sábado, 27 de fevereiro de 2010

OUTRA BOLHA

A proliferação de comentários e artigos de opinião, de personalidades ligadas aos sectores tradicionalmente menos críticos da sociedade, relativos à possibilidade da crise económica se estender além do que os mais optimistas prevêem, longe de me comprazerem, cimentam a ideia de que muitas das observações que aqui tenho deixado se justificavam na altura.

Quando até membros proeminentes de organismos reputados, como Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, afirmam que «
Restaurar finanças públicas pode levar 20 anos» poucos poderão continuar a afirmar que o pior terá passado e que agora há que pensar na forma mais rápida de devolver a condução do processo económico à esfera privada.

Talvez melhor que voltar a repetir afirmações antigas seja citar os que mais recentemente têm vindo a alertar para aquela dura realidade, como o antigo responsável do FMI, Kenneth Rogoff, cujas recentes declarações num fórum recentemente realizado em Tóquio levaram o
ESTADO DE S.PAULO a escrever que «Ex-economista do FMI prevê série de calotes soberanos» ou o nosso bem conhecido Manuel Maria Carrilho que normalmente alheado deste tipo de realidades, chama para ela a atenção na sua última crónica no DN e que intitulou «A bolha do conformismo».
Será possível que só as vozes mais distantes dos aparelhos políticos e económicos é que vejam a profunda delicadeza da situação mundial?

É verdade que muito intelectuais, por convicção ou simples fidelidade à corrente dominante, escamoteiam as situações, enquanto muitos responsáveis, por mera solidariedade político-institucional, são condicionados a suavizar a dureza das observações e das decisões que se impunham; mas isso apenas confirma a necessidade de se dar voz aos que pensam de forma diversa.

Numa época em que a velocidade de circulação da informação tem crescido de forma exponencial, que o acesso a dados estatísticos, análises e comentários é de uma dimensão tal que é quase humanamente impossível abarcar o seu conjunto e com os decisores políticos crescentemente expostos ao escrutínios dos seus eleitores, seria de esperar que semelhante tipo de apelo fosse redundante; contudo, seja por interesse dos proprietários dos meios de informação mais populares (televisões) seja por conveniência dos poderes estabelecidos, o que se verifica é quase o inverso.

As vozes dissonantes ou claramente discordantes são sistemática e eficazmente afastadas e mesmo quando parece que se concede tempo de antena aos críticos estes são criteriosamente escolhidos entre os que, expondo algumas críticas não se arrojem a estultícia de propor grandes mudanças, não pondo assim em causa os interesses instalados.

Talvez por isso tenha referido anteriormente a crónica de Manuel Maria Carrilho; mesmo sem partilhar integralmente a ideia da existência de uma bolha de conformismo (baseado no facto do conformismo ser um tipo de comportamento gerado no interior de um grupo em resultado das influências dos seus membros, parece-me mais correcto falar em amorfismo social, pois os factores de influência serão principalmente de ordem externa) não posso deixar de salientar o passo em que o autor apela a «…contrariar a ideia de que […] não há alternativas. O que é preciso é olhar para aqueles - e são muitos - que propõem outras vias, porque o que hoje não falta são ideias e alternativas - o que falta é capacidade política para as ouvir, discutir e, eventualmente, seguir».

A ver vamos se o seu apelo conhece o mesmo destino de tantos outros…

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O LAMAÇAL

Atentas as notícias dos últimos dias haveria alguma forma de fugir ao tema do lamaçal?

Depois de José Sócrates se ter apresentado na SIC numa postura e com um discurso que nada esclareceu, que dizer da notícia hoje difundida pelo
DN, segundo a qual «Ferreira Leite confirma que sabia do negócio PT/TVI», senão que o lamaçal em que vivem os partidos que têm partilhado a esfera do poder começa a ganhar uma dimensão superior àquele que literalmente inundou a cidade do Funchal.

Mais, a notícia não desmentida, antes confirmada pela visada que segundo aquele jornal terá mesmo a afirmado: “Ora essa, e qual é o crime que está a ser cometido por ser informada? Agora não posso ser informada? Se fui informada, isso só prova que de facto o esquema estava a ser montado e que o crime estava a ser cometido”, apenas confirma a teia de interesses que há muito está instalada entre o Rato e a Lapa, que além de em nada beneficiar a generalidade dos portugueses se prepara para continuar a sua senda de malfeitorias e calamidades.

Calamidades que, ao contrário das de origem natural, tardam em ser “limpas” do quotidiano nacional e continuam a pesar nos cada vez mais parcos recursos do país.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

ALÉM DA FRASE

Embora já tenham passado alguns dias desde que li a frase, da autoria de José Eduardo Moniz, que o PUBLICO escolheu para destaque da sua edição do passado dia 17:

«A teia conspirativa envolvendo políticos, empresários e gestores, alguns deles transportando como única habilitações a capacidade de bem servir o líder, é monstruosa e denunciadora da falta de respeito e da indiferença pelos cidadãos e pela democracia. Chavez na Venuzuela não faria melhor»

o seu conteúdo e o momento continuam a justificar que se volte ao tema.

Mesmo depois de no mesmo dia ter ouvido Pacheco Pereira afirmar num debate durante o Jornal Nacional da TVI[1] que não existe censura em Portugal (em contradição com o que as principais figuras do seu partido vêem declarando), nem por isso se pode deixar passar sem comentário a afirmação que José Eduardo Moniz fez nas páginas do ECONÓMICO, tanto mais que o mesmo alude ao incompreensível e generalizado fenómeno da promoção de “inqualificados” como se este fosse um exclusivo da esfera política, esquecendo (ou talvez tentando que nenhum dos seus leitores se recorde do papel que desempenhou enquanto director de programas de um canal de televisão privado que foi um dos grandes responsáveis pela generalização das telenovelas e dos concursos de duvidosa ou nula qualidade) que essa tem sido a tendência no conjunto da sociedade portuguesa.

Embora seja inquestionável a enorme responsabilidade que José Eduardo Moniz teve na degradação dos valores basilares de uma sociedade moderna, ao generalizar junto da população espectadora de televisão e em especial entre os mais jovens uma cultura de facilitismo, a observação que fez é pertinente, mas deve ser devidamente enquadrada no conjunto da sociedade portuguesa.

Que a democracia possa não passar do menos mau dos sistemas de governo ou que o poder corrompe, são noções que há muito passaram a ser entendidas como correntes mas que nunca foram verdadeiramente entendidas e a ainda menos compreendidas.

Que agora venham alguns quadrantes políticos clamar contra um clima de censura (há uns meses a expressão dilecta era a da asfixia democrática, mas talvez por ser demasiado erudita tenha passado desapercebida à generalidade das massas habituadas a pouco mais conhecer e comentar programas como os disponibilizados pelo canal de televisão que José Eduardo Moniz dirigiu) como se tal se tratasse de situação inédita e nunca vista após o 25 de Abril, está para além do aceitável mesmo num processo de luta política e apenas se justifica porque o combate político deixou de se fazer em torno de ideias e de princípios.

Este processo foi tão natural quanto se generalizou a ideia da obsolescência das teorias e, pior, o postulado do fim da história[2], dando lugar à ideia da inevitabilidade da hegemonia de uma corrente de pensamento e à substituição do debate de ideias pela discussão de temas “socialmente fracturantes” e imbecializantes como os da proibição do fumo e do casamento homossexual.

Desprovidos de ideais ou de grandes valores, pretendem assumir-se agora como condutores de um colectivo que não entendem (as bases de formação são fracas ou nulas), nem querem entender (a aquisição de conhecimentos implica trabalho e esforço, mas o que lhes foi incutido forma noções de “esperteza” e de “desenrascanço”) enquanto tal lhes proporcionar os ganhos fáceis a que se julgam com direito natural; dividem entre si os lugares-chave (que proporcionam poder e riqueza) e digladiam-se com o mero fito de os alcançarem para proveito próprio ou da súcia que os rodeia e manterão este tipo de comportamento profundamente lesivo do colectivo enquanto nos mantivermos imóveis e silenciosos, isolados entre quatro paredes a assistirmos aos programas televisivos com que pretendem preencher a nossa existência.
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[1] O conteúdo das declarações de Pacheco Pereira, proferidas durante um frente-a-frente com Augusto Santos Silva, pode ser lido aqui.
[2] Alusão ao postulado defendido por Francis Fukuyama (filósofo político e ideólogo norte-americano do neoliberalismo) segundo o qual como o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim o desenvolvimento do processo histórico baseado nos conflitos ideológicos aproxima-se do fim, dando lugar a uma fase de hegemonia das teses neoliberais.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

INCONGRUÊNCIAS…

Depois da reunião do ECOFIN[1] e da decisão desta estrutura apoiar a candidatura de Vítor Constâncio para ocupar a vice-presidência do Banco Central Europeu, de pronto surgiram na imprensa nacional o habitual coro de felicitações e de pouco contidas manifestações de orgulho nacional, como é o caso desta do PUBLICO que faz manchete de declarações de José Sócrates destacando que nomeação de Constâncio é êxito da diplomacia nacional, ou quando, fazendo-se eco de declarações do Presidente da República, escreve que «Cavaco Silva expressa confiança nas "qualidades pessoais" de Vítor Constâncio».

Mesmo sem considerar as declarações que o próprio Constâncio fez ao I[2], que podem levar a crer que a sua disposição para “emigrar” terá sido fruto das controvérsias que nos últimos anos envolveram o Banco de Portugal no seu papel de supervisão do sistema bancário português, já anteriormente este desvalorizara o processo de candidatura referindo que a escolha é principalmente consequência de um processo de negociação política, facto que (verdade se diga, alguma imprensa nacional não escondeu[3]) pelo que todo este “embandeirar em arco” assume proporções perfeitamente ridículas.

Mas o cúmulo surge quando, através do mesmo jornal ficamos a saber que o PSD congratula-se com nomeação de Constâncio; o mesmo PSD que não deixou de aproveitar a acção do Banco de Portugal (e de Vítor Constâncio) ainda a propósito dos casos BCP, BPN e BPP, para criticar o governo e pedir a demissão de Vítor Constâncio do cargo de Governador.

Exagero, absoluta falta de vergonha ou total ausência de convicções é o mínimo que se pode dizer de tudo isto!
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[1] Designação pela qual é conhecido o Conselho para os Assuntos Económicos e Financeiros da União Europeia, o qual reúne os ministros das finanças dos estados-membros; este conselho, cujas decisões são tomadas por maioria qualificada, exerce um poder legislativo em matérias económico-financeiras, muitas vezes em conjunto com o próprio Parlamento Europeu.
[2] A notícia em causa pode ser lida aqui.
[3] A título de exemplo refira-se outro artigo do PUBLICO intitulado «Constâncio eleito para o BCE no interesse da Alemanha».

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

UM PROBLEMA, SEIS VISÕES

A propósito da questão do endividamento público dos países da Zona Euro, a última edição da revista VISÃO[1], na sequência da revelação da delicada situação grega, deu-nos pela voz de seis abalizadas personalidades um leque abrangente de opiniões e uma curiosa súmula do problema.

Começando por Paul Krugman, prémio Nobel de Economia, que assegura que «[o] maior problema da Zona Euro não é a Grécia, é a Espanha», ponto de vista que explica no seu mais recente artigo no NEW YORK TIMES, que muito a propósito intitulou «The Making of a Euromess» e que no essencial avança a tese de que a conjugação de modelos de desenvolvimento assentes no crescimento imobiliário, financiados por capitais estrangeiros e em economias sem controlo cambial (como sucede na Zona Euro) dificilmente poderiam ter evitado a actual situação e continuando com a infeliz intervenção do comissário europeu da Economia, Joaquín Almunia, que ao afirmar que «Grécia, Portugal, Espanha e outros países da Zona Euro partilham alguns problemas. Nestes países podemos observar uma perda permanente de competitividade desde que se tornaram membros da União Económica e Monetária» forneceu argumentos para que o custo do financiamento daqueles estados fosse agravado.

Tentando remediar os efeitos de afirmações daquele jaez, veio dias depois a público o presidente do Eurogrupo e primeiro-ministo luxemburguês, Jean-Claude Junker, assegurar que «Espanha e Portugal não representam qualquer risco para a estabilidade da Zona Euro»; afirmação que os agentes dos mercados de capitais entenderam como sinal de que o Eurogrupo estaria disposto a apoiar a debilitada economia grega, como aliás se veio a verificar na cimeira que teve lugar no final da semana passada[2].

Se a nível externo esta questão originou óbvia agitação, que dizer a nível interno quando o governo de José Sócrates acabou por anunciar um défice em 2009 acima dos 9% e superior ao previsto em quase 1%; a urgência e a delicadeza da situação obrigou o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, a desdobrar-se em entrevistas (inclusive a meios de comunicação estrangeiros) e declarações como a que denuncia que «[m]uitos dos problemas que estamos a enfrentar estão relacionados com erros de avaliação que foram cometidos pelas agências de rating. Não podemos estar sujeitos a estratégias comerciais que têm como objectivo aumentar a sua quota de mercado». Talvez por sentir o perigo para o conjunto do sistema financeiro português e para o próprio banco que dirige, Ricardo Salgado, presidente do Grupo Espírito Santo, veio em socorro do ministro perguntando: «Porque raio é que as agências de rating dizem que a Grécia e Portugal são a mesma coisa, porque é que consideram que as nossas economias estão interligadas ao ponto de quererem explicar que o problema grego é idêntico ao português? E não é».

O interessante no meio de tudo isto é que todos os citados revelam conhecer razoavelmente bem as razões pelas quais ocorre esta súbita desconfiança dos mercados de capitais; Krugman avança com uma explicação eminentemente técnica, Almunia diz, como na célebre história de Hans Christian Andersen[3] o que toda a gente já sabia e Teixeira dos Santos e Ricardo Salgado apontam baterias mais às consequências do problema que à sua real origem.

No essencial todos têm razão, mas nenhum avança uma hipótese de solução (salvo Paul Krugman que preconiza o aprofundamento do processo de União Económica por forma a permitir que as transferências entre regiões atenuem os efeitos originados na existência de uma moeda única sobre a qual cada uma das regiões isoladamente não dispõe de mecanismos de influência) que aponte para a que se afigura mais apropriada: a recuperação da preponderância da esfera pública na emissão de moeda e a retorno à prática de uma política de apertada vigilância e controlo da actividade financeira, expurgando-a tanto quanto possível das práticas meramente especulativas.

Até o reputado político e eminente economista, que é o Presidente da República, Cavaco Silva, foi citado dizendo que: «Os mercados tentam encontrar um alvo para realizar ganhos. É uma actuação condenável, mas uma realidade que os países não conseguem contrariar», afirmação que não passa de uma lamentável confissão da incapacidade dos políticos para enfrentarem o problema que, com as suas políticas de sistemática redução do papel dos poderes públicos, ajudaram a criar
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[1] A revista em causa é a VISÃO, nº884, de 11 de Fevereiro.
[2] Uma das notícias que talvez resuma melhor as conclusões é esta do JORNAL DE NEGÓCIOS.
[3] Hans Christian Andersen (1805 — 1875) foi um poeta e escritor dinamarquês de histórias infantis. As origens humildes da família, o pai era sapateiro, levou a que tivesse dificuldades para concluir a sua instrução; escreveu peças de teatro, contos e histórias, mas tornou-se mundialmente célebre graças aos seus contos infantis, entre as quais se contam «O Soldadinho de Chumbo» e a «A Pequena Sereia».

sábado, 13 de fevereiro de 2010

POLÍTICOS E JORNALISTAS

Pouco mais de cinco anos volvidos sobre a demissão do governo então liderado por Pedro Santana Lopes, eis-nos mergulhados em novo episódio rocambolesco que poderá muito bem conduzir a idêntica conclusão.

O avolumar das dúvidas sobre a integridade de carácter do actual primeiro-ministro pode estar a atingir um ponto de insustentabilidade. Já não são apenas questões como a da licenciatura relâmpago ou um possível (mas dificilmente provado) envolvimento num caso de corrupção (o caso Freeport); agora é trazido a lume um muito provável conluio para a manipulação de um ou vários órgãos de comunicação social, descoberto durante um processo de investigação policial a um outro caso de corrupção económica, o caso Face Oculta, envolvendo personalidades do PS.

Por muito que se procure defender o princípio jurídico da presunção da inocência e do círculo próximo de José Sócrates continuar a tentar veicular a ideia de que tudo não passará de um amontoado de coincidências, o facto é que estas começam a ser em número demasiado e talvez seja chegada a altura do PS deixar de enterrar a cabeça na areia e admitir que o problema existe e tem um nome: José Sócrates e amigos.

Porém, o problema não é recente e nem sequer é específico do partido no poder. Casos como os que a comunicação social tem divulgado têm sido recorrentes nas últimas décadas em Portugal
[1] e a razão da sua ocorrência tem que ser procurada muito além da existência de censura em Portugal, como Manuela Moura Guedes reclamou perante as câmaras da SIC[2].

Que tudo indica que José Sócrates e o seu círculo mais próximo estará envolvido numa tentativa para controlar alguns dos meios de informação nacional, parece uma realidade cada vez mais difícil de negar, agora que tal tipo de comportamento redunde na existência de censura só parece possível na cabeça de “fazedores de notícias” como Manuela Moura Guedes. Como muito a propósito escreveu Batista-Bastos, esta semana no
DN[3], a dúvida sobre a existência, ou não, de censura só pode ser levantada por quem não «…vem do tempo em que se escrevia baixinho, tão baixinho que perdêramos muitas das palavras, por mudez e falta de uso», ou, acrescento eu, quem por manifesta má fé ou absoluta ausência de valores acha que tudo vale para atingir o objectivo de substituir José Sócrates.

Na prática, o que tenho lido e ouvido nos últimos dias leva-me a colocar no mesmo prato da balança o inaceitável José Sócrates e os imprestáveis que mais não querem que atingir a sua posição. Entre os que afanosamente defendem um primeiro-ministro desprovido de ética e de valores, como os da liberdade e os do direito à opinião, e os que se afadigam e desdobram hoje em críticas mas que quando ocuparam os corredores do poder agiram de forma praticamente igual
[4], não consigo estabelecer qualquer diferença.

Refutando liminarmente a ideia da existência de censura, não posso deixar de criticar os políticos (da esfera do governo ou da oposição) que não enjeitam a primeira oportunidade para manobrar e manipular a imprensa e os jornalistas que temos e que mais do que informar procuram apenas a “caixa” bombástica que assegure uma boa manchete, uma maior tiragem e quiçá uma promoção mais rápida.

É que se a algum político terá passado pela cabeça a ideia de poder “manobrar” publicações, não será também porque a maioria dos “jornalistas” peca pelas reduzidas qualidades profissionais que tão espalhafatosamente exibe?
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[1] A prová-lo esteve o I que no Verão passado publicou um conjunto de artigos (cerca de duas dúzias) sobre os “casos” mais polémicos registados após o 25 de Abril de 1974, que podem ser lidos aqui.
[2] A declaração pode ser lida aqui.
[3] A crónica intitulada «Liberdade, eis a questão», pode ser lida aqui.
[4] Ainda que julgue desnecessário, sempre recordo o muito pouco digno episódio que em 2004 rodeou a suspensão da participação de Marcelo Rebelo de Sousa no Jornal Nacional da TVI, envolvendo o presidente daquela estação de televisão (que, segundo esta notícia do PUBLICO, o visado denunciou à Alta Autoridade para a Comunicação Social) durante o governo de Santana Lopes, ou a verdadeira guerra que na década de 80 então rodeou a imprensa escrita nacional, traduzida como refere Batista-Bastos na crónica que já anteriormente citei «…extinção de títulos, a substituição de direcções de jornais e a remoção de jornalistas incómodos por comissários flutuantes...». A propósito da actual polémica sobre a censura que pesará sobre os jornalistas, recomendo a leitura de outra crónica de Batista-Bastos (escritor e jornalista que verdadeiro repositório ainda vivo de outros tempos, muito poderá ensinar aos mais novos sobre o assunto), a que ontem publicou no JORNAL DE NEGÓCIOS, sob o título «Sobre a liberdade de imprensa e algumas coisa mais»

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

POLÍTICOS FRACOS – MOEDAS FRACAS

Ainda esta semana decorrerá uma cimeira europeia que, no entender do JORNAL DE NEGÓCIOS[1], deverá apresentar um plano para socorrer a Grécia.

Embora aceitável do ponto de vista do óbvio interesse europeu na defesa da sua divisa, parece-me muito pouco provável que tal ocorra
[2], pelo menos para já, pois o passado recente da UE, na perspectiva da construção dum espaço político-económico sólido e solidário, deixa cada vez mais a desejar.

Não o digo apenas por causa de coisas gravíssimas, como a aprovação do Tratado de Lisboa à revelia da opinião pública europeia (ou em manifesta oposição como ficou bem claro após a rejeição do primeiro referendo realizado na Irlanda), mas principalmente pela crescente insignificância das Comissões presididas por Durão Barroso ou pela nomeação dos anódinos Herman Von Rompuy, para a presidência da União, ou Catherine Ashton, como alta-representante para os Negócios Estrangeiros, que só pode ser entendida numa estratégia dos países mais fortes para minar na essência o funcionamento da comunidade.

A comprovar a evidente fragilidade da actual EU, veja-se a total incapacidade dos seus líderes entenderem a absoluta necessidade da introdução de novas regras de funcionamento para os mercados financeiros e para o conjunto de um sector económico particularmente responsável pela crise mundial., facto que até a própria administração norte-americanos já começa a reconhecer. Mesmo que a proposta presidencial de voltar a impor uma separação entre a banca de investimentos e a banca comercial possa esbarrar na intransigência do Partido Republicano, a apresentação da proposta revela já uma maior preocupação que os homólogos europeus desconhecem de todo.

A tibieza europeia está a originar custos para os estados membros que vão além dos de dimensão e projecção estratégica, como a quase total ausência da Europa no debate das grandes questões globais[3].

Isso mesmo ser comprovado mediante uma rápida leitura da generalidade da imprensa e das notícias contraditórias que têm sido publicadas a propósito da avaliação da problemática dos crescentes défices públicos, seja quando as empresas de “rating” insistem no aumento do risco das dívidas denominadas em euros (Grécia, Portugal, Espanha, etc.) mas pouco ou nada informam relativamente a outras divisas (dólares, libras e yens) e outros países (EUA, Reino Unido e Japão) que apresentam volumes de endividamento significativamente superiores, seja quando se desdizem a propósito dos riscos associados à dívida de cada estado[4], assim contribuindo para alimentar um ciclo de especulação sobre o euro, as dívidas denominadas nessa moeda, os estados que compõem a UE e a própria União.
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[1] A notícia referida pode ser lida aqui.
[2] Mesmo considerando esta recente notícia do LE MONDE.
[3] Exemplo disso mesmo tem sido a exclusão da Europa no processo de concertação entre os EUA e a China, patente quer na recente Cimeira de Copenhaga quer na preparação da última visita que Barack Obama fez à Ásia (China e Japão)
[4] Exemplo claro disso é uma notícia do ECONÓMICO segundo a qual a Fitch (uma das três grandes agências de notação de risco, a par com a Moody’s e a Standard & Poor’s) diz que «Risco de incumprimento de Portugal é “próximo de zero”» quando nas vésperas e segundo esta outra notícia do mesmo jornal: «Risco da dívida portuguesa sobe mais que o da Grécia», fora o próprio presidente daquela empresa a colocara situação portuguesa a par da grega; outro exemplo pode ser esta notícia do JORNAL DE NEGÓCIOS que no dia 13 de Janeiro divulgava a opinião da Moody’s de que «Portugal enfrenta risco de morte lenta», quando agora, o mesmo jornal, já anuncia que «Moody"s diz que situação de Portugal não é comparável com a da Grécia».

sábado, 6 de fevereiro de 2010

ELES NEM SABEM O QUE DIZEM

A semana que terminou foi particularmente fértil em notícias relativas ao endividamento público e aos défices, seja porque este é o período habitual para a aprovação dos orçamentos, seja porque abundam os comentários e as análises quanto àquela problemática. Para ajudar (ou para atrapalhar…), juntaram-se ainda as reacções das agências de “rating” e os comentários de responsáveis comunitários, como os do comissário Joaquín Almunia que levaram o ECONÓMICO a afirmar que «Bruxelas também cola economia portuguesa à grega» e o governo português a desdobrar-se em comentários e contra-argumentações.

Em jeito de resposta a grande parte da (des)informação[1] que circula a propósito dos elevados défices públicos que, recorde-se foram em grande parte aumentados para socorrer os bancos em situação difícil ou para apoiar as economias mergulhadas numa crise originada no sector financeiro, alguns responsáveis governativos têm procurado acalmar o chamado nervosismo dos mercados.

Entre estas tentativas pode-se incluir uma entrevista publicada no jornal francês LIBÉRATION com o nosso primeiro-ministro, José Sócrates, e que apresenta algumas passagens particularmente dignas de referência, nomeadamente nas que refere a reduzida racionalidade dos mercados financeiros, quando afirma que «…os mercados não se preocupam com a realidade da situação económica, baseando-se em ideias feitas para realizarem as suas apreciações» ou quando se interroga «…porque é que não se preocupam com a situação da Inglaterra ou dos Estados Unidas, para não falar do Japão, países onde as contas públicas estão bem mais degradadas que em Portugal».

Depois disto e de mais adiante dizer que «[É] extraordinário que as agências de “rating” critiquem os governos por terem gasto o dinheiro que permitiu salvar o sistema financeiro», seria natural que concluísse uma apreciação tão lúcida sobre os anacronismos dos mercados financeiros e sobre os agentes que neles operam com a formalização de uma verdadeira proposta de resolução das contradições tão claramente denunciadas; mas não, Sócrates em vez de apelar à formulação de uma nova política económica no seio da UE, que passasse por:

  • o fim do monopólio bancário da criação de moeda, fazendo regressar este processo à iniciativa pública;
  • uma limitação ao actual sistema de reserva fraccionária[2];
  • a extinção dos “offshores”, cuja razão principal de existência é a evasão fiscal;

limitou-se a uma anódina proposta de «mais Europa», como se mais do mesmo pudesse resolver os actuais problemas.

Ter-se-á Sócrates apercebido quão perto esteve do cerne do real problema que o seu governo (e dos seus congéneres por essa Europa e esse Mundo fora) enfrenta?

Nunca se aperceberam que quando emitem dívida, por exemplo sob a forma de obrigações, os seus grandes compradores não são as famílias geradoras de poupanças ou as empresas geradoras de lucros, mas sim as grandes empresas financeiras e os fundos de investimentos e de pensões que gerem? E que na actual conjuntura boa parte desse endividamento resultou do dinheiro que injectaram nos bancos e nas empresas em vias de falência ou nos gastos acrescidos com as prestações sociais indispensáveis para minimizar a vaga de despedimentos que muitas empresas usaram para aumentarem os seus lucros?

Alguma vez Sócrates, ou alguém na sua “entourage”, se questionou sobre a lógica que permite ao sistema financeiro lucrar com a crise que gerou?

A realidade, nomeadamente o “teatro” que tem rodeado a aprovação do Orçamento Geral do Estado e o episódio da Lei das Finanças Regionais que apenas têm servido como palco para mais umas pseudo escaramuças políticas e uma troca de “galhardetes” entre uns poucos figurões, demonstra que nem Sócrates nem os seus correligionários dos diferentes quadrantes políticos têm uma clara noção do que os rodeia, salvo o que já teriam tomado as medidas adequadas, ou então são objectivamente manipulados pelos que continuam a lucrar com toda esta situação.
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[1] Uso aqui intencionalmente o duplo sentido entre informação e desinformação porquanto grande parte das notícias, análises e comentários que nos últimos meses têm sido produzidos a propósito das questões ligadas ao endividamento dos Estados e ao agravamento dos respectivos riscos de incumprimento, dificilmente poderão deixar de ser classificadas como despudoradas manobras de desinformação.
[2] Recordo que o sistema de reserva fraccionária é o que permite às instituições financeiras utilizarem os meios financeiros dos clientes (vulgo depósitos) para a concessão de crédito; este sistema começou nos seus primórdios por permitir que os bancos mantivessem apenas uma percentagem dos depósitos dos clientes (a taxa de reserva que actualmente está fixada entre nós em 8%) e utilizassem o remanescente sob a forma de concessão de crédito, cobrando os respectivos juros.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

VOLTAVA A FAZER O MESMO

Depois de divulgadas as principais declarações que Tony Blair proferiu durante a audição promovida pela Comissão de Inquérito sobre o Iraque e na linha das que proferiu em meados de Dezembro último em entrevista à BBC ONE[1], constituída por iniciativa do governo de Gordon Brown e dirigida por John Chilcot, o interesse nas conclusões a apresentar pela Comissão deverá ser mínimo.

Se à partida ninguém esperava que mais uma comissão de inquérito[2] relacionada com a participação britânica na invasão do Iraque apresentasse conclusões bombásticas, ou sequer desagradáveis para os poderes estabelecidos, talvez poucos esperassem que o ex-primeiro-ministro Tony Blair se apresentasse perante a Comissão numa atitude de quase desafio e reiterasse sem o mínimo rebuço a decisão que estão tomara.

Nem mesmo o facto deste ter alterado a fundamentação para a acção bélica – reconhecida a inexistência de capacidade militar ofensiva do regime iraquiano, Blair e o “amigo” Bush passaram a afirmar que a destituição de Saddam era razão suficiente para a decisão que tomaram – parece estar a assumir as proporções públicas que devia.

É obviamente impensável que qualquer comissão oficial de inquérito, seja ela promovida por ingleses ou americanos, alguma vez produzirá conclusões contrárias aos interesses dos seus comanditários, mas os cidadãos têm o pleno direito de exigir melhor informação sobre questões da gravidade de uma invasão do Iraque que além dos milhares de mortos (os mais de 5.000 soldados da coligação, os cerca de 10.000 soldados iraquianos e os mais de 95.000 de civis[3]), dos milhões de deslocados, está a custar ao Mundo biliões de dólares[4], numa época em que as economias se apresentam particularmente depauperadas.

Mas, mais grave ainda que termos assistido a um ex-governante que justifica a terrível decisão de envolver o país que dirige e o seu povo numa agressão militar e que a justifica à luz da informação que conhecia na altura, é vermos passar quase incólume o político que defendeu uma guerra sob falsos pretextos e que hoje assegura que apesar disso voltaria a tomar a mesma decisão.

Tony Blair não mentiu aos ingleses e ao Mundo apenas em 2002, continua a mentir hoje em dia e com o mesmo despudor, quando afirma que o Mundo está melhor após o derrube de Saddam e que o digam as famílias dos soldados (de qualquer nacionalidade) mortos e os milhões de iraquianos desalojados por uma guerra que apenas terá servido os interesses ligados ao sector industrial-militar.
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[1] Ver, a propósito o “post”: «BLAIR, O SICOFANTA».
[2] Anteriormente a esta já existiram duas outras (a Comissão Hutton, instaurada para averiguaras circunstâncias que rodearam a morte do Dr. David Kelly, um especialista em armas químicas e reputado crítico da ideia de que Saddam Hussein dispunha daquele tipo de armamento, e a Comissão Butler, instaurada para aferir a qualidade da informação – a existência de armas de destruição em massa pelo regime iraquiano – que fundamentou a decisão da invasão daquele país) tendo ambas concluído favoravelmente aos interesses do governo que as nomeou.
[3] As fontes desta informação podem ser consultadas nas páginas Net de ICASUALTIES e de IRAQ BODY COUNT.
[4] Estimativas há que apontam para um gasto mensal da ordem dos 600 mil milhões de dólares, o que poderá elevar o total a um valor próximo dos 2,5 biliões de dólares.