sexta-feira, 30 de agosto de 2019

BORIS


Poucos ignorariam que o actual líder do Partido Conservador britânico (cujos membros são familiarmente designados por “tories”, reminiscência do nome de um antigo partido de tendência conservadora que reunia a aristocracia britânica) e Primeiro-ministro em exercício sempre fez do histrionismo uma capa sob a qual apresentou as suas variadas versões de jornalista, político, autarca e deputado. 

Conhecido pelas suas posições populistas, mas ainda mais pelas mais variadas trapalhadas com tem mimoseado seguidores e opositores, viu-se alcandorado a uma posição (há semelhança de outras que desempenhou) para a qual não reunia predicados especiais nem se preparou de forma minimamente digna.


Durante a campanha para o referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE, destacou-se não pela qualidade da sua argumentação, mas pelas múltiplas deturpações e mentiras difundidas sobre a Europa e o funcionamento das suas instituições. A tudo isto acrescentava já o pouco recomendável apoio doutro personagem idêntico – Donald Trump – mesmo antes de nos surpreender com esta peregrina ideia de propor a suspensão da actividade do mais antigo Parlamento do Mundo, que por mais legal e constitucional que seja, não é menos reveladora de uma clara faceta antidemocrática de Boris Johnson.

Sabendo-se já que a Rainha autoriza suspensão do parlamento britânico nem se estranha que a chefe do governo escocês, Nicola Sturgeon, tenha dito à laia de comentário que este foi “O dia em que a independência da Escócia se tornou inevitável” ou em que a democracia “morreu” e que se conte já pelas centenas de milhares os que assinaram petição contra o plano de Boris, que que outra não parece senão uma via para contornar qualquer forma de oposição àquele que sempre foi o seu plano original: garantir a saída do Reino Unido da UE de qualquer maneira e a qualquer preço. Preço que será pago pela população inglesa, tenha ou não apoiado Boris Johnson e o seu amigo Nigel Farrage (o líder do partido independentista – UKIP), e em especial pelas gerações dos mais jovens que nem sequer votaram no referendo.

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

GRUNHOLÂNDIA


Quando vi, há dias, as imagens de uma peça televisiva onde aparecia um Donald Trump visivelmente incapaz de esconder a irritação e a frustração perante a evidência do convite formal do G7 para uma reunião com o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, voltou-me à memória o sucedido em meados deste mês quando surgiram as primeiras notícias de que «Trump manifesta interesse em comprar a Gronelândia», a que se sucederam várias reacções, havendo até quem tenha preferido salientar a irónica reacção dinamarquesa, que vendo bem até nem parece exagerada.

Claro que há antecedentes históricos da compra de territórios (os mesmos EUA compraram, no início do século XIX, a Louisiana aos franceses, em meados desse século compraram o Alasca aos russos e algumas dezenas de milhares de quilómetros quadrados aos vizinhos mexicanos, para no final desse século comprarem as Ilhas Filipinas aos espanhóis e em 1917 compraram à Dinamarca o que hoje é conhecido como as Ilhas Virgens Americanas) mas ao que parece não há registo histórico de algum dirigente o ter anunciado da forma que Trump agora o fez.


É que não há palavras para descrever a afirmação do imperador do Twitter de que quer comprar a Gronelândia para projecto imobiliário, quando são amplamente conhecidas as potenciais riquezas minerais dum território que o aquecimento global – que Trump continua a negar – está em vias tornar economicamente acessíveis, uma afirmação daquele jaez é, no mínimo, insultuosa para inteligência dos habitantes da região e do resto do planeta.

A reafirmação, uns dias depois de que «Trump confirma interesse em comprar a Gronelândia» e a reacção traduzida em adiar visita à Dinamarca após ver recusada a compra da Gronelândia, apenas revela um comportamento de quem ainda não aprendeu a ser contrariado e tem até o despautério de ainda endereçar a responsabilidade aos dinamarqueses quando justificou o cancelamento com a jactante afirmação: "Não se fala assim com os EUA".

E não é apenas a atitude de Trump que deve merecer crítica e repúdio, pois este episódio é apenas mais uma confirmação da grande impreparação da equipa que integra a actual administração norte-americana (que o deixa proferir este e outro tipo de alarvidades), de pouco ou nada servindo as tentativas de branqueamento ou apaziguamento do tipo: «Trump e a compra da Gronelândia. Uma loucura ou um contributo para a paz mundial?»

Trump gere os assuntos públicos norte-americanos com a mesma boçalidade que gerirá as suas empresas, esquecendo que as relações entre Estados diferem (e muito) do modelo relacional dependente patrão-empregado.

domingo, 11 de agosto de 2019

GREVE OU NEM TANTO


Com pouco mais de três meses decorridos desde a última greve dos camionista que ameaçou paralisar o país e tendo como pano de fundo a habitual troca de acusações entre sindicatos e associação patronal, eis que estamos prestes a ver repetir aquele cenário, com a novidade de vermos agora juntar-se o Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (SIMM) ao Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) e ampliar os potenciais efeitos da greve.



Depois da experiência de Abril, o Governo reagiu antecipadamente e foram já fixados os serviços mínimos, matéria já usada pelos sindicatos e pela ANTRAN (Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias) para nova troca de acusações e que, pela sua extensão, mereceu grandes (e justificadas) críticas do movimento sindical.

Sem querer abordar aqui a questão da excessiva dependência nacional do transporte rodoviário de mercadorias (impossível de resolver no curto espaço de tempo que mediou entre as duas greves) ou a maior ou menor justiça das reivindicações sindicais, sempre deixo uma dúvida que nunca vi esclarecida na comunicação social: se sindicatos e patrões se acusam mutuamente de violação dos termos do acordo, porque é que esta matéria nunca foi devidamente esclarecida, tanto mais que em matérias de greves de camionistas nunca consigo deixar de recordar a greve dos camionista chilenos que esteve na génese do golpe militar de Augusto Pinochet.