sábado, 30 de abril de 2011

POPULISTAS? NÃO, INCOMPETENTES!


As vésperas de mais um 1º de Maio marcam uma oportunidade especial para assinalar algo mais que uma efeméride cada vez mais longínqua na nossa memória colectiva. Sem querer deslustrar ou minimizar aqueles que ao longo de décadas se bateram pela melhoria das condições de trabalho e das remunerações dos trabalhadores, vivem-se agora tempos em que parecem avolumar-se outras prioridades e não são poucas as vozes que nos aconselham a assumirmos a manutenção dos postos de trabalho como a principal delas.

Que mal vão os tempos em que o umbigo de cada um parece assumir a dimensão do Mundo e não faltam “gurus”, nem exércitos doutros arautos menores, que não aproveitem todas as oportunidades para nos desviarem dos problemas globais

Já não constituirá novidade nem motivo para grande espanto que muito vai mal avisado se anda por terras duma Europa onde as condições de trabalho e de remuneração dos trabalhadores há muito deixaram de figurar entre as principais preocupações dos dirigentes europeus, agora que políticos supostamente responsáveis apelem de forma clara e sem rodeios à suspensão (ou à alteração) de princípios tão básicos e elementares como o da livre circulação de pessoas... apenas revela a desorientação e a incompetência que grassam entre as elites dirigentes.


Depois de no Verão passado termos assistido ao polémico episódio da expulsão dos ciganos, protagonizado pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, situação que comentei no “post” «NÓS E OS OSUTROS», prontamente secundado pelo inefável Silvio Berlusconi, chefe do governo italiano, sucedeu-se a mais recente, mas não menos polémica, decisão francesa de proibição do uso do “hijab[1] em locais públicos, eis que novamente voltam os dois figurões a destacar-se pelas piores razões. Agora o alvo não são já os povos errantes, antes os refugiados africanos que, na sequência da agitação política e social no Maghreb começaram a afluir ao território italiano.

Não se tratando dum fenómeno recente, nem de fácil abordagem, a crescente pressão migratória dos povos da região sub-sahariana, pressionados pela degradação das condições climatéricas e em busca da ilusão duma vida mais fácil na rica Europa viu-se agravada pelo clima de agitação no Maghreb, que além de ter aliviado as medidas de contenção negociadas com a UE viu ainda juntar-se-lhe os maghrebinos que por uma razão ou outra receiam a nova conjuntura política.

Mesmo tratando-se dum problema de inegável dimensão europeia e conhecendo-se a existência de um organismo comunitário – o Frontex – criado para a adequada aplicação das normas comunitárias em questões ligadas ao controlo de fronteiras, os líderes nacionais e comunitários têm-no enfrentado da forma mais inadequada: os países do norte da Europa demitindo-se das suas responsabilidades e os do sul, abandonados à sua sorte , têm optado por soluções isoladas e invariavelmente passivas de críticas de xenofobia.


A mais recente iniciativa do duo Berlusconi-Sarkozy – a proposta de revisão do Tratado de Schengen, o documento que regula a liberdade de circulação no espaço comunitário – é bem um exemplo da completa incapacidade dos dirigentes europeus ou, claro reflexo das verdadeiras intenções dos seus mentores, que, agora em nome da contenção duma indesejada invasão africana ou amanhã a pretexto de qualquer outra razão que julguem igualmente válida, propõe simplesmente o restabelecimento das antigas barreiras fronteiriças. 

Depois de se ficar a saber que a «Alemanha une-se a França e Itália no apoio a uma reforma do tratado de Schengen», mesmo salvaguardando a diferença entre cidadãos comunitários e não-comunitários, aumentam-se as probabilidades de caminharmos de alteração em alteração aos documentos constitutivos da UE até ao ponto em que pouco reste das ideias iniciais. E se há dias lembrei no “post” «QUANDO UM HOMEM QUISER» que temos vindo a assistir à erosão dos valores mais importantes, como o da solidariedade e o da cooperação, receio bem que estejamos no limiar duma nova fase de regressão e que em resposta ao aumento de popularidade dos agrupamento populistas, bem expresso em notícias como a que assinala que «Onda de populismo político ameaça afundar zona euro» ou a que assegura que segundo as sondagens «Sarkozy pode ficar fora da decisão das presidenciais», os ineficazes líderes actuais optem por fazer cedências aos ideais da extrema-direita na esperança de agradarem às franjas mais reaccionárias dos seus eleitorados.

É sabido que quando um navio ameaça soçobrar são os ratos os primeiros a abandoná-lo, mas neste caso tudo indica que a sua incompetência e impreparação para enfrentarem os problemas é tal que se preparam para novamente sacrificarem primeiro os grupos mais desprotegidos e desfavorecidos em troca da sua manutenção nos lugares de comando.


[1] Expressão que designa o conjunto do traje feminino islâmico, variável consoante a região, mas que mais recentemente passou a associar-se ao uso do véu islâmico.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

FOI À JUSTA...


Enquanto por cá continuamos ansiosos por ouvir o veredicto final dos “especialistas” do FMI e do BCE para conhecermos a dimensão final dos sacrifícios que nos imporão para que o sistema financeiro e o Estado português resolvam o défice que metodicamente cavam sob o nossos pés, nos EUA foi alcançado na semana passada um acordo entre republicanos e democratas possibilitando o aumento dos limites à dívida pública.


Em Washington e por toda a vasta América, respirou-se de alívio perante a catástrofe que seria o colapso da máquina administrativa da União e a revelação da real situação da economia nacional e em especial a dos estados federados, o principal dos quais é a Califórnia, que já hoje vivem uma situação perigosamente próxima da insolvência.

Perante a magnitude da tarefa dos congressistas todos terão respirado de alívio quando à última da hora foi alcançado o acordo para permitir ao barco manter-se a flutuar... mas até quando poderá o FED continuar a imprimir notas de dólar como se todos vivêssemos (e os americanos em primeiro lugar) no melhor dos Mundos?

Quando o desemprego persiste em aumentar e a economia mais poderosa do planeta continua a apresentar crescimentos anémicos, quem poderá prognosticar o próximo escolho? O colapso do estado da Califórnia, a subida do preço do petróleo e dos bens alimentares essenciais, ou mais prosaicamente a desvalorização do dólar em consequência da subida dos bens essenciais e da inflação gerada pela emissão descontrolada daquela divisa?

A situação de fragilidade da economia norte-americana é tal que até algo impensável como a generalização da crise das dividas soberanas europeias – denominadas em euros ou em libras – poderá ser o suficiente para fazer soçobrar uma economia até agora titânica, pois a dependência dum sistema financeiro globalmente descapitalizado voltará a fazer sentir-se como aconteceu em 2007 com a crise do “subprime”, só que agora a dimensão do iceberg será ainda maior.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

QUANDO UM HOMEM QUISER...


Quando um Homem quis, as portas de Abril abriram-se e trouxeram a liberdade de expressão!

Quando um Homem quis, as portas de Abril abriram-se e trouxeram o fim duma guerra insustentável do ponto de vista moral e financeiro e alguma melhoria nas condições de vida da maioria da população portuguesa!

Quando um Homem quis, as portas de Abril abriram-se e trouxeram o alargamento da escolaridade obrigatória e um Sistema Nacional de Saúde que, teoricamente, deverá responder às necessidades de todos!

Quando um Homem quis, as portas de Abril abriram-se e trouxeram uma lufada de ar fresco e a esperança de podermos decidir o nosso próprio futuro...

Mas, as portas que então se abriram, também trouxeram o oportunismo político, o arrivismo económico e toda uma sobrelevação dum conjunto de valores individualistas (neoliberais) que pouco a pouco, com a complacência ou o silêncio de todos nós, se foram instalando e corroendo o que de melhor experimentámos depois de Abril; trouxeram, é certo, a adesão à CEE (agora uma UE corroída por aquelas ideias e que perdeu já os ideais de concorrência saudável, de cooperação e de solidariedade que estiveram na sua origem), da mesma forma que antes tinham trazido o FMI.


E é de novo sob a tutela do FMI (agora acolitado pelo FEEF e pelo BCE) que vamos assinalar mais uma passagem do calendário, afundados numa tripla crise económica, política e de valores, com uma comunicação social fechada à difusão de tudo o que possa constituir alternativa ou entrave ao principal responsável pela situação que atravessamos: o modelo neoliberal de distribuição da riqueza.

À geração que ajudou a abrir as portas que Abril abriu quase só parece restar a esperança que a geração seguinte leve avante a ideia que um grupo de jovens exprimiu sob a forma do manifesto "O Inevitável é Inviável"...


e, quando um Homem quiser, volte a reabrir as portas que nos tragam um Homem Livre.

sábado, 23 de abril de 2011

MAIS UM DIA MUNDIAL DO LIVRO


A propósito da celebração de mais um Dia Mundial de qualquer coisa (hoje é o do livro) deixo aqui uma imagem...


...que é também uma dupla proposta de reflexão, sobre a utilidade destas efemérides e sobre o livro e o seu futuro.

TEMPOS MAUS


Completam-se precisamente hoje 365 dias desde que o governo grego pediu a “ajuda” dos seus congéneres europeus para enfrentar uma situação financeira calamitosa; depois da Irlanda ter feito mesmo em Novembro e mais recentemente Portugal bem se pode dizer que sopram ventos gélidos na velha Europa e que as previsões para a Zona Euro não serão as mais animadoras.


As notícias que regularmente surgem sobre a problemática do endividamento e as pouco sustentadas perspectivas de melhorias das economias mundiais (a atestar por notícias como a que dá conta que «FMI e Banco Mundial avisam para ‘crise global’» ou a que assegura que a «Recuperação da zona euro mantém-se “frágil”») são outros importantes factores de destabilização duma questão sensível que tem sido abordada de forma bem pouco cuidada.

Enquanto na Europa, sob o a desgastado argumento da necessidade de aumentar competitividade da economia e a produtividade das empresas, se continua a insistir na necessidade de reequilíbrios orçamentais obtidos quase exclusivamente através da redução do papel social do Estado e do agravamento da carga fiscal sobre o trabalho e o consumo, do outro lado do Atlântico chegam ecos que estará a direcção do «Fed dividida sobre manutenção do programa de incentivos à economia dos EUA» enquanto se avolumam os défices públicos (federal, que viu recentemente elevado o limite ao endividamento para evitar uma situação de incumprimento, e estadual[1]) e na velha Albion cresce na imprensa[2] o apelo à transparência na informação sobre a situação (real) da dívida titulada em libras. 

Estes dois exemplos são apenas mais um contributo para a anunciada generalização da crise das dívidas soberanas e, como tenho referido em “posts” anteriores, para a formulação dum enquadramento mais adequado à situação nacional que, em vésperas de se sujeitar aos ditâmes dos guardiões da banca internacional (o FMI) e da moral financeira europeia (FEEF), não é das mais agradáveis.

E o pior é que as medidas preconizadas para a “salvação” nacional são as mesmas que vêem sendo aplicadas à um ano à Grécia, país relativamente ao qual se avolumam notícias cada vez menos animadoras, a ponto do EXPRESSO já afirmar em «Entrámos em território de reestruturação da dívida», que “...o filme desta tragédia grega começa a ser claro: ontem o resgate, hoje a reestruturação da dívida, amanhã o default».


[1] Para uma ideia da situação da adívida americana veja-se o que escreveu Kenneth Rogoff no artigo «Uma cura para o fracasso orçamental?» publicado esta semana no NEGÓCIOS: “Num trabalho intitulado “A Decade of Debt” [Uma década de dívida], Carmen M. Reinhart e eu demonstramos que a dívida pública dos Estados Unidos, onde se inclui a dívida federal, estadual e local, já superou o recorde de 120% do Produto Interno Bruto (PIB) atingido no final da Segunda Guerra Mundial.
[2] Como é exemplo esta notícia no THE TELEGRAPH.