sexta-feira, 30 de agosto de 2013

JOGO DE EMPURRA


Há muito que a grave situação na Síria deveria ter recebido os cuidados e a atenção da comunidade internacional, porém a lógica dos interesses geoestratégicos e as contradições dum sistema internacional de regulação (como a ONU) assente na lógica ultrapassada dum mundo bipolar datando dos tempos da “guerra fria”, tem-no adiado e esse custo continua a recair sobre as populações desprotegidas.

O anúncio na passada semana de nova utilização de armas químicas na Síria, para mais durante a permanência duma equipa de inspectores da ONU, com a oposição a denunciar o regime de Assad e a contabilizar 1.300 mortos, quando os «Médicos Sem Fronteiras confirmam mortes provocadas por armas químicas na Síria» mas falam em 355 mortos e o Observatório Sírio dos Direitos Humanos contabiliza 322 vítimas, contribui pouco para esclarecer a situação de troca de acusações entre governo e opositores.


Desconhecendo-se ainda as conclusões dos peritos no terreno e enquanto a «ONU pressiona EUA e Reino Unido para atrasarem intervenção militar na Síria», e depois de publicado que os «EUA dizem que ataque químico na Síria é "indesmentível" e não ficará impune» e «Londres considera possível acção militar na Síria», numa conjugação de posições que se assemelha perigosamente da “aliança” e da argumentação que fundamentou a invasão norte-americana do Iraque em 2003, levando mesmo a admitir que «EUA saltam sobre Conselho de Segurança para atacar a Síria» apesar duma sondagem da Reuters/Ipsos dar uma maioria de 60% contra a intervenção («About 60 Percent Of Americans Are Against Intervention»), eis que o «Parlamento britânico impede intervenção militar do Reino Unido».

Este inesperado contratempo, que não parece ter alterado o planeamento de Washington que de pronto fez saber que os «EUA não descartam avançar para a Síria sem os britânicos» quando, fazendo fé em declarações de Hollande ao jornal LE MONDELe massacre de Damas ne peut ni doit rester impuni»), até deverão poder contar com o apoio francês.

Reagindo a estes cenários e com a certeza que os «EUA atuarão na Síria de acordo com os seus "interesses"» e não com o objectivo de resolver qualquer problema aos sírios ou às populações vizinhas, chega de Damasco a “bravata” de que a «Síria promete responder se for atacada» e o «Irão faz "aviso sério" contra intervenção militar na Síria», enquanto mais prudente a «Rússia defende que Ocidente não pode provar ataque químico em Damasco».

Esta troca de “mensagens” e as notórias semelhanças com os “discursos” que no Ocidente antecederam o ataque ao Iraque reforçam a ideia de estarmos perante mais uma tremenda hipocrisia e a habitual manipulação da informação, precisamente quando até já em jornais nacionais apareceu a confirmação de que durante a Guerra Irão-Iraque, a «CIA ajudou Saddam Hussein a gazear tropas iranianas».

Com a UE a fazer coro com a dupla EUA/Reino Unido parece cada vez mais evidente que, como escrevi no início do ano no “post” «VIOLÊNCIA SÍRIA», ao actual regime alauita se sucederá um de origem sunita onde pontificará a facção wahabita que deverá redundar no agravamento das tensões entre as diversas minorias (curdos, turcos, arménios, drusos, xiitas/alauitas e cristãos ortodoxos), antevisão que explicará uma notícia do VATICAN INSIDER (publicação do jornal LA STAMPA dedicada ao Vaticano) dando conta que o Bispo de Alepo se manifestou contra a intervenção militar estrangeira («Vescovo di Aleppo contro intervento militare») desejando no seu lugar uma força militar que contribuísse para o diálogo.

Certo é que enquanto decorre este jogo de empurra entre governo e as oposições sírias e entre países os ocidentais e os tradicionais aliados da Síria (China, Rússia e Irão), que não pressagia nada de bom nem construtivo para a região, as populações sírias continuam a sofrer os habituais horrores das guerras e a UNICEF (órgão da ONU para a defesa dos direitos das crianças) já anunciou que o «Conflito na Síria fez mais de um milhão de crianças refugiadas», número que representa quase 50% dos refugiados dum conflito que, segundo o ACNUR, já originou mais de 6 milhões de deslocados.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

RECUPERAÇÕES

O anúncio agora conhecido que «Espanha contraiu mais em 2012 do que o inicialmente reportado», depois de notícias como a de que a «Actividade económica no euro em máximos de 26 meses» ou que o «Ritmo de crescimento aumenta na OCDE», a que se juntou que a «Recuperação do investimento puxa crescimento alemão para máximo de um ano» e numa aparente confirmação dos bons ventos, que a «Economia britânica cresce mais do que o previsto no segundo trimestre», leva-me a repetir o alerta com que terminei o “post” «CAMINHOS DE PORTUGAL», lembrando que aquele tipo de notícias positivas poucos efeitos práticos terão sobre o dia-a-dia de quem (assalariado, reformado, desempregado ou pequeno empresário) tem suportado os custos da solução gizada para a crise, como parece confirmar a afirmação de que os «Resultados das cotadas apontam para recuperação do consumo».


Bom seria que a verdadeira razão para esta inesperada recuperação não fosse o comportamento aleatório dalgumas actividades – como sucedeu com o aumento das exportações de produtos derivados do petróleo (para mais duma matéria prima que importamos e altamente sujeita à volatilidade e à espculação sobre os preços) –, mas antes o efeito de genuinas iniciativas de investimento que, contrarimante ao que sugere Henrique Monteiro no seu artigo «Mas afinal porque razão aumentou o PIB?» não podem brotar da simples vontade de empresários e trabalhadores “fazerem coisas” enquanto a procura interna (sustentada no rendimento das famílias, o agregado macroeconómico que todos os governos têm vindo a espartilhar em impostos e a comprimir nas reduções de salários e reformas) não sustentar semelhante procedimento, estratégia principalmente verdadeira para o tecido empresarial nacional que é suportado essencialmente nas PME.

Tal como Gustavo Cardoso chamou a atenção no artigo «CERCADOS», as boas notícias são-no principalmente para as grandes empresas e reflectem mais o contínuo desequilíbrio do processo de distribuição da riqueza que uma efectiva correcção das desigualdades sociais, ou como escreveu há dias Adriano Moreira, no artigo «AS PERGUNTAS INQUIETANTES», «…o credo do mercado parece não reparar no efeito colateral que é o capitalismo de catástrofe, que implica a fadiga tributária, o desemprego, a quebra de produtividade, a pobreza violadora da dignidade humana, uma situação que alguns países, que não servem nem de exemplo nem sequer de lembrança, dominaram com total esquecimento do Estado de direito», a conclusão a tirar é que se a mudança, por pequena que seja, for efectiva e sustentada, sê-lo-á para os sectores económicos monopolistas e rentistas que estiveram na génese da crise, não para a esmagadora maioria da população que dela sairá mais pobre e com menores perspectivas de futuro, por muito que tentem vender-nos a ideia oposta.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

PÂNTANO ÉTICO

Depois de ler no PUBLICO que, a propósito da questão do possível favorecimento na aquisição de acções do ex-BPN, «Rui Machete desmente-se a si próprio» em novas declarações e enquanto reflectia sobre a fraca idoneidade da casta que se tem perpetuado no poder, veio-me à memória o teor da crónica desta semana de César das Neves.


No espaço que semanalmente ocupa no DN, escreveu aquele professor universitário e, convém não esquecer de referir, conselheiro económico do tempo em que Cavaco Silva foi primeiro-ministro, ainda a propósito da polémica em torno do “swaps” que «O fenómeno mantém-se obscuro, mas com claros sinais de irregularidade. Só que, a existir crime, os principais culpados situam-se no anterior Governo. Em vez de o assumir, esse partido, agora na oposição, ataca o actual Executivo em aspectos laterais». É claro que o objectivo do artigo «“Swap” democrático» não é o de tentar explicar o funcionamento dos “swaps” nem sequer o “negócio” que estes representam (como seria expectável num professor de economia), mas apenas o de desviar o cerne da polémica – a ministra mentiu ou não quando afirmou que a informação não fora disponibilizada pelo anterior governo – para a questão acessória da chicana política, que o próprio descreve assim: «Usar, durante uma emergência nacional, casos desta delicadeza como arma de arremesso, chicana mediática ou bloqueio político é inaceitável».

Tal como sucedeu no caso de Miguel Relvas, onde a bacoquice da exibição duma licenciatura duvidosa se arrastou durante penosos meses sem que o primeiro-ministro ou o visado lhe pusessem cobro e traduzida num comportamento próprio de quem se julga acima dos outros, voltamos agora, nos casos de Maria Luís Albuquerque e de Rui Machete, à situação da manipulação e da mentira (quem ainda duvida que a ministra das Finanças mentiu intencionalmente à comissão parlamentar), num quase insulto à inteligência dos demais cidadãos, tudo isto enquanto “opinion makers” do calibre do já citado César das Neves se esforçam por acrescentar fumo ao nevoeiro.

O que na realidade move os comentadores da esfera do poder não é o desejo de informar ou esclarecer, antes o de escamotear evidências, na precisa linha de actuação dum chefe de governo que transvertido em líder político faz discursos onde nem se coíbe de recuperar o desgastado fantasma das “forças de bloqueio”, que agora chama de “risco constitucional” e que José Manuel Pureza diz num artigo no DN que «…evidenciam ter da democracia uma visão enfadada quando ela impõe limites a uma governação em estilo mãos livres» e numa clara identificação com o difuso conceito de ética de que enfermam.

Tão vago e difuso que confundem o chamado “interesse nacional” (aquele chavão que não há político que se preze que não o invoque ao menor pretexto) com os interesses da minoria que representam – aquela que originou e alimenta uma pretensa crise a cuja sombra tem prosperado e cuja actuação emerge esporadicamente em notícias como a que assegura que o «Fundo de pensões de Gaspar evita comprar dívida pública portuguesa» – e a expensas do interesse geral.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

ESTRATÉGIAS DE BETÃO

O reatamento formal de negociações entre Israel e a Autoridade Palestiniana, interrompidas desde 2010, poderia constituir um sinal positivo não fora o facto de uma vez mais se sentarem à mesa de negociações duas delegações sem a mínima perspectiva de entendimento.

Como se não bastasse a presença dum mediador claramente favorável a uma das partes, esta encarregou-se nas vésperas do primeiro encontro de desferir a machadada final em qualquer hipótese de acordo quando foi divulgado que «Israel vai expandir colonatos judaicos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental»; ninguém – salvo o “amigo americano”, cuja reacção à expansão dos colonatos judaicos tem vindo a consolidar a cada ano que passa, a cada novo assentamento e a cada novo colono, suavizando-a para finalmente aceitar a posição israelita – acredita na ingenuidade do governo israelita, nem sequer que este anúncio se tenha destino apenas a acalmar os sectores mais radicais perante ao anúncio de que «Israel começou a libertar palestinianos em véspera das negociações de paz».


Enquanto nas sucessivas tentativas de negociação e em função das pressões internacionais e da própria conjuntura palestiniana – não esqueçamos que além da divisão entre partidários do Hamas e da OLP, esta última é o resultado da aliança de várias tendências e grupos, onde pontifica a Fatah – as posições potencialmente conciliadoras destes raramente foram acompanhadas pela contraparte. Mesmo quando em 1993 foi alcançado em Oslo um acordo que previa uma retirada parcial do exército israelita e a instalação da Autoridade Nacional Palestiniana, a aparente cedência judaica rapidamente se transformou numa armadilha para Yasser Arafat (o histórico líder da Fatah e da OLP) e para o povo palestiniano, tais foram as limitações e a persistência na presença militar israelita que culminou com a construção do Muro da Cisjordânia (muro de betão erigido ao longo de mais de 700 km a pretexto de assegurar a protecção de colonatos judaicos instalados no território palestiniano da Cisjordânia mas que na realidade funciona como meio para aumentar a área ocupada e restringir a deslocação das populações palestinianas, já de si separadas entre esta região e a Faixa de Gaza).

Não será pois de estranhar que as expectativas para as presentes conversações não possam deixar de ser reduzidas ou nulas, tanto mais que há tradicional relutância judaica acresce uma clara falta de liderança (e de representatividade) da parte palestiniana; já digno de nota é o facto de na imprensa internacional surgirem, em número cada vez maior, opiniões duvidando da solução dos “dois estados”, ainda que uns o façam por mero pragmatismo e apontando a responsabilidade à política judaica de expansão dos colonatos, enquanto outros tendem a reconhecer o fracasso prático da solução, propondo em alternativa um debate aberto e que integre diferentes hipóteses.

Confirmando a ideia que a solução dos “dois estados” se afigura cada vez menos sustentável é que até o governo de Tel-Aviv parece apostado numa nova etapa da sua famigerada política de “apartheid”; isso mesmo transparece da proposta de alargamento do recrutamento militar a grupos não judaicos, como os cristãos, os drusos e os ortodoxos gregos – que levou mesmo o YNET NEWS a noticiar há mais de um ano que “Líderes cristãos debatem alistamento no IDF” («Christian leaders spar over IDF enlistment») –, no que pode ser comparado a uma manobra de fomento de rivalidade entre aqueles grupos e os árabes, numa confissão da situação de facto, que é a de “dois povos-um estado”, onde este serve os interesses da minoria através dum rigoroso sistema de “apartheid.

Esta é uma realidade tão indesmentível que até as próprias autoridades judaicas já revelam dificuldade em a esconder. Á política de instalação de colonatos em territórios militarmente ocupados (prática ilegal ao abrigo das leis internacionais) seguiu-se um processo de bantustisação (pseudo-estados de base tribal criados pelo regime sul-africano do “apartheid”, de forma a manter a maioria negra fora dos bairros e terras da minoria branca, mas suficientemente perto para servirem de fontes de mão-de-obra barata) desses territórios – política que teve o seu expoente na criação duma Autoridade Nacional Palestiniana dissociada das populações que pretende representar – e que agora, em aparente reconhecimento do fracasso, admitem rever criando um simulacro de abertura, conquanto nada disto chegue à mesa das negociações nem pareça preocupar uma delegação palestiniana frágil, lamurienta e sem outro poder que o de se representar a si própria numa farsa de negociações para agradar ao “amigo americano”.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

CAMINHOS DE PORTUGAL

A notícia de que «Portugal sai da recessão com crescimento de 1,1% no segundo trimestre» talvez devesse ser acolhida com júbilo, mas quando até a reacção do governo é cuidadosa ao ponto de dizer que «Há “sinais positivos” na economia mas é preciso “prudência”» toda a temperança poderá ser insuficiente para evitar as previsíveis declarações transbordantes de optimismo e de ilusão.



Aliás a simples constatação de que do anunciado crescimento do PIB não resultará mais que uma previsão de que a «Economia deverá cair 1% em 2013 se mantiver actual ritmo de crescimento», justifica que se esqueça qualquer euforia em torno duma notícia que embora positiva se encontra muito longe de sinalizar qualquer real inversão na situação que vivemos, pois até a própria informação do INE refere que o «...Produto Interno Bruto (PIB) registou, em termos homólogos, uma diminuição de 2,0% em volume no 2º trimestre de 2013». Na prática e a atestar pela reacção do PSD lembrando que «“O caminho que temos percorrido é o correcto e está a dar os primeiros resultados”», continuando como se promete a aposta na estratégia da “austeridade expansionista”, o que nos espera é a continuação da degradação das condições de vida, porque na melhor das hipóteses apenas se poderá dizer que «Portugal sai da recessão técnica mas com dificuldades pela frente».

A reacção adequada não pode ser a dos que afirmam as virtualidades da solução que custou, para já, uma recessão que dura há mais de três anos, nem a de quem assegura que o «Chumbo do Constitucional terá puxado pelo PIB» (para refutar esta tese basta lembrar que parte das medidas “chumbadas” foi compensada com outros cortes ou com aumentos de impostos), antes a de demonstrar as limitações da simples observação da evolução do PIB que, enquanto indicador que mede apenas as transacções de bens e serviços, esquece a evolução doutros indicadores como o desemprego – que continua a apresentar valores elevados e cuja ligeira quebra poderá nem sequer representar qualquer criação de emprego, antes o mero efeito do aumento da emigração – ou a pouco animadora evolução da actividade económica, conhecida que foi que a «Produção industrial regista a segunda maior queda na Europa», não devendo assumir isoladamente a importância que tantas vezes lhe querem atribuir.

Mesmo sem querer denegrir a “novidade” do crescimento do PIB, será mais aconselhável escrever como o fez o NEGÓCIOS que a «Recessão acabou mas a retoma ainda não chegou», sem deixar de observar o que na realidade está a acontecer: o aumento do PIB é insuficiente e não representará senão o crescimento dos negócios das grandes empresas.

Na prática, os caminhos que o país trilha não são significativamente piores que os dos nossos parceiros comunitários, onde a par de crescimentos anémicos se assiste à crescente dicotomia entre grandes e pequenas empresas, com as primeiras aumentarem os resultados – geralmente à custa da redução do emprego – e as segundas sem dinâmica e sem contribuírem para o crescimento do emprego. Embora se trate duma situação pontual, não resisto a citar duas notícias recentes do I, que escrevia ontem que «Ex-Scut entraram no verão a perder em média mais de 6700 viaturas por dia», enquanto hoje noticiava que no mesmo universo de empresas a «Receita por carro subiu em média 26% no primeiro semestre», comprovando que a quebra na procura, em resultado da qual seria natural esperar uma redução na receita da ordem dos 8%, foi mais que compensada pelo aumento dos preços, num sector que vive cada vez melhor à sombra da protecção dum Estado que objectivamente optou por proteger os fortes em prejuízo dos fracos.

Assim, quando lerem as manchetes sobre os discursos da “rentrée” política e a renovação das promessas do fim da crise, lembrem-se que esta não tem sido propriamente igual para todos e que mais que o crescimento do PIB ou o pagamento a qualquer preço da dívida o que importa – o que deveria realmente importar – são as pessoas e a forma como lhes está a ser permitido viverem numa economia onde a distribuição da riqueza é cada vez mais desequilibrada.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

EQUILÍBRIOS


Lembrado de vez em quando pela sua importância estratégica, Gibraltar (território sob administração inglesa desde o século XVIII, cujo nome resulta duma corruptela da designação árabe Jebel Al-Tarik, em homenagem ao berbere, Tarik ibn Ziyad, que comandou o exército muçulmano que iniciou a conquista da Península Ibérica no ano de 711) voltou aos cabeçalhos das notícias na sequência da recente imposição de apertados controlos fronteiriços pelo governo espanhol.

Este diferendo, que os ingleses dizem ter endurecido com o governo de Mariano Rajoy, terá recrudescido por causa de direitos de pesca disputados entre espanhóis e gibraltinos. Embora numa primeira fase tenha chegado a ser notícia que «Cameron e Rajoy anunciam negociações para pôr fim à crise de Gibraltar», depois de ter chegado de Londres a informação que «Navios de guerra britânicos visitam Gibraltar em plena crise», Madrid respondeu assegurando que «Espanha equaciona levar à ONU diferendo com o Reino Unido por causa de Gibraltar»; enquanto a «Tensão sobe de tom, com Londres a ameaçar acções legais “sem precedentes”» continua por realizar um verdadeiro debate em torno dos processos coloniais e dos problemas que persistem sem solução.

Independentemente das razões que assistam às duas partes e de qual venha a ser o desfecho do diferendo, há um conjunto de outras circunstâncias que julgo interessante e merecedoras dalguma reflexão. Assim, enquanto o governo espanhol parece muito preocupado com o enclave britânico de Gibraltar e esquece a situação do enclave que mantém em Ceuta (já para não falar da “velha” disputa luso-espanhola por Olivença), o inglês, ou pelo menos a sua imprensa, não perde a oportunidade para comparar o conflito por Gibraltar com o ocorrido pelas ilhas Malvinas que deu azo a que Margaret Thatcher tivesse recuperado apoio interno para a aplicação das suas políticas anti-unionistas e monetaristas.


Tal como então sucedeu com uma Dama de Ferro em nítida quebra de popularidade, também agora Rajoy (tão conservador e neoliberal quanto ela) se debate com uma evidente quebra de confiança na sequência do caso Bárcenas (o escândalo de corrupção que envolve as principais figuras do partido no governo) e nas canhestras explicações com que tentou justificar o injustificável.

Se à evidente tentativa de fazer esquecer o seu envolvimento num caso de dinheiros sujos juntarmos que o disputado território de Gibraltar – ou “The Rock” (o Rocehdo), segundo a designação popular inglesa – é um dos vários paraísos fiscais que pontilham a Europa (e sede para os principais operadores de apostas “on-line”) e que graças à permissividade das suas leis e dos seus sistemas financeiros asseguram às grandes empresas e aos seus accionistas mecanismos para perpetuarem as fugas fiscais e ainda a indispensável opacidade aos negócios pouco claros em que aqueles se envolvem, talvez se entenda melhor porque é que o “mayor” de Londres proclamou sem pejo: «Tirem as mãos do nosso rochedo».

sábado, 10 de agosto de 2013

INSTIGAR O MEDO

Concluído o Ramadão (o nono mês do calendário islâmico que é consagrado ao jejum ritual) pode já dizer-se que contrariando o alerta antiterrorista que levou a administração Obama a anunciar que os «EUA fecham embaixadas com receio de ataques até ao fim do Ramadão», nada aconteceu além dos já corriqueiros atentados no Iraque, com o fim do Ramadão a ficar assinalado por uma «Nova vaga de atentados no Iraque faz dezenas de mortos», no Afeganistão e no vizinho Paquistão, onde o «Consulado dos EUA no Paquistão evacuado em plena vaga de atentados».

Para melhor entender esta situação, recorde-se que o alerta surge num contexto particularmente interessante, por ocorrer uns dias após a notícia de que centenas de «Membros da Al-Qaeda fogem de prisões» no Iraque e na Líbia e quando em Washington estava no auge um debate sobre os limites de actuação da agência nacional de segurança (NSA), que se saldaria com a notícia que o «Congresso mantém espionagem em larga escala da NSA».

Mesmo admitindo a legitimidade da preocupação norte-americana com a segurança dos seus cidadãos no estrangeiro, não deixa de ser curioso que o “fantasma” da Al-Qaeda tenha regressado às principais notícias quando se procedia internamente ao debate em torno dos limites de actuação das suas agências de espionagem, quando decorria o julgamento de Bradley Manning (o soldado acusado de ter sido a fonte da informação distribuída pelo WikiLeaks) e continuava pendente o caso Edward Snowden (o analista informático que denunciou a existência do PRISM (ver o “post” «BIG BROTHER HIS WATCHING YOU…»), programa norte-americano de espionagem da Internet), factos que até podem levar a considerar-se que a anunciada «Ameaça é oportuna para a NSA».


A instigação do medo, como antes o fizera a administração Bush, e a recuperação dum velho “inimigo”, qual espantalho que de vez em quando se agita para afugentar os mais temerosos, revela-se de particular utilidade a ponto de poder ser usado para justificar o programa de ciber-espionagem que terá possibilitado que uma simples «Intercepção de comunicações da Al-Qaeda motiva alerta dos EUA contra atentados», mesmo que depois se venha a saber que o próprio o presidente «Obama garante que Al-Qaeda é ameaça que foi reduzida».

Assim é de esperar que esta administração norte-americana e as seguintes mantenham viva uma organização que descreverão, variando entre a figura do tigre assassino ou a do mosquito irritante, consoante as necessidades e os fins que pretendam justificar.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

É PRÁ DESGRAÇA…

Não houve no passado fim-de-semana quem, através dos jornais ou das televisões, não tenha tido conhecimento que iria ser aumentado o peso do «Fundo de Estabilização da Segurança Social aplicado na compra de dívida pública».

Esta medida, decidia ainda pelo ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar (em parceria com Mota Soares, o seu colega da Segurança Social), merece abordagem mais pormenorizada, na medida em que integra demasiadas variáveis. Assim, numa conjuntura normal – ou seja, em tempos em que a economia nacional estivesse a evoluir de forma positiva e sustentada – poderia constituir uma solução admissível para reduzir a exposição do crédito público a investidores estrangeiros e até para alguma redução do risco daquele fundo, caso os activos substituídos apresentassem risco superior.


Sucede, porém, que a actual conjuntura económica nacional se pode considerar tudo menos normal e publicar um despacho determinando que o «Fundo da Segurança Social alarga limite de compra da dívida portuguesa para 90%» tem que ser observado numa perspectiva que vai muito além da mera avaliação do risco de mercado, concluindo-se que a mesma não passa de mais um expediente para resolver o problema do financiamento público no curto prazo, confirmado pela notícia de que «Necessidades financeiras do Estado poderão baixar para metade em 2014», e sem cuidar da finalidade e verdadeiro interesse do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS).

Além da óbvia questão da promiscuidade entre decisores com interesses aparentemente diversos – o ministro tenta assegurar o financiamento da dívida enquanto os gestores do fundo deveriam preocupar-se em assegurar a rentabilidade e o baixo risco das suas aplicações – e da subserviência dos gestores do FEFSS aos ditames ministeriais, ressalta ainda outro facto não menos greve: aquele fundo não é propriedade nem do Ministério das Finanças nem do da Segurança Social, antes dos trabalhadores (aposentados ou no activo) que para ele descontaram. O Estado é um mero administrador a quem os contribuintes directos confiaram a gestão do Fundo… e ao que se afigura mal!

Também a questão de natureza ética se torna ainda mais relevante quando o chefe do governo que assume a decisão foi em tempos seu crítico, como lembra o NEGÓCIOS na notícia «Passos criticou Sócrates por compra de dívida que agora aprova», ou quando foi possível assistir num canal televisivo à reacção de Bagão Félix (que foi ministro da Segurança Social no governo de Durão Barroso e ministro das Finanças com Santana Lopes), dizendo que a «Utilização do Fundo da Segurança Social para comprar dívida pública é “perigo” para o Sistema», quando o mesmo esteve envolvido na solução igualmente imediatista de integração de fundos de pensões de empresas públicas (como a NAV, a RDP, a Imprensa Nacional-Casa da Moeda, a ANA e a CGD) na Caixa Geral de Aposentações, nomeadamente, como noticiou em Dezembro de 2004 a TSF, quando no tempo de Santana Lopes o «Governo retira mais mil milhões do fundo de pensões da CGD».

Perante decisões deste jaez, que não podem senão contribuir para o enfraquecimento do Sistema de Segurança Social, ou a inércia face à perpetuação das reformas políticas (deputados e autarcas que se reformam após uma dúzia de anos de “serviço” e muito antecipadamente face à idade legal da reforma), ouvir de representantes da mesma área política afirmações como a da iminente falência da Segurança Social ou do Serviço Nacional de Saúde e a defesa da necessidade de reduções nas pensões (dos que para elas descontaram consoante os valores legalmente fixados) soa não apenas a falso mas a clara mistificação.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

CADA VEZ MAIS GREGOS

Por muito que isso desgoste os líderes europeus, parece cada vez mais inevitável o aprofundamento da crise em que mergulhou a Europa e a Zona Euro.

Seja por insuficiência das acções ou por completo desajustamento das políticas, o certo é que após uma primeira notícia dando conta que o «FMI começa a duvidar que a Grécia seja solvente», de pronto os europeus começaram a ser confrontados com outra, na qual o «FMI avisa zona euro que vai ter de perdoar parte do empréstimo à Grécia».


Contrariando as afirmações mais optimistas de Berlim ou de Paris, o que ressalta das conclusões dos técnicos do FMI é que o problema das dívidas denominadas em euros está para continuar… e cada vez pior. Desmascarado o dogma da “recessão expansionista” e evidenciadas as limitações das políticas do empobrecimento geral, o que resta aos técnicos que as recomendaram é assumirem que a situação está hoje pior que no início da sua intervenção. Isso mesmo é confirmado pela notícia que, em proporção do PIB, a «Dívida portuguesa pode ser a segunda maior da EU», o que, continuando a registar-se a regressão daquele indicador, ninguém poderá dizer que constituirá surpresa inimaginável.

O tom claramente pessimista (ou realista, consoante as opiniões) dos especialistas do FMI admitindo publicamente a possibilidade de insolvência dum membro da Zona Euro é, além duma evidente confissão do insucesso das suas soluções, uma óbvia oportunidade para repetir a ideia que desde o início da crise aqui tenho defendido: a solução terá que ser gizada em várias frentes, integrando uma actuação a nível europeu que atribua ao BCE o papel de financiador da dívida pública (pelo menos até ao limite dos 60% do PIB estabelecido nos tratados) e outra ao nível interno de cada estado que mediante um processo de auditoria permita a determinação dos níveis de dívida ilegítima, cujo pagamento deve ser recusado pelos cidadãos, ao mesmo tempo que se recoloca o sistema financeiro em patamar de igualdade com os restantes sectores da actividade económica, isto é, eliminando a prerrogativa dos resgates públicos garantidos.

Mas a situação dos países periféricos já intervencionados (Grécia, Irlanda e Portugal) é ainda mais grave que a da generalidade dos seus parceiros (Espanha e Itália aparte), pois a ruinosa aplicação das panaceias recomendadas pelo FMI, BCE e FEEF (o cardápio do Consenso de Washington) ao longo dos últimos anos, de que resultou a quase paralisação da actividade económica e a redução dos rendimentos das famílias (salários e pensões), além da óbvia redução do PIB e aumento do peso relativo do endividamento, que levou João Rodrigues, economista e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, a preconizar num artigo do PUBLICO, «O PODER DE ENGANAR OS PORTUGUESES COM A VERDADE», a necessidade de “…recusar o memorando e declarar uma moratória ao pagamento da dívida, isto é, uma suspensão dos pagamentos dos juros e das amortizações ao longo de um processo negocial que terá na agenda, entre outros temas, a reestruturação da tal dívida, reduzindo em profundidade o seu montante”.

Demonstrada a impraticabilidade da solução preconizada pelos sectores (económico e intelectual) que estiveram na origem da crise (ou pelo menos da sua dimensão e rápida expansão), a insistência na perpetuação do erro que ensaiam as elites políticas ameaça asfixiar a resiliência dos cidadãos e transformar-se numa inexorável certidão de óbito colectivo.