domingo, 30 de março de 2008

O ATOLEIRO IRAQUIANO

Poucos dias após a passagem do quinto aniversário do início da invasão do Iraque e as declarações de optimismo da Casa Branca – segundo a qual o plano Petraus para combater a violência naquele país está a resultar – eis que se reacendeu a violência em torno do importante centro petrolífero de Bassorá pouco após ter sido alcançado o fatídico número de 4.000 soldados norte-americanos abatidos no Iraque.

A atestar pelas notícias[1] não se estará a assistir a uma luta contra a Al-Qaeda nem a um confronto entre sunitas e xiitas. As divisões internas no Iraque parecem ter já evoluído para uma nova fase na luta pelo poder; o que actualmente se assiste é a um confronto entre facções xiitas – a afecta ao governo de Nuri al-Maliki e a de Moqtada al-Sadr, o célebre clérigo líder da milícia Exército do Mahdi – e num ponto particularmente sensível do território iraquiano, o principal porto de exportação de petróleo.

Como muito bem chama a atenção o jornalista Adam Brookes, da BBC, num artigo de opinião intitulado «A luta por Bassorá», a maior parte das principais forças políticas com expressão parlamentar dispõem de um braço militar[2] e a região de Bassorá é o coração económico e único porto de mar do Iraque; assim, quem controlar Bassorá terá sempre um importante papel a desempenhar no futuro do Iraque.

De forma directa ou indirecta (há quem diga que os milicianos do Exército do Mahdi envolvidos neste confronto já não seguem o líder al-Sadr[3], facto que parece improvável face às recentes declarações em que este recusou o ultimato lançado por al-Maliki[4] e exige a sua retirada de Bassorá[5]) tudo indica que o Iraque estará a iniciar uma nova fase de escalada da violência e também uma nova realidade na luta interna pelo poder que já se estende geograficamente até à própria capital, onde além de confrontos em Sadr City (arredores de Bagdad) também já registou bombardeamentos à Green Zone[6] através de rockets.

A iniciativa governamental de lançar um ataque às forças do Exército do Mahdi deve merecer uma especial atenção pelo significado que poderá revestir. Se para a administração de George W Bush, que já veio a público manifestar o seu apoio à iniciativa[7], o governo iraquiano está finalmente a agir no caminho correcto e as forças norte-americanas se têm limitado a fornecer apoio e cobertura às operações militares iraquianas, já para o referido analista o confronto poderá não passar de uma mera jogada de antecipação política em preparação de eleições que deverão ocorrer ainda este ano, tanto mais que os seguidores de Moqtada al-Sadr constituem o grupo político mais consistente na oposição a al-Maliki. Esta posição fortemente optimista da Casa Branca começa a ser contestada quando notícias mais recentes[8] dão conta do crescente envolvimento da aviação norte-americana nas acções militares em curso e não pode deixar de ser analisada à luz da recente retirada das tropas inglesas daquela cidade, decisão que terá conduzido a que o vazio de poder criado não tenha sido ocupado pelo exército iraquiano, mas sim pelos milicianos do Exército do Mahdi.

Além destes factos e do inegável crescimento do fenómeno da corrupção no Iraque, associado ao das milícias armadas, outro importante factor a considerar é que esta escalada de violência marca também o fim da trégua que o Exército do Mahdi estabelecera há cerca de um ano e que foi seguramente uma grande responsável pela redução da violência de que a administração Bush tanto se vangloria...

… mas cujo retomar de actividade não só pode voltar a reacender as acções de guerrilha contra o exército americano como representa uma inegável reorientação no alinhamento das forças envolvidas na guerra civil; o que até agora poderia ser descrito como uma luta entre facções com diferente orientação religiosa (sunitas contra xiitas), associadas à existência de um grupo minoritário étnico (os curdos), começa agora a assumir verdadeiros contornos de luta pelo poder no interior da facção mais numerosa.
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[1] Entre muitas outras ver as seguintes: «Fresh clashes break out in Basra», «Clashes continue in southern Iraq» e «Iran ‘behind Green Zone attack’», da BBC, «Milícia de Moqtada Al-Sadr ataca oleaduto em Baçorá», do DN e «Exército iraquiano lança operação contra milícia xiita em Bassorá» e «Sadr propõe negociações para pôr fim a combates em Bassorá», do PUBLICO.
[2] Enquanto o Exército do Mahdi é a força militar do grupo xiita liderado por Moqtada al-Sadr que integrará cerca de 60.000 milicianos, outra das principais forças é a Organização Badr, ala militar do também xiita Supremo Conselho Islâmico do Iraque (organização anteriormente conhecida por Brigada Badr, que apoia o primeiro-ministro Nuri al-Maliki), cujo número de efectivos deverá rondar os 50.000 homens; no lado sunita pontifica uma força recente, a Sahwa, cujos efectivos poderão ultrapassar os 60.000 homens. De igual importância é a milícia curda, conhecida pela designação genérica de peshmerga (literalmente, “os que enfrentam a morte”) grupo que depois de se destacar na oposição a Saddam Hussein teve um importante papel durante a invasão americana e deverá contar com um efectivo de cerca de 100.000 homens. Informações mais detalhadas sobre estes e outros grupos podem ser encontradas na página do “think tankCOUNCIL ON FOREIGN RELATIONS.
[3] Segundo esta notícia do DIÁRIO DE NOTÍCIAS
[4] No passado dia 26 a BBC noticiava que Nuri al-Maliki oferecera 72 horas aos milicianos para se renderem, prazo que segundo noticia o JORNAL DIGITAL já terá sido prorrogado até dia 8 de Abril.
[5] De acordo com esta notícia do PUBLICO.
[6] Zona altamente fortificada de Bagada onde funcionam as principais instalações do exército americano, do governo iraquiano e das representações diplomáticas.
[7] Ver esta notícia do PUBLICO: «Bush diz que Exército iraquiano está a assumir as suas responsabilidades».
[8] Dentre estas destaquem-se as difundidas nas página on-line de A TARDE, de O ESTADO DE SÃO PAULO e da AFP.

quinta-feira, 27 de março de 2008

PARA REFLECTIR NO DIA MUNDIAL DO TEATRO

Assinala-se hoje mais um dia mundial do teatro!

É daquelas datas onde, um pouco por todos os palcos mundiais, se costumam libertar vivas ao teatro, mas hoje proponho-vos apenas a leitura deste texto do sociólogo Francesco Alberoni (os sublinhados são de minha responsabilidade), oportunamente publicado no DIÁRIO ECONÓMICO:

«Responsabilidade

Freud demonstrou que somos responsáveis por todas as nossas acções, quer sejam intencionais ou involuntárias. Estou furioso com uma pessoa, não me apetece vê-la, mas se essa mesma pessoa tocar à minha porta, as regras da boa educação ditam que a mande entrar e lhe ofereça um café. Depois, inadvertidamente, choco com ela. A chávena balança, saltam algumas gotas e sujam-lhe a roupa: “Desculpe, desculpe!” O meu gesto fora realmente inocente? Não se tratava, afinal, de uma manifestação do meu desejo de não ver aquela pessoa?

Há muitíssimas acções que se inserem nesta fronteira, na qual o impulso é afastado, com dificuldade, da consciência e abre caminho através de um lapso, um gesto grosseiro, um esgar, um olhar vago ou inquieto, um tom de voz rude ou afectado. É por essa razão que, quando nos deparamos com alguém que acreditávamos ser nosso amigo, temos uma sensação de desconforto, de frieza, de hostilidade. As sensações dizem-nos mais sobre o nosso interlocutor do que todas as declarações que ele possa fazer. E aquilo que é válido para os indivíduos também é válido para as empresas, para os organismos públicos. Há alguns dias, visitei uma grande empresa. A zona envolvente estava cuidada, os acessos limpos e, apesar dos produtos químicos, não havia odores nem ruídos e as pessoas cumprimentavam-nos.

Tive a sensação de que se tratava de uma empresa eficiente, harmoniosa, e com a qual era possível estabelecer uma excelente relação de colaboração. Há algum tempo atrás, tinha ido a uma grande organização, onde não vi ninguém sorrir aos utentes, mas apenas gente silenciosa, soturna, de olhar fixo no computador, com a secretária cheia de cartas, um mundo árido e hostil.
O responsável por uma empresa ou por uma instituição deve estar muito atento ao ambiente que o rodeia. Deve registá-lo e analisar os comportamentos dos seus colaboradores. Nos gestos, deve deduzir motivações que não se transformam em palavras e que talvez até eles desconheçam e dar-lhes solução. São poucas as pessoas jovens que, mesmo após um encontro importante, fazem esta análise, talvez por não terem sido treinadas para a fazer. Não têm a sensibilidade adequada para descodificar a linguagem gestual. Não por falta de professores, como os realizadores e os actores de teatro e de cinema, que estudam as manifestações inconscientes da alma humana para as poderem representar de forma consciente. Mais, estou completamente convencido da utilidade de integrar o estudo da representação teatral no ensino. Poderia ajudar os jovens a compreenderem melhor os outros e a si próprios, a estarem mais conscientes das suas acções e, portanto, mais responsáveis.

Francesco Alberoni, Sociólogo»

e uma reflexão sobre as razões para o “vazio” em que os poderes estabelecidos persistem em transformar as escolas...

A quem serve, em última instância, a formação de gerações de trabalhadores amorfos e obedientes?

terça-feira, 25 de março de 2008

MENTALIDADES PARASITÁRIAS

Chamou-me hoje especial atenção o título do editorial do DN «Mentalidade parasitária não é digna de empresário», consagrado ao mais recente caso nacional de fraude fiscal.

Depois de lidos os dois parágrafos do texto, comecei a interrogar-me sobre o título e o respectivo conteúdo; é que se a mensagem de condenação da prática de enriquecimento ilícito é obviamente válida, o título pareceu-me redutor (por associar a condenação à estrita função do empresário) e a preocupação da redacção do DN pouco consistente com anteriores trabalhos.

Quando as economias mundiais se confrontam com o espectro de um período de recessão económica, originado em práticas de especulação desenfreada (seja esta praticada nos mercados financeiros ou nos mercados imobiliários) parece-me de todo em todo pueril, quiçá até desculpabilizador, apodar de parasitismo apenas os empresários que operam à margem da lei.

Aliás, este tipo de notícias (e de recriminações) é recorrente na imprensa nacional, bastando para tanto recordar os “casos” associados à utilização fraudulenta de fundos europeus para a formação profissional, os associados às linhas especiais de crédito (também objecto de programas europeus de desenvolvimento) e às constantes notícias sobre o escândalo das monstruosas derrapagens financeiras das obras públicas.

Só esta manifesta boa vontade da redacção do DN é que permite classificar comportamentos da natureza dos descritos com idêntica bonomia à que usou para avaliar a crise do subprime.

Em «A origem do mal – como uma casa nos EUA gera um problema global», de cujo segundo parágrafo se pode concluir que aquela crise é fruto da irresponsabilidade das famílias americanas de baixos rendimentos que no final da década de 1990 «perceberam que era possível comprar casa pela primeira vez» e nunca das “honestas” empresas de crédito imobiliário[1] que as financiaram, às quais apenas poderá (no aparente conceito do DN) ser apontado o erro de excesso de confiança e de voluntarismo na tentativa de satisfação do desejo das famílias. Porém, sobre o fenómeno do crescimento da especulação imobiliária e do interesse dos proprietários suburbanos em realizarem liquidez para especularem sobre novas propriedades, sobre os enormes lucros que aquelas empresas de crédito imobiliário realizaram na contratação dos financiamentos hipotecários que revenderam aos bancos ou sobre a escandalosamente leviana actuação das empresas de rating[2] que avaliaram a solidez das carteiras de activos, nem uma palavra...

O mesmo tipo de raciocínio pode ser aplicado ipsis verbis à apreciação feita sobre o que despoletou a crise.

Assim, não foi a apatia em que caiu o tecido económico norte-americano – consequência do recurso sistemático às políticas de deslocalização da produção para países com mão de obra mais barata – que provocou as primeiras situações de incumprimento das famílias endividadas e deu início ao processo de bola de neve que envolveu os emprestadores hipotecários e os bancos que os financiaram, iludidos no pressuposto que o preço dos imóveis não podia senão subir, nem sequer o excesso de ganância revelado pelos promotores imobiliários que tendem a tudo cobrir de betão, mas sim o aparentemente inexplicável fenómeno do sector imobiliário ter parado de crescer.

Com um número decrescente de compradores ávidos de novos (e sempre mais caros) negócios, os imóveis construídos em excesso tiveram de começar a ser vendidos a preços cada vez mais baixos, originando uma desvalorização de todos os activos imobiliários e, no extremo, que os imóveis adquiridos pelas famílias empobrecidas pela deslocalização dos seus postos de trabalho já não apresentavam no mercado valor suficiente para compensar a hipoteca contratada. Para agravar ainda mais este cenário as taxas de juro encontravam-se já num ciclo ascensional, respondendo ao aparente crescimento da economia.

Mesmo que tal não seja assumido pelos responsáveis nacionais, este é também, com ligeiros ajustamentos, o cenário que vive o sector imobiliário em Portugal.

Embora não seja adequado utilizar a designação de subprime para os empréstimos à habitação contratados pelas famílias portuguesas de menores recursos, nem estes créditos tenham sido alvo de um intrincado processo de refinanciamento[3], nem por isso o país deixa de atravessar um período de excesso de oferta de construção que remonta a 2003/2004. Com um excedente de fogos da ordem dos 500 mil (entre novos e usados) o sector da construção civil nacional atravessa ainda um período de reajustamento que, ao contrário do ocorrido no outro lado do Atlântico, tarda em conhecer uma assinalável redução nos preços de mercado, muito por responsabilidade dum sector bancário muito pouco interessado em contabilizar os prejuízos do excesso de crédito à construção concedido.
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[1] Este tipo de empresas não é comparável com quaisquer outras no quadro legal nacional, uma vez que não são instituições de crédito (os vulgares bancos) mas apenas agentes económicos que financiam a aquisição sobre hipotecas imobiliárias que posteriormente refinanciam no sistema bancário e não estão sujeitas ao controlo e vigilância das entidades reguladoras bancárias.
[2] Empresas especializadas que procedem à avaliação do risco das empresas que recorrem ao mercado de capitais, seja emitindo acções ou obrigações, e de cujo trabalho resulta a atribuição de uma classificação que determina o preço ou juro (consoante se trate de acções ou de obrigações) que o mercado deverá exigir à empresa emitente. Quanto menor for o risco avaliado maior deverá ser o preço a pagar e menor o juro a exigir pelos compradores
[3] Em Portugal o crédito hipotecário é contratado directamente com os bancos e estes têm procedido à aplicação de critérios de avaliação dos imóveis um pouco mais rigorosos.

sábado, 22 de março de 2008

INQUIETAÇÃO NO TIBETE

Sinal dos tempos ou produto da mera saturação, as populações tibetanas parecem dispostas a aproveitar acontecimentos tão díspares como a aproximação dos Jogos Olímpicos de Pequim ou a declaração unilateral de independência do Kosovo para fazer ouvir a sua oposição à presença chinesa no seu território.

Sustentada num relacionamento que pode ser remontado ao século XVII a China reclama o Tibete como parte integrante do seu território; mas para melhor entendermos a delicadeza da situação talvez baste recuar ao início do século passado quando em finais de 1911 a república substitui definitivamente a última dinastia chinesa e um par de anos depois se deu início a uma tentativa de acordo tripartido entre a China, o Tibete e o Reino Unido (potência colonizadora da vizinha Índia), no sentido de delimitar as fronteiras daquele território; esta tentativa de acordo, que ficou conhecida como a Convenção de Simla, nunca foi reconhecida pela China facto que viria a sustentar o conflito fronteiriço de 1962 com a Índia.

Após a ascensão ao poder do Partido Comunista Chinês, em 1949, a nova República Popular da China retomaria o dossier Tibete e em 1951 imporia um acordo – Acordo dos Dezassete Pontos para a Libertação Pacífica do Tibete – atribuindo àquela região uma grande autonomia. Ainda assim, em Junho de 1956 viria a rebentar uma revolta que, inserida na estratégia de guerra fria da época foi apoiada pela CIA, conheceria o seu desfecho em 1959 com o exílio do Dalai Lama[1] e uma inevitável redução do grau de autonomia da região.

Esta situação conheceu alguns desenvolvimentos em 1989, quando Tenzin Gyatso, o 14º e actual Dalai Lama, foi agraciado com o Prémio Nobel da Paz; ainda que não possa ser esquecida esta coincidência com a da ocorrência do Massacre da Praça Tiananmen[2], é inegável que este prémio aumentou a visibilidade internacional do Tibete e que poderá ter contribuído para uma proposta apresentada em 2005 por Wen Jiabao[3] para a realização de conversações.

Volvidos quase cinquenta anos, eis que aproveitando a proximidade da realização dos Jogos Olímpicos em Pequim, os nacionalistas tibetanos voltam a manifestar-se contra a presença chinesa no seu território enquanto o Dalai Lama vai lançando apelos à comunidade internacional e denunciando o que classifica de política de genocídio cultural praticado pelo governo chinês no Tibete.

Se é verdade que na generalidade das localidades tibetanas o comércio é dominado pela minoria chinesa e o governo chinês nem sequer tem feito grandes esforços para esconder o seu desejo de ver aumentada a presença dos seus nacionais naquele território, não é menos verdade que a generalidade da população tibetana (cerca de 6 milhões de pessoas) apresenta níveis anormalmente baixos de alfabetização, o que muito contribui para a preponderância dos chineses.

De uma forma ou outra não subsistem dúvidas de que permanece vivo um forte sentimento nacional entre os tibetanos, de que dificilmente as autoridades chinesas abrirão mão da sua posição no território, de que a repressão chinesa sobre os manifestantes poderá vir a aumentar, de que o próprio Dalai Lama poderá já estar a ser alvo de alguma contestação interna (os sectores mais jovens e mais radicais acusam-no de excessivo pacifismo face à intransigência chinesa); por outro lado se a escolha da proximidade com os Jogos Olímpicos é um factor de peso para aumentar a visibilidade internacional da situação, não é menos preocupante o facto de novamente em 2008 se voltar a falar na interferência da CIA nesta onda de contestação.

Num artigo recente do investigador australiano Michael Barker, é posta a descoberto a estreita ligação entre o governo tibetano no exílio e o National Endowment for Democracy (NED)[4], facto que não pode deixar de ser ligado à anterior actuação da CIA na região e que pode muito bem ajudar a compreender a crescente violência de que se têm revestido os recentes protestos e quiçá a quebra de influência do Dalai Lama e da sua política de não violência.

Curioso é que face a tudo isto o que mais transparece na imprensa nacional são as acções violentas dos jovens tibetanos e o endurecimento da “resposta” das autoridades chinesas.

Entre nós a notícia continua a ser o número de mortos, raramente os esforços para a resolução das crises e nunca os interesses que por detrás delas se movimentam.
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[1] Designação atribuída ao líder espiritual e administrativo dos budistas tibetanos. Historicamente a sua origem pode ser remontada ao século XIV e resulta da crença da sucessiva reincarnação do seu guru (líder espiritual ou lama) Sonam Gyatso (1543–1588) que foi o primeiro a ser assim designado mas o terceiro na linha de reincarnações. Os seus seguidores consideram o Dalai Lama como uma incarnação do Buda da Compaixão.
[2] Designação por que ficou conhecida o movimento popular que teve lugar na China em 1989. Após alguns dias de marchas e manifestações populares, lideradas maioritariamente por estudantes mas que acabou por mobilizar outros sectores da sociedade chinesa que, animados pelas recentes mudanças na União Soviética (Glasnost de Mikhail Gorbachev), pretendiam ver ampliado o processo de reforma económica e que protestavam contra a inflação e o desemprego, o governo de Deng Xiaoping decretou a lei marcial e enviou o exército para acabar com os protestos, do que resultou um número considerável mortos (entre algumas centenas e 7 mil segundo os manifestantes).
[3] Wen Jiabao é o actual líder do Conselho de Estado da República Popular da China, autoridade administrativa nomeada pelo Congresso do Povo, cargo que se pode considerar o segundo na hierarquia chinesa, logo após o presidente Hu Jintao.
[4] O National Endowment for Democracy (NED) é uma organização sem fins lucrativos norte-americana, fundada em 1983, que se destina a promover a democracia mediante a atribuição de financiamentos a organizações e entidades estrangeiras. Embora se trate de uma entidade privada, a origem dos seus fundos é quase exclusivamente pública – mediante verbas orçamentadas pelo Congresso – e resultou de uma iniciativa desse mesmo Congresso; como tal tem sido várias vezes criticada por interferir em regimes estrangeiros e por ter sido organizada para dar continuidade legal às actividades ilegais da CIA no apoio a partidos e grupos políticos estrangeiros seleccionados. (adaptado de WIKIPEDIA)

quarta-feira, 19 de março de 2008

FOI HÁ CINCO ANOS...

Quem ainda duvidará que cinco anos volvidos sobre a abertura das hostilidades no Iraque aquela invasão não realizou os benefícios sonhados e ainda não terá revelado todas as consequências, pois não é apenas a “semente” da democracia que tarda em florescer.

Ausculte-se a opinião dos iraquianos sobre as muitas promessas por cumprir e enquanto isso tarda (quem na realidade quer conhecer a opinião dos povos atacados) vejam-se alguns indicadores que a OXFAM incluiu num seu relatório apresentado em meados de 2007 denunciando a seguinte situação:

  • 4 milhões de iraquianos (15% da população) não conseguem adquirir comida suficiente;
  • 70% não dispõem de abastecimento adequado de água, contra 50% em 2003;
  • 28% das crianças apresentam sinais de má nutrição, comparados com os 19% que se registava antes da invasão em 2003;
  • 92% das crianças iraquianas sofrem de problemas de aprendizagem, principalmente devido ao clima de medo;
  • mais de 2 milhões de pessoas, maioritariamente mulheres e crianças, foram deslocados no interior do país;
  • outros 2 milhões encontram-se refugiados no exterior, principalmente na Síria e na Jordânia.

Além destes dados reveladores da evidente degradação das condições de vida de uma população a que os ideólogos “neocons” se propunham oferecer a democracia à bomba, como é habitual em todos os cenários de conflito (e o do Iraque não constitui excepção) existe ainda o grave problema das baixas civis. Se pairam fundadas dúvidas sobre o número real de baixas entre os contendores (de acordo com o Iraq Coalition Casualty Count estão contabilizadas mais de 4 mil baixas[1] e 29 mil feridos entre os soldados da coligação e pouco mais de 8 mil iraquianos membros das forças de segurança abatidos desde a queda do regime de Saddam Hussein, ou seja, não incluindo as baixas iraquianas registadas durante o período dos combates com o exército daquele país); também no que respeita à contabilização das baixas civis os números variam entre os 34 mil mortos anunciados pelo governo iraquiano e os 150 mil reportados pela OMS em meados de 2006, enquanto para o independente Iraq Body Count[2] o número de mortos civis desde o início da invasão situar-se-á entre os 80 e os 90 mil mortos.

Mas a dimensão mais dramática desta absurda iniciativa militar é a que é dada pelo número de refugiados. Segundo a AMNISTIA INTERNACIONAL existirão no país 4,2 milhões de refugiados (cerca de 15% da população total), dos quais mais de 2 milhões nos países vizinhos da Síria (1,4 milhões) e Jordânia, totalmente dependentes da ajuda humanitária, a que acrescem os 8 milhões de iraquianos totalmente dependentes da ajuda humanitária para sobreviverem em consequência da destruição da economia nacional.

A esta evidente, e de todo em todo evitável, catástrofe humanitária deverão ainda ser acrescentados outros factos relativos ao processo de ocupação do Iraque.

Começando pelo gravíssimo precedente que constituiu um ataque perpetrado contra o parecer das instituições internacionais (ONU), iniciativa vergonhosa a que o governo português da época, liderado pelo actual presidente da Comissão Europeia Durão Barroso, deu o seu aval, decisão cuja gravidade não pode ser reduzida pelo facto de não ter sido o único país europeu a fazê-lo[3], continuando com a total ineficácia na reconstrução da economia e das infraestruturas – dados apontam para que mais de quatro em cada dez iraquianos sobrevive com um dólar por dia e dois em cada três não têm qualquer acesso a água potável - uma vez que a maioria dos fundos destinados a esta tem sido canalizada para a área da segurança[4] (fenómeno a que não será estranha a proliferação de empresas privadas de segurança a operar no país) em detrimento da melhoria das condições de vida, da saúde e da educação dos iraquianos.

Não menos preocupante (e atentatório dos sempre tão louvados e invocados direitos humanos) foi a reintrodução em 2004 da pena de morte, facto que associado a um sistema de justiça pouco fiável já terá assegurado a eliminação de algumas centenas de iraquianos.

Em resumo, a violência, a impunidade e a situação de pobreza extrema em que vive a generalidade dos iraquianos leva a Amnistia Internacional a classificar de desastrosa a situação dos direitos humanos no Iraque e a afirmar que nem o decréscimo de violência registado nos últimos meses parece querer inverter esta situação.

Embora todos nós sejamos um pouco responsáveis pela situação que se vive no Iraque – se alguma vez nos manifestámos efectivamente contra a invasão não teremos feito de forma suficientemente empenhada para que se obtivesse o sucesso – existem algumas personalidades que são especialmente responsáveis. Isso mesmo o afirmou Mário Soares num recente artigo de opinião quando, apontando a responsabilidade de George W Bush, Tony Blair, José Maria Aznar e Durão Barroso, escreveu: «Talvez um dia - quem sabe? - o Tribunal Penal Internacional se lembre de os julgar, pelo mal que fizeram à Humanidade. »

Como de momento é remota, muito remota, essa possibilidade aos que se encontram directamente envolvidos naquela situação, e em especial aos soldados norte-americanos, restará esperar para ver o que o futuro lhes reservará e talvez, para cúmulo da ironia, nem sequer as próximas eleições presidenciais norte-americanas tragam assinaláveis ventos de mudança...

…é que talvez apenas os 500 mil milhões de dólares já gastos, a necessidade de continuar a suportar gastos mensais da ordem dos 10 mil milhões de dólares, a situação de crise que atravessa a economia norte-americana e o volume da sua dívida externa (que já ultrapassa os 19 biliões de dólares) acabe por determinar o fim da enorme insanidade em que a administração de George W Bush e os “neocons” nos mergulharam a todos.
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[1] As baixas contabilizadas estão assim distribuídas: 3988 soldados norte americanos, 175 ingleses e 133 de outras nacionalidades.
[2] Iraq Body Count é um projecto não oficial, criado por John Sloboda e Hamir Dardagan, com o objective de manter e actualizar a maior base de dados pública sobre baixas civis durante a Guerra do Iraque. Os dados são obtidos através da imprensa, relatórios hospitalares, morgues, ONG’s e dados oficiais, de cujo cruzamento se pretende obter uma base de dados credível.
[3] Esta decisão de Durão Barroso é passível de maior crítica ainda pelo facto da própria UEE se apresentar dividida sobre a matéria – o Reino Unido de Tony Blair e a Espanha de José Maria Aznar alinharam com os EUA, contra a opinião dos restantes países membros – e esta posição constituir uma inegável demonstração das dificuldades na concertação de um política externa comum aos países membros.
[4] Neste capítulo merece óbvia referência as notícias que regularmente vêm dando conta da prática rotineira de tortura nos centros de detenção e prisões no Iraque, além de outros abusos e uso desmedido da força contra as populações.

terça-feira, 18 de março de 2008

SPIT ON SPITZER

A recente demissão do governador de Nova Iorque por envolvimento numa rede de prostituição é assunto que me parece merecedor de um tipo de análise que não encontrei nas notícias que li sobre o assunto.

Na generalidade da imprensa norte-americana abordou o acontecimento sob dois pontos de vista: o do político que fora eleito pela sua superioridade moral e o da superioridade dos valores puritanos. No meu entender um e outro pecam por simplistas, parciais e muito perigosos.

O primeiro, apesar de mais defensável, por Eliot Spitzer ter alicerçado a sua fulgurante ascensão no cenário político norte-americano numa feroz luta contra a corrupção que iniciou após a eleição para o cargo de procurador-geral[1], limita a crítica a uma problemática de natureza pessoal – uma situação de infidelidade conjugal – esquecendo a resposta a questões significativas como a explicação da origem dos fundos utilizados no pagamento dos “serviços” do sofisticado “Emperors Club”; os dois em conjunto por prefigurarem uma evidente intromissão na esfera privada de cada cidadão.

Mesmo sem esquecer o facto do ex-governador nunca poder deixar de ser responsabilizado pelo facto de ter “facilitado” a tarefa aos seus opositores e adversários, continuamos a assistir nos EUA a uma muito infeliz mistura entre a política (e os seus actores mais destacados) e o sexo, como se alguém, ou alguma entidade, detivesse uma superioridade moral sobre o comum dos cidadãos. Na perspectiva destes apóstolos da moral e dos bons costumes é mais condenável o envolvimento com uma prostituta que decisões tomadas à revelia de toda a lógica e mediante o recurso à manipulação e falsificação de informação.

Se, como parece ser o caso, «Cuspir no Spitzer»[2] se poderia bem transformar numa regra para todos os políticos que prevariquem contra a moral puritana, qual deveria ser a sanção para os que comprovadamente envolvem o país em guerras injustificadas e sorvedoras de milhares de vidas e de milhões de milhões de dólares?

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[1] Esta eleição foi acompanhada de alguma controvérsia sobre a origem dos fundos que suportaram a sua campanha, alegadamente um empréstimo feito pelo próprio pai, Bernard Spitzer, conhecido magnata do imobiliário.
[2] Tradução do trocadilho em inglês que usei para título do post.

domingo, 16 de março de 2008

OS BANQUEIROS E A CRISE

Movimentações sociais - expressas em manifestações e diversas greves sectoriais – e aniversários governativos aparte, a semana que findou terá ficado assinalada pelo VI Fórum da Banca e Mercados de Capitais, organizado pelo DIÁRIO ECONÓMICO e que oportunamente reuniu a nata dos banqueiros nacionais.

Ao que relatou aquele jornal económico, durante a reunião terá sido colocada a questão de saber «Porque é que uma família em Ohio que não tem capacidade para pagar a sua hipoteca leva a que uma família em Évora pague mais pelo crédito?»

Questão idêntica já há meses fora colocada pelo caricaturista Chappatte nas páginas do jornal suíço LE TEMPS:

Mas a diferença é que desta vez o ministro português das Finanças, também convidado para o evento, admitiu que a crise do “subprime” já chegou a Portugal e que a situação é preocupante e até o autor do artigo explica que a factura será suportada pela «economia real que está aberta e exposta aos choques externos; a banca, cujo negócio foi directamente beliscado pelo incumprimento nas hipotecas de alto risco; e os clientes que vão ter mais dificuldades em conseguir novos empréstimos e que vão pagar mais, por exemplo, nos contratos para a compra de casa».

Definitivamente afastados os tempos em que houve quem dissesse que «num mês não se falará nesta crise do crédito»[1] e em que as agências internacionais de rating anunciavam a Banca a salvo da ameaça do “subprime”, vive-se agora a inevitável necessidade de enfrentar a situação e os banqueiros nacionais foram unânimes em afirmar que terão que ser os clientes dos bancos que suportarão o acréscimo dos custos, seja através de maiores restrições ao crédito seja através da subida dos custos.

É verdade! Perante a dura realidade, explicada pelos erros cometidos pelos banqueiros na concessão de crédito a clientes de muito alto risco e no refinanciamento desta actividade mediante a titularização daqueles créditos e na ocultação do risco subjacente, pretendem os mesmos manter os níveis anormalmente elevados dos seus lucros através das já muito faladas subidas de juros e aumentos de comissões, medidas que transferirão na prática os custos dos riscos indevidamente assumidos para os clientes.

Esta prática, de quase assalto à mão armada, que os bancos se preparam para implementar constitui apenas mais um dos muitos atentados contra o saudável funcionamento das economias.

É que os banqueiros, não contentes com o facto de há vários anos estarem a acumular ganhos resultantes de terem exaurido a liquidez da economia, preparam-se agora para continuarem despudoradamente a arrecadar ganhos de uma situação de crise da qual são os principais responsáveis e enquanto pretendem estar apenas a exercer a sua real função na economia – a de agentes de ligação entre aforradores e investidores.

Se isto fosse efectivamente verdade e não tivesse sido desenvolvida uma intrincada teia de produtos financeiros, cuja real necessidade é a de escamotear a avaliação do respectivo risco e não a de facilitar a referida função de ligação, a crise resultante do excesso de especulação no sector imobiliário não estaria a assumir as proporções que esta apresenta, nem a suscitar as muitas e pertinentes questões sobre os seus efeitos e as suas consequências.

Entre estas contam-se as que o ex-primeiro ministro francês, Michel Rocard, formulou num artigo de opinião recentemente publicado no JORNAL DE NEGÓCIOS e muito oportunamente intitulado «O Desastre Capitalista», que concluiu assim:

«A cada quatro ou cinco anos, a legitimidade do sistema precisa de ser confirmada através de eleições. Mas estará o sistema a perder de tal forma essa legitimidade, devido à crise económica e social, que nem as eleições voltarão a ser viáveis?
É claro que o capitalismo continua a ser mais compatível com a liberdade pessoal do que o comunismo alguma vez foi. Mas é agora perfeitamente óbvio que o capitalismo está demasiado instável para sobreviver sem uma forte regulação pública. É por isso que, depois de anos e anos a ser negligenciado como uma opção viável, é altura de delinear um projecto social-democrata para o palco político

Se os próprios actores, que ao longo dos últimos anos desempenharam importantes papeis na farsa que se tem revelado o modelo de economia global, começam a revelar claros sinais de descontentamento e inquietude, como se pode esperar que o comum dos cidadãos continue serenamente à espera de mais notícias desastrosas sobre a economia norte-americana enquanto assiste a uma subida generalizada dos preços das matérias-primas, produtos alimentares incluídos, mas nunca dos seus salários?

Como se pode entender (e aceitar) a hipocrisia dos patrões de um sector de actividade, como o financeiro, que há vários anos vem apresentando crescimentos da ordem dos dois dígitos nos seus resultados, como é o caso numa economia periférica como a portuguesa, mas continua a impor aos seus trabalhadores actualizações salariais sempre inferiores à inflação registada, senão como parte de uma bem arquitectada estratégia orientada para a crescente concentração da riqueza produzida num número cada vez menor de cidadãos. Esta estratégia de empobrecimento geral tem sido levada a cabo mediante o recurso a teorias e políticas económicas que tendem a apresentar a desregulamentação e a generalização do recurso ao crédito como sintomas de progresso e bem estar, quando na realidade apenas tem conduzido a generalidade das economias nacionais para a regressão e a agressão militar.

Já em Setembro do ano passado, num post intitulado «HAVERÁ FUTURO NA CRISE?» questionei esta realidade e chamei a atenção para os trabalhos de alguns economistas que têm vindo a procurar demonstrar a irracionalidade do actual modelo económico e a apresentar sugestões para a resolução da situação. Entre estes conta-se Richard C Cook[2] que nos últimos anos vem apelando para a necessidade de entender e converter o crédito num bem de utilidade pública[3], ideia que em certa medida parece ter sido agora retomada por Michel Rocard quando apela à necessidade de um novo plano social-democrata.
_____________

[1] Esta afirmação, além de referida no post «CRISE? QUAL CRISE…», foi ainda alvo de especial atenção neste outro «JUVENTUDE OU LEVIANDADE»
[2] Richard C. Cook é um estudioso e consultor de empresas de nacionalidade norte-americana. Licenciado na Universidade William and Mary (uma das universidades públicas mais prestigiadas nos EUA) este antigo analista governamental (durante a presidência de Jimmy Carter) que também desempenhou funções na Food and Drug Administration, na NASA (onde esteve envolvido na denúncia dos defeitos que culminaram com o desastre do vai-vem Chalenger) e no Departamento do Tesouro dos EUA abandonou funções governamentais em Janeiro de 2007 e tem desenvolvido desde então uma actividade de escritor, orador e consultor em matérias de administração pública, mudança organizacional e resolução de conflitos. Pelo seu papel nos trabalhos da comissão federal nomeada para a investigação do acidente do Chalenger e na divulgação das respectivas explicações, foi galardoado em 1991 com o prémio Cavallo Foundation Award for Moral Courage in Business and Government. Alguns dos seus trabalhos podem ser lidos (em inglês) aqui.
[3] Como contributo para esta questão proponho a leitura deste outro post «CRISE? QUAL CRISE…» que antecedeu e complementa o anteriormente citado e ainda «O PRÓXIMO DOMINÓ VAI SER AINDA PIOR» e «COMO VAI FUNCIONAR O ESTÍMULO DE BUSH» que não tendo directamente a ver com esta questão apresentam alguns contributos para compreender a possível evolução da crise do sistema financeiro e a debilidade das medidas propostas para a contrariar.

quarta-feira, 12 de março de 2008

QUESTÕES EM TORNO DE UMA GRANDE MANIFESTAÇÃO

Após a grande manifestação que os professores levaram a cabo no passado fim-de-semana, parece-me incontornável a necessidade de introdução de algumas mudanças para os lados do Ministério da Educação.

Talvez a saída para a situação até já tenha sido apresentada perante as câmaras da RTP1 pelos dois regulares comentadores – Marcelo Rebelo de Sousa e António Vitorino – quando com 24 horas de diferença deixaram no ar a ideia de que a solução poderá passar por um ligeiro recuo no acessório, para assegurar a continuidade no fundamental.

Apoie-se ou critique-se a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, não me parece de todo em todo descabido afirmar que algumas das medidas contestadas merecem uma apreciação séria e desapaixonada e que a actual equipa do Ministério da Educação até poderá vir a ser reconhecida no futuro como uma das que mais terá feito para melhorar a situação do ensino no nosso país. Ninguém de bom senso poderá contestar a necessidade da aplicação de critérios de avaliação aos profissionais da educação, quando a generalidade dos restantes profissionais se submete já a idêntico processo, da mesma forma que ninguém negará a possibilidade de melhorar o actual modelo de gestão das escolas.

Quando se pesam as críticas e se recordam declarações a propósito de anteriores medidas como a do alargamento dos horários escolares e da criação das aulas de substituição, é justo assumir-se que boa parte daquelas radicam mais de conceitos corporativistas que da defesa dos reais e superiores interesses daqueles que são (ou deveriam ser) a razão primeira e última da existência de qualquer profissional de educação – os alunos.

Sem querer retomar aqui a litania dos “probrezinhos”, devo dizer que há muito defendo a recuperação de uma prática que julgo indispensável para que venhamos a ter um sistema educativo válido e capaz de produzir resultados, a da realização de exames nacionais e eliminatórios no final de cada ciclo de ensino, da mesma forma que sempre afirmei que boa parte da responsabilidade pelo insucesso dos sucessivos programas de educação deve ser imputada aos profissionais de educação que das escolas não souberam (ou quiseram) fazer chegar aos responsáveis do Ministério da Educação e à comunidade as suas críticas e as sugestões, fruto da experiência dos que no dia-a-dia se confrontam com as dificuldades educativas.

Mesmo ciente que não é uma crítica que sirva a todos os profissionais de educação, a minha experiência enquanto antigo aluno, antigo professor e encarregado de educação obriga-me a deixar aquele reparo, da mesma forma que seja qual for o desenvolvimento que este processo venha a conhecer, me parece particularmente relevante que este momento também seja utilizado para reflectir sobre as qualidades daqueles que nos governam.

A aparente falta de diálogo entre a Ministra e os Professores (parece uma realidade mesmo tendo em conta que essa crítica vem sobretudo do lado dos sindicatos e que estes até poderão constituir os parceiros menos adequados à discussão de problemáticas que vão muito além dos interesses da classe sócio-profissional que representam) deve ser analisada e dela retiradas as necessárias ilações políticas.

Tal como aconteceu com a equipa do anterior Ministro da Saúde, Correia de Campos, também neste caso poderemos estar na presença de uma equipa que esteja a produzir um trabalho válido mas que se revela incapaz de o explicar e até de conquistar os intervenientes para o processo que pretende conduzir. Daqui se deverá concluir que para ocupar um lugar governativo não basta ser um técnico competente ou até, talvez, um profundo conhecedor das estratégias a aplicar, quando em simultâneo se revela uma absoluta falta de capacidades tácticas.

Não menos importante que esta crítica específica às personalidades que têm passado por funções governativas é a que de forma genérica deve ser endereçada ao conjunto dos actores da cena política nacional; é que governantes, parlamentares e responsáveis partidários das principais forças políticas nacionais nunca conseguiram (será que tentaram sequer) concertar planos estratégicos que assegurassem uma estabilidade que perdurasse além da duração de uma legislatura. Esta incapacidade não só se tem revelado altamente penalizadora para o conjunto dos cidadãos do país, como pode hoje ser apontada como principal razão para as constantes “mudanças de rumo”, determinadas mais ao sabor dos ventos políticos partidários que dos interesses gerais, que áreas estrategicamente tão importantes como a educação, a saúde, a justiça e a segurança têm conhecido desde o 25 de Abril.

Será que decorridos mais de 30 anos sobre o regresso a uma relativa normalidade democrática, os principais decisores políticos nacionais ainda não conseguiram encontrar o que de fundamental une o povo que pretendem dirigir? É que se a resposta for pela negativa origina uma segunda pergunta: então como podem esperar reunir condições para o dirigir?

segunda-feira, 10 de março de 2008

PARADIGMÁTICO

Querem melhor exemplo do estado a que chegou o nosso país que o hoje transmitido pela estação de rádio que foi paradigma do jornalismo e da informação nacional?

Para quem tenha escutado (talvez até acordado ao seu som) o noticiário da TSF difundido hoje às 7 da manhã, a notícia mais relevante para a vida dos portugueses e a que abriu aquele serviço noticioso não foi o resultado das eleições ontem realizadas num país da UE, por acaso também fronteira nacional e única via terrestre de acesso ao centro daquela, algum eventual rescaldo da manifestação realizada pelos professores no fim-de-semana que terminou, ou até o assinalável feito que foi a conquista de uma medalha de ouro por uma atleta nacional no campeonato mundial de pista coberta.

Pasme-se, mas a notícia foi a demissão de um treinador de futebol.

Perante isto quem poderá estranhar que o país apresente os indicadores de desenvolvimento mais baixos no conjunto da UE?

Quem poderá estranhar os persistentemente elevados indicadores de iliteracia e as desproporcionadas taxas de abandono escolar?

Para o mau desempenho da economia, dos governantes (actuais e passados) e da generalidade dos cidadãos, além dos reduzidos níveis de formação, não pode deixar de contribuir o nível de desinformação que grassa no nosso país; quando o “fait divers” assume o estatuto de notícia de abertura de qualquer meio de comunicação minimamente responsável[1], o que se pode esperar dos seus receptores? Responsabilidade, empenho social e profissional ou apenas um estado de letargia e de cumprimento dos mínimos indispensáveis?

A resposta cabe a todos os que nos últimos anos têm orientado a nossa sociedade na mediocridade e na banalidade e aos que, defendendo apenas os seus interesses pessoais ou corporativos, continuam a não se manifestar contra semelhante estado das coisas.
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[1] Cabe aqui referir que a crítica que aplico à TSF é extensível à generalidade das outras estações de rádio e demais meios de comunicação.

domingo, 9 de março de 2008

QUANDO O LEÃO ENTRA NO JOGO DO GATO E DO RATO

Quando há uns dias comparei o conflito israelo-palestiniano a um perigoso jogo de gato e rato estava a procurar transmitir a ideia de quão perigosa é esta disputa, mas que dizer então quando o leão também participa no jogo?

Alegoricamente esta pode bem ser a figura que sugere uma notícia incluída na última edição da revista VANITY FAIR[1] que afirma que a administração Bush montou uma operação secreta para afastar o Hamas do governo palestiniano. Para David Rose, o autor do artigo, os confrontos entre o Hamas e a Fatah ocorridos em Junho do ano passado e que ditaram o afastamento dos quadros e dos paramilitares da Fatah da Faixa de Gaza para a Cisjordânia e a existência nos dois territórios de administrações distintas (o Hamas controla a Faixa de Gaza enquanto a Fatah mantém o governo do território da Cisjordânia) não foram fruto da agenda política do Hamas mas consequência de uma iniciativa da Fatah fomentada pela administração Bush.

O extenso artigo descreve o ambiente geral numa Faixa de Gaza onde a Fatah procurava a todo o custo manter alguma autoridade que contrariasse o crescimento da influência do Hamas, mesmo recorrendo a práticas altamente condenáveis, e cita documentos confidenciais e fontes palestinianas que atribuem a George W Bush, à Secretária de Estado Condoleezza Rice e ao Conselheiro de Segurança Elliott Abrams a autoria de um plano que contava com a participação de Mohamed Dahlan[2], o homem forte da Fatah na Faixa de Gaza; na prática a ideia seria dotar a Fatah dos meios militares (armamento ligeiro e viaturas) que lhe possibilitassem enfrentar e derrotar o Hamas.

Conduzida de forma idêntica a outras operações secretas americanas, este plano agora revelado apresenta inúmeras semelhanças com iniciativas de outras administrações americanas e a comparação com acções como a que ficou conhecida pelo nome de «Irão-Contras» e consistiu na venda de armamento ao Irão, quando o Congresso norte-americano havia decretado um bloqueio económico ao regime dos ayatolahs na sequência do derrube do Xá e do ataque à sua embaixada em Teerão, e do uso dos fundos resultantes para financiar a oposição (contras) ao governo sandinista da Nicarágua, é tanto mais pertinente quanto um dos seus participantes, o conselheiro Elliott Abrams[3], também integrou o grupo de mentores de ambas.

Contando com apoio financeiro e logístico de alguns estados árabes, a administração Bush logrou treinar e equipar com armamento moderno um número elevado de novos membros para as forças de segurança da Fatah; porém as movimentações de armas e homens tornaram-se evidentes e antes que Mohamed Dahlan tivesse considerado reunidas as condições para o golpe, as forças do Hamas anteciparam-se e tomaram elas as instalações e o novo equipamento militar da Fatah.

Ironia do destino, novamente uma administração americana apostou no desenvolvimento de iniciativas à margem das regras do jogo (no essencial a intenção era afastar o Hamas do poder para o qual fora legitimamente eleito) e vê-se agora exposta ao ridículo de admitir a conspiração e o seu fracasso.

Embora as primeiras reacções da administração Bush tenham sido de negar os factos, os precedentes não jogam minimamente a seu favor e o pior de tudo é que esta revelou-se apenas mais uma das suas desastradas iniciativas no Médio Oriente, região onde parecem apostados a continuar a sua política de deitar gasolina no fogo. _____________
[1] A VANITY FAIR é uma publicação de artes, moda e política com grande divulgação nos EUA.
[2] Mohamed Dahlan, natural da Faixa de Gaza – nasceu no campo de refugiados de Khan Younis – foi um dos promotores da 1ª Intifada, ex-conselheiro para a segurança de Yasser Arafat e ministro de estado para a segurança de Mahmoud Abbas foi o líder do Preventive Security Service, a organização paramilitar de segurança da Autoridade Palestiniana. Após o afastamento da Fatah da Faixa de Gaza, o Hamas divulgou documentos encontrados em instalações daquele grupo que revelavam o envolvimento de membros da Fatah, e em especial de Mohamed Dahlan, numa conspiração para assassinar Yasser Arafat, tema que abordei neste post.
[3] Advogado de formação, de ascendência judaica, integra o grupo de neoconservadores que participou nas administrações republicanas de Ronald Reagan e de George W Bush; mentor da operação «Irão-Contras» foi condenado em 1991 por ocultação de informação na sequência do escândalo que envolveu aquela iniciativa; perdoado por George Bush (pai) veio a integrar a equipa de conselheiros de George W Bush (filho). Além do referido envolvimento no fracassado golpe para afastar o Hamas, é-lhe ainda atribuída a co-autoria do plano que conduziu à tentativa em 2002 (também fracassada) de afastar Hugo Chávez do governo da Venezuela.

sábado, 8 de março de 2008

DE ALMA ABERTA NO DIA INTERNACIONAL DA MULHER

De Alma Aberta

Tomai-me as ancas fartas dão para égua
e as açucenas que ainda são mamudas.
Dos olhos tomai pranto, é boa rega,
já que a chorar por vós vos dei fartura.

Dos ouvidos, silvos que os ocuparam
tomai que até farelo pus em música.
Calo a farinha. Anjos a trituraram.
De agro celeste, o grão não mói a Musa.

De árduos sentidos que chamais pecados
tomai só os mortais. Dão uma récua.
Dos imortais nem um que são velados
por vapores de alvorada paraclética.

Tomai riso também se quereis folia:
mete rabeca e balho o Sprito Santo.
Nos fúlgidos milagres da pombinha
embuça-se o divino no profano.

Tomai polme a ferver de ilhoa irada,
mesmo o coice que dá depois de morta.
Eu deito fogo para não ser queimada.
Mas serva e cerva sou por trás da porta.

Tomai gestos que são dos sete palmos
e para vermes eu não ponho a rubrica.
De publicar-me em pó estais perdoados.
Devo-me eterna vendida em hasta pública.

Traficantes de peles, à puridade
vos digo: só mentira arrecadais.
Porque tal como o lótus, a verdade
vos dou na comunhão que não tomais.

Natália Correia - Poesia Completa

quarta-feira, 5 de março de 2008

O JOGO DO GATO E DO RATO

Depois da tempestade vem a bonança! Mas será isso que prenuncia a retirada do Tsahal da Faixa de Gaza?

Analisada friamente a questão, a resposta apenas pode ser pela negativa. E senão, vejamos: para que serviu mais esta ofensiva militar levada a cabo contra os palestinianos?

Apresentada como uma acção necessária face à constante flagelação do seu território praticada pelos grupos palestinianos mais radicais, aparte a eliminação de mais de uma centena de palestinianos, conseguiu o governo israelita por cobro ao disparo de rockets a partir daquele território?

Não parece ser essa a conclusão que retira o enviado especial do LE MONDE à Faixa de Gaza quando titula uma das suas reportagens com: O exército israelita retirou de Gaza sem ter posto fim aos tiros palestinianos.

O uso da força militar, traduzida no recurso aos ataques com mísseis a partir dos helicópteros Apache ou dos drones teleguiados, ou no uso de blindados e buldozers para destruir habitações que supostamente albergarão as famílias dos militantes – medida há muito usada pelo Tsahal como via de intimidação e de punição colectiva – parece ter voltado a falhar, pelo menos a avaliar pelo facto noticiado pelo jornal suíço LE TEMPS[1] de que só no passado domingo foram lançados 24 rockets contra o sul de Israel, com a agravante de agora também estar a ser utilizada uma versão iraniana dos célebres Katiushka, com um alcance da ordem dos 22 Km e maior poder destrutivo. Esta escalada armamentista do Hamas teve como consequência imediata o aumento da tensão em Israel e da pressão sobre o seu governo para o desencadear da operação.

Em meados de Janeiro, nas vésperas do início do bloqueio imposto à Faixa de Gaza pelo governo de Olmert, o jornal israelita HA’ARETZ recordava que desde o lançamento em 2001 do primeiro Qassam, caíram em território israelita cerca de 5.900 rockets, provocando 18 mortos e cerca de 600 feridos, números que comparados com os cerca de 35 mortos mensais em acidentes de viação dão uma boa noção da pouca importância dos primeiros ou que, pelo menos, não são suficientemente graves para justificar a Terceira Guerra Mundial[2].

Mas as próprias reacções da imprensa israelita sobre os recentes acontecimentos revelam-se contraditórias; enquanto o MAARIV[3] (diário conotado com a direita) admite como marco do início das hostilidades um ataque israelita a um veículo onde seguiam destacados dirigentes militares do Hamas e se questiona sobre a situação criada pelo seu próprio governo aos habitantes de Sderot e de Ashkelon[4] e sobre a finalidade de mais esta acção que afirma desproporcionada e sustentada numa mera inequação entre o derramamento de sangue israelita e palestiniano, já o HA’ARETZ[5] (diário considerado de centro esquerda) não poupa a comparação entre os recentes acontecimentos e a invasão do Líbano em 2006, acontecimento em que o governo não mostrou saber para onde ia, nem para onde conduzia os israelitas.

Quando tudo isto ocorre nas vésperas de mais uma ronda das negociações israelo-palestinianas, decididas na sequência da cimeira de Annapolis e que deveria contar com a presença da Secretária de Estado Condoleezza Rice, quem pode duvidar que entre os principais interessados se contam os grupos mais radicais dos dois lados do conflito?

Isto parece tanto mais real quanto apesar de pouco divulgada no exterior das suas fronteiras, existirem no seio da população israelita organizações que vão coligindo informação e noticiando factos particularmente relevantes para a compreensão do real fenómeno que constitui a difícil relação entre judeus e palestinianos. Exemplo disto foi a recente publicação no YEDIOT AHARONOT de um relatório do movimento PEACE NOW revelando que entre 2000 e 2007 os governos israelitas recusaram 94% dos pedidos de construção apresentados por palestinianos moradores nos territórios da Cisjordânia sob controlo exclusivo de Israel e que no mesmo período por cada autorização de nova construção foi ordenada a demolição de 55 já existentes.

Se for necessário tornar mais real a brutalidade destes dados basta referir, como o faz o referido relatório, que durante os 8 anos analisados foi permitido aos palestinianos a construção de 91 habitações enquanto nos colonatos judaicos foram edificadas 18.472 habitações. Perante tamanha injustiça e prepotência contra uma população de credo diferente quem ousará condenar a classificação da actuação das autoridades judaicas como puro genocídio[6]?

Perante estas evidências como entender o recente empenho da administração Bush no aprofundamento de um processo negocial conducente à criação de um estado palestiniano destituído de quase todas as condições de sobrevivência, senão como via para a manutenção um importante aliado militar na região. Só assim fazem sentido as recentes declarações da Secretária de Estado Condoleezza Rice, citadas pela BBC NEWS, que à chegada ao Egipto afirmou continuar «...a acreditar que é possível alcançar um acordo até ao final do ano, se todos estiverem empenhados nisso» quando são públicas e notórias as divisões entre os palestinianos – com a Fatah e o Hamas a dividirem a administração da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e divididos quanto questões fundamentais como o estatuto de Jerusalém, o direito de retorno dos palestinianos e o reconhecimento do Estado de Israel – e a fragilidade dos negociadores, sejam eles a Autoridade Palestiniana – entidade liderada pela Fatah mas desprovida da indispensável legitimidade após a vitória eleitoral do Hamas – ou governo de Ehud Olmert – abalado por questões de natureza interna ligadas à corrupção e ao recente fracasso no Líbano do habitualmente todo-poderoso Tsahal – a que deverá ser acrescido o natural avolumar de dúvidas quanto à exequibilidade da solução dois povos - dois estados, subitamente tão do agrado de judeus e americanos...

Enquanto Israel e o ocidente persistem na estratégia de hostilizar o Hamas (e de rejeição dos resultados eleitorais que conduziram aquele grupo ao poder por alegadamente este não reconhecer o Estado de Israel) e de apoiar a Fatah, num perigoso jogo de gato e de rato que já levou ao confronto armado entre os dois grupos (do qual resultou a expulsão da faixa de Gaza das milícias afectas à Fatah), do mesmo tipo do que realizam as milícias do Hamas com o Tsahal, a situação do milhão e meio de palestinianos que vive na Faixa de Gaza não pára de se degradar, empurrando um número cada vez maior de palestinianos para as acções de guerrilha, que após o aumento das medidas de segurança e a construção do famigerado muro de separação se converteram no lançamento de rockets em substituição dos atentados suicidas.
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[1] Ver a notícia na íntegra aqui.
[2] Citado a partir de uma notícia do COURRIER INTERNATIONAL.
[3] As referências a esta publicação foram retiradas desta notícia do COURRIER INTERNATIONAL.
[4] Sderot e Ashkelon são as duas localidades israelitas mais próximas da fronteira com a Faixa de Gaza (a primeira há muito constitui um alvo habitual para os Qassam (mísseis de fabrico artesanal) palestinianos enquanto a segunda começa agora a constituir um alvo potencial para os novos Grad (os referidos mísseis do tipo Katiushka de fabrico iraniano) ampliando a sensação de insegurança) que há muito constituem um problema delicado para os governos israelitas manietados entre a pressão dos seus habitantes para abandonarem os locais e a impossibilidade política de admitirem a incapacidade para os protegerem.
[5] As referências as esta publicação foram retiradas desta notícia do COURRIER INTERNATIONAL.
[6] De acordo com a Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Punição dos Crimes de Genocídio entende-se este como qualquer acção que intente: destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso; matar membros do grupo; causar sérios prejuízos físicos ou mentais a membros do grupo; infligir intencionalmente aos membros do grupo condições de vida que provoquem danos físicos; impor medidas destinadas a controlar a natalidade e impor a transferência de crianças de um grupo para outro.

domingo, 2 de março de 2008

VÍCIOS PRIVADOS, PÚBLICAS VIRTUDES

Enquanto o dia-a-dia da esmagadora maioria dos cidadãos do nosso país continua a decorrer de forma penosa e arrastada; enquanto se sucedem as notícias que a conta gotas vão confirmando as piores perspectivas para a evolução da economia e para os cada vez mais precários rendimentos que vamos auferindo a troco de um esforço crescentemente maior; enquanto persistem os sinais de conflitualidade, real ou latente, um pouco por todo o lado; enquanto continuam por surgir sinais evidentes de que os nossos dirigentes, nacionais e comunitários, estão efectivamente empenhados na prossecução de políticas orientadas para a qualidade de vida das populações, parece-me merecedor de especial reflexão um artigo do DIÁRIO ECONÓMICO que li há dias e do qual aqui cito o seguinte excerto[1]:

«Fomos buscar à cultura anglo-saxónica a ideia de que os vícios privados (como a avidez, a ambição, e até mesmo a inveja) podem tornar-se públicas virtudes porque estimulam a competição económica e política. Mas isso apenas acontece em sociedades que possuem uma rigorosa ética privada e pública como as comunidades de New England.
[Num país], onde a ética pública é quase inexistente, os vícios privados tornam-se imediatamente vícios públicos, corrupção. Os males da nossa sociedade não se podem curar nem com simples alterações na maioria eleita nem com leis. A lei, por si só, nada é sem sólidas raízes éticas. [Em tempos], os magistrados tentaram substituir a moral pela lei, mas o resultado foi desastroso. Não, a base da sociedade é o indivíduo moralmente capaz de dizer não a quem lhe oferece dinheiro, sucesso e carreira em troca de favores. O nosso país precisa de uma reconstrução ética que apenas pode ser realizada se partirmos da infância e, no caso dos adultos, partindo das pequenas coisas. Não estacionar a mota no passeio, pagar o bilhete de autocarro, não prometer aquilo que não se pode cumprir, não favorecer os recomendados, não pagar sem recibos, pedir factura, declarar os rendimentos e denunciar as irregularidades que nos rodeiam. São comportamentos que deveriam ser essenciais, a começar pelos políticos, magistrados, intelectuais, jornalistas, empresários, comerciantes e depois todos os outros, porque a moral ensina-se através do exemplo.
Mas atenção, não estou aqui a fazer nenhum convite à austeridade, ao ascetismo. Nada disso! Divirtam-se, festejem, façam férias, façam amor, comam e bebam o que vos apetecer. Mas, quando estiverem a trabalhar, não finjam que trabalham. Se forem professores, ensinem com dedicação, se forem juízes, sejam imparciais, se foram administradores, não enganem ninguém. É evidente que os corruptos vão considerá-los estúpidos, mas temos de começar a comportar-nos de forma correcta, apenas por ser o que está certo. A virtude é um exemplo, é um modelo da forma como todos devemos agir. Não posso ser virtuoso apenas quando me dá jeito. Devo sê-lo sempre e de qualquer maneira. E o prazer que daí vou retirar será a consciência de estar a dar o exemplo, o prazer de me sentir livre, o orgulho de não ter cedido à chantagem
da autoria do sociólogo italiano Francesco Alberoni[2], escrito a propósito da situação em Itália (daí na citação ter substituído entre parêntesis as referências directas àquele país) queria destacar três ideias que me parecem de enorme aplicabilidade nacional:
1. necessidade de uma repensar os padrões éticos;
2. necessidade de um esforço colectivo e empenhado;
3. a mudança tem que começar no interior de cada um de nós;
que muita gente reconhece mas que, por um motivo ou outro, continuamos sem aplicar.
A matriz judaico-cristã donde deriva a nossa sociedade contém, desde a sua génese, um conjunto de normas que há milénios são transmitidas de geração em geração, mas que nos últimos anos têm sido profundamente subvertida pela actuação impune de algumas franjas da sociedade. É certo que desde tempos imemoriais sempre houve quem quebrasse essas regras, mas também é verdade que os que tal ousaram sempre se sujeitaram ao repúdio da sociedade, contrariamente ao que agora parece suceder quando se glorifica o sucesso a qualquer preço e mediante recurso a quaisquer meios.
Por tudo isto, não creio que seja indispensável a criação de uma nova ética mas sim a recuperação de valores que foram correntes e usuais até há bem pouco tempo.
Este processo terá que envolver um esforço colectivo e assumido no sentido da reinculcação de valores fundamentais como a honestidade, o dever, a honra, etc. e deverá apontar como alvo preferencial os jovens. Só melhorando as gerações mais novas é que poderemos aspirar a quebrar o actual ciclo de valores pantanosos em que vivemos, mas para tal é indispensável que pais, professores e a sociedade em geral alterem o comportamento complacente a coberto do qual se têm multiplicado os oportunistas.
É por isso com crescente preocupação que continuo a acompanhar a evolução das políticas educativas no nosso país e a total ausência de uma prática orientada para a valorização do esforço de alunos e professores, porque enquanto vigorar no sistema educativo português a sacrossanta preocupação das estatísticas e das médias avaliadoras do insucesso escolar tudo o que estaremos a fazer é transmitir os sinais errados na abordagem do problema. Se desde o início do processo de massificação do ensino, só possível após o 25 de Abril, tivéssemos definido como principal prioridade a aquisição pelos jovens de arreigados conhecimentos e sólidas competências em detrimento dos ilusórios resultados estatísticos fornecidos por indicadores como o sucesso escolar, disporíamos hoje de melhores profissionais, mas sobretudo de melhores cidadãos, mais despertos para as reais necessidades do país e dotados de sólidos valores, em vez da miríade que engrossa as listas de desempregados e procura desesperadamente um trabalho que lhe proporcione um mínimo de dignidade social.
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[1] O texto entre parêntesis e os sublinhados são de minha responsabilidade.
[2] Mais informação e outros artigos podem ser encontrados na sua página: http://www.alberoni.it enquanto os editoriais que regularmente escreve para o CORRIERE DELLA SERA podem ser lidos aqui: http://www.corriere.it/editoriali/alberoni/