domingo, 29 de outubro de 2006

PREVISÕES OU CERTEZAS?

Têm-se avolumado nas últimas semanas notícias sobre a premência da retirada das tropas americanas no Iraque. Seja devido ao crescente número de atentados e de baixas entre as forças ocupantes (desde o início do mês já terão morrido mais de uma centena de soldados ocidentais, com particular destaque para os americanos), seja devido à agenda eleitoral americana e à pressão da sua opinião pública, o facto é que vão aumentando as referências a essa hipótese e os próprios governantes iraquianos vão colaborando nesta estratégia, mesmo quando confessam a inutilidade do plano de pacificação proposto pelo governo de Nouri Al Maliki.

Há pouco mais de três meses George W Bush, na sequência da morte de Abu Mussab al-Zarqawi (o declarado líder da Al Qaeda no Iraque), garantia que não existia qualquer calendário para a retirada das tropas americanas daquele território, porém, o aumento da actividade da resistência e a sua crescente eficácia poderá estar a proporcionar à administração norte-americana um bom pretexto para a retirada.

Quando há poucos dias George W Bush já admite que o Iraque se poderia transformar no Vietname do século XXI (passem as abissais diferenças que estiveram na origem dos dois conflitos e que para os americanos parecem de todo em todo imperceptíveis) e quando se confirma a posição iraniana de não abdicar do seu programa de pesquisa nuclear, as principais peças do complicado puzzle do Médio Oriente começam a encaixar-se e a proporcionar uma visão cada vez mais clara do que poderá ser o futuro próximo da região.

Para completar esta realidade, até dos aliados ingleses vêm opiniões contrárias à manutenção da ocupação, como foi o caso do Chefe do Estado-Maior inglês (Sir Richard Dannatt) que em recentes declarações ao DAILY MAIL e à BBC defendeu uma rápida retirada das tropas por considerar que a presença inglesa no Iraque agrava os problemas de segurança.

Porque será que de repente toda a gente parece ter começado a encarar a situação no Iraque numa perspectiva diferente?

Será que a actual situação de guerra civil e de total incapacidade para a constituição de uma forma de governo estável naquela região do Mundo consiste na melhor opção do ocidente para combater o “terrorismo”?

Será que os analistas norte-americanos esperam que a Al-Qaeda substitua os previstos ataques contra os seus interesses estratégicos e económicos por acções que a imiscuam numa luta entre facções religiosas islâmicas?

Ou pelo contrário, a agora prevista retirada militar do Iraque não é mais que outro movimento preparatório para a próxima etapa na escalada de violência há muito defendida (e preparada) pelos grupos neo-conservadores americanos?

Fazendo fé nas notícias e nos trabalhos de observadores e analistas, continuam a manter-se intactas e em crescendo as possibilidades da administração americana passar a uma nova fase no cenário de guerra que já é o do Médio Oriente e, em resposta aos constantes apelos e em cumprimento do plano inicialmente estabelecido, iniciar o “assalto” ao Irão e à Síria. Tantas vezes prometido e outras tantas ameaçado, parece agora cada vez mais próximo o dia da sua concretização.

Muitos são os grupos de reflexão que têm vindo a publicar estudos e relatórios sobre esta infeliz possibilidade. Em qualquer das perspectivas, económica, militar e política, que se analise a situação é uma realidade que os sinais são cada vez mais evidentes e já ultrapassaram há muito os meros discursos dos políticos. Assim ao longo dos últimos meses vários têm sido os exercícios militares (vulgarmente designados por manobras ou jogos de guerra), desde os habituais da NATO até aos do Irão, passando pelos realizados por outras alianças militares[1] que englobam países da região e da Ásia e onde Rússia e China assumem papéis de liderança, tendo todos tido em comum um misto de preocupação com a operacionalidade e com a exibição de força.

Para quem entenda desvalorizar os tais “jogos de guerra”, como prática usual das respectivas estruturas militares, convém recordar que paralelamente com eles os EUA e a NATO têm estado a concentrar forças navais de dimensão anormal no Golfo Pérsico e no Mediterrâneo Oriental. Sob comando americano os porta-aviões Enterprise e Eisenhower (e as respectivas frotas de apoio) encontram-se no Golfo Pérsico enquanto uma armada da Nato (integrada por navios franceses, alemães e turcos) ocupa posições no Mediterrâneo Oriental, ao abrigo do mandato da ONU e integrados na força da UNIFIL de interposição entre Israel e o Líbano.
Não é assim de estranhar o interesse norte-americana em adiar o fim do conflito que opôs o exército israelita às forças milicianas do Hezbollah, bem patente na forma como protelou além do admissível a sua intervenção no Conselho de Segurança da ONU no sentido de pôr fim aos bombardeamentos com que Israel flagelou o sul do Líbano, durante os quais, como agora se comprovou, aquele estado usou munições de fósforo (que muitos pretendem ver incluídas entre as armas químicas interditas pela Convenção de Genebra) e contra alvos não exclusivamente militares.

O mandato que dá cobertura à presença de uma frota de guerra junto às fronteiras marítimas da Síria está já a ser utilizado como forma de bloqueio à Síria, pelo menos a avaliar por um despacho da REUTERS, que refere a captura de um navio mercante que transportava equipamento militar (anti-aéreo) para aquele país.

Melhor que quaisquer palavras, o mapa do Médio Oriente mostra à evidência o desenvolvimento de uma estratégia de cerco às regiões ricas em hidrocarbonetos[2], sendo que o recente “affaire” diplomático entre a Geórgia (país que pretende integrar a NATO) e a Rússia constitui apenas mais um degrau na caminhada para a deflagração do conflito.

No plano económico, o LEAP – Laboratório Europeu de Antecipação Política, divulgou recentemente mais um estudo onde situa o início de uma crise para o próximo mês de Novembro, fazendo-a coincidir com a data das eleições norte-americanas. Segundo aquele organismo europeu a crise terá uma duração mínima de seis meses e máxima de um ano e afectará os mercados financeiros (principalmente os fundos detentores de dívida americana, denominada em dólares e em regime de taxa fixa) e as relações estratégicas entre aquele país e a Europa e a Ásia.

Falível, como toda e qualquer outra previsão, nem por isso o trabalho do LEAP deixa de revelar consequências da intervenção americana no Afeganistão e no Iraque, o agravamento ditado pela incapacidade negocial dos EUA com a Coreia do Norte e o Irão (tudo fruto da crescente militarização do Médio Oriente e da Ásia), expressas nas dificuldades que a economia norte-americana, altamente endividada e totalmente dependente da captação de financiamentos no exterior, atravessa e na difícil “ginástica” que tem vindo a ser executada pelo secretário de estado das finanças, Henry Paulsen, para “mascarar” a situação perante o eleitorado norte-americano.

Tudo isto acaba por constituir apenas mais uma razão (fazendo fá na habitual forma americana de resolver as crises económicas domésticas) para o eclodir de uma nova campanha militar.

Esquecida na estratégia de «luta contra o terror» a urgente captura de Ossama Bin Laden, disfarçadas as dificuldades registadas no Afeganistão e no Iraque (o número de baixas de soldados norte-americanos naqueles dois conflitos – 341 no Afeganistão e 2810 no Iraque – já ultrapassará o número de mortos na queda do Wall Trade Center) e a importância da “democratização” daqueles dois países, George W Bush, os seu amigos neo-conservsadores, o indefectível aliado que tem sido a Grã-Bretanha de Tony Blair e agora a generalidade dos governos dos países da União Europeia aprestam-se a atacar novos territórios no Médio Oriente, talvez na expectativa de saltarem de desaire em desaire até à vitória final.

Independentemente da maior incerteza militar que deverá rodear a investida sobre o Irão, é natural que tal como tem acontecido em situações anteriores o exército americano acabe por alcançar vantagem no terreno, mas restará responder a algumas questões:
Será desta vez que os “marines” vão conseguir uma efectiva ocupação territorial ou vamos voltar a assistir a nova encenação de conferência de imprensa onde George W Bush (imitando as figuras de Hollywood tão caras à população americana) declarará o final de uma guerra que ainda não começou?

Será que os neo-conservadores americanos conseguirão instalar em Teerão e em Damasco figuras mais relevantes que os fantoches Hamid Karzai e Nouri Al Maliki, em Cabul e Bagdad, respectivamente?

Com que custos, humanos e materiais, tal desiderato será alcançado?

Ficaremos todos nós mais seguros com a substituição dos regimes iraniano e sírio, ou pelo contrário tudo o que conseguirão os apologistas deste conflito será um novo agravamento das condições globais de segurança e o aumento dos lucros dos sectores económicos ligados à produção e distribuição de hidrocarbonetos, à fabricação de armamento e à prestação de serviços de segurança?

Das respostas que cada um de nós der a estas questões e da capacidade que revelarmos para desmistificar muita da desinformação que circula sobre o assunto poderá depender o eclodir de mais um conflito.
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[1] As organizações em causa são a CSTO (Collective Security Treaty Organization) que engloba a Rússia, Kazaquistão, Kirguistão, Tajiquistão, Arménia e Uzbequistão e a SCO (Shanghai Cooperationa Organization) que engloba parte dos membros do CSTO (Rússia, Kazaquistão, Kirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão )e a China.
[2] Ver o “post” A REALIDADE ALÉM DAQUILO QUE VEMOS, de 9 de Julho de 2006.

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

CRISE DE VALORES OU OPORTUNISMO?

No final da sua intervenção de abertura na conferência internacional «Que valores para este tempo», que decorre na Gulbenkian, Eduardo Lourenço disse em entrevista aos jornalistas presentes que discorda da tese corrente de culpabilização dos políticos uma vez que, enquanto eleitores, todos somos igualmente culpados.

Sendo sobejamente conhecidas as posições que aquele ensaísta tem advogado, excluo liminarmente a hipótese desta afirmação poder ser associada, ou entendida, como um apelo sebastianista de um “salvador da pátria”, mas julgo-as curtas pela falta de sugestão de um caminho a tomar.

Estaria Eduardo Lourenço a apelar à capacidade de mobilização e intervenção da cidadania?

Ou mais prosaicamente a desafiar-nos para o lançamento de acções públicas?

É que se erramos nas escolhas dos políticos que nos governam tal parece-me acontecer por duas diferentes ordens de razões:

- natural reflexo do baixo nível cultural e de formação do conjunto dos eleitores;

- o modelo para o processo de escolha (eleições baseadas em listas originárias das formações partidárias, seja qual for o nível de intervenção político da estrutura a eleger) não valoriza as escolhas dos eleitores mais sim os “jogos de bastidores” que conduzem à constituição das próprias listas.

Assim, parece-me que a grande crise de valores de que tanto se fala, se tem agravado muito pela falta de efectivos mecanismos de participação dos cidadãos na “res publica”; muito do apregoado desinteresse poderia desaparecer se fosse reconhecida a necessidade de introdução de alterações no processo de formação das listas concorrentes (favorecendo a constituição de listas de cidadãos, pelo menos para as eleições autárquicas), de forma a poder reflectir a opção de cada eleitor e simultaneamente potenciar e responsabilizar a participação dos cidadãos.

terça-feira, 24 de outubro de 2006

TUDO BONS RAPAZES

PUBLICO e DIÁRIO DE NOTÍCIAS chamaram hoje para as respectivas primeiras páginas o resultado do acórdão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, organismo a funcionar junto do Tribunal Constitucional, relativo à fiscalização das contas da última campanha para as eleições legislativas.


Apesar de esperado, dificilmente poderia ter ocorrido pior resultado pois nenhum dos partidos concorrentes escapou a críticas e reparos da entidade fiscalizadora.

Seja pela escassez dos dados (muitas das secções regionais e distritais dos principais partidos não terão apresentado as respectivas contabilidades), seja pela ausência de documentação justificativa (ou a sua manifesta inadequação), ninguém escapa a esta imagem de irregularidades generalizadas e pior, ainda se apresentam com a maior desfaçatez a tentar justificar o injustificável.

Perante situações reportadas como a da contabilização pelo PS de donativos após a data das eleições e a generalizada falta de suportes documentais apresentados por todos os partidos políticos é espantoso como a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos conclui, como escreve o PUBLICO, que: «"[a]s irregularidades verificadas não devem ter-se por impeditivas de julgar prestadas as contas relativas à campanha eleitoral das eleições legislativas de 2005", sublinha o acórdão, aprovado por oito votos a favor e cinco contra». Um dos votos discordantes foi o do presidente do Tribunal Constitucional que, em declaração de voto, manifestou a sua discordância sobre o teor das conclusões quer devido à já referida questão dos potenciais financiamentos ilícitos quer a inadequadas contabilizações de dívidas por parte do PSD e do PCTP/MRPP também violaram a lei ao não contabilizarem adequadamente dívidas assumidas.

A realidade, dura e indesmentível, é a de que partidos e poderes públicos continuam a revelar, além de um evidente compadrio ao abrigo do qual tudo se justifica e perdoa, um total laxismo no que respeita à transparência, seriedade e probidade com que continuam a ser utilizados os dinheiros públicos e privados de que vivem.

Mas ainda mais grave é o facto de serem esses mesmos “senhores” que:

- em conjunto ou alternadamente têm (des)governado este país;
- têm distribuído entre si e os seus próximos os principais cargos governativos e a direcção das principais empresas nacionais (públicas e privadas);
- conseguem por artes próprias ou alheias (os tais amigos) eximir-se a todo e qualquer tipo de responsabilidades, sejam elas políticas ou cíveis;

continuam a fazer alarde, com total impunidade e sem vergonha, do seu oportunismo.

domingo, 22 de outubro de 2006

MOHAMMAD YUNUS – O BANQUEIRO DOS POBRES

Mohammad Yunus e o Grammen Bank, instituição bancário que fundou, foram os galardoados com o Prémio Nobel da Paz 2006.

Tanto quanto julgo saber trata-se do primeiro banqueiro galardoado com semelhante tipo de prémio, mas, a distinção não parece tão estranha conhecendo-se o empenho deste economista, natural do Bangladesh (um dos países mais pobres do mundo), na luta contra a pobreza.

A fórmula singular do seu método fica perfeitamente esclarecida quando afirma: «Acredito firmemente que todos os seres humanos têm uma habilidade natural. Chamo a isso a habilidade de sobreviver. O facto dos pobres se encontrarem vivos é a prova da sua própria habilidade. Eles sabem isso naturalmente. Disponibilizando crédito aos mais pobres permitimo-lhes que exerçam as suas próprias capacidades. Então, o dinheiro que ganham é uma ferramenta, uma chave que resolve outros problemas[1]

Detentor de uma sólida formação académica (foi bolseiro na Vanderbilt University, no Tennessee, onde obteve o seu PhD e leccionou durante sete anos), Mohammad Yunus regressou ao seu país, um dos mais pobres do Mundo, onde se confrontou com o dilema de leccionar grandes teorias económicas enquanto milhares de pessoas morriam de fome à sua volta. Um trabalho de campo, desenvolvido conjuntamente como os seus alunos da época, permitiu-lhe constatar que a maioria da população padecia de um crónico problema de falta de capital para poder exercer uma actividade que lhe proporcionasse o sustento e o da sua família.

Não resultando a sua extrema pobreza de nenhuma situação de preguiça ou desinteresse, mas sim de um sistema financeiro no qual apenas os detentores de bens materiais podem aspirar a obter o crédito que necessitam, Yunus concebeu um esquema de financiamento de pequenas quantias baseado num sistema de confiança e de mútua vigilância (do credor sobre os mutuários e destes entre si). Montado sobre apertados planos de pagamento (prestações semanais ou bimensais) e garantindo aos bons cumpridores o acesso a futuros financiamentos de maiores montantes, o Grameen Bank dispõe de mais de 1.400 agências, opera em mais de 50.000 aldeias por todo o Bangladesh[2] e orgulha-se hoje de ter emprestado mais 4,7 mil milhões de dólares e apresentar uma taxa de incumprimento da ordem dos 1% (algo com sonham todos os grandes banqueiros mundiais).

A razão do sucesso deste arrojado, mas extremamente simples, plano de combate à pobreza consiste em ter organizado um sistema transparente e que dispensa a maioria das necessidades associadas à imagem de um banco tradicional.

O Grameen Bank não dispõe de meios sofisticados nas suas instalações e os seus empregados visitam regularmente os clientes nas suas próprias aldeias, onde expõem as regras de funcionamento, entre as quais se contam princípios como o da obrigatoriedade de mandarem os filhos à escola, e procedem às entregas dos montantes emprestados e à recolha regular dos juros devidos. Os incumpridores são afastados do sistema (com o tempo revelou-se que as mulheres eram melhores cumpridores e que os benefícios do crédito eram mais rapidamente sentidos por toda a família) e os bons cumpridores vão-se tornando accionistas do próprio banco que com o tempo começou por alargar a sua actividade aos seguros de saúde. Também o sistema de organizar os devedores em pequenos grupos de quatro tem potenciado a confiança e a entreajuda entre os membros bem como o incremento da responsabilidade individual, uma vez que o insucesso de um penaliza o conjunto do grupo.

As transacções são propositadamente conservadas na sua expressão mais simples; os empréstimos são contratados sempre pelo prazo de um ano e os juros pagos a partir da segunda semana. Este sistema liberta os devedores da pressão e da necessidade de gerir somas maiores, caso os pagamentos fossem de maior periodicidade, e simultaneamente contribui para aumentar o seu próprio grau de confiança. Todos os pagamentos são efectuados em público, em reuniões que juntam entre oito e dez grupos de devedores, pelo que num país onde grassa a corrupção aos mais variados níveis da administração, o Grameen Bank orgulha-se de ser tão transparente quanto possível.

Contrariando as previsões e a clássica perspectiva do sector bancário de que os que não têm recursos não são suficientemente credíveis para assegurar um financiamento bancário, o modelo desenvolvido e implementado através do Grameen Bank tem apresentado resultados na redução da pobreza. Estudos independentes, realizados pelo Banco Mundial, indicam que cerca de metade dos mais de 2 milhões de pessoas que o Grameen Bank financiou conseguirão num prazo de 5 anos ultrapassar o nível de pobreza, enquanto outros 25% estarão próximo dessa linha.
Entre as razões para o sucesso deste esquema de microcrédito, Yunus aponta o facto da «...pobreza revestir os pobres de uma imagem de incapacidade e falta de iniciativa. Porém, se obtiverem crédito voltarão lentamente à vida, Até os que parecem menos adaptados são bastante inteligentes e dotados na arte da sobrevivência. O crédito é a chave que desbloqueia a sua humanidade
[3]

O conceito de microcrédito lançado por Mohammad Yunus vai muito além do que vulgarmente é praticado por outro tipo de operadores (prestamistas, familiares, bancos, etc.) no mercado. Yunus denomina-o “Grameencrédito” e define-o como aquele que:

- promove o crédito como um direito humanitário;
tem por missão ajudar as famílias mais pobres a ultrapassarem a pobreza;

- não é baseado na existência de qualquer garantia real ou contrato formal, mas sim na confiança;

- tem prazos curtos (um ano), destina-se à criação do próprio emprego e à geração de rendimento para as famílias e não orientado para o consumo;

- implica a adesão a um grupo de devedores e está associado a um plano de poupança, com uma dupla componente (obrigatória e facultativa), é sujeito a planos de amortização semanais ou quinzenais e a correcta amortização assegurará o acesso a novos empréstimos;

sempre dentro do princípio que:

- a caridade não é uma resposta adequada para a lutar contra a pobreza, pois apenas ajuda a sua perpetuação;

- a caridade cria dependência e anula a iniciativa individual para romper o ciclo de pobreza;

- a solução passa pela força de vontade e a criatividade de cada ser humano para lutar contra a pobreza.

Talvez por esta razão, Yunus tem assumido frontalmente a crítica à ideia do perdão da dívida do terceiro mundo, preferindo substituí-la por um mecanismo que canalize os montantes pagos para um fundo destinado à promoção do microcrédito nesses países. Por considerar que a maior parte das verbas envolvidas nos processos de ajuda externa não chega aos que delas mais necessitam afirma: «A maior parte foi gasta com consultores externos, burocratas ou na compara de equipamento. Apesar de agirem em nome dos pobres, os únicos beneficiários desta ajuda são os que já são ricos».[4]

A filosofia subjacente ao funcionamento do Grameen Bank, que criou um sistema mutualista e de entreajuda dos grupos e subverte todas as regras da banca comercial, tem vindo a ganhar consistência e actualmente o microcrédito começa a diversificar-se, abrindo linhas de crédito à habitação, produtos de poupança, seguros de saúde e crédito para a aquisição de equipamentos de energia solar e telemóveis. Paralelamente estão também a nascer novas empresas no seu universo, vocacionadas para outros sectores de actividade como as pescas, a indústria têxtil, as telecomunicações, as energias renováveis e a Internet.

Mohammad Yunus é particularmente duro quando afirma que «...podemos afirmar que as pessoas são pobres hoje devido ao fracasso do apoio que as instituições financeiras lhe deram no passado. Tal como o direito à comida, ao vestuário, ao abrigo, à educação e à saúde, o acesso ao crédito devia ser reconhecido como um direito humano fundamental».[5]

Se é certo que a eliminação das condições de pobreza extrema em que vivem milhões de seres humanos poderá constituir um forte contributo para a redução das tensões sociais e económicas que muitas vezes conduzem aos conflitos armados, não é menos verdade que o trabalho de Mohammad Yunus demonstrou a validade de toda uma formulação teórica em torno do fenómeno do empobrecimento e do método para a resolução do ciclo infernal do subdesenvolvimento.

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[1] Traduzido de Good Banker, de Alan Jolis in The Independent on Sunday Supplement, 5 May 1996 (in http://www.grameen-info.org/agrameen/profile.php3?profile=2)
[2] Este conceito encontra-se já difundido em 52 outros países (situados na Ásia, América do Norte e do Sul, África, Europa e Oceânia), entre os quais os EUA onde, a convite do ex-presidente Clinton, então governador do Arkansas, opera desde 1980, em Pine Bluff, a rede do Good Faith Fund.
[3] Traduzido de Good Banker, de Alan Jolis in The Independent on Sunday Supplement, 5 May 1996 (in http://www.grameen-info.org/agrameen/profile.php3?profile=2)
[4] Traduzido de “TWENTY GREAT ASIANS – THE LENDER – Muhammad Yunus” in Asiaweek (in http://www.grameen-info.org/agrameen/profile.php3?profile=3)
[5] ibidem

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

SUBSÍDIOS ATRIBUÍDOS AO DESBARATO

Na última edição de O ALMEIRINENSE, destaca-se na primeira página a notícia da aprovação, na última reunião pública da autarquia, dos subsídios a distribuir pelas colectividades locais para o período de Outubro deste ano a Setembro de 2007.

Polémica aparte entre a maioria política que nos últimos mandatos tem dominado a autarquia e a oposição, ressalta da notícia o facto da generalidade das colectividades almeirinenses não prestarem qualquer tipo de contas relativamente aos subsídios e outros apoios recebidos da autarquia e de esta também não publicitar aqueles valores nem os respectivos destinatários.

É óbvio que julgando-se cada uma das colectividades mais merecedora de apoios que as restantes, esta prática do secretismo que envolve as verbas disponibilizadas pela autarquia não contribui em nada para o serenar dos ânimos e ainda menos a ausência de clarificação das respectivas regras de atribuição.

Este facto não constitui para mim um dado novo – os anos que passei pela direcção da Banda Marcial de Almeirim “ensinaram-me” esta e outras realidades do movimento associativo local – mas nem por isso é menos digno de reparo e necessidade de correcção. “Aprendi” na oportunidade que contrariamente à prática daquela associação (durante os anos que integrei direcções daquela colectividade sempre esta apresentou ao executivo camarário o respectivo Relatório e Contas anual) não era regra no concelho a apresentação das contas do exercício pelas colectividades.

A obrigatoriedade de apresentação de contas e a determinação de regras claras (que não têm de ser obrigatoriamente limitativas) poderia ajudar a reduzir o clima de suspeição e de eventuais favoritismos que sempre rodeiam este processo de transferência de fundos. Mais, um regime que seja de todos conhecido (e por todos aceite e respeitado) poderá até revelar-se profundamente útil para os envolvidos no processo; para a autarquia garantirá transparência e equidade de tratamento, para as associações o conhecimento antecipado das disponibilidades financeiras e para os eventuais mecenas e patrocinadores uma importante fonte de informação sobre a credibilidade das associações e dos seus projectos de actividade.

De acordo com o corpo da notícia, o vereador Pedro Pisco dos Santos pronunciou-se durante aquela reunião a favor da «elaboração de um regulamento de subsídios a clubes desportivos e a associações culturais para que estes saibam com o que contam e salvaguardar a Autarquia com os gastos de dinheiros públicos» enquanto a vereadora Manuela Cunha foi um pouco mais longe, pois além de defender a necessidade de existência de regulamento adequado manifestou a esperança de que este seja o ano em que a Autarquia cumpra a disposição legal de publicação dos subsídios atribuídos. À margem da notícia, publica O ALMEIRINENSE um texto/explicação daquela eleita pela CDU relativamente à sua abstenção na votação da proposta dos subsídios, referindo a dado passo que já em 2001 o executivo havia aceite uma sua proposta de elaboração de um regulamento que continua por executar.

Em jeito de conclusão, refere o jornal que «a "subsidiodependência" tornou-se mais numa prática corrente do que um acto isolado. E a Autarquia tem vindo a alimentar e incentivar a repetição continuada ano após ano desse comportamento», factos que devem merecer de todos nós uma cuidada leitura e uma adequada interpretação.

Se existem colectividades, desportivas ou culturais, que criaram esse tal sentimento de “subsidiodependência”, isso dever-se-á tanto à autarquia quanto aos respectivos sócios e dirigentes.

Sendo certo que o movimento associativo vem registando crescentes dificuldades (quer de natureza financeira quer de natureza humana), não é menos verdade que boa parte delas radica na sua própria organização e dispersão. Senão, como entender a proliferação de associações que partilham objectivos, associados e praticantes, mas que obstinadamente recusam partilhar estruturas organizativas, instalações e outros custos?

A explicação deste fenómeno (que não pode de modo algum resumir-se ao chavão do individualismo e reduzido espírito associativo nacional) também passa pela actuação das entidades que “financiam” essas mesmas colectividades. Conhecendo-se a aversão que o tecido empresarial normalmente apresenta para o “apoio” a actividades não directamente lucrativas (e a publicidade aqui não é a mais atractiva) resta o poder autárquico para introduzir alguma racionalidade em todo este processo.

Quando acontece, como em Almeirim, que também esta entidade se distancia desse importante papel regulador estão criadas as condições para a situação que todos nós conhecemos – proliferação das colectividades, empobrecimento de cada uma delas por via da dispersão dos esforços de associados e dirigentes, aumento dos custos de funcionamento de todas elas, redução dos benefícios para as populações dos dinheiros públicos gastos com elas.

Parecendo o elenco autárquico impotente, ou pouco interessado, para despoletar um processo de reflexão sobre estas realidades, aqui fica o repto a O ALMEIRINENSE para que o tema de uma das próximas edições da OPINIÃO PÚBLICA seja: O MOVIMENTO ASSOCIATIVO

domingo, 15 de outubro de 2006

SERÁ A VALER?

Parece que finalmente temos um governo da República que se dispõem a pôr termo ao desbarate que tem sido o processo de financiamento da região Autónoma da Madeira.

Isto é o mínimo que se pode dizer da recente decisão do governo de José Sócrates de “congelar” as transferências para aquela Região Autónoma devido ao Governo Regional ter excedido os limites de financiamento autorizados para 2005.

Aparte a polémica que de pronto estalou (Alberto João Jardim vociferou contra tudo e contra todos, como é seu hábito), ninguém de boa fé poderá deixar de compreender e apoiar a decisão de um Governo que, para alcançar o equilíbrio do deficit público, até agora apenas tem exigido constantes e continuados sacrifícios aos contribuintes que pagam impostos.

De vários quadrantes nacionais se fizeram ouvir comentários (uns mais convictos que outros) de um modo geral favoráveis à decisão e mesmo muitos dos que fizeram ouvir alguma contestação (excepto os políticos madeirenses) sempre foram admitindo que a situação financeira que vive a Região da Madeira se encontra longe da desejada.

Aliás, esta região autónoma tem-se caracterizado por regularmente “andar nas bocas do mundo” e raramente pelas melhores razões. Quando não se tratam dos dislates (verbais e comportamentais) do presidente do seu governo, trata-se de atropelos e comportamentos antidemocráticos da maioria política que governa a ilha há quase trinta anos, ou de notícias sobre ligações demasiado estreitas entre poderes públicos e interesses económicos. Certo é que de notícia em notícia o inefável Alberto João Jardim continua a comportar-se naquela Região como seu “rei e senhor” e as poucas e débeis tentativas até agora feitas para combater esta realidade sempre têm esbarrado numa teia de interesses a que não são alheios o PSD (partido a que pertence Alberto João Jardim), o PS (que nunca mostrou capacidade e vontade efectiva para contrariar o “vice-rei” insular, quer a nível nacional quer regional) e os grupos económicos com interesses instalados no arquipélago.

Apesar da enormidade que representa a dívida do Governo Regional da Madeira, qualquer coisa como 1.500 milhões de euros até ao final do ano
[1], tudo até agora tem decorrido de forma absolutamente normal, como se daquela Região não chegassem senão ecos do progresso e da melhoria das condições de vida das populações, nomeadamente a nível da educação e da saúde, em vez das notícias e imagens televisivas das inaugurações de mais estradas, pontes, túneis (sempre com a presença de Alberto João Jardim) que com o andar dos tempos ultrapassarão mesmo a área do próprio território.

A este respeito escrevia há uns dias Vicente Jorge Silva num
artigo de opinião «A imoderação absolutamente descontrolada e a arbitrariedade dos gastos públicos na Madeira, que conduziram a uma espiral de endividamento sem paralelo no País, estão intimamente associadas à promiscuidade total entre poder político e poder económico, sustentando algumas das aberrações mais escandalosas e impunes da prática da corrupção em Portugal.
Uma investigação apurada desse verdadeiro "polvo" que suga os dinheiros públicos e os redistribui através de toda uma nomenclatura político-económica (em que se multiplicam os casos de fortunas pessoais feitas da noite para o dia) traria certamente uma espectacular "visibilidade de resultados", como afirmou pretender o Presidente da República na tomada de posse do novo PGR. E permitiria também perceber porque é que a rede de cumplicidades e compadrios instalada na Madeira reduziu a um estado de quase impotência a actuação do Ministério Público, como se a famosa "autonomia regional" tornasse perfeitamente legal o que é de uma gritante ilegalidade».

Para aqueles que noutras ocasiões leram o que escrevi sobre alguns acontecimentos que iam chegando da Madeira (INDEPENDÊNCIA JÁ! e A REPÚBLICA NA TERRA DAS BANANAS) ou sobre comentários e posições de analistas nacionais (SERÁ JARDIM APENAS UM “SEMIDEMOCRATA”?), não estranharão que subscreva, e aplauda, a decisão do ministro Teixeira dos Santos, mesmo compreendendo que esta trará alguns prejuízos à região em geral e em especial às populações mais carenciadas.

Porém, não creiam que augure grande sucesso a esta iniciativa governamental.

Para descrédito de todos nós (os que nos batemos pela indispensabilidade de critérios éticos e de rigor na gestão da coisa pública) o que vai ocorrer rapidamente será um novo compromisso, há semelhança do que foi realizado nos tempos do Eng.º Guterres, que permitirá ultrapassar esta limitação financeira agora existente e proporcionará novo período de “vacas gordas” para todos aqueles que têm vivido à sombra e a expensas do perdulário Alberto João Jardim.

Será um óptimo sinal se estiver enganado, mas nada me leva a formular uma conclusão diferente, tanto mais que em matérias de “manobrismos” e “compadrios” pouco distingo o governo de José Sócrates dos de Cavaco Silva. Tal como este aprovou a construção de uma ponte sobre o rio Tejo entre Alcochete e Lisboa contra a opinião dos técnicos que defendiam a opção Barreiro-Lisboa, diz-se por pressão de altos dignitários do PSD que seriam proprietários de terrenos naquela região da Margem Sul, também agora Sócrates insiste na construção de um novo aeroporto na Ota contra a opinião dos especialistas que defendem a opção por Rio Frio, por pressão de altos dignitários do PS que terão adquirido terrenos na zona Oeste.

Como que a prefigurar este cenário de futuro “arranjinho”, já esta semana Luís Delgado (o indefectível defensor dos “Santanas Lopes” da política nacional) veio na sua
crónica semanal no DIÁRIO DE NOTÍCIAS apontar uma via de solução, aconselhando Alberto João Jardim a recorrer ao mesmo estratagema que Bill Clinton usou nos EUA quando o Congresso Americano se recusou a aprovar o seu orçamento. Naquela oportunidade o governo deixou de assegurar os pagamentos paralisando a generalidade dos serviços federais; perante a explicação da administração e a indignação popular o Congresso seria obrigado a recuar e a aprovar o orçamento.

Ideia brilhante a deste comentador de política “à pressão”, não fora o caso de aqui acontecer precisamente o contrário; quem não consegue explicar a situação é quem não quer deixar de gastar sem controlo e quem beneficia de um claro apoio popular é quem quer terminar (pelo menos aparentemente) com essa situação.

É óbvio que esta pequena nuance escapou por completo à arguta análise do comentador, mas o aviso ficou bem claro para quem o queira entender.
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[1] Estimativa de José Manuel Rodrigues, líder do CDS-PP/Madeira (in
http://www.partido-popular.pt/noticia.asp?id=1046)

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

ANNA POLITKOVSKAIA

O assassinato de mais um jornalista russo, no passado fim-de-semana, parece ter feito soar as trombetas da indignação. Talvez por desta vez se tratar de Anna Politkovskaia, uma bem conhecida jornalista do “NOVAIA GAZETA” que se especializara na cobertura e na denúncia de abuso dos direitos humanos na Tchtchénia.

A imprensa internacional tem-se feito eco (grande eco) deste acontecimento, salientando principalmente o lado bárbaro do atentado e as características de execução de que se rodeou. De pronto se trouxeram à primeira linha das análises o carácter autoritário, xenófobo e de impunidade que o regime russo atravessa, chegando mesmo o LE MONDE a referir que aquele país está a cair num fascismo galopante.

Anna Politkovskaia já tinha sido alvo de várias ameaças de morte, tendo inclusive vivido algum tempo refugiada na Áustria; viu alguns dos seus trabalhos premiados pelo PEN CLUB INTERNATIONAL (em 2002) e a OSCE (em 2003) e foi distinguida com outros prémios como o «Prémio Coragem em Jornalismo» da INTERNATIONAL WOMEN´S MEDIA FOUNDATION (também em 2002) e o Prémio Olof Palme para os direitos do homem (em 2004). Além do seu trabalho jornalístico (ou talvez em consonância com ele) a jornalista envolveu-se ainda em várias iniciativas em defesa das vítimas da guerra na Tchetchénia e participou nas negociações durante a crise dos reféns do Teatro da rua Melnikov, não chegando a intervir na crise em Beslan por ter sido alvo de uma tentativa de envenenamento durante a deslocação àquela localidade da Ossétia do Norte.

De acordo com os trabalhos jornalísticos de Anna Politkovskaia, o regime do presidente Putin mais não tem feito que usar o pretexto do combate contra o terrorismo para exercer um poder autocrático e brutal em territórios como a Tchetchénia. Este território tem sido flagelado por uma luta visceral entre o poder central russo e um movimento oposicionista de matriz islâmica, a qual atravessou a formação do Império Russo e a constituição e a desagregação da União Soviética, e que actualmente se encontra muito associada (pelo menos em termos de órgãos de informação ocidental) a alguns atentados de grande impacto mediático como foi o caso do assalto ao Teatro de Moscovo (2002), o atentado no Metro da capital russa (2004) e o assalto à Escola de Beslan (2004). A sua principal figura, Shamil Basayev, foi morto em Julho deste ano numa explosão cuja autoria ainda não foi definitivamente confirmada.

Sendo inegável o envolvimento das autoridades russas na questão tchetchena e o oportunístico aproveitamento que o Presidente Putin fez da política norte-americana de confronto aberto com o «terrorismo internacional», não será de espantar que aquelas autoridades não vissem com muito bons olhos o trabalho e as denúncias que Anna Politkovskaia vinha fazendo. Também não seria a primeira vez que este, ou outro governo, recorreria a uma solução tão extrema para eliminar “opositores” incómodos, pelo que nada me leva a acreditar que o assassinato daquela jornalista possa ter tido outras “motivações”.

Porém a imprensa russa indicia outros potenciais interessados no acto, nomeadamente exilados políticos, como o ex-oligarca Boris Berezovski ou Leonid Nevzline, ex-vice presidente de Ioukos, interessados na desestabilização do governo de Putin, ou círculos militares russos e grupos extremistas nacionalistas (como refere esta notícia do LE MONDE) que consideravam a jornalista como inimiga da Rússia face à repercussão que os seus artigos jornalísticos tinham ma imprensa internacional.

Parecendo inegáveis os contornos políticos deste assassinato, talvez ele possa marcar alguma alteração nas relações entre o poder e os jornalistas em Moscovo (algo que não tenho por muito garantido), mas a sua condenação deverá igualmente ser entendida como mais uma manifestação em prol da liberdade de imprensa e dos jornalistas exercerem a sua actividade de forma responsável, mas independente dos poderes estabelecidos, algo que cada vez mais se revela difícil até entre os regimes democráticos ocidentais.

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

BANCOS EMPRESTAM DINHEIRO PARA INVESTIR NA GALP

O DIÁRIO ECONÓMICO titulava hoje que os cinco maiores bancos a operar em Portugal – CGD, BCP, BES, Santander Totta e BPI – disponibilizam linhas de crédito para financiar a aquisição de acções da gasolineira nacional.

Independentemente de ser, ou não, questionável a venda de acções de uma empresa a um valor mínimo superior a 5 euros quando o EPS[1] (segundo o Relatório e Contas de 2005) era de 2,66€, é seguramente questionável que o governo de José Sócrates, no afã de transformar o IPO[2] da Galp Energia num sucesso caucione este tipo de estratégia.

Além da irresponsabilidade que constitui para a maioria dos pequenos investidores a contratação de empréstimos para a aquisição de activos financeiros, na perspectiva de uma valorização que poderá ou não ocorrer, existe ainda o facto destes novos créditos virem a aumentar o nível de endividamento das famílias, que ainda não há muito tempo o mesmo governo apelidava de preocupante.

É evidente que no final da operação, Sócrates ou Teixeira dos Santos, o seu ministro das finanças, prestarão entusiásticas declarações aos jornalistas sobre o sucesso da operação (congratular-se-ão pelos milhões de euros que as finanças públicas encaixarão e pelo importante contributo para a redução do déficit público) e esquecerão que com mais esta manobra financeira estiveram a contribuir para:
  • o aumento dos lucros dos bancos, que cobrarão juros sobre o capital financiado aos particulares e maiores comissões à Galp na colocação das acções;
  • a degradação do nível de vida de muitos dos pequenos subscritores aliciados à aquisição de um produto financeiro cujas características específicas e riscos (empresariais e de mercado) desconhecem quase em absoluto;
  • o aumento do nível de endividamento das famílias.
Este é mais um exemplo da inconsistência entre o discurso político e a prática governativa, matéria em que o nosso país tem sido pródigo, e cujos reflexos estão cada vez mais à vista de todos.
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[1] EPS – Earning Per Share ou resultado por Acção, calculado em função do Resultado Líquido do Exercício e o Número de Acções da empresa
[2] IPO – Initial Public Offering; designa a primeira venda ao público de acções de uma empresa

MAUS EXEMPLOS

O mandato de Souto Moura enquanto Procurador-geral da República terminou!

Concordo que a natural substituição do titular de um cargo público não deveria ser motivo de qualquer referência aqui; sucede porém, que no caso do anterior PGR muito há a referir, e nem sempre pelas melhores razões.

Para a história, se alguém vier a entender que tal registo é indispensável, a passagem de Souto Moura pela Procuradoria-geral da República ficará sempre associada a alguns processos jurídicos de grande mediatismo (Casa Pia e Apito Dourado) nos quais o seu papel não terá sido o melhor.

Por muito que alguns sectores da opinião nacional procurem agora branquear as ocorrências, lembrando que foi sob a orientação daquele que certos assuntos e certos grupos da sociedade nacional terão perdido o estatuto de intocabilidade, nunca alguém conseguirá explicar como é que lhe foi permitido concluir o seu mandato sem que tivesse produzido uma explicação aceitável sobre a famigerada questão do Envelope 9, isto apesar de publicamente instado pelo anterior Presidente da República.

Ao contrário do que poderá parecer esta não é, por várias razões, uma questão assim tão displicente. A primeira delas resulta logo das contradições em torno da questão do conhecimento, ou desconhecimento, do respectivo conteúdo. Se o Ministério Público o desconhecia, para quê (e por quem) é que a informação foi solicitada à Portugal Telecom? Se não desconhecia, como parece de todo em todo lógico, porque é que informação daquele tipo (comprovadamente inútil para a investigação) se mantinha no processo, acessível a demasiadas pessoas?

A segunda resulta de uma infeliz tentativa de escamotear a realidade, quando o PGR começou por desmentir a existência de tal “envelope”, para depois acabar por a confirmar. Até entre personalidades com a formação e o nível de responsabilidade indissociável do exercício do cargo de PGR, não se resiste à tentação de negar as evidências na expectativa de as acreditarem.
Por último, como não deixar de questionar a demora na apresentação das conclusões do inquérito sobre o assunto que Souto Moura se comprometeu a apresentar rapidamente, imediatamente após uma audiência com Jorge Sampaio, e na falta de credibilidade que este revela ao:
  • ilibar de responsabilidade os procuradores do processo Casa Pia que não terão investigado senão a facturação dos implicados no processo;
  • informar que a responsabilidade do emitente da informação – a Portugal Telecom – já se encontrava prescrita;
  • acusar os jornalistas por estes terem acedido à informação;

sem nunca se referir, ou explicar, o verdadeiro cerne da questão - como semelhante informação se encontrava onde foi encontrada.

Salvo melhor informação (de que não disponho) e enquanto cidadão sujeito às leis vigentes deste país, como não me hei-de interrogar sobre o comportamento de um titular de um cargo público (o quarto na hierarquia do Estado) que em tudo prefigura uma actuação de tipo corporativo?
Como posso esperar um resultado isento de uma eventual demanda jurídica contra o Estado, um Juiz, ou mesmo um Advogado?

domingo, 8 de outubro de 2006

CORRUPÇÃO

No tradicional discurso presidencial do 5 de Outubro, Cavaco Silva escolheu abordar uma das questões basilares de todos os regimes que o país conheceu nos últimos cem anos – a corrupção.

Não parecendo estranha a oportunidade (seja a efeméride, seja o ambiente nacional) já me parece digna de nota a personalidade que abordou o tema.

Não porque englobe directamente Cavaco Silva no grupo dos grandes corruptores/corrompidos, mas porque ainda tenho bem presente muitas das ocorrências durante a vigência dos seus governos. Entre estas destaco o facto deste ter sido um dos períodos mais férteis para a proliferação de múltiplos compadrios e outros “esquemas” muito pouco lícitos na vida pública nacional (para este facto muito terá contribuído o facto deste ter sido o primeiro período de maioria política de um só partido e o grande afluxo de fundos comunitários) e principalmente um episódio com o próprio Cavaco que reputo de perfeitamente ilustrativo, quando ele (ou alguém com sua ordem ou consentimento) mandou encerrar um troço de estrada no Algarve para que aquele e a sua família se pudessem deslocar em segurança à praia.

Refiro este episódio não pela sua dimensão, mas pelo que ele representa de prepotência e de potenciador para outros comportamentos igualmente pouco éticos e seguramente bem mais prejudiciais.

Será neste mesmo nível de preocupação que se insere a proposta recentemente apresentada por João Cravinho para que se consagre em lei a responsabilização, por negligência ou omissão, do superior hierárquico do funcionário que cometa um crime de corrupção.

Mas, sejamos pragmáticos, por melhor e mais dura que seja a reformulação jurídica em torno do fenómeno da corrupção (como seja o caso da distinção entre corrupção para acto lícito e para acto ilícito) e por melhor intencionado e bem dotado de meios que possa vir a ser um eventual organismo de fiscalização, um fenómeno tão generalizado e enraizado a todos os níveis da vida nacional como o da corrupção dificilmente será combatido sem uma outra condição – uma profunda alteração de valores e mentalidades.

Naturalmente que numa primeira fase haverá a necessidade de proceder à introdução de mecanismos formais de emissão de regras (tanto mais draconianas quanto o fenómeno tende a alastrar rapidamente) e de controlo, que terão de receber das principais instâncias do poder um claro sinal de apoio e a adesão da opinião pública (aquela que tanto clama contra o oportunismo, mas muito pouco tem feito para lhe por cobro). Terá sido neste contexto que a magistrada Cândida Almeida, directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal da Polícia Judiciária, num seminário promovido pelo Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais defendeu que a lei, pura e simplesmente, deveria proibir a aceitação de presentes por parte do funcionário público «porque pode haver corrupção sem a contrapartida imediata. Mas criam-se condições para uma num futuro próximo» e que a actual Lei de Protecção de Testemunhas não pode ser aplicada aos casos de corrupção, porque apenas prevê medidas de protecção mais fortes para os crimes de terrorismo, associação criminosa e tráfico de seres humanos.

Muitas são as ocasiões em que vozes, mais esclarecidas (e talvez menos sujeitas ao “doce encanto” e aos altos proventos proporcionados pela corrupção) se têm feito ouvir para apontar medidas e enunciar modelos de actuação, mas até esta data pouco ou nada se tem feito e muitos são os casos de conhecimento público em que as suspeitas parecem bem mais que fundadas. Aliás até hoje ainda não compreendi porque é que relativamente a certas figuras do panorama político, autárquico e desportivo deste país não foram minimamente investigados os seus rápidos enriquecimentos (normalmente coincidentes com períodos de exercício de funções públicas e autárquicas de elevada responsabilidade), deixando-nos na eterna dúvida, com as suspeitas a manterem-se num estado latente e os suspeitos a viverem de forma cada vez mais ostentatória.
Em meados de Setembro, escrevia Eduardo Dâmaso, num
editorial do DIÁRIO DE NOTÍCIAS, que «…só pode estar a brincar quem não ache importante ultrapassar o inexpugnável obstáculo da lei penal que exige uma contrapartida directa, promessa ou solicitação da mesma, para que o crime [de corrupção] se verifique. Na prática, esta formulação não penaliza o funcionário público (autarca, deputado, funcionário administrativo, juiz, procurador, polícia) por receber prendas de grande ou considerável valor. Um funcionário que tenha recebido de um empresário a prenda de uma viagem à volta do mundo para toda a família uns meses depois de esse empresário ter ganhado um concurso onde o primeiro possa ter tido intervenção decisiva não deve ser punido? Um político que entrega concursos de obras públicas por ajuste directo a uma empresa para onde irá trabalhar quando terminar o mandato deve continuar a viver no actual regime de completa impunidade? A actual formulação do crime de tráfico de influências satisfaz a consciência dos eminentes juristas que legislam em Portugal? Os exemplos poderiam ser intermináveis. Bastaria que o Governo quisesse ouvir quem sabe. O que não é suportável são as respostas "políticas" de assobiar para o lado que se têm visto nos últimos dias», reforçando a ideia da necessidade de actuação. Outros analistas, como António Costa Pinto, também partilham a mesma preocupação (veja-se este seu recente artigo de opinião no DIÁRIO DE NOTÍCIAS), centrando-se principalmente na área da corrupção política onde «…Portugal tem infelizmente uma vasta panóplia da grande, pequena e média, que nos coloca em pior posição, «…» sobretudo, a inexistência de punição».

A par com as alterações legislativas que João Cravinho vem defendendo, com a mudança nas mentalidades e comportamentos a que outras personalidades vêm apelando, parece-me igualmente indispensável que seja desde o início da formação de cada cidadão que se verifique uma radical alteração de valores.

Assim, a par com a necessidade de inculcar aos mais novos a ideia de que a aprendizagem se faz por um processo de trabalho e esforço, também noções como as da honestidade e a condenação dos oportunismos que vemos grassar um pouco por todos os lados deverá acontecer desde os primeiros anos de formação.

A ética, ciência ultimamente tão maltratada, terá que voltar a marcar a primazia na mente e nos actos de cada um de nós.

Sem bucolismos saudosistas ou boçais, os tempos em que os homens fechavam negócios com um simples aperto de mão, em que a palavra dada era algo de sagrado e inviolável e em que ninguém arriscava o opróbrio público (ou semi público) de se ver apontado como menos íntegro, terão de voltar a integrar o dia-a-dia de todos nós como algo de natural, devendo a regra deixar de ser a glorificação da fama, sucesso e riqueza a qualquer preço e à custa do prejuízo alheio.

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

APELO À PAZ NO MÉDIO ORIENTE

Segundo noticiou ontem a TSF, mais de uma centena de personalidades mundiais subscreveram um documento publicado no FINANTIAL TIMES apelando a uma rápida resolução do conflito no Médio Oriente.

Mesmo na ausência do texto, que procurei sem sucesso, parece-me justificar-se alguma reflexão sobre o conteúdo daquela notícia, a começar pela pouca precisão do termo «conflito no Médio Oriente». Quererão os subscritores do documento, entre os quais se contam o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter, o antigo primeiro-ministro britânico John Major, o ex-líder soviético Mikhail Gorbachov, o antigo secretário-geral da ONU Boutros-Ghali, o Dalai Lama, o bispo sul-africano Desmond Tutu, oito galardoados com o Prémio Nobel da Paz e os ex-presidentes portugueses Mário Soares e Jorge Sampaio, ver cessar toda a actividade bélica que assola aquela região – desde o infindável conflito israelo-palestiniano até ao recentemente criado com a injustificável invasão americana do Iraque?

Da forma como a TSF desenvolve a notícia parece que a preocupação dos autores do documento é, fundamentalmente, a do conflito que tem oposto Israel aos palestinianos; tanto mais que o apelo à urgência da acção internacional parece muito ligada à situação que se vive nos territórios palestinianos e à importância que esta terá na proliferação de ideias extremistas, quando refere de forma explícita a ligação destas com o fenómeno do chamado «terrorismo islâmico».

Como proposta deixam a ideia da rápida realização «de uma conferência internacional, com a participação dos actores mais importantes do conflito do Médio Oriente para pôr em marcha negociações detalhadas sobre um acordo de paz global» que permita alcançar a «segurança e o reconhecimento pleno do Estado de Israel, com fronteiras reconhecidas, o fim da ocupação do território palestino, com a criação de um estado soberano, independente e viável, e a devolução à Síria do território perdido».

Além do pedido para que seja posto fim ao boicote financeiro que americanos e europeus têm imposto à Autoridade Palestiniana desde que o Hamas (grupo que consideram «terrorista») ganhou as últimas eleições legislativas na Palestina, pouco mais de verdadeiramente novo parece conter o documento.

Que o conflito originado pela instalação do Estado de Israel na Palestina (como se de um território abandonado se tratasse) se arrasta à demasiado tempo, ninguém tem dúvida!

Que o fim das hostilidades (sejam elas mais evidente ou mais latentes) não tem passado de uma quimera, também ninguém duvida!

Que a solução deveria passar por um processo negocial, todos estamos de acordo!

Bom… todos talvez não! Pelo menos a avaliar pela forma como as sucessivas administrações americanas foram tratando a questão. Desde as mais favoráveis a processos negociais que conduzissem a concessões de ambas as partes, às abertamente favoráveis à supremacia israelita sobre os palestinianos, todas conduziram o processo por forma a responder primeiro aos interesses judaicos, depois as seus próprios interesses e por fim (mas muito por fim…) aos interesses árabes e palestinianos.

Assim, a realização de uma conferência internacional, além de ser um manifestado atestado de incapacidade à ONU, dificilmente poderá resolver de forma eficaz o conflito se os seus participantes persistirem nas posições que se lhes conhecem.

O sucesso da proposta depende da conjugação de múltiplos factores e da alteração de muitas mentalidades, o que não ocorrerá de forma instantânea, tanto mais que muitas daquelas condições vão variando ao longo do tempo.

De forma parcelar poder-se-ia dizer que:
  • enquanto os EUA puserem os interesses económico-financeiros e energéticos das grandes empresas acima dos interesses globais da comunidade internacional – a paz – as hipóteses de sucesso serão nulas;
  • se os israelitas continuarem a rejeitar a hipótese de um acordo estável, seja pela persistência de continuarem a sentir-se rodeados de «inimigos» (como se até hoje tivessem feito algo para passarem a vê-los apenas como seres humanos), seja por colocarem os seus mitos religiosos (a proclamação como povo eleito e o princípio do Grande Israel) acima da realidade, a reunião agora sugerida de nada servirá;
  • quando os povos da Palestina e da generalidade dos Estados Árabes entenderem que poderão tirar vantagens do reconhecimento do Estado de Israel e do fim de um clima de conflito, situação que aumentará a necessidade dos diversos governos implementarem internamente novas políticas económicas e sociais, estarão criadas as condições para iniciar um verdadeiro processo para pacificar o Médio Oriente;

até lá, parece-me muito mais eficaz a tentativa de formação de um movimento da opinião pública internacional que pressione todos os intervenientes mais directos no sentido de os “forçar” a assumir novas políticas e novas posturas face ao conflito.

Como ficou demonstrado em diferentes ocasiões, a vontade de milhões de cidadãos espalhados um pouco por todo o Mundo poderá revelar-se bem mais eficaz para a resolução deste diferendo, tanto mais que o problema do Médio Oriente não se limita à questão palestiniana.
Esta tem sido um puro joguete dos interesses envolvidos na região e raramente uma preocupação assumida por árabes e ocidentais. Desde a declaração unilateral da independência de Israel, em 1948, que se sucederam os conflitos abertos com os vizinhos estados árabes, sem que efectivamente tivesse estado em causa os interesses das populações palestinianas.

Atendendo à estratégia israelita de crescente isolamento das populações palestinianas, que da criação de áreas reservadas (autênticos “bantustões”) e da imposição de medidas restritivas à circulação das populações passou à construção de muros de betão para garantir um ainda maior isolamento (sempre sob a alegação de que se tratam se simples medidas de protecção e defesa, como se um estado militar necessitasse de alguma forma especial de protecção contra pessoas armadas de pedras) e a progressiva transformação dos territórios palestinianos em meras prisões a céu aberto.

Como seria de esperar a cada nova medida repressiva os palestinianos têm vindo a responder com as “armas“ possíveis (mesmo as mais condenáveis como os atentados suicidas). Após a fase de euforia que se seguiu aos Acordos de Oslo e à constituição da Autoridade Palestiniana sob a liderança de Yasser Arafat, a realidade das insuficientes condições para o desenvolvimento dos territórios palestinianos (sufocados pelas restrições de todo o género colocadas pelos governos israelitas que controlam as fronteiras e o espaço aéreo) tem vindo a traduzir-se em novas vagas de insurreições e no aumento da repressão israelita.

Com a morte de Arafat (que melhor ou pior era aceite como pólo aglutinador pelos palestinianos) e as constantes manobras israelitas para dividir a Autoridade Palestiniana, de que a pressão para a criação de uma direcção bicéfala foi o primeiro passo e agora serve de meio de pressão sobre o governo eleito pela maioria palestiniana, Israel tem conseguido “manobrar” as divisões internas palestinianas a ponto de nos últimos dias estarem a crescer os conflitos entre simpatizantes da OLP e do Hamas.

O facto destes dois grupos personificarem posturas diversas (um de raiz mais moderada e laica, o outro de natureza religiosa e mais radical) traduz bem a real dimensão dos diferendos internos no Médio Oriente, região onde cada vez mais as correntes radicais islâmicas recolhem apoiantes e às quais a política belicista norte americana mais não tem feito que fornecer argumentos cada vez mais poderosos.

Assim, com as recentes invasões do Afeganistão e do Iraque e as constantes ameaças ao Irão e à Síria, a questão da solução para a paz no Médio Oriente não pode mais ser entendida como a resolução da questão palestiniana; não que esta tenha deixado de ser fundamental (tanto mais quanto as condições de vida das respectivas populações se estão a degradar de dia para dia) mas porque se tornou mais vasta e complexa quando de uma simples questão de natureza territorial foi progressivamente transformada numa questão energética (o controlo das fontes e reservas de hidrocarbonetos e das redes de distribuição), numa questão nuclear (várias têm sido as tentativas para alguns estados árabes acederem a essa tecnologia, a mais recente das quais é a do Irão) e agora, por via da inépcia de George W Bush e da sua equipa de conselheiros, numa questão civilizacional.

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

GANDHI

Passando hoje mais um aniversário do seu nascimento (o 137º), nada mais oportuno que lembrar aqui uma das maiores figuras mundiais e das que seguramente marcaram o seu tempo e as gerações que lhe sucederam.

Refiro-me a Mohandas Karamchand Gandhi, que viria a ficar conhecido como Mahatma (Grande Alma) Gandhi e indissociavelmente associado ao princípio da não-violência e à independência da Índia. Além de grande divulgador e praticante convicto de formas não violentas de protesto foi igualmente marcante o seu papel de inspirador de outros activistas anti-racistas e defensores dos direitos humanos como Martin Luther King e Nelson Mandela.

Ligado desde muito cedo aos movimentos dos direitos dos oprimidos, iniciou o seu processo de activista na África do Sul lutando contra o sistema de “apartheid”, após a I Guerra Mundial viria a engrossar a longa lista dos opositores à colonização inglesa da Índia. Diversas vezes preso, nunca abdicou da defesa dos seus princípios de não-violência e muito contribuiu para a formação e crescimento de um sentimento independentista entre os seus compatriotas.

Lançou diversas formas de luta de oposição do governo imperial de Sua Majestade Britânica e aos seus representantes locais, organizando movimentos de contestação baseados em princípios não violentos mas profundamente apontados aos interesses económicos da potência colonial.

Uma das suas primeiras iniciativas de sucesso foi o lançamento de uma campanha contra a utilização de produtos britânicos que soube conduzir de forma a integrar no movimento de protesto as próprias mulheres (até então pouco tidas como influentes em qualquer processo de natureza política) quando conseguiu generalizar a ideia de que todos os indianos deveriam usar o “khadi” (pano simples de linho fiado manualmente) em vez de comprarem os produtos têxteis britânicos. Inúmeras são as fotografias e registos cinematográficos em que Gandhi fez questão de aparecer usando a roca, o fuso e o tear manual para produzir as únicas roupas que passou a usar.

Outra das suas célebres iniciativas foi a Marcha do Sal, quando entre Março e Abril de 1930 Gandhi iniciou uma marcha em direcção ao mar a fim de proceder à recolha do seu próprio sal, como forma de protesto contra um imposto lançado pelos ingleses sobre aquele produto. Arrastando consigo milhares de indianos transformou esse movimento em mais um importante acto de contestação e de não-cooperação com a potência ocupante e aumentou a visibilidade internacional da luta pela independência da Índia.

Esta viria a ser alcançada em 1947, não sem antes se terem repetido os movimentos de contestação e uma importante campanha organizada durante a II Guerra Mundial que originaria milhares de prisões (entre elas mais outra do próprio Gandhi).

Contrariamente ao que seria de supor, a luta de Gandhi não terminou com a conquista da independência, apenas conheceu um novo rumo. Garantida a partida dos ingleses a sua causa principal passou a ser a da união entre hindus e muçulmanos algo que nunca veria concretizado e que acabou por estar na origem do seu assassinato por um extremista hindu.

Gandhi liderou o seu povo à independência face à Inglaterra mediante o recurso a formas não violentas de contestação, principalmente negando aos ingleses todas as formas possíveis de cooperação entre colonialistas e colonizados e logrou isto sempre dentro do respeito da figura humana e dos princípios da não-violência.

Se por mais não fosse, o seu determinante contributo para a demonstração da eficácia de acções não-violentas como forma de manifestação de protesto e conquista de direitos seria razão suficiente para que o seu nome e os seus ensinamentos passem a constituir pedra fundamental na evolução da humanidade e farol guia da actuação da mesma.

domingo, 1 de outubro de 2006

DIA MUNDIAL DA MÚSICA

Mais do que recordar aqui a efeméride, quero deixar a memória do que há uns anos, não muitos, acontecia em Almeirim nesta data, quando as duas associações locais objectivamente ligadas pelo seu gosto pela música organizavam um concerto em conjunto.

Nessa época o orfeão e a filarmónica local costumavam marcar o Dia Mundial da Música com um concerto onde, apresentando géneros musicais distintos, partilhavam o seu trabalho e ofereciam aos seus espectadores mais do que um concerto invulgar, uma atitude de cooperação.

Como os Homens daquele tempo ainda não morreram aqui fica a ideia para a sua repetição.

QUANDO OS “THINK TANK” COLIDEM…

Na área económica e empresarial a notícia da semana foi a publicação do relatório do Clube de Davos (WORLD ECONOMIC FORUM) sobre a competitividade das economias mundiais.

Com a novidade de colocar a Suíça no primeiro lugar do “ranking” (conquistado graças a uma elevada capacidade de inovação, uma boa infra-estrutura de investigação científica caracterizada pela colaboração entre centros de produção de conhecimento e a indústria, investimento na investigação e desenvolvimento e a existência de sistemas institucionais e jurídicos eficientes a par de um regime laboral flexível), de relegar os EUA para a sexta posição (consequência dos sucessivos deficits que nem um ambiente propício aos negócios, nem a eficiência dos seus mercados, nem a existência de grandes centros de desenvolvimento conseguiu evitar), coloca entre estes três economias europeias – Finlândia, Suécia e Dinamarca – e Singapura. Os países nórdicos, reconhecidos pelos níveis excedentários dos seus orçamentos e níveis reduzidos de endividamento, beneficiaram ainda de investimentos generalizados na educação, nas infraestruturas e num vasto conjunto de serviços sociais possibilitados por prudentes políticas fiscais.

No relatório, Portugal surge classificado no 34º lugar (menos três que na edição anterior) e isto num momento em que no nosso país ainda ressoam os ecos das recomendações do
Compromisso Portugal.

Analisando em maior detalhe a avaliação da competitividade nacional constata-se que os pontos mais negativos foram o da avaliação do desempenho macroeconómico (baixo crescimento e os défices público e externo) e o da sofisticação no negócio, enquanto os mais positivos foram os desempenhos ao nível da saúde e da educação.

Mesmo tomando as conclusões do WORLD ECONOMIC FORUM com as devidas precauções, ninguém poderá deixar de constatar que os principais problemas apontados à nossa economia resultam da esfera privada e não da acção do Estado, como se poderia concluir da análise dos mentores daquele “think tank” nacional. Como muito bem chamou a atenção Helena Garrido no
editorial do DIÁRIO DE NOTÍCIAS do passado dia 27, «(s)e a reestruturação do Estado for conseguida, o sector privado passa a ser o grande problema do País, aquele que contribui também para o fraco crescimento e o défice externo».

Este trabalho veio trazer para o debate algum realismo, com o importante peso de não ser da autoria de ninguém que liberais ou neoliberais possam considerar suspeito, e revelar (se preciso fosse) que contrariamente ao que é comum ouvir-se é às empresas e aos empresários que compete o papel de gestão e desenvolvimento dos respectivos negócios e o investimento nas áreas de investigação e desenvolvimento a eles associados. O «menos Estado, melhor Estado» tão apregoado deveria ser substituído por «mais Empresas, melhores Empresários».

Esta realidade, que de forma mais ou menos sistemática tem sido escamoteada à generalidade da população portuguesa, é a mesma que habilidosamente tem servido para fundamentar a aplicação de políticas orçamentais restritivas que se fazem sentir (e de que maneira) no rendimento das famílias.

Enquanto o Estado persiste no lançamento de grandes investimentos ditos estruturantes e envoltos em grande polémica (novo aeroporto, TGV, etc.) os empresários nacionais (grandes empresas) continuam a “apostar” em sectores de actividade com baixo valor acrescentado e a praticar políticas de gestão meramente orientadas para os benefícios fiscais; no seu conjunto, grandes e pequenos empresários, insistem em culpabilizar a rigidez da legislação laboral pelos custos da mão-de-obra mal qualificada (mas à qual recusam os meios para a qualificação) que empregam, os trabalhadores pela baixa produtividade dos equipamentos tecnologicamente ultrapassados em que investiram (enquanto apelam e esperam pelos subsídios públicos para a modernização da sua empresa).
Em resumo, três décadas após o final do estado corporativo e da lei do condicionamento industrial, o nosso país ainda não conseguiu produzir um número mínimo de empresários adaptados aos novos tempos, capazes de investirem no desenvolvimento das suas empresas (e do seu país) porque no essencial todos eles ambicionam o sucesso (e o rendimento) dos grandes negócios sem o risco a eles associados e sob a protecção tutelar de um Estado que querem liberal para com os restantes factores produtivos; numa palavra: os nossos empresários mantêm intacta a mentalidade “salazarenta” dos tempos do Estado Novo.