quarta-feira, 12 de outubro de 2011

DEXIAMENTE


O fim de semana que conheceu o desfecho esperado para as eleições regionais na Madeira foi o mesmo que registou o segundo resgate dum dos gigantes financeiros europeus que muito recentemente ultrapassara com segurança e brilhantismo os testes de stress e fora considerado «...como uma das instituições mais seguras na região»[1]; por decisão dos governos belga, francês e luxemburguês (aqueles em cujos territórios tem presença mais significativa) o DEXIA (49ª empresa segundo a classificação Fortune Global 500[2] e primeira de nacionalidade belga) foi intervencionado e desmembrado. Só o governo belga anunciou o pagamento da módica quantia de 4 mil milhões de euros, pelo ramo daquela nacionalidade, e ainda a criação dum “bad bank” onde serão concentrados os famigerados “activos tóxicos” estimados em cerca de 90 mil milhões de euros[3], os quais serão garantidos pelos três países europeus numa proporção de 60,5% para a Bélgica, 36,5% para a França e 3% para o Luxemburgo.

A verdadeira dimensão da decisão que o primeiro-ministro belga, Yves Leterme, anunciou dizendo que «Estamos contentes por poder libertar a 'Dexia Banque Belgique' de todos os encargos e riscos que possam surgir em torno da Dexia»[4], apenas será conhecida a prazo, porque só depois de atingida a maturidade do último dos produtos estruturados transferidos para o “bad bank” é que se poderá aferir do verdadeiro custo desta “operação” e em que percentagem é que ela foi transferida para o bolso dos contribuintes belgas.

Algumas vezes referido, mas raramente quantificado, importa ainda relembrar que em 2008, no apogeu da crise de liquidez no sistema financeiro mundial despoletada pelo rebentamento da bolha especulativa do “subprime”, o DEXIA foi resgatado duma falência eminente pela injecção de 6,4 mil milhões de euros (relativamente pouco se comparado com os 8 mil milhões de euros que o governo alemão então injectou no Commerzbank[5]), pelos governos dos mesmos países que voltaram a agora a acorrer rapidamente para resolver uma situação que afirmam derivada da crise da dívida pública grega.

Sucede porém que o DEXIA nem deverá ser dos bancos europeus mais expostos àqueles activos (os maiores credores são bancos alemães), sendo até conhecido com um dos principais financiadores das economias locais francófonas, facto que sugere se a origem das suas dificuldades não estará antes nas dívidas tituladas por aquelas regiões, não passando este resgate duma manobra de encobrimento.

Duma forma ou doutra, não restam dúvidas que um pouco por todo o lado os banqueiros voltam a registar elevados níveis de intranquilidade, de que é claro exemplo a recente reunião da nata financeira nacional com o ministro das finanças, Vitor Gaspar, algo que se assemelha perigosamente ao “filme” a que assistimos nas vésperas do pedido de auxílio internacional formulado pelo governo de José Sócrates.

À evidência, cá como por esse Mundo fora, os governos continuam a revelar-se mais orientados para resolver os problemas do sistema financeiro do que para gizar e pôr em prática políticas que contribuam para a recuperação das economias, para o combate ao desemprego e para a estabilização da qualidade de vida dos cidadãos, pois a inacção e os erros anteriores podem já motivar que a noção de melhoria possa ser considerada uma utopia adiada.


 Enquanto os banqueiros (e o sistema financeiro global que estes instituíram para seu exclusivo benefício) continuarem a merecer atenções especiais e operações de salvamento financiadas pelos dinheiros e sacrifícios dos cidadãos, pronta e rapidamente montadas pelo mesmíssimos governantes que há mais de um ano tardam em definir soluções eficientes para problemas similares aos da Grécia, não é de espantar que a crise alastre e que até já o presidente do BCE, em vésperas de abandonar as funções, afirme que «Crise da dívida atingiu “dimensão sistémica”».

Por cá, mais comedidos, Passos Coelho e o seu ministro das finanças, Vitor Gaspar, limitam-se a repetir que o próximo ano vais ser ainda mais difícil... para nós, claro, porque tudo o indica Ricardo Salgado e os amigos deverão poder continuar a contar com o apoio e o auxílio incondicional de mais um governo, mesmo que se confirme a notícia do NEGÓCIOS de que o «Perdão à Grécia pode custar 600 milhões à banca portuguesa».


[1] A citação foi retirada desta notícia do DIÁRIO ECONÓMICO.
[2] Lista das 500 principais empresas mundiais por volume de negócios, anualmente publicada pela revista americana Fortune. (adaptado de Wikipédia)
[3] Por esclarecer, aliás nem sequer foi objecto de particular referência, permance a questão de saber como é que um banco com fundos próprios inferiores a 20 mil milhões de euros detém, só em produtos estruturados (falta ainda o valor das restantes responsabilidades) qualquer coisa como quase cinco vezes aquele montante.
[4] A citação foi retirada desta notícia do DINHEIRO VIVO.
[5] Como se pode atestar por esta notícia do DIÁRIO ECONÓMICO da época.

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