segunda-feira, 26 de dezembro de 2005

REFLEXÃO SOBRE A ELEIÇÃO DA PERSONALIDADE DO ANO

Uma das notícias do dia foi a escolha de António Guterres como personalidade do ano 2005 pela Associação de Imprensa Estrangeira em Portugal.

Mais do que comentar a escolha (qualquer que ela fosse seria sempre do agrado de uns e do desagrado de outros), vem na perfeita sequência da escolha do ano anterior – Durão Barroso - por via da sua nomeação como presidente da Comissão Europeia. De acordo com aquela associação a escolha resultou do «...reconhecimento do prestígio internacional e do perfil humanista do ex-primeiro-ministro e ex-presidente da Internacional Socialista», mas parece-me ter esquecido que Guterres foi mais um dos ex-primeiros-ministros a abandonar o cargo que exercia.

Curiosamente os escolhidos nos dois últimos anos apresentam, para além do actual exercício de cargos no estrangeiro, precisamente essa característica “demissionista” que Cavaco Silva inaugurara em 1995 quando decidiu abandonar o governo e a liderança do PSD.

Em 2002, na sequência dos maus resultados do PS (partido que então liderava) em eleições autárquicas, Guterres decide também demitir-se. O seu sucessor, Durão Barroso (nomeado primeiro-ministro na sequência da vitória eleitoral do PSD e de uma aliança com o CDS-PP), viria a demitir-se em meados de 2004 para ir ocupar a presidência da Comissão Europeia.

Convenhamos que assistir, no período de 10 anos, a uma sucessão de cinco primeiros-ministros diferentes, tendo três destes abandonado o cargo, é algo de pouco usual e seguramente revelador do interesse e cuidado posto na gestão da “coisa pública” no nosso país.

Se a decisão de Cavaco Silva abandonar o governo e a direcção do partido quando se aproximavam eleições legislativas (assim se furtando ao voto popular da sua política) se aproxima de uma atitude de pura cobardia política, a de António Guterres (mesmo pretensamente justificada pelo desaire eleitoral autárquico) não foi mais que a utilização de um pretexto para sacudir responsabilidades para as quais não reuniria condições e a de Durão Barroso uma evidente sobreposição de interesses pessoais ao compromisso eleitoral a que voluntariamente de submetera.

Seguindo esta lógica interna e a da AIEP, mais ano menos ano o escolhido será Cavaco Silva, porque verificando-se a sua eleição presidencial é bem provável o seu abandono do cargo (quem já alimentou dois tabus – o do abandono do governo e o da candidatura a Belém – estará sempre pronto para alimentar um terceiro) para assumir (quem sabe?) o lugar de secretário-geral da ONU(ou outro igualmente prestigiante para o País).

Uma coisa é certa Portugal apresenta-se bem fornecido de políticos oportunistas, ou então todos estes têm conseguido alcançar os cargos mais altos da administração!

Será a nossa proverbial atracção pelo desconhecido (diz-se que foi ela a fomentadora das grandes viagens marítimas dos séculos XV e XVI), a irresistível pulsão pela glória, ou mais prosaicamente a habitual fuga em frente a ditar o vergonhoso comportamento de todos eles?

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