quarta-feira, 31 de outubro de 2007

A PROPÓSITO DO DIA MUNDIAL DA POUPANÇA

Assinala-se hoje mais uma efeméride: o Dia Mundial da Poupança.

Não é pois de estranhar que aproveite aqui o ensejo para retomar o estafado tema da retracção da poupança que governantes e altos responsáveis pelo sistema financeiro nacional há vários anos vêm apregoando. Ao que dizem aquelas personalidades os portugueses, e em especial as camadas etárias mais jovens, estão a perder o saudável hábito de poupar; por outras palavras as novas gerações comportam-se como estouvados consumidores e abandonaram a salutar prática de amealhar como mecanismo de prevenção e de segurança para o futuro.

Regularmente ouvimos referir que o endividamento das famílias é já superior ao seu rendimento disponível, afirmação que, há semelhança de muitas outras barbaridades pseudo económicas que se afirmam, merece adequada reflexão.

Que as famílias portuguesas poupem hoje menos que há 30 ou 50 anos atrás é perfeitamente normal atendendo à evolução registada, quer ao nível interno quer ao nível externo, num período de tempo em que o país passou de uma situação de isolamento político e económico para outra de grande abertura aos mercados internacionais. Abandonámos um regime político enfeudado a valores económicos bulionistas[1] para passarmos a integrar um dos maiores espaços económicos mundiais – a União Europeia – pelo que é perfeitamente natural que as poupanças antigamente originadas pela simples ausência de produtos e mercados se tenham convertido em melhorias da qualidade de vida das populações.

Porém este fenómeno não explica tudo, há que lhe associar outros como o despertar de uma maior propensão ao consumo (meramente induzida pelo mercado e pela publicidade) mas também pela criação de uma nova “necessidade” – a da aquisição de habitação própria. Quando no início do último quartel do século XX os poderes instituídos começaram a incentivar a aquisição de habitação própria como forma das famílias acederem à habitação alguém se interrogou sobre os efeitos que tal opção comportaria?

Outra variável de grande peso na formação da poupança das famílias é o seu rendimento... Assim, não é de estranhar que fenómenos como o da indexação das revisões salariais a indicadores fantasmas, como a inflação esperada, tenham acabado por se traduzir numa constante degradação dos rendimentos reais das famílias que dependem de rendimentos do trabalho e que representam a grande maioria. Esta realidade, bem demonstrada em trabalhos do economista Eugénio Rosa[2], associada a fenómenos de natureza conjuntural, como o da variação das taxas de juro, ajudou a ampliar o efeito que conhecemos.

É evidente que outros factores devem ser tomados em linha de conta quando analisamos fenómenos como o da redução da poupança, não sendo de modo nenhum displicente considerar a massificação dos sistemas de reforma e de assistência na saúde, como co-responsáveis pela modificação dos padrões de poupança e de consumo das gerações mais jovens, sem que tal tenha que ser associado a comportamentos mais irresponsáveis.

Em resumo, o que me parece merecedor de profunda atenção é a banalizada atitude de permanente desresponsabilização dos decisores e responsáveis políticos e pelo escamoteamento de uma realidade económica – a da concentração da riqueza num segmento cada vez menor da população – que nada tem a ver com alterações dos padrões de consumo e poupança, como ingenuamente nos querem fazer crer, mas sim com uma radical alteração do modelo de distribuição da riqueza produzida.
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[1] Defensores de uma teoria económica que avalia a riqueza a partir da quantidade de ouro e outros metais preciosos acumulados; privilegiando a acumulação em detrimento do investimento produtivo. Esta corrente, que conheceu o seu período áureo entre os séculos XV e XVIII, defendia uma versão ainda mais extremista que os mercantilistas por não revelarem qualquer preocupação com a vertente produtiva da economia.
[2] Ver os artigos: A PARCELA DO PIB QUE REVERTE PARA OS TRABALHADORES TEM DIMINUÍDO EM PORTUGAL, O QUE AGRAVA A SUA SITUAÇÃO E AS DESIGUALDADESEM 2006, OS LUCROS DAS 500 MAIORES EMPRESAS AUMENTARAM 66,8% ENQUANTO OS SALÁRIOS DOS TRABALHADORES PORTUGUESES SUBIRAM APENAS 2,4%.

domingo, 28 de outubro de 2007

É PRECISO AINDA MAIS…

A semana terminou com a divulgação das conclusões do estudo encomendado pela CIP sobre a localização do NAL[1] em Alcochete e, conforme se previa, não deixam dúvidas quanto às vantagens comparativas com a Ota.

Além dos custos de construção se mostrarem inferiores em mais de 30% - 2 mil milhões de euros contra os 3,1 mil milhões estimados para a Ota -, os custos com outras infraestruturas podem elevar aquele montante aos 3 mil milhões de euros. A localização defendida por este estudo apresentará ainda a vantagem de reduzir os custos com as expropriações, porque os terrenos são já de propriedade pública, e com as obras de terraplanagem e de consolidação, indispensáveis na Ota mas desnecessárias em Alcochete face às características do terreno do Campo de Tiro de Alcochete.

Segundo o estudo, além dos menores custos originados pelas características do Campo de Tiro de Alcochete, outras poupanças serão possíveis caso se opte por uma nova abordagem nas ligações viárias àquela localidade: redesenho das linha do TGV, optando por uma única saída de Lisboa pelo Sul e posterior derivação para o Porto e Madrid, e a opção por uma ligação Lisboa-Montijo em substituição da prevista Lisboa-Barreiro, mais extensa e que não permitirá uma opção em túnel, mais económica que a clássica solução suspensa.

Mas a grande vantagem desta nova opção é inegavelmente o facto da solução Ota, condicionada pelas limitações geográficas não permitir qualquer expansão futura enquanto a opção por Alcochete permitirá que o investimento agora realizado possa ser amortizado num período de tempo mais longo uma vez que a infraestrutura agora construída poderá vir a sofrer as ampliações que o futuro determine.

Se mais razões não houverem, estas já me parecem mais que suficientes para justificar a necessidade de não avançar de forma cega para o investimento na Ota.

Na presença de novos dados, de novas estimativas de custos e de investimento, de novas opções (veja-se o caso das ligações ferroviárias e da travessia do Tejo), quem poderá negar que dispomos hoje de mais e melhor informação para tomar a decisão de onde irá ser implantado o NAL?

Se este pode ser já um bom momento para louvar toda a movimentação em torno da polémica do NAL, é fundamental não esquecer, nem calar, que continuam ainda a faltar dados indispensáveis a um processo de tomada de decisão consciente. Enquanto se aguarda pelo estudo da opção Portela+1, prometido em Agosto passado por José Manuel Viegas, professor do Instituto Superior Técnico, o JORNAL DE NOTÍCIAS veio fazer eco das conclusões de um estudo patrocinado pela Associação Comercial do Porto, que se revela muito favorável aquela solução.

Segundo os autores daquele trabalho (cuja autoria não consegui apurar) a opção pela adaptação do aeródromo do Montijo para receber os voos das “low cost” não é apenas viável, como deve ser encarado como alternativa ainda mais válida agora que o Governo anunciou a intenção de investir 32 milhões de euros na adaptação do aeródromo de Beja para que este funcione como apoio ao Aeroporto de Faro.

Mas além dos estudos que pouco a pouco vão surgindo mantém-se a necessidade de um que aborde as perspectivas futuras do transporte aéreo face aos crescentes custos energéticos e ao crescimento da rede de alta velocidade no espaço da União Europeia e assim demonstre a necessidade ou a inutilidade da construção de uma nova infraestrutura de grande dimensão e elevados custos como a de um novo aeroporto internacional.
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[1] Ver as notícias do DIÁRIO DE NOTÍCIAS e do DIÁRIO DIGITAL

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

AS MARAVILHAS DAS ESCOLAS PRIVADAS

Com a publicação da listagem das classificações por escola nos exames da 1ª fase do ensino secundário parece ter voltado à ordem do dia o debate ensino privado versus ensino público.

De pronto os habituais defensores da privatização de tudo e mais alguma coisa saíram a terreiro para defenderem as virtudes da iniciativa privada contra o laxismo da gestão pública. Apoiados nos resultados estatísticos que colocam nove escolas privadas na classificação das dez melhores, não houve jornal ou televisão que não nos bombardeasse com a “receita mágica” para o sucesso – trabalho e mais trabalho, professores motivados e alunos ávidos de aprenderem.

Mas o que nenhum panegirista da excelência da iniciativa privada refere é que entre as escolas melhores classificadas não figura nenhuma localizada fora de um grande centro populacional ou que sirva uma população escolar heterogénea.

Verdadeiramente interessante e irrefutavelmente confirmador das apregoadas virtualidades da iniciativa privada seria encontrarmos entre os primeiros lugares uma escola privada instalada em qualquer uma dos muitos bairros da lata lisboetas ou das ilhas portuenses onde “vivem” os trabalhadores mais mal pagos deste país.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

CONTINUA A SAGA NO BCP

Há pouco mais de uma semana deixei aqui uma interrogação a propósito da polémica criada em torno da anulação de uma dívida que um dos filhos de Jardim Gonçalves contraiu no banco que este dirige.

Procurei na oportunidade deixar claras algumas das dúvidas que prontamente terão assaltado o espírito de muita gente:
  1. a imoralidade de quem autoriza financiamentos a si próprio ou a familiares;
  2. a total ausência de ética de quem autoriza esses mesmos financiamentos em condições privilegiadas relativamente ao conjunto dos clientes do banco e às próprias normas gerais de crédito;
e se na altura tinha poucas esperanças de as ver esclarecidas estas acabaram por ruir com a notícia[1] de que Jardim Gonçalves procedeu à liquidação dos 12,4 milhões de euros que Filipe Pinhal, actual presidente do Conselho de Administração do BCP e na época simples membro daquele conselho, classificou como incobrável em 2004.

A decisão de liquidar a dívida do filho, tardiamente tomada por Jardim Gonçalves, não só não responde às dúvidas anteriores como origina outras: quais os critérios económicos e financeiros em que se fundamentou Filipe Pinhal para declarar o crédito como incobrável? Serão estes os mesmos normalmente utilizados pela banca?

Este novo desenvolvimento longe de esclarecer o imbróglio apenas pode servir para fundamentar nova avalanche de dúvidas e críticas. Se pouca gente duvidará da prática de evidente favorecimento na decisão de contratação de um crédito de montante elevado (cerca de 15 milhões de euros), uma vez que esta operação foi autorizada sem qualquer tipo de garantias, contrariando todas as normas e regras de prudência, será agora ainda maior o número daqueles a quem não restará qualquer dúvida que a polémica decisão de considerar a dívida terá sido tomada em resultado de uma profunda submissão e subserviência hierárquica – quem ousaria enfrentar o todo poderoso Jardim Gonçalves, ou melhor, quem resistiria a não aproveitar a oportunidade para manifestar uma tão profunda prova de servilismo?

Se esta história rocambolesca revela uma leviandade e uma ausência de ética de todos os intervenientes, destrói completamente o mito do rigor de actuação dos bancos e expõe ainda o ambiente que neles grassa (e por analogia no país): aos poderosos tudo é permitido, tanto mais que haverá sempre alguém suficientemente subserviente para facilitar todo o processo.

Mas não este episódio não se revela paradigmático apenas pelas questões que coloca em torno da ética (ou da sua ausência) uma vez que a sua origem está muito para além do simples facto descrito; não fora a luta que se trava nos bastidores pelo poder no BCP e o crescente mal-estar entre os seus trabalhadores e possivelmente nada disto teria vindo a público.

Seguro é que toda esta agitação e as sucessivas notícias em torno de operações bancárias pouco claras são particularmente estranhas e pouco úteis num ramo de actividade onde a descrição é a norma e a confiança é a pedra basilar da actividade; para avaliar os “estragos” que Jardim Gonçalves, os seus pares e os seus opositores estão fazer ao próprio banco basta ler os comentários às notícias que vão surgindo na Internet.

Como medida positiva seria particularmente interessante que os banqueiros e Banco de Portugal atentassem nesta situação e a entidade fiscalizadora produzisse normas e impusesse medidas mais eficazes de fiscalização e prevenção de casos semelhantes (na política como no mundo dos negócios não pode bastar que a mulher de César seja séria, também tem que o parecer), aplicando sanções muito mais pesadas aos prevaricadores.

Quando tanto se fala na investigação de casos de lavagem de dinheiro e no indispensável combate à corrupção, aqui temos um bom exemplo do que nunca poderia ter acontecido… a menos que teses como esta se venham a confirmar.
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[1] Notícias publicadas no DIÁRIO ECONÓMICO, no DIÁRIO DE NOTÍCIAS e no JORNAL DE NEGÓCIOS.

domingo, 21 de outubro de 2007

OS DIAS NEGROS DE OUTUBRO - Parte II

Quase sessenta anos volvidos sobre a data da Black Thursday[1] e três grandes conflitos armados depois (II Guerra Mundial e as Guerras da Coreia e Vietname), o mês de Outubro voltou a revelar-se aziago para os mercados de capitais, quando no dia 19 de Outubro de 1987 o índice Dow Jones caía 22%, tendência que alastrou aos mercados inglês e japonês há velocidade da luz.

Literalmente, pois na época as principais bolsas mundiais, Nova Iorque, Londres e Tóquio já se encontravam completamente informatizadas, facto que aliás viria a ser utilizado para explicar a dimensão da crise, uma vez que a maioria dos operadores dispunham da recente inovação que constituía o mecanismo automático de “stop-loss”[2].

Mas o que originou esta situação?

Contrariamente ao clima económico que se vivia em 1929, momento em que já se faziam sentir os sinais de uma crise económica, nomeadamente uma retracção no consumo interno norte-americano por via do agravamento das taxas sobre os produtos comerciais, em 1987 a economia dos EUA apenas apresentava os primeiros sinais de abrandamento. Dois anos antes a actuação das autoridades monetárias tinha-se revelado eficaz a debelar as falências das empresas hipotecárias que, aproveitando a ausência de regulamentação eficaz, se tinham envolvido num processo de concorrência directa com os bancos tradicionais, mas o mercado de capitais debatia-se agora com uma crise de confiança originada pela ideia generalizada de que as cotações estariam inflacionadas por práticas de “inside trading”[3] e que os processos de aquisições entre empresas se encontrariam sustentados por crédito bancário e não numa efectiva criação de valor por parte das empresas compradoras.

Para agravar tudo isto a confiança no dólar estava em queda e pior ficou quando a Alemanha decidiu subir as suas taxas directoras, aumentando ainda mais o valor do marco contra o dólar. A reacção do FED, baixando a taxa de juro ajudou a recuperar os níveis de confiança e a sustentar o aumento da procura interna nos EUA., mas esta crise que demonstrou o elevado grau de interligação entre as economias e a importância dos efeitos conjugados das políticas monetárias dos diferentes países teve também um aspecto positivo que foi o do endurecimento das regras para o combate ao “inside trading”.

Se nos mercados mais desenvolvidos o “crash”[4] de 1987 aparentou uma duração limitada, já nos mercados periféricos, como o português, o seu efeito foi bastante mais prolongado.

O crescimento da economia americana, sustentado por um clima geopolítico favorável, permitiu que entre a Black Thursday e a Black Monday[5] mediasse mais de meio século, mas o crescimento das trocas comerciais e o desenvolvimento do mercado de capitais terá tido forte influência na redução desse prazo. Apenas onze anos foram necessários para que novamente a economia mundial voltasse a sentir os efeitos de nova crise.

Desta vez pelas suas características eminentemente financeiras a crise que ocorreu em 1989, teve início em 1997 na Ásia, alastrou no ano seguinte à Rússia e ao Brasil e conheceu o seu pico em 1989 com o colapso de um fundo de longo prazo[6]. Iniciada por razões de natureza económica alastrou aos mercados de capitais e conheceu maior amplitude por se ter revelado particularmente adversa a uma teoria então dominante e que esteve na sua origem. Apresentada por dois premiados com o Nobel da Economia - Myron Scholes and Robert Merton postulava que a longo prazo haveria uma convergência nas taxas das obrigações dos diferentes países e provocou uma verdadeira corrida aos fundos que especulassem nas diferenças registadas entre as diferentes taxas.

O pior foi quando em 1998 a Rússia suspendeu o pagamento dos juros da sua dívida, originando um movimento de rejeição da generalidade das obrigações públicas que teve como contrapartida uma corrida às obrigações do tesouro americano (US Treasury Bonds) e originou uma subida no diferencial entre aquelas taxas. O LTCM que tinha recorrido ao crédito para construir as suas carteiras segundo os pressupostos da convergência das taxas, via-se a braços com sérias dificuldades de liquidez e contribui em muito para ampliar o efeito de choque; afim de minimizar os efeitos negativos sobre o mercado de capitais o FED liderou a formação de um sindicato bancário para socorrer o fundo e mais de3,5 mil milhões de dólares foram nele injectados até à sua liquidação em 2000.

Ainda mal refeitos dos efeitos da falência do LTCM, logo em 2000 o mercado de capitais voltou a conhecer uma nova corrida e um novo “crash”. Desta feita o estranho objecto de desejo foram as acções de um mercado recentemente criado, o NASDAQ[7] e cujas empresas listadas ficaram na gíria como as “dot com”[8], independentemente da reduzida dimensão das empresas e dos reduzidos ou nulos lucros que geravam na sus actividade económica. A bolha rapidamente rebentou e em finais de Outubro de 2000 o índice NASDAQ tinha caído quase 80%.

Tal como em situações anteriores o efeito deste “crash” também se fez sentir na economia norte-americana, com uma quebra no investimento e o abrandamento do crescimento económico, situação que seria ainda ampliada com o 11 de Setembro de 2001. Tal como no passado o FED voltou a recorrer à receita do corte nas taxas de juro visando a dinamização da economia.

Embora a actual crise, originada na falência do mercado “subprime” norte-americano possa parecer diferente das anteriores e não respeite a tendência para a redução dos ciclos de ocorrência (sempre mediaram sete anos desde a crise das “dot com”, contra apenas dois entre esta e a do LTCM), todas apresentam em comum o facto de terem sido geradas a partir de expectativas generalizadas de grandes e rápidos ganhos.

Assim, uma lição que delas se pode extrair, sempre repetida e sempre esquecida, é a de que as árvores não crescem até ao céu…
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[1] Nome pelo qual ficou conhecido o dia 24 de Outubro de 1929, quando uma queda de 13% nas cotações das principais acções de Wall Street mergulharam a economia numa profunda crise.
[2] O mecanismo de “stop-loss” consiste num simples algoritmo de cálculo que gera automaticamente ordens de venda quando a cotação dos títulos atingir valores considerados demasiado baixos. Como a maioria dos principais operadores (e as grandes carteiras de títulos por eles geridas) se encontrava ligado informaticamente às bolsas os sistemas informáticos agiram como previsto: perante a queda das cotação “dispararam” as programadas ordens de venda; ora como há medida que aumentam as ofertas de venda aumenta a pressão sobre o preço este tendia a cair a velocidade crescente, gerando um número cada vez maior de ordens de venda.
[3] Designação que no mercado de capitais se dá quando existem agentes no mercado a actuar com base em informação privilegiada (por exemplo quando os agentes decisores de uma empresa que se prepara para adquirir outra usam essa informação em benefício próprio e adquirem acções da sua própria empresa) ou, pior ainda quando um número restrito de operadores actua em função de informações não disponibilizadas para o público em geral.
[4] Designação usada nos mercado de capitais para uma descida grande e inesperada do valor das acções que se traduz num impacto negativo na economia nacional e/ou mundial.
[5] Designação atribuída ao “crash” de 1987 por analogia com a de 1929.
[6] Na sua maioria tratava-se de fundos especulativos (hedge funds) que procuravam obter ganhos a partir dos curtos diferenciais entre as taxas de juro das dívidas públicas de diferentes países e do postulado que a longo prazo aqueles tenderiam para zero. Ficaram conhecidos como Long-Term Capital Market (LTCM)
[7] O NASDAQ (North American Securities Dealers Automated Quotation System) é uma Bolsa de valores electrónica, constituída por um conjunto de corretores conectados por um sistema informático. Esta bolsa lista mais de 3.000 acções de diferentes empresas (este número já superou 5.000 no ano de 2000), na sua maioria de pequena e média capitalização. Caracteriza-se por compreender as empresas de alta tecnologia em electrónica, informática, telecomunicações, biotecnologia, etc., e deve parte do seu sucesso inicial ao facto do processo de abertura de capital ser bem mais simples e barato que no NYSE (o mercado de capitais principal), razão pela qual empresas não muito grandes fazem o seu lançamento inicial de acções (IPO - initial public offering) no NASDAQ. Depois de uma profunda reestruturação em 2000, converteu-se numa empresa totalmente regida por accionistas, com acções próprias negociadas no NASDAQ. Actualmente é a maior bolsa de valores do planeta, em número de acções transaccionadas e em número de negócios. (adaptado de Wikipédia)
[8] A designação associa a actividade das empresas em questão com o surto de expansão da Internet e do facto de nesta as respectivas páginas serem designadas pelo nome da empresa, um ponto (dot) e a extensão «com».

sábado, 20 de outubro de 2007

OS DIAS NEGROS DE OUTUBRO - Parte I

Têm-se multiplicado desde meados de Agosto os artigos e as notícias a propósito da situação económica, com especial relevo para a crise originada pelo rebentar da bolha especulativa do imobiliário norte-americano, mantendo em aberto o debate sobre se esta crise é uma mera crise financeira e conjuntural ou a ponta do iceberg que será uma crise económica e estrutural. Distinguindo-se as duas por factores como a duração e a dimensão, economistas, analistas e especialistas dos mercados de capitais esgrimem argumentos enquanto as notícias da repercussão dos efeitos continuam a surgir com regularidade.

Entre intervenções dos bancos centrais, traduzidas em injecções de liquidez ou no corte das taxas directoras, notícias de bancos em notórias situações de falta de liquidez ou que decidiram unilateralmente encerrar fundos de investimento que geriam, tem surgido de tudo um pouco e com evidentes sinais de alastramento – se as primeiras notícias se referiam ao mercado norte-americano, rapidamente os efeitos se fizeram notar em bancos ingleses, franceses e... portugueses.
Apesar das regulares declarações dos responsáveis políticos, nacionais e estrangeiros, que procuram manter elevados os níveis de confiança, o facto é que as perspectivas estão longe de ser animadoras e nem os esforços das autoridades monetárias parecem suficientes para controlar a situação, embora a sua existência se justifique para essa função.

Isto tornar-se-á bem mais claro se recordarmos que a actual função de gestão das crises financeiras desempenhada pelos bancos centrais resultou precisamente de em finais do século XIX e em consequência da falência de um banco inglês se revelado evidente a necessidade de uma instituição que desempenhasse a função de emprestador de último recurso. No caso concreto, quando o banco que habitualmente fornecia liquidez ao conjunto da banca comercial, o Overend & Guerney, entrou em situação de falência arrastou consigo outros bancos que não encontraram alternativa de financiamento. Esta situação demonstrou a necessidade de uma estrutura que garantisse a liquidez no sistema financeiro e a sua aplicação prática em breve revelou toda a sua utilidade quando em 1890 o Banco Barings entrou em crise na sequência de investimentos ruinosos que realizara na Argentina. Graças à actuação do Banco de Inglaterra, que organizou com a restante banca um fundo de vários milhões de libras e cobriu os prejuízos do Barings garantindo o normal funcionamento de toda a banca, a situação foi ultrapassada sem significativas dificuldades.

Mas o que parecia ser uma história de sucesso foi brutalmente abalada em 1929 quando na sequência do Black Thursday (24 de Outubro de 1929) as quebras registadas em Wall Street mergulharam a economia numa profunda crise. A data que ficou assinalada em todos os manuais de história mais não representou que o pico de uma fase de acentuada especulação bolsista (lideradas pelos sectores da rádio e indústria automóvel as cotações caíram nesse dia 13%) que nem a intervenção do FED logrou debelar. De queda em queda e de falência em falência o mercado de Wall Street atingiu o seu mínimo três anos depois quando as cotações se situaram 90% abaixo dos valores de topo. A par com esta crise financeira, que paralisou completamente o sistema bancário, a economia americana registou entre 1929 e 1932 uma quebra de 50% e uma taxa de desemprego da ordem dos 30%.

Como se vê os efeitos na economia foram desastrosos atingindo todas as camadas da população. Segundo a opinião dos mais variados economistas a Grande Depressão, como ficou conhecida a época, talvez pudesse ter sido minimizada se o FED não tivesse adoptado uma medida tão desadequada como a da subida das taxas de juro. Mas foi essa a opção tomada no intuito de proteger o valor internacional do dólar e o seu padrão-ouro.

Apenas em 1933 com o lançamento de uma nova estratégia económica pela Casa Branca, que ficaria conhecida pelo New Deal, e o deflagrar da II Guerra Mundial é que a economia americana viria a recuperar. Para muitos observadores as medidas de apoio social introduzidas pelo New Deal – aumento dos gastos públicos como forma de compensação para a retracção do investimento privado - foram até contraproducentes, mas datam dessa época a criação de alguns mecanismos de controle e regulamentação sobre o mercado de capitais, tais como a SEC – Securities and Exchange Comission, e a banca em geral no sentido de minimizar novos movimentos especulativos.

Se é verdade que a crise seguinte demorou mais de meio século a produzir-se, as opiniões dividem-se sobre se tal se deveu à nova regulamentação ou principalmente ao efeito expansionista sobre a economia que teve o deflagrar da guerra em 1939 e o seu epílogo em 1945 com os EUA numa posição de hegemonia político-militar, de total controlo do comércio mundial e do sistema financeiro dele emergente.

Certo é que o mês de Outubro voltaria a ser marcante na história económica recente...

domingo, 14 de outubro de 2007

BCP ANULA DÍVIDA DE FILHO DE JARDIM GONÇALVES

Foi com este título que o semanário SOL deu à estampa a notícia de que o maior banco nacional pratica uma política de dois pesos e duas medidas.
Mais que uma questão de óbvio favorecimento e de evidente falta de ética, questiono-me sobre a forma como terá sido possível uma empresa, ou grupo de empresas, contratar créditos de quase 15 milhões de euros sem qualquer garantia!

Será esta a prática normal do BCP?

Não o creio, o que agrava ainda mais esta situação.

Considerando que estes factos só terão chegado ao conhecimento público em virtude da luta de poder no interior do BCP, quantos mais existirão naquele banco? E nos outros?

Os conselhos de administração estarão todos ao abrigo de críticas?

Não haverá mais situações de créditos que envolvam familiares de titulares dos órgãos que autorizaram as operações?

Quase todos os que anteciparem as respostas a estas perguntas não deixarão de formular uma outra: AINDA EXISTIRÁ ÉTICA NO SECTOR FINANCEIRO NACIONAL?

Numa época em que ouvimos falar em crise e em reduzido crescimento económico, em que assistimos ao regular crescimento dos lucros das empresas financeiras é indispensável que estas questões tenham resposta e de forma a eliminar todas as dúvidas!

sábado, 13 de outubro de 2007

13 DE OUTUBRO DE 1307

Cumprem-se exactamente hoje sete séculos sobre a data que marcou o fim da Ordem do Templo. Foi nesta data que por ordem do rei francês Filipe IV, o Belo, e do papa Clemente V grande número dos seus membros foi preso naquele país; por ter ocorrido numa sexta-feira é vulgarmente aceite como a origem da superstição associada às sextas-feiras 13 como um dia de azar.

Fundada em 1118, na cidade de Jerusalém, esta ordem de cavalaria de origem francesa[1] tinha por finalidade a defesa dos interesses e protecção dos peregrinos cristãos na Terra Santa, território que fora conquistado aos árabes no final do século XI por Godofredo de Bulhão, comandante da I Cruzada. Fosse pelo continuado contacto com as práticas comerciais árabes, fosse por efeito do grande volume de doações de terras na Europa, rapidamente os seus membros passaram de pobres cavaleiros (o nome original da ordem era Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão) ao estabelecimento de uma poderosa rede de comércio e de influências em todo o território da cristandade.

Esta situação não seria minimamente prejudicada pela reconquista árabe de Jerusalém, que ocorreria em 1187, num período em que Saladino[2] pontificava na região como líder muçulmano hegemónico e que poderá mesmo ter marcado um dos períodos de maior florescimento comercial e cultural da região.

Perdida a vertente religiosa da ordem esta multiplicaria o seu poder e influência numa Europa medieval dividida por querelas políticas e religiosas.

Muito se tem escrito e especulado sobre a Ordem dos Templários; desde as suas origens, envoltas em algum mistério, dos quais o menor é a total impraticabilidade de um grupo de nove cavaleiros poder assegurar a protecção dos milhares de peregrinos que cruzavam as inseguras rotas do Médio Oriente, até às especulações em torno dos possíveis achados nas escavações que realizaram nos alicerces do Templo de Salomão[3], até à sua extinção, decidida no Concílio de Viena de 1311-1312, os Templários cresceram em influência e poder[4] até se transformarem num corpo autónomo (por decisão do papa Inocêncio II os Templários eximiram-se a qualquer forma de autoridade espiritual ou temporal além da do papado) que através da acumulação de vastos domínios e da concessão de créditos a reis, nobres e prelados, associados à respectiva cobrança de juros, alcançaram um patamar de poder muito superior ao dos fracos estados medievais.

Muitas vezes apontados como os percursores do moderno sistema financeiro[5] os Templários foram seguramente uma enorme fonte de vitalidade e desenvolvimento numa época muito pouco propícia a semelhantes eventos. No século XIV, a Ordem teria alcançado tamanho poder que o rei de França e o papado, colocaram em prática uma estratégia para a esmagar e se apoderarem dos seus recursos; baseando-se em acusações de heresia, de adoração ao demónio, homossexualidade, desrespeito à cruz, sodomia e outros comportamentos de blasfémia conseguiram destruir a Ordem. Os resultados da estratégia foram ambivalentes, pois se o Papa viu reforçado o poder da Igreja Católica, já o rei de França que não se conseguiu apropriar das incontáveis riquezas atribuídas aos Templários, apenas se viu livre das dívidas que contraíra com a Ordem.

O seu líder na época, Jacques de Molay, seria executado, a Ordem dissolvida mas grande número dos seus membros escapou ao braço secular e procurou refúgio na Escócia e em Portugal, país onde aquela seria convertida numa nova ordem – a Ordem de Cristo – que esteve, no século seguinte, na origem do processo de expansão marítima. Analisando friamente os custos de planificação e desenvolvimento de um projecto da envergadura deste e comparando-os com as débeis capacidades da generalidade dos estados medievais e do português em particular, fácil se torna admitir a enorme probabilidade de ter sido este o destino de parte do tesouro templário[6] (sem esquecer a importância do conhecimento que possuíam das técnicas de navegação e de orientação), tanto mais que as próprias naus sempre ostentaram nas suas velas uma variação da cruz templária.

Correntemente aceite é o facto de os Templários, mergulhados numa semiclandestinidade, terem estado na origem de outras organizações, tais como a maçonaria[7] e outras correntes mais ou menos esotéricas, que marcaram o desenvolvimento do pensamento e da organização política e social da Europa nos séculos seguintes. Cultivadores da chamada história alternativa chamam a atenção para outros factos ligados às origens dos Templários, como a aparente ligação pouco natural[8] entre os cavaleiros fundadores e aquele que é tido como o principal ideólogo da ordem (o monge beneditino Bernardo de Claraval), a possível existência de uma superestrutura secreta e o total distanciamento da ordem no desenrolar da Cruzada contra os Albigenses[9]. No seu conjunto estes factos poderão explicar acontecimentos tão estranhos como a aparente facilidade com que foi posto termo à actividade dos templários e a coincidência do desaparecimento do famigerado tesouro (de palpável o Filipe IV encontrou poucos ou nenhuns valores); para alguns investigadores este é um claro indício da existência de uma estrutura paralela que facilitou (se não fomentou) o “desaparecimento” dos cavaleiros e do seu “tesouro”.

Ao longo dos tempos muitas especulações têm sido elaboradas em torno de todas estas conjecturas, fazendo com que a os templários surjam associados a inúmeras situações e lendas; desde a famosa Demanda do Graal[10] (um dos objectos cuja descoberta nos alicerces do Templo de Salomão lhes é atribuída), às origens de movimentos secretos, místicos e esotéricos como a Maçonaria e a Ordem da Rosacruz[11], que, mesmo quando aparentemente distantes, por vezes evidenciam pontos de contacto[12]. O fascínio mantém-se tão actual que nos dias de hoje ainda persistem organizações que se reivindicam templárias.

Se após a extinção dos Templários têm corrido rios de tinta a propósito do muito que rodeou (e rodeia) aquela organização que de venerados e pobres cavaleiros religiosos passaram a poderosos detentores de efectivo poder financeiro (a crença popular atribui-lhes riquezas provavelmente exageradas pela imaginação), muito campo existirá ainda para investigação – facto que tem determinado a forte especulação que continua a rodear a sua existência e o seu legado – que não deixará de continuar a atiçar a curiosidade de investigadores, historiadores e até simples especuladores que ultimamente têm explorado a vertente literária do mito.
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[1] Os fundadores, entre os quais Hugo de Payens e Geoffroy de Saint-Omer, eram em número de nove e todos de origem francesa, tal como o seu principal ideólogo (e grande responsável pelo reconhecimento papal da ordem) que foi São Bernardo de Claraval.
[2] Saladino, nome original Salah al-Din Yusuf bin Aiub, foi o sultão do Egipto, Síria e Palestina e o chefe militar que liderou os muçulmanos contra os cristãos durante as últimas cruzadas, acabando por reconquistar os territórios perdidos pelo Islão, e tendo-se tornado uma lenda tanto entre os muçulmanos como no ocidente. De origem curda, distinguiu-se em campanhas no Egipto, onde chegou a ser nomeado vizir e aproveitou um período conturbado de sucessão para unificar o país, a Síria e a Mesopotâmia, tornando-se um poderoso dirigente. Encorajou o seu povo a encarar a luta contra a cristandade como uma guerra santa (jihad); distinguiu-se com a reconquista de Jerusalém, em 1187, e posteriormente com as derrotas militares que impôs à III Cruzada (comandada por Ricardo Coração de Leão). Além de génio militar, fundou colégios para o ensino da religião islâmica, foi um protector da cultura islâmica e um excelente administrador dos seus domínios, contando-se entre as suas obras a reconstrução da mesquita de Al-Aqsa, na cidade de Jerusalém, e a construção da cidadela do Cairo.
[3] Originariamente a Ordem ficou sediada no que restaria do Templo de Salomão (daí a designação de Ordem do Templo) e os seus membros ter-se-ão dedicado as escavações no local. Várias lendas sobre o tema mencionam a descoberta das mais extraordinárias relíquias de natureza religiosa, chegando mesmo a incluir-se entre estas o próprio Cálice do Graal, que terão sido responsáveis pelo crescente poder espiritual e económico da Ordem. Mais prosaicamente é bem possível que os templários tenham trazido como principal riqueza da Terra Santa o conhecimento, adquirido em contacto com os árabes (recorde-se que na época esta constituía a civilização tecnicamente mais avançada, repositório do conhecimento grego e grande responsável pelo desenvolvimento de ciências como a Matemática e a Medicina), e as práticas comerciais.
[4] Este crescimento e conversão em potentado económico não foi exclusivo dos Templários, uma vez que a Ordem dos Cavaleiros Teutónicos, também ela fundada no século XII no Médio Oriente, se viria a radicar no Báltico, após a queda de Jerusalém sob o domínio de Saladino em 1187, e a controlar um vasto império comercial onde predominava o comércio do âmbar.
[5] É inegável que os Templários terão sido os precursores do cheque (e do certificado de depósito) quando na sua época criaram um mecanismo que evitava os riscos de transporte de riquezas; na prática qualquer viajante poderia depositar determinada quantia numa fortaleza templária recebendo um documento cifrado que poderia ser descontado em qualquer outra fortaleza, pagando-se uma percentagem por tais serviços.
[6] Importa voltar aqui a referir a possível dualidade do chamado tesouro templário. Sem esquecer a componente material, a Ordem foi detentora de grande domínios numa época em que a posse da terra era efectiva fonte de riqueza, é igualmente conhecido o facto desta ter revelado a capacidade e habilidade para usar muito do conhecimento técnico que os árabes preservaram e desenvolveram; no caso concreto das artes de marear estes foram importante veículo de preservação e transmissão do conhecimento mediterrânico (grego, fenício, latino, etc.), nomeadamente de técnicas e instrumentos como o astrolábio, cuja criação é atribuída ao astrónomo grego Hiparco, e o quadrante.
[7] Associação de carácter universal, cujos membros, homens livres e de bons costumes, cultivam a justiça social, os princípios da liberdade, democracia e igualdade, o aperfeiçoamento intelectual e a fraternidade. Os Maçons, também designados por pedreiros-livres, estruturam-se em células autónomas e organizam-se em oficinas ou lojas. Trata-se de uma obediência iniciática, filosófica, filantrópica e educativa. (adaptado de Wikipédia)
[8] Esta observação resulta da aparente contradição entre uma ordem religiosa monástica, como a beneditina, muito mais orientada para a reflexão e a protecção do conhecimento e uma organização militar, mesmo quando esta apresenta fortes raízes religiosas.
[9] Nome por que ficou conhecida a cruzada lançada em 1209 pelo Papa Inocêncio III contra os Cátaros. Prolongou-se até 1229 e destinou-se a erradicar a heresia – o nome cátaro deriva do grego katharós que significa puro, foi mais trade atribuído à corrente religiosa que defendia um regresso às primitivas práticas cristãs e que se eximia da autoridade papal – que conheceu particular expansão na região então designada por Occitânia, composta pelo actual sul de França (Midi) e por grande parte da actual Catalunha; foi igualmente utilizada pelo reino de França para aniquilar a resistência dos senhores feudais locais à sua expansão em direcção ao sul e ao Mediterrâneo. Após o fim dos combates, a Inquisição, criada em 1231 pelo Papa Gregório IX, e sob a direcção dos dominicanos irá acabar definitivamente com o movimento. (adaptado de Wikipédia)
[10] Também designado Santo Graal ou Santo Gral é uma expressão medieval que designa normalmente o cálice usado por Jesus Cristo na Última Ceia. Ele está presente nas Lendas Arturianas, sendo o objectivo da busca dos Cavaleiros da Távola Redonda, único objecto com capacidade para devolver a paz ao reino de Artur. No entanto, em outra interpretação, ele designa a descendência de Jesus segundo a lenda, ligada à dinastia Merovíngia. Noutra interpretação, defendida por investigadores como Michael Baigent, Richard Leigh, Henry Lincoln, Lynn Picknet e Clive Prince, o Santo Graal significaria Sangreal ou seja Sangue Real, partindo da especulação em torno de uma possível descendência de Jesus Cristo – a linhagem sagrada. Finalmente, também há uma interpretação em que ele é a representação do corpo de Maria Madalena, a suposta esposa de Jesus e sua herdeira na condução da nova religião. Esta última ideia foi explorada recentemente pelo livro "O Código Da Vinci", de Dan Brown. (adaptado de Wikipédia)
[11] É uma Ordem que foi pela primeira vez publicamente conhecida no século XVII através de três manifestos e insere-se na tradição esotérica ocidental. Esta Ordem hermética é vista por muitos Rosacrucionistas antigos e modernos como um "Colégio de Invisíveis" nos mundos internos, formado por grandes Adeptos, com o intuito de prestar auxílio à evolução espiritual da humanidade. Por um lado, alguns metafísicos consideram que a Ordem Rosacruz pode ser compreendida, de um ponto de vista mais amplo, como parte, ou inclusive a fonte, da corrente de pensamento hermético-cristã patente no período dos tratados ocidentais de alquimia que se segue à publicação de A Divina Comédia de Dante (1308-1321). Por outro lado, alguns historiadores sugerem a sua origem num grupo de protestantes alemães, cujos textos datados do início do século XVII conduziram pela sua influência a historiadora Frances Yates a denominar aquele período como o período do Iluminismo Rosacruz. (adaptado de Wkipédia)
[12] Exemplo disto é o facto de surgirem referências cruzadas, como a existência do Grau de príncipe Rosa–Cruz (o 18º Grau do "Rito Escocês Antigo e Aceite") da corrente maçónica de origem escocesa e desta ter sido precisamente uma das regiões que abrigaram muitos dos templários que no século XIV fugiram à perseguição de que foram alvo.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

CHE GUEVARA

Simpatize-se, ou não, com as causas que abraçou e os métodos que usou ninguém pode hoje negar que volvidos quarenta anos sobre o seu assassinato (de que outra forma se pode designar a morte sem julgamento ou condenação de um prisioneiro) Che Guevara entrou para o imaginário colectivo a um título muito superior ao que se poderia esperar.

Assim é hoje inegável o seu papel na história mundial e na da América Latina em particular. Pleno de energia e incapaz de se acomodar a qualquer situação, percorreu das mais variadas formas o continente que o viu nascer e por ele deu tudo o que tinha.

Aplicou até à última hora os princípios que enunciou: «Não quero nunca renunciar à liberdade deliciosa de me enganar» e «[p]or mais rosas que os poderosos matem nunca conseguirão deter a primavera».

Que melhor forma, para celebrar um poeta dos ideais que um poema do seu compatriota Júlio Cortázar:

Che

Eu tive um irmão
não nos vimos nunca
mas não importava.

Eu tive um irmão
que andava na selva
enquanto eu dormia.

Amei-o ao meu modo,
tomei-lhe a voz
livre como a água,
caminhei às vezes
perto da sua sombra
meu irmão desperto
enquanto eu dormia.

Meu irmão mostrando-me
por detrás da noite
a sua estrela eleita.

domingo, 7 de outubro de 2007

UM DIÁRIO SEMPRE ACTUAL

Cumpre-se hoje um ano que ocorreu o assassinato da jornalista Anna Politkovskaya. Personalidade profundamente envolvida na vida política russa, declarada oponente do presidente Putin e convicta crítica da guerra na Chechénia, Anna Politkovskaya foi mais uma das vozes jornalísticas silenciadas na Rússia.

A tese oficial do governo de Putin é a de que o assassinato foi organizado por interesses exteriores (chechenos e de oposicionistas russos), argumentação que se baseará no facto da jornalista ter sido uma forte crítica do conflito na Chechénia e de em várias ocasiões ter denunciado muitas das práticas de violação dos direitos humanos que rodeiam aquele conflito.

Independentemente das verdadeiras motivações que possam ter sustentado aquele acto e do inegável facto que Putin não constitui um paladino da democracia nem da liberdade de expressão, o mais importante é recordar que esta prática de silenciamento das vozes mais incómodas não constitui exclusivo de Putin nem da Rússia que governa. Um pouco por todo o mundo o poder continua a julgar-se no direito de silenciar os seus opositores e ainda mais quando aquele não resulta de nenhum processo de exercício mais ou menos democrático.

Se em alguns países, como é exemplo recente Myanmar onde entre as primeiras vítimas mortais dos recentes confrontos se contam dois repórteres fotográficos, a eliminação física de jornalistas ainda é encarada como uma forma simples de limitar o direito à informação (e à indignação), também importa recordar outros acontecimentos, como os que rodearam a morte de jornalistas que cobriam a invasão do Iraque, transformados em alvos pelo simples facto de não estarem a relatar o ponto de vista do invasor.

Esta data não deveria servir apenas para o lançamento de um novo livro da jornalista - Um Diário Russo – no qual esta relata as suas opiniões e convicções relativamente ao governo de Putin, mas também como fonte de reflexão sobre o que todos nós pretendemos que seja o papel da imprensa (e dos seus profissionais) nas sociedades e economias cada vez mais desumanizadas e devastadas por guerras e outras práticas predatórias.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

REPÚBLICA E RES PUBLICA

Haverá melhor oportunidade que a da comemoração de mais um aniversário da Implantação da República, para voltar ao tema do combate à corrupção?

Terá sido este pensamento que levou os responsáveis da revista VISÃO a incluir no seu número de ontem uma extensa entrevista com João Cravinho, aquele que foi até há pouco tempo o rosto mais visível de uma iniciativa legislativa, digna desse nome, visando o combate àquele flagelo?

Mesmo desconhecendo a resposta às perguntas, não vou perder o ensejo de retomar o que aqui escrevi a propósito da decisão do grupo parlamentar do PS de não incluir no “pacote legislativo” contra a corrupção algumas das propostas defendidas por João Cravinho, tanto mais que este vem agora afirmar que a oposição no seu grupo parlamentar foi para ele um choque!

Logo que foi tornada pública a notícia de que João Cravinho iria ocupar num futuro muito próximo um dos lugares de administrador do BERD (Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento) questionei aqui a oportunidade daquela nomeação. Depois de ler a primeira parte da entrevista conduzida por Emília Caetano e que aqui transcrevo:

«Sete meses depois de vir para Londres, o «pacote» sobre corrupção continua por aprovar em São Bento...

Os diplomas foram, de facto, debatidos nessa altura. Esgotei a minha missão, os meus poderes como deputado. Fui até ao limite do que podia. Após um processo longo e muitas discussões, formei uma ideia sobre as razões das divergências profundas - porque as havia e eram manifestas - entre mim e a direcção do grupo parlamentar em questões fulcrais. A primeira tem que ver com um juízo político e ético sobre a situação da corrupção em Portugal e o seu efeito corrosivo sobre o funcionamento das instituições democráticas. Penso que é um fenómeno grave, extenso e sem mecanismos de contenção à altura. Alguns dos meus camaradas não são nada dessa opinião. O presidente do grupo [Alberto Martins] disse que o fenómeno existia, mas que Portugal não estava numa situação particularmente gravosa. Pelo contrário, nas comparações internacionais estava muito bem. Fiquei de boca aberta. Nem rebati, porque um homem como Vera Jardim disse logo que, pelas informações que lhe chegavam de homens de negócios, a corrupção era grave e estava em crescendo. Mas também não estávamos de acordo sobre a natureza do fenómeno.

Não estavam de acordo como?

Prevaleceu no debate uma visão eminentemente policial da corrupção. A minha é que existe esse lado policial, que também é importante - e não podem acusar-me de o ignorar, porque pedi e fiz propostas orçamentais que, aliás, só foram aprovadas parcialmente, para reforço do combate policial e da investigação criminal. Depois, o PSD e o CDS pegaram nisso, mas estive bastante isolado. Só que a corrupção como fenómeno novo, associado à globalização, torna a concepção policial obsoleta. Um dos nossos grandes problemas é a corrupção de Estado, a apropriação de órgãos vitais de decisão ou da preparação da decisão por parte de lóbis. Embora, aparentemente, tudo se faça segundo a lei, com mais ou menos entorses. A corrupção, antes de ser um fenómeno do domínio policial, é um problema de risco, de sistema, a ser gerido e não reprimido como se fosse um conjunto de factos isolados. Deve ser objecto de uma responsabilização total, a nível administrativo e político. E ficou evidente que esta ideia não era partilhada. Assim como o papel do Parlamento no controlo do combate à corrupção.

Acha que deve ser qual?

É a única instituição democrática com as competências para tratar a corrupção como risco e para obrigar à sua gestão preventiva. Não pode dizer que isso é um problema mais para os executivos ou que não possui informação. Só não tem se não quiser. E também discordávamos sobre tipificação deste crime no Código Penal. No texto actual, que o Governo mantém, é muitas vezes impossível fazer prova desses crimes.

Qual prevê que seja o desfecho deste debate?

Tenho hoje uma visão já um pouco distante destas coisas. Algumas propostas foram assumidas por camaradas meus e respeito a coragem deles e o seu sentido cívico. Admito que o grupo parlamentar as absorva, mas o principal problema não é tanto de leis. O relatório de uma entidade especializada mostra que Portugal tem a segunda melhor legislação sobre branqueamento de capitais. Só que o documento acrescenta em pé de página: mas não há condenações e são muito poucas as operações concretas de verificação. A legislação poderá ser apertada, mas o modo como se a usa ainda é mais importante. Gostaria de ter ilusões.

Prevê que a legislação ainda demore a aprovar?

O PR fez um discurso, em Outubro de 2006, centrado só neste problema. Suponho que o PS terá em atenção que seria desagradável forçá-lo a voltar ao assunto. Portanto, acredito que, de uma maneira ou de outra, esse problema, do ponto de vista formal, terminará nesta sessão legislativa.

E sobrará muito do que propôs?

Foi dos maiores choques da minha vida ver que aquela matéria causava um profundo mal-estar, era como que um corpo estranho no corpo ético do PS. Apesar de algumas dificuldades que antevia, não contava com uma atitude de absoluta incompreensão para a natureza real do fenómeno da corrupção. Por isso, não faço previsões

digam-me que não eram fundados os meus receios e que ainda é possível acalentar alguma esperança?

Tornando-se cada vez mais evidentes os interesses instalados, o compadrio (mesmo que apenas expresso pelo silêncio) crescente nas instâncias do poder e a incapacidade (ou a total ausência de vontade) daqueles que elegemos para o seu exercício, poderemos esperar algo de positivo no futuro?

A que mais seremos ainda obrigados a assistir para definitivamente substituirmos estes políticos de pacotilha por quem revele convicções – nomadamente um arreigado sentido de defesa da coisa pública - e capacidades – tais como a de colocar os interesses da colectividade acima dos do seu grupo, clube político ou pessoais - para inverter o actual estado das coisas?

Para quando a nossa República se converterá numa verdadeira RES PUBLICA[1]?
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[1] Res publica é uma frase latina, composta de res + publica, significando literalmente a "coisa do povo". O termo normalmente se refere a uma coisa que não é considerada propriedade privada, mas a qual é em vez disso mantida em conjunto por muitas pessoas. (in Wikipédia)

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

MAIS QUE UM PROBLEMA DE LÍNGUA

Enquanto caminhamos para o quarto mês de duração da crise política na Bélgica[1] – ausência de acordo entre flamengos e valões após as eleições de 10 de Junho – eis que novas vozes parecem juntar-se àquela habitual dicotomia.

Os políticos tradicionais parecem debater-se com dificuldades acrescidas (há mesmo quem lhes critique a incapacidade para entenderem e atenderem às crescentes exigências flamengas) enquanto no geral todo o país parece mergulhado numa crise mais profunda que a resultante do somatório de todas as pequenas divergências. Como é próprio deste tipo de situações são os grupos mais radicais que parecem estar a ganhar terreno (pelo menos entre alguns sectores da opinião pública) e jornais há que cada vez mais colocam a hipótese de uma separação.

Enquanto habitante de um dos extremos da União Europeia, que cresci a ler e ouvir referências à capacidade revelada por holandeses, belgas e luxemburgueses – todos habitantes de pequenos países – para construírem “pontes” e plataformas comuns de trabalho e interesses (a eles se ficou a dever a primeira união económica – o BENELUX – implementada na Europa e óbvia percursora da actual UE), custa-me entender o que parece mais uma “birra” que uma efectiva divergência insanável.

Habituado a ouvir brincar com o ‘problema de língua’ dos belgas custa-me a crer que as duas comunidades não consigam mais suportar-se mutuamente...

e ainda mais que flamengos e valões pensem efectivamente num processo de separação. Que os líderes mais populistas das duas comunidades sobrevivam desse cenário e o alimentem enquanto forma de auto-preservação política, sendo entendível, não pode servir de referência para o conjunto da população e torna ainda mais premente o apelo de Philippe Dutilleul, jornalista da televisão francófona que a revista VISÃO[2] se fez eco há umas semanas: «Imaginar que nos vamos separar, quando estamos em vias de construir a Europa, é uma regressão patética».

Mesmo quando no artigo em causa – UM REINO EM RUPTURA – que transcreve mais as razões para a separação que para a conciliação, transparecem em bom número de declarações alguma amargura e, porque não dizê-lo, algum fatalismo, que outra coisa se pode dizer que salientar o absurdo desta situação. Numa época em que os desafios são cada vez mais de natureza global e em que o desenvolvimento harmonioso das sociedades terá que passar por uma crescente entreajuda dos grupos sócio-económicos, culturais, étnicos e religiosos, como é que se pode entender esta sanha separatista?

A avaliar por dados de sondagens, primeiramente publicados pelo LE MONDE, a população belga não parece muito receptiva à ideia da separação.

Mesmo considerando a sua divisão linguística, entre o holandês, o francês e o alemão, e a regional, entre a Flandres a Valónia e Bruxelas (cidade implantada na Flandres mas de maioria francófona), a que parece agora mais evidente é a que distingue moderados de radicais.

Na Bélgica, como em demasiados outros lugares do mundo, algumas pessoas parecem mais apostadas em exibir o que as possa dividir que o que as possa unir.

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[1] A Bélgica é um país da Europa Ocidental pertencente à União Europeia e à NATO. Tem a capital em Bruxelas e é limitado a norte pelo Mar do Norte e pelos Países Baixos, a leste pela Alemanha e pelo Luxemburgo e a sul e oeste pela França. Situa-se numa região anteriormente habitada por tribos célticas e germânicas, fez parte do Império Romano, após a conquista por Júlio César, e nos séculos XVI ao XVIII encontrava-se sob domínio espanhol, quando, em 1815, o país é integrado nos Países Baixos, conquistando sua independência 16 anos mais tarde. Foi alvo de invasão pelas tropas alemãs nas duas Guerras Mundiais e em 1948, conjuntamente com os Países Baixos e o Luxemburgo formam o Benelux, abolindo barreiras alfandegárias. Reformas constitucionais estabelecem três comunidades - flamenga, valã e alemã - e três regiões – Flandres (6 milhões de habitantes) , Valónia (3,4 milhões de habitantes) e Bruxelas (1 milhão de habitantes) - com instituições autónomas, que nem assim impedem a eclosão de conflitos entre valões e flamengos em 1987. Actualmente sua capital, Bruxelas, é a sede de algumas das instituições da União Europeia. (adaptado de Wikipédia).
[2] Visão nº 758, de 13 de Setembro de 2007.