for European Reform, que assegura que Posição negocial de Lisboa é mais forte do que se pensa”, pois pode sempre recorrer à solução que menos agrada aos credores (representado no plano europeu pela Alemanha, com a chanceler Merkel, e acolitada pela França do presidente Sarkozy) – a reestruturação da dívida.

Esta opção, tão válida e viável quanto qualquer outra, terá sempre que incluir três alterações significativas:
  •  uma redução do capital em dívida (e isto é precisamente o que  os credores mais temem e por isso é que tentam impor a presença do FMI como garante de que tudo, mas mesmo tudo..., será feito para tal não ocorra); 
  • um aumento no prazo de amortização do capital (mesmo após a sua redução);
  • uma taxa de juro tendencialmente próxima da taxa do BCE, ou seja uma taxa muito inferior à aplicada à Grécia e à Irlanda (6% ou mais);
salvo o que o processo de resgate se assemelhará mais a uma asfixia que a um verdadeiro auxílio e então, a prazo, os credores voltarão a sentir os mesmos receios, pois as economias do sul da Europa (Espanha incluída) não dispõem de condições próprias para assegurar crescimentos sustentados e persistentes no tempo suficientes para assegurarem o pagamento da totalidade das dívidas acumuladas.

Acrescente-se ainda que parte destas dívidas serviram (e continuarão a servir no futuro) para assegurar os superavites das balanças comerciais dos parceiros europeus (e principalmente da Alemanha) que agora fomentam entre as opiniões públicas nacionais a ideia de que os países do sul têm vivido acima das suas possibilidades, mas a cuja capacidade de consumo devem boa parte do seu crescimento económico.

Como a realidade demonstrou ao longo das últimas décadas, a opção pela alternativa personificada no FMI, traduzida no famigerado Consenso de Washington – com a aplicação de cortes indiscriminados na despesa pública, com a privatização de tudo o que possa render algum capital, com a desregulamentação dos mercados e uma ainda maior liberalização dos fluxos de capitais –, a sua visão redutora e dogmática dos problemas financeiros – bem expressa em opiniões como as do seu vice-director para a Europa, António Borges, que afirmou que a «“Especulação não teve importância nenhuma” nos resgates financeiros» que «Recusa reestruturações de dívida na Europa», e «defende consolidação entre bancos para fortalecer o sector financeiro europeu» mas não produz uma única referência sobre a falta de dinamismo das economias nem sobre o flagelo do desemprego – apenas poderá acarretar para as economias a ela submetidas uma aceleração na pauperização das populações, uma evidente redução na dimensão do mercado interno, a subida das taxas de desemprego, a redução das receitas fiscais , o início dum novo ciclo recessivo e, cereja no topo do bolo, a mais medidas restritivas que assegurem o pagamento duma dívida que teima em não decrescer.

Refira-se a propósito que a atestar pela contínua subida das taxas implícitas às transacções no mercado secundário, os receios dos credores permanecem inalterados quando não em crescendo, indicador que confirma a inadequação das medidas do FMI e torna ainda mais imperiosa uma tomada de consciência colectiva para a necessidade de outra resposta para a crise, a qual, retornando às declarações de Simon Tilford, passa por utilizar as próprias contradições dos credores e se a «...Alemanha tem medo da reestruturação mas se a melhor solução que oferece a estes países é prolongar a sua agonia, devem ser forçados a encontrar outra saída. Portugal tem de assumir uma posição muito dura dizendo que se não nos oferecem uma taxa de juro mais baixa vamos reestruturar a dívida, distribuindo perdas pelos credores. E a Grécia e Irlanda devem seguir o mesmo caminho».

quinta-feira, 14 de abril de 2011

SALVADORES DE QUEM?

Enquanto no plano interno, já sob o signo do pedido de resgate da dívida nacional e da chegada dos “técnicos” do FEEF e do FMI, continua a guerrilha eleitoral entre PS e PSD – ora personificada pelos líderes ora por outras figuras menores e de que é claro exemplo a questão da transparência das contas públicas, levantada pelo PSD e já respondida pelo ministro da Presidência do Conselho de Ministros, Pedro Silva Pereira, que assegurou que «As contas públicas são transparentes» e não perdeu tempo a lembrar que este «Não é o momento de falar em esqueletos no armário» –  até no plano externo sucede que muitas são as atenções que estão voltadas para o que acontece em Lisboa.


Com um tão vasto número e origem das fontes onde pode ser consultada informação e comentários sobre a situação nacional, não resisto a deixar aqui um excerto dum comentário originário de Inglaterra e que aqui pode ser lido na íntegra:

«Estão em jogo enormes quantidades de dinheiro, bem como a solvência dos bancos e de todo o sistema financeiro europeu. Segundo dados do Bank for International Settlements – muitas vezes referido como o banco central dos bancos centrais – a exposição total dos bancos estrangeiros à Grécia, Irlanda e Portugal e ao próximo alvo potencial, a Espanha, é de 2,5 biliões de dólares. Destes, os bancos alemães estão expostos a uns 569 mil milhões de dólares, os bancos franceses a 380 mil milhões de dólares e os ingleses a 431 mil milhões de dólares.

O NOMURA SECURITIES, ramo do banco japonês NOMURA, apresentou cálculos reveladores da importância dos resgates para os bancos. Segundo as suas contas, se as dívidas da Irlanda, da Grécia e de Portugal forem reestruturadas – seja por intermédio de reduções no montante em dívida, seja mediante o recurso a prolongamento dos empréstimos – as perdas directas e indirectas para os bancos da Zona Euro poderão atingir os 240 mil milhões de dólares. Valor que subirá para 480 mil milhões de dólares se a Espanha também for incluída. Os bancos alemães, contando-se entre os mais profundamente expostos, poderão sofrer prejuízos de 185 mil milhões de dólares, o equivalente a aproximadamente um terço do seu capital, se as dívidas dos quatro países “periféricos” forem reestruturadas.» 

Mesmo sem ter conseguido confirmar a fiabilidade dos números avançados, parecem consistentes com estes outros compilados no início de 2010 a partir do Bundesbank:


pois os quase 400 mil milhões de euros estimados (excluindo a exposição à dívida italiana) são idênticos aos 560 mil milhões de dólares citados no comentário; e se aqui fiz referência aos números e ao texto é apenas porque o seu título «O resgate de Portugal: a crise bancária europeia aprofunda-se» é particularmente esclarecedor e para que não fiquem dúvidas que até no resto da Europa existe quem reconheça a real finalidade destas “operações” pode ainda ler-se no seu interior que: 

«A reestruturação das dívidas tem registado a oposição do Banco Central Europeu e do governo alemão de Angela Merkel. Uma das principais razões é seu o receio de que qualquer enfraquecimento dos bancos europeus dê vantagens aos bancos americanos, que têm sido fortalecidos pelo fornecimento abundante de fundos pela Reserva Federal dos EUA e a juros praticamente nulos. 

Talvez agora se comecem a tornar mais claras algumas declarações das últimas horas, como a dum «Elemento do BCE diz que se vão iniciar “discussões muito técnicas”» (como se pretendessem proceder a alguma negociação ou suavisação das medidas que vêem impor) ou a crescente preocupação revelada pelos dirigentes europeus quanto à aplicabilidade política de medidas draconianas, quando os políticos nacionais se mostram muito mais interessados na indispensável propaganda que os levará ao poder dentro de menos de dois meses, de que é exemplo a notícia do PUBLICO dizendo que «Juncker pede aos partidos portugueses para se centrarem nas negociações».

Não menos curiosa e esclarecedora (quando lida e interpretada doutra forma) é a notícia de hoje do DN que «FMI quer que casas fiquem mais caras», que podendo interpretar-se como meio para reduzir o endividamento das famílias – o encarecimento do produto poderia tornar mais viáveis as alternativas de arrendamento – pode igualmente resultar do óbvio interesse do sector financeiro ver o seu património imobiliário – vasto e crescente em função do cada vez maior número de famílias executas em resultado do incumprimento no crédito à habitação – valorizado com as consequentes vantagens em termos de balanços e de redução das conhecidas necessidades de recapitalização.

Se estivermos atentos às notícias dos próximos dias, esta realidade – a presença e o interesse no processo de resgate da dívida pública portuguesa destina-se, novamente, a mais um processo de transferência de dívidas dos sector financeiro para a esfera pública – tornar-se-á cada vez mais evidente, justificando ainda mais a necessidade de procurarmos, enquanto cidadãos conscientes e informados, alternativas de oposição a novo processo de empobrecimento colectivo.

terça-feira, 12 de abril de 2011

OBRIGADO PELA AJUDA!

Com a notícia da chegada dos homens do FMI parece que repentinamente passou a ser “moda” ou a fazer parte integrante da estruturação do pensamento “politicamente correcto” incluir nas análises da dramática situação nacional considerandos vários sobre a adequabilidade e a rentabilidade da generalidade dos investimentos realizados nas últimas décadas, ou até, pasme-se, sobre a origem do mal e sobre a previsível ineficácia do tratamento.


Agora que os cidadãos portugueses foram convenientemente manietados e entregues à voragem da alta finança, eis que de repente, sem que nada o fizesse prever, proeminentes figuras da cena política nacional passaram a criticar as absurdas opções de investimento público (como o fez o ex-secretário de Estado e agora conselheiro do PSD, Nogueira Leite, relativamente às auto-estradas nacionais como é referido nesta notícia do DN) decididas em décadas anteriores ou surgem jornalistas a descrever como os mercados tramaram Portugal[1], quando durante o período mais quente da “crise” optaram pela crítica fácil e com claros objectivos políticos de conquista do poder  a curto prazo, ou silenciaram cobardemente os “mecanismos” agora denunciados.

Depois destas “ajudas” ainda haverá quem pense que tudo o que nos resta é deixarmo-nos conduzir como gado para o abate?



[1] A noticia, publicada no ECONÓMICO, tem precisamente por título «Como os mercados tramaram Portugal e o Governo ficou “a ver navios”».

sábado, 9 de abril de 2011

FMI[1]

Escusado será dizer que não partilho qualquer sentimento de alívio ou de fracasso perante o anúncio feito a meio da semana, pelo primeiro-ministro José Sócrates, de que o Governo decidira recorrer ao apoio financeiro do programa do FEEF e do FMI.
Não posso sentir qualquer sensação de alívio perante o que inevitavelmente se vai seguir: a aplicação de um programa de austeridade económica e financeira, ditado pelos velhos cânones do Consenso de Washington[2], do qual não poderá resultar senão o aprofundamento da recessão já anunciada. Se a economia do país já está destroçada, os ensinamentos da História e o exemplo que tivemos na década de 1980 com o recurso ao FMI, deveriam ser suficientes para recusarmos agora a sua repetição.

Da mesma forma não partilho o sentimento de fracasso porque a atestar pelos resultados ontem anunciados pelo insuspeito THE WALL STREET JOURNAL, as exportações nacionais estão a crescer a uma taxa de 21% enquanto as importações se ficaram no mês de Fevereiro pelos 8%, contribuindo para a redução do défice comercial e reduzindo proporcionalmente as necessidades de financiamento externo e porque, claramente, a intervenção agora solicitada não se destina aos fins anunciados – incapacidade de pagamento da dívida pública portuguesa[3] – mas antes e uma vez mais a resolver as dificuldades de financiamento do sistema financeiro nacional.
Que esta é a dura e inqualificável realidade pode ser comprovado pela afirmação produzida aqui em finais de Março, de que o Estado tinha assegurado nos dois primeiros meses do ano mais de 1/3 das necessidades de financiamento previstas para o ano, ou pela subida das cotações dos bancos[4] ainda antes de conhecido o anúncio Sócrates, para já não falar na reacção de Fernando Ulrich (presidente do BPI) quando em finais de Fevereiro e em resposta às crescentes pressões dos poderes públicos (Governo e Banco de Portugal) para que os bancos melhorassem a sua solvabilidade, reforçando os seus capitais, deixou o aviso que «Pedir mais capital aos bancos é um erro histórico»...
E viu-se... actuando de forma concertada, fosse na sucessão das panfletárias entrevistas televisivas com que esta semana intoxicaram o país, fosse no ultimato de recusa de compra de mais dívida pública[5], o sistema financeiro nacional, com o óbvio beneplácito – senão o claro incentivo – dos seus congéneres ocidentais obrigou o Governo a ceder e a pedir o apoio do FEEF e do FMI.
Assim, sem mais delongas ou hesitações, o Governo, os partidos do arco do poder (PS, PSD e CDS) e o Presidente da República condenaram os cidadãos portugueses a suportarem os custos do financiamento do sistema financeiro.
Senhores de toda a sabedoria, propagandeadores da inexistência de qualquer outra solução, decidiram – mais uma vez – que nada pode correr mal para os accionistas e os admnistradores dos bancos, porque cá estaremos todos nós para os resgatarmos. O pior é se um destes dias os portugueses resolvem adoptar uma solução idêntica à que os islandeses recorreram para evitarem ver-se reduzidos ao papel de eternos pagadores e de forma mais ou menos organizada, ou espontânea, saem à rua, sitiam os ógãos do poder, recusam-se a suportar aqueles custos, forçam-nos a renunciar e escolhem outros que cumpram aquele objectivo.
Como muito a propósito escreveu na passada semana o I sobre a situação na Islândia, «O povo é quem mais ordena. E já retirou o país da recessão», que é um pequeno país no topo norte do continente europeu, com uma população da ordem das 300 mil pessoas, frequentemente apresentado como aquele onde o grau de felicidade dos cidadãos é maior, com um o PIB de cerca de 12 mM€, que centrou as suas principais actividades no sector das pescas e na actividade bancária e onde o sector terciário chegou a representar mais de 68% do PIB e a originar mais de 70% do emprego, chegou a ser considerado como um exemplo de capacidade e de eficiência do modelo neoliberal de economia aberta, a ponto de ser considerado como um dos mais ricos do Mundo. Viu abater-se sobre ele um imenso cataclismo quando no início de Outubro de 2008 nacionalizou o GLITNIR, o terceiro banco do país, no qual injectou 600 milhões de euiros, a que se seguiu o LANDSBANKI, a segunda maior das suas instituições financeiras e o KAUPTHING BANK, o maior banco da Islândia, nacionalizado após um empréstimo de 500 milhões de euros do Banco Central.
Teve então de recorrer a um financiamento de 4 mil milhões de euros pelo Banco Central da Rússia e a outras ajudas do FMI (estimadas em 2,1 mil milhões de dólares) e dos vizinhos nórdicos (2,5 mil milhões de dólares), de nada lhe valendo então o ter sido considerada como um exemplo de capacidade e de eficiência do modelo neoliberal de economia aberta, que levou a cabo um modernização do tecido económico e social e uma ampla desregulamentação do sector financeiro, dos quais resultou o crescimento exponencial do seu mercado de capitais e uma diversificação do seus investimentos um pouco por toda a Europa.

A crise que o país atravessa é tanto mais grave quanto o seu sector bancário representava cerca de nove vezes o valor do PIB nacional e o seu colapso arrastou todo o conjunto da débil economia islandesa; a moeda (coroa islandesa) esteve sob ataques especulativos nos mercados cambiais que obrigaram à sua desvalorização e na contingência de interromper todos os seus fluxos comerciais. A situação do país foi de tal maneira grave que em 2008 se contemplou a possibilidade bem real de ver a economia nacional engolida pela tempestade financeira mundial e sob ameaça da própria falência do país.

Para esta calamidade muito terá contribuído a reduzida dimensão do país, a desproporção do peso do sector bancário no conjunto da economia e a óbvia fragilidade da sua moeda, mas graças à movimentação popular, o governo conservador, liderado por Geir Haarde foi forçado a renunciar e foram convocadas eleições. Realizadas em Abril de 2009, delas resultou a formação de um governo de coligação entre sociais-democratas e verdes, chefiado por Johanna Sigurdardorttir.
Depois do ano de 2009 ter fechado com uma quebra no PIB da ordem dos 7% e quando a par com os primeiros sinais de recuperação dados pelo crescimento de 1,2% no 3º trimestre de 2010, o novo governo, pressionado pela Inglaterra e pela Holanda, se preparava para proceder à indemnização dos prejuízos provocados pela falência dos bancos entretanto nacionalizados, no montante de 3,5 mil milhões de euros, novamente a população saiu à rua e conseguiu que o presidente islandês, Olafur Ragnar Grímsson, não promulgasse a lei e convocasse um referendo popular, que com uns claros 93% rejeitou o pagamento da indemnização nos termos propostos.
Mas esta não foi a única vitória popular, pois duas outras importantes decisões estão a revolucionar a vida na pequena ilha, onde já foi iniciado o processo judicial contra o ex-presidente do KAUPTHING BANK, Sigurdur Einarsson, e já foi eleita e está em funcionamento uma assembleia de 25 cidadãos, sem filiação partidária, encarregues da elaboração duma nova Constituição.
Mesmo que não se confirme a rejeição dum novo plano de pagamento no referendo que hoje decorre e que prevê um período de pagamento de 30 anos à taxa de 3,3% (a proposta anteriormente recusada previa um pagamento entre 2016 e 2024 (8 anos) e uma taxa de 5,5%, o povo islandês já mostrou ao Mundo que pode haver, e há, outras formas de resolver o problema.
Constatando que Fomos Miseravelmente Inganados, temos que nos mobilizar, sair à rua e fazer valer o ponto de vista da existência doutras alternativas que não a da sujeição aos ditames do FMI e que não aceitaremos voltar a pagar pelos erros, pela incúria e pela má governação do país nem do seu sistema financeiro.


[1] FMI, sigla que nos últimos dias terá ganho entre nós um novo significado e de Fundo Monetário Internacional transformou-se em Fomos Miseravelmente Inganados!
[2] Consenso de Washington é o nome pelo qual ficou conhecido um conjunto de cinco medidas a aplicar nos países que fossem alvo de intervenções do FMI e que são as seguintes: reforma fiscal (leia-se, subida de impostos), redução dos gastos públicos (invariavelmente traduzida na reduçãoo dos apoios sociais), desregulamentação e liberalização do mercado (veja-se o excelente exemplo do que tem sido em Portugal a liberalização do mercado dos combustíveis), abertura ao investimento estrangeiro (também aqui é de recordar os casos nacionais da Renault e da Opel) e privatizações.
[3] A atestar por esta notícia do ECONÓMICO, fosse ou não graças ao apoio do Brasil e da China, através dum leilão privado o IGCP (entidade que gere a dívida pública portuguesa) já tinha assegurado o reembolso de 4,5 mil milhões de euros que se vencem a 15 de Abril.
[4] Como se pode confirmar por esta notícia do ECONÓMICO.
[5] Como se pode confirmar nesta notícia do NEGÓCIOS e que se deverá ao facto do BCE, na sequência da descida do “rating” da dívida pública, ter informado os bancos nacionais que deixaria de aceitar títulos nacionais como garantia (colateral) para as habituais cedências de liquidez.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

CAIU-LHES A MÁSCARA

Pasme-se, ou não, decorre desde o início da semana o maior ataque financeiro de sempre contra o Estado português e, ao contrário do habitual este não surgiu camuflado sob a genérica e vaga definição de “mercados”, mas antes vem encabeçado pela fina flor da alta finança nacional.

Embora se tenham repetido sucessivas descidas no “rating” da República e das principais empresas nacionais (financeiras ou não) por parte das reputas empresas do ramos – Standard & Poor´s, Moody’s e Fitch – o golpe mais profundo foi o que desferiu o colégio nacional de banqueiros – Faria de Oliveira, da CGD, Ricardo Espírito Santo Salgado, do BES, Santos Ferreira, do BCP, Bruno Amado, do SANTANDER-TOTTA e Fernando Ulrich, do BPI – quando após uma reunião na tarde de segunda-feira nas instalações do Banco de Portugal, encarregaram Santos Ferreira para ser o seu porta-voz numa entrevista televisiva, oportunidade em que foi por este anunciado que «Portugal deve pedir já um empréstimo externo de 10 mil milhões de euros».

Mas a opinião da finança nacional (reconheça-se-lhe o peso que se quiser) não se quedou por uma mera mensagem, assumindo a sua verdadeira dimensão de ultimato quando o NEGÓCIOS tornou público que os «Bancos portugueses deixam de dar crédito ao Estado».

Embora tudo isto não passe de mais um episódio na manipulação de informação que há vários meses vem pressionando o país para recorrer ao FEEF (Fundo Europeu de Estabilização Financeira) e ao FMI, na qual se integra a actuação das agências de “rating” (as mesmas que agora publicam sapientíssimos estudos sobre o crescente risco de incumprimento das economias periféricas do euro, mas que no auge da crise imobiliária nos EUA nunca se aperceberam que os produtos estruturados que a banca norte-americana emitia diariamente não valiam o custo do papel onde eram impressos, ou que as dificuldades que apontam às economias do euro são iguais, quando não menores, que as que enfrentam a libra inglesa e o dólar norte-americano) e a manifesta incapacidade conceptual e política dos líderes europeus na definição de uma estratégia comum (convém não esquecer que estes até se vangloriam de líderes duma comunidade) para enfrentar um problema que regularmente têm adiado de reunião em reunião e de cimeira em cimeira, tudo indica que a feroz resistência política que o governo de José Sócrates ergueu ao recurso ao FMI está em vias de soçobrar.

A orquestração da manobra[1] é de tal forma evidente que para esta semana até estava agendada uma sucessão de entrevistas a banqueiros na TVI; a Santos Ferreira sucedeu no dia seguinte o presidente do BES o qual, depois de na passada semana ter declarado à imprensa que «...Portugal é capaz de escapar a um resgate, Ricardo Salgado disse ontem em entrevista à TVI que "é preciso um empréstimo intercalar. É urgente pedi-lo já e é grave se isso não acontecer"»[2], aos quais se seguirão Bruno Amado (hoje) e Fernando Ulrich. Por razões óbvias o presidente da CGD (banco público) ficará isento, porque o tipo de mensagem que os banqueiros acordaram difundir coaduna-se mal com este banco e com a possível recondução do conselho de administração.

Confirmando isso mesmo, não só o presidente do BES veio repetir a urgência manifestada por Santos Ferreira, como reafirmar o teor da sua pretensão: a banca nacional precisa de continuar a financiar-se, como é bem provável (e hoje mesmo o afirmou João Duque ao DN) que os maus resultados dos «Testes de resistência podem estar na origem de pedido de banqueiros para recurso à ajuda externa», fenómeno que nada tem a ver com as necessidades de financiamento público.
E não deixa de não ser curioso que tenha sido aquele que em tempos foi apontado pela oposição (PSD) como testa de ferro do governo (PS) no assalto ao BCP, que agora venha apunhalar a política desse mesmo governo.


Algo que me incita a aqui a refutar aquela asserção, pois na prática Santos Ferreira será é um testa-de-ferro da finança nacional no PS e a inversão dos factores está longe – muito longe... – de ser indiferente. 

Facto é que a banca nacional está a revelar claros sinais duma fragilidade que sendo conhecida[3] era persistentemente negada pelos próprios e pelos poderes públicos e uma fragilidade e um desespero tais que arriscaram a proclamação de que os «Bancos portugueses deixam e dar crédito ao Estado», anúncio que apenas se justifica por, julgando-se acima das leis e da crítica, não recearem qualquer tipo de reacção.

Este tipo de atitude insere-se no que aparenta ser uma nova fase no relacionamento entre o poder e a alta finança, cuja situação de desespero terá chegado a ponto de um dos seus principais tenores ter recorrido a uma táctica de terrorismo financeiro, pois foi disso mesmo que se tratou quando Santos Ferreira anunciou perante as câmaras da TVI que o Estado necessitava de recorrer a um financiamento urgente duma dezena de biliões de euros, como se não soubesse a diferença entre biliões (1012) e milhares de milhões (109), que era o valor que deveria ter referido[4], aproveitando o ensejo para atemorizar ainda mais as pessoas.

Anima-me que, apesar de tudo, aqui ou ali lá vão surgindo algumas observações e comentários pertinentes a propósito desta situação, como é o caso da pergunta «E se em vez de dar conselhos a banca pagasse impostos?» que Daniel Amaral deixou hoje na sua crónica no EXPRESSO, do comentário de Perez Metello que, interrogando-se acerca dos «15 mil milhões? “Essa urgência não é do Estado”» concorda com a leitura de João Duque, a que acrescento a óbvia necessidade da banca pagar (com taxas de juro idênticas às que cobra) os milhares de milhões de euros de que beneficiou em garantias públicas e outras formas de apoios financeiros[5] durante o pico da crise de liquidez iniciada com a falência do Lehman Brothers e que lhes permitiu sobreviver até agora. 



[1] A notícia de que «Judite Sousa vai entrevistar os maiores banqueiros» antecedeu em 24 horas a reunião “secreta” no Banco de Portugal.

[2] A citação foi retirada desta notícia do I ONLINE.
[4] A diferença resulta da utilização de uma de dois sistemas de nomenclatura de números grandes; a escalam curta, em que cada novo termo é mil vezes maior que o anterior, e a escala longa, onde aquela razão é um milhão. A escala longa é usada predominantemente nos países anglo-saxónicos enquanto a curta predomina nos países europeus.
[5] Recorde-se que só para tapar o “buraco” da burla engendrada no BPN por Oliveira e Costa, a CGD (banco público) já lá injectou cerca de 5 mil milhões de euros e no início deste ano o I ONLINE tenha informado que «Contribuintes vão pagar buraco do BPN durante 10 anos».