segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

O ORIENTE E A POLÍTICA AMERICANA

Decorreu hoje a primeira reunião do novo parlamento afegão cuja composição resulta das eleições realizadas em Setembro último sob a égide americana.

À sessão inaugural assistiram individualidades mundiais, entre as quais o vice-presidente norte-americano, Dick Cheney, chegado de uma visita relâmpago ao Iraque onde manteve reuniões de trabalho com o presidente Talabani e o primeiro-ministro Ibrahim Jaafari.

Aproveitando a presença do número dois da administração de George W Bush a oposição iraquiana, representada pelo clérigo xiita Moqtada Al-Sadr e pelo nacionalista sunita Saleh al-Mutlak, voltou a exigir a imediata retirada das tropas ocupantes do território iraquiano.

Na sua rápida passagem pelo Iraque Cheney repetiu a intenção da administração americana em manter as suas tropas no território enquanto se mantiver a sua necessidade. Este discurso revela uma enorme consonância com aquele que esta madrugada George W Bush proferiu na Sala Oval, nomeadamente na manutenção do esforço de guerra mesmo reconhecendo alguns erros na sua implementação.

Já no Afeganistão Cheney pode contactar com a realidade que é hoje o parlamento afegão (composto por duas câmaras, uma baixa – a Wolesi Jirga, composta por 249 membros – e uma alta – a Meshrano Jirga, com 102 lugares) e espero que também tenha sido informado da respectiva composição, ou melhor das muitas dúvidas que rodeiam aqueles elementos.

Fruto das eleições realizadas em 18 de Setembro e das limitações impostas pelo presidente Hamid Karzai, a composição das suas duas câmaras resultou de um processo eleitoral particularmente “sui generis” que ditou que entre os eleitos estejam os mesmos “senhores da guerra” que mantêm o controlo de vastas regiões do país e que se encontram associados a crimes de guerra e ao comércio do ópio.

Por outro lado, num país de profunda matriz islâmica verificou-se a eleição de um número significativo de mulheres, facto que sendo apontado no ocidente como sinal de modernidade e democraticidade, pode no local constituir argumento para outro tipo de confrontos. Situação que poderá já se ter iniciado devido à polémica eleição de deputados envolvidos em acções militares contra as populações civis.

Para completar esta complicada amálgama de interesses há que juntar a eleição de antigos comandantes mujahedin, antigos talibans e ex-líderes comunistas, tudo fruto do acto eleitoral representar algo de invulgar para os eleitores e destes se mostrarem facilmente influenciáveis pelos líderes tribais e locais.

No discurso proferido aquando da abertura da assembleia Karzai afirmou que esta «...revela a unificação de todo o povo do Afeganistão [e] é um importante passo para a democracia», numa manifestação de optimismo face ao recrudescimento dos ataques contra as forças ocupantes, sejam eles oriundos de apoiantes dos talibans, da Al-Qaeda ou de qualquer outra força mais ou menos nacionalista.

Neste contexto importa, igualmente, não esquecer a delicada situação de equilíbrios militares que se vive no seio das forças estrangeiras. A recente decisão da NATO em aumentar o número das suas forças no terreno em mais 6.000 homens significará uma redução de cerca de 4.000 americanos que as actuais autoridades afegãs vêem com grande preocupação uma vez que ainda não esqueceram o abandono a que os EUA os votaram em 1989 aquando da invasão soviética e talvez agravada pelas conhecidas contradições e hesitações entre os comandos (de diferentes nacionalidades e com diferentes “instruções” nacionais) da NATO.

Por tudo isto o futuro do Afeganistão e da região envolvente (onde importa não esquecer existe um país com potencial nuclear – o Paquistão – e outro muito próximo de o alcançar – o Irão –a vizinha Índia e o seu permanente conflito com o Paquistão e a situação profundamente instável no Iraque) deverá ser encarado com preocupação e as cautelas que me parece terem faltado em 2001 quando a administração Bush decidiu derrubar o regime “taliban” e que, quatro anos volvidos, continuam a não marcar presença nas reuniões ao mais alto nível na Sala Oval.

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