sábado, 31 de dezembro de 2005

FACTOS INTERNACIONAIS DE 2005

Não sendo propriamente um facto parece-me inegável que o maior destaque da cena internacional deve ser dado à actuação da administração norte americana. Infelizmente pela mais negativa das razões – a manutenção da situação de ocupação do Iraque – a par com a mais vergonhosa das actuações a nível político e diplomático. Ao longo do ano foram-se sucedendo os episódios que culminaram com a revelação da prática de torturas em prisões secretas e do transporte “ilegal” de prisioneiros. Neste capítulo deve igualmente ser destacado o cinismo dos governos envolvidos no processo (aqueles cujos territórios e espaços aéreos foram utilizados) ao afirmarem desconhecer uma situação, cuja gravidade resulta, fundamentalmente do total desrespeito do direito internacional e dos tão apregoados (quando convém) direitos do homem.

Esta questão está fundamentalmente associada ao que a administração Bush tem designado por “guerra contra o terror”, iniciada após o atentado de 11 de Setembro de 2001, à actuação da Al-Qaeda e a tudo o que estes têm servido para justificar. A pretexto de da tal “guerra” a administração americana já procedeu à ocupação de dois países muçulmanos (um deles à revelia da ONU), continuando por esta via a fornecer argumentos aos movimentos islâmicos mais extremistas para manterem um clima de conflito mais ou menos aberto. Em nome da defesa de princípios mais ou menos religiosos centenas de muçulmanos têm vindo a realizar actos terroristas um pouco por todo o mundo, sendo de destacar pelo seu impacto mediático a acção desencadeada em Londres, no dia 7 de Julho, que, à semelhança da realizada no dia 11 de Março de 2004 em Madrid, teve como alvo a rede local de transportes públicos.

A par com a instável situação no Afeganistão, onde já se conseguiu realizar a primeira reunião de uma assembleia eleita, mas onde o governo pró-ocidental liderado por Hamid Karzai continua circunscrito à reduzida área, bem guardada pelos soldados ocidentais, de Cabul, enquanto no resto do território o poder é exercido pelos antigos “senhores da guerra”, por ex-líderes comunistas e pelos grupos “mujhaedin” e “taliban” que vão recuperando posições enquanto os camponeses locais continuam a produzir quantidades crescentes de ópio.

No Iraque registaram-se ao longo do ano três processos eleitorais (o primeiro para uma assembleia constituinte, o segundo para referendar a constituição e o terceiro para a assembleia legislativa) que registaram sucessos distintos mas sempre reveladores das profundas divisões internas entre os três principais grupos (xiitas, sunitas e curdos) e sem conseguirem afastar a forte probabilidade do eclodir de uma guerra civil.

Ainda no Médio Oriente continua por resolver a questão palestiniana, apesar da retirada israelita da faixa de Gaza (um dos territórios ocupados) e de algumas tentativas para o desenvolvimento do processo de paz, este tem conhecido avanços e recuos muitas das vezes influenciados pela política interna das partes, mas não poucas por “ondas de choque” originadas numa região que há gerações não conhece outro clima que não o do confronto.

A nível europeu é de registar o insucesso que rodeou o referendo de uma nova constituição europeia, as dificuldades para a aprovação de um orçamento para os próximos sete anos (que apesar do acordo alcançado na última cimeira de chefes de governo ainda não foi ratificado por um parlamento que teceu duras críticas à proposta aprovada), as dificuldades que se fazem sentir em torno do processo de alargamento a 25 estados e, fundamentalmente, o clima de crise económica que continua a afectar o conjunto dos estados membros.

Ainda na Europa merece referência, devendo ter cuidada atenção, a agitação social registada em França e que colocou à vista os muitos problemas por resolver no capítulo da integração social das comunidades de emigrantes (fenómeno já evidenciado pelo facto dos atentados de Londres terem sido praticados por emigrantes muçulmanos de 2ª e 3ª geração) agravados pelas actuais políticas económicas de conteúdo neo-liberal.

No geral, nos países subdesenvolvidos do continente asiático e africano continuou-se a morrer por falta de alimentos, água potável e cuidados médicos que minimizem os efeitos de muitas doenças de natureza epidémica. Nesse capítulo, 2005 conheceu o aparecimento da chamada “gripe das aves” que apesar do número ainda reduzido de baixas humanas, constitui uma séria ameaça que 2006 poderá vir a confirmar.

A nível das mudanças políticas registe-se a eleição de uma mulher do partido conservador alemão para a respectiva chancelaria, a recente eleição de Evo Morales como presidente da Bolívia (o destaque justifica-se por se tratar de um antigo dirigente do sindicato dos produtores de folha de coca e representar mais um presidente que se opõe à política norte americana para o continente sul americano) e a eleição de um novo Papa, processo ultra rápido (cerca de 48 horas) que conduziu à nomeação de um cardeal alemão (Ratzinger), até então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (designação que sucedeu à de Santo Ofício, ou mais popularmente Inquisição), e sobre o qual surgiram recentemente notícias acerca de forma como foi manobrada a sua eleição.

Para resumir o ano de 2005 não podia ficar de fora a sucessão de fenómenos naturais que assolaram o planeta. Embora ocorrido a escassos 7 dias do final do ano de 2004, o tsunami que assolou o sudoeste asiático e as costas orientais de África, teve com mais de 200 mil mortos os seus efeitos reflectidos neste ano. A este fenómeno seguiram-se os furacões que atingiram as costas americanas do Atlântico Norte, principalmente o Rita e o Katrina que provocaram mais de um milhar de mortos, outros tantos desalojados e a quase completa destruição de New Orleans. Igualmente fatídico foi o sismo que atingiu o Paquistão em Outubro e que terá provocado cerca de 100 mil mortos. Embora originados por causas naturais, movimentos ecologistas apontaram o efeito de estufa como causa para o aumento do número e intensidade dos furacões que anualmente se registam no Atlântico Norte.

Se estes fenómenos são impossíveis de evitar, lamentando-se o número elevadíssimo de mortos, já outros são apenas entendíveis pela irracionalidade das decisões dos líderes mundiais, aos quais não pode bastar virem mais tarde reconhecer a tomada de decisões baseadas em informações erradas, porque os estragos humanos e materiais já estão feitos e, pior, a confiança já está abalada.

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