sábado, 31 de dezembro de 2005

FELIZ ANO NOVO

Para todos os que ao longo deste ano foram tendo a gentileza e a paciência para me acompanharem e comentarem, por escrito ou de viva voz, os “posts” que fui produzindo, quero deixar aqui o meu reconhecimento e o voto que o próximo ano se revele melhor que o que agora se encerra.
Com a acção de todos nós poderemos contribuir para que tal seja uma realidade.

FACTOS INTERNACIONAIS DE 2005

Não sendo propriamente um facto parece-me inegável que o maior destaque da cena internacional deve ser dado à actuação da administração norte americana. Infelizmente pela mais negativa das razões – a manutenção da situação de ocupação do Iraque – a par com a mais vergonhosa das actuações a nível político e diplomático. Ao longo do ano foram-se sucedendo os episódios que culminaram com a revelação da prática de torturas em prisões secretas e do transporte “ilegal” de prisioneiros. Neste capítulo deve igualmente ser destacado o cinismo dos governos envolvidos no processo (aqueles cujos territórios e espaços aéreos foram utilizados) ao afirmarem desconhecer uma situação, cuja gravidade resulta, fundamentalmente do total desrespeito do direito internacional e dos tão apregoados (quando convém) direitos do homem.

Esta questão está fundamentalmente associada ao que a administração Bush tem designado por “guerra contra o terror”, iniciada após o atentado de 11 de Setembro de 2001, à actuação da Al-Qaeda e a tudo o que estes têm servido para justificar. A pretexto de da tal “guerra” a administração americana já procedeu à ocupação de dois países muçulmanos (um deles à revelia da ONU), continuando por esta via a fornecer argumentos aos movimentos islâmicos mais extremistas para manterem um clima de conflito mais ou menos aberto. Em nome da defesa de princípios mais ou menos religiosos centenas de muçulmanos têm vindo a realizar actos terroristas um pouco por todo o mundo, sendo de destacar pelo seu impacto mediático a acção desencadeada em Londres, no dia 7 de Julho, que, à semelhança da realizada no dia 11 de Março de 2004 em Madrid, teve como alvo a rede local de transportes públicos.

A par com a instável situação no Afeganistão, onde já se conseguiu realizar a primeira reunião de uma assembleia eleita, mas onde o governo pró-ocidental liderado por Hamid Karzai continua circunscrito à reduzida área, bem guardada pelos soldados ocidentais, de Cabul, enquanto no resto do território o poder é exercido pelos antigos “senhores da guerra”, por ex-líderes comunistas e pelos grupos “mujhaedin” e “taliban” que vão recuperando posições enquanto os camponeses locais continuam a produzir quantidades crescentes de ópio.

No Iraque registaram-se ao longo do ano três processos eleitorais (o primeiro para uma assembleia constituinte, o segundo para referendar a constituição e o terceiro para a assembleia legislativa) que registaram sucessos distintos mas sempre reveladores das profundas divisões internas entre os três principais grupos (xiitas, sunitas e curdos) e sem conseguirem afastar a forte probabilidade do eclodir de uma guerra civil.

Ainda no Médio Oriente continua por resolver a questão palestiniana, apesar da retirada israelita da faixa de Gaza (um dos territórios ocupados) e de algumas tentativas para o desenvolvimento do processo de paz, este tem conhecido avanços e recuos muitas das vezes influenciados pela política interna das partes, mas não poucas por “ondas de choque” originadas numa região que há gerações não conhece outro clima que não o do confronto.

A nível europeu é de registar o insucesso que rodeou o referendo de uma nova constituição europeia, as dificuldades para a aprovação de um orçamento para os próximos sete anos (que apesar do acordo alcançado na última cimeira de chefes de governo ainda não foi ratificado por um parlamento que teceu duras críticas à proposta aprovada), as dificuldades que se fazem sentir em torno do processo de alargamento a 25 estados e, fundamentalmente, o clima de crise económica que continua a afectar o conjunto dos estados membros.

Ainda na Europa merece referência, devendo ter cuidada atenção, a agitação social registada em França e que colocou à vista os muitos problemas por resolver no capítulo da integração social das comunidades de emigrantes (fenómeno já evidenciado pelo facto dos atentados de Londres terem sido praticados por emigrantes muçulmanos de 2ª e 3ª geração) agravados pelas actuais políticas económicas de conteúdo neo-liberal.

No geral, nos países subdesenvolvidos do continente asiático e africano continuou-se a morrer por falta de alimentos, água potável e cuidados médicos que minimizem os efeitos de muitas doenças de natureza epidémica. Nesse capítulo, 2005 conheceu o aparecimento da chamada “gripe das aves” que apesar do número ainda reduzido de baixas humanas, constitui uma séria ameaça que 2006 poderá vir a confirmar.

A nível das mudanças políticas registe-se a eleição de uma mulher do partido conservador alemão para a respectiva chancelaria, a recente eleição de Evo Morales como presidente da Bolívia (o destaque justifica-se por se tratar de um antigo dirigente do sindicato dos produtores de folha de coca e representar mais um presidente que se opõe à política norte americana para o continente sul americano) e a eleição de um novo Papa, processo ultra rápido (cerca de 48 horas) que conduziu à nomeação de um cardeal alemão (Ratzinger), até então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (designação que sucedeu à de Santo Ofício, ou mais popularmente Inquisição), e sobre o qual surgiram recentemente notícias acerca de forma como foi manobrada a sua eleição.

Para resumir o ano de 2005 não podia ficar de fora a sucessão de fenómenos naturais que assolaram o planeta. Embora ocorrido a escassos 7 dias do final do ano de 2004, o tsunami que assolou o sudoeste asiático e as costas orientais de África, teve com mais de 200 mil mortos os seus efeitos reflectidos neste ano. A este fenómeno seguiram-se os furacões que atingiram as costas americanas do Atlântico Norte, principalmente o Rita e o Katrina que provocaram mais de um milhar de mortos, outros tantos desalojados e a quase completa destruição de New Orleans. Igualmente fatídico foi o sismo que atingiu o Paquistão em Outubro e que terá provocado cerca de 100 mil mortos. Embora originados por causas naturais, movimentos ecologistas apontaram o efeito de estufa como causa para o aumento do número e intensidade dos furacões que anualmente se registam no Atlântico Norte.

Se estes fenómenos são impossíveis de evitar, lamentando-se o número elevadíssimo de mortos, já outros são apenas entendíveis pela irracionalidade das decisões dos líderes mundiais, aos quais não pode bastar virem mais tarde reconhecer a tomada de decisões baseadas em informações erradas, porque os estragos humanos e materiais já estão feitos e, pior, a confiança já está abalada.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

FACTOS NACIONAIS DE 2005

Independentemente da posição política de cada um dos portugueses, estou em crer que as eleições legislativas realizadas no início do ano foram o acontecimento político de 2005.

Após um período de instabilidade resultante da muito condenável opção de Durão Barroso em trocar a presidência do conselho de ministros pela da comissão europeia (nomeação que resultou de uma quarta ou quinta escolha e que o parlamento europeu quase ia inviabilizando) que foi gerido como possível pelo primeiro-ministro substituto indigitado pelo PSD (Santana Lopes), sujeito ao fogo cruzado das oposições socialista e comunista e de parte não desprezível do seu próprio segmento político que em dado momento o Presidente Jorge Sampaio entendeu destituir (por manifesta incapacidade governativa e ausência de base de sustentação política e popular), decidiram os eleitores atribuir uma clara maioria parlamentar ao PS.

A maioria alcançada nas eleições de 20 de Fevereiro foi um dos factos políticos marcantes, a par com os resultados noutro escrutínio. Estou-me a referir à eleição de um conjunto de candidatos autárquicos envolvidos em processos judiciais resultantes de ilícitos cometidos precisamente no exercício de funções autárquicas e públicas. A eleição de personagens como Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro, Isaltino Morais e Ferreira Torres, marcou, pela negativa, o ano que agora se encerra.

No campo económico destaca-se o aumento do IVA decidido pelo governo de José Sócrates, contrariando as promessas eleitorais que o próprio fizera e cujos efeitos negativos para o crescimento económico ainda não pararam de se fazer sentir. Esta medida, orientada para um rápido preenchimento do déficit orçamental, está a contribuir de forma contínua para a redução da competitividade das nossas empresas (o processo de reembolso do IVA às empresas continua a ser moroso e o crescimento dos montantes envolvidos contribui de forma significativa para o agravamento das respectivas tesourarias) e para o aumento da “fuga” do consumo para a vizinha Espanha, onde o IVA se situa 5 pontos abaixo do português.

No capítulo da actuação do Estado, nomeadamente na tentativa de dinamização de uma economia com evidentes sinais de estagnação, merecem destaque os anunciados projectos de investimento no novo aeroporto da Ota e no TGV. Investimentos orçados em mais de 10 mil milhões de euros, sem que até esta data tenham sido esclarecidas questões como a inevitabilidade da construção de um novo aeroporto na Ota e a necessidade de uma ligação Lisboa - Porto pelo TGV, nem a forma como vão ser efectivamente financiados (falar na comparticipação de fundos europeus, na existência de parcerias com empresas privadas e na negociação da exploração de aeroportos e linhas ferroviárias por empresas privadas, é insuficiente para que todos entendamos qual vai ser o custo real destes investimentos).

Em resumo poder-se-ia fazer um balanço do ano em muito poucas palavras – mudança política de governo com manutenção de velhas práticas (procura de equilíbrios orçamentais à custa da subida de impostos de fácil cobrança e lançamento de novos projectos estruturantes – como antes o foram o Centro Cultural de Belém, a Expo98, a Ponte Vasco da Gama e os estádios de futebol para o Euro 2004 – aos quais a maioria da população reconhece poucas ou nenhumas vantagens, num país que continua a debater-se com profundas assimetrias regionais que vêm ditando uma crescente desertificação do interior, baixo crescimento económico, baixo nível de formação académica e profissional da sua população activa, envelhecimento acelerado da população e um crescente descrédito dos actores políticos cujas estruturas organizativas (partidos) se revelam incapazes de proceder ao rejuvenescimento e à modernização de quadros e mentalidades.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

A PROPÓSITO DA NEGOCIAÇÃO SALARIAL

Com o aproximar do final do ano e a abertura do processo de negociação salarial para a função pública o tema dos aumentos salariais está a ganhar honra de tema principal, nos meios de comunicação e nas conversas do dia a dia.

A posição de irredutibilidade do governo, que fixou o aumento da função em 1,5%, para além de se poder tornar num foco de instabilidade laboral e social está também a ser alvo de comentários de todas as naturezas. Desde os sindicatos e trabalhadores, que consideram o valor excessivamente baixo (aqueles tinham avançado com valores desejados entre os 3,5% e os 5,5%), até às confederações patronais todos vão revelando o seu contentamento ou descontentamento.

Os sindicatos da função pública pretendem que o governo reveja a sua posição, argumentando que nos últimos sete anos têm vindo a perder poder de compra, ou seja que os salários têm aumentado cerca de menos 5% que a inflação registada (recorde-se que em 2003 e 2004 os salários dos funcionários públicos foram congelados).

As associações patronais, como seria de esperar, já começaram a classificar a decisão governativa de justa e equilibrada e a anunciar que será difícil negociar aumentos superiores.

Nesta delicada matéria todas as partes têm razão. O Estado não terá condições para proceder a aumentos superiores devido à limitação imposta pela necessidade de redução do déficit público; os trabalhadores queixam-se que há anos vêm a receber aumentos inferiores à inflação e os empresários aproveitam a “embalagem” para reduzir os encargos salariais alegando que os aumentos dos custos produtivos (mercadorias, matérias-primas, energia, combustíveis) não param de aumentar.

Se Estado e empresários equilibrarem orçamento e resultados por via da redução real dos salários; se a economia portuguesa continuar a encontrar grandes dificuldades de crescimento por via do aumento das exportações (algo perfeitamente normal atendendo à reduzida componente tecnológica e de inovação que estas integram), a procura interna (consumo de bens e serviços) vai registar nova redução induzida pela quebra do poder de compra dos trabalhadores e nem um novo aumento do IVA deverá proporcionar ao Estado o rendimento indispensável ao equilíbrio orçamental.

Recordo isto a propósito das declarações do ministro das finanças, Teixeira dos Santos, que definiu uma situação de coexistência entre aumento dos salários reais e a manutenção do emprego na função pública como a quadratura do círculo, para justificar a sua política de contenção salarial (que porque particularmente atractiva já se está a estender ao sector privado), esquecendo (ou fingindo esquecer) que o fraco motor da economia nacional tem sido a procura interna (principalmente o consumo das famílias) que nos últimos anos não tem sido poupada a sacrifícios em nome de políticas orçamentais e económicas privilegiadoras de um crescimento que tarda em concretizar-se.

Uma vez mais torna-se evidente que independentemente do partido (ou partidos) no governo, dos bonitos discursos e declarações de intenções em campanhas eleitorais (ou fora delas), o que grande parte dos empresários nacionais nunca desperdiça é a oportunidade de embolsar uns subsídios e a de reduzir os encargos salariais como formas expeditas de aumentar os seus rendimentos, mesmo que à custa do conjunto da economia nacional.

É óbvio que os empresários não têm que ser mais patriotas (nem beneméritos) que os trabalhadores que empregam, mas não podem ser ao longo de anos a fio os eternos vencedores no processo “negocial” de formação do preço da mão-de-obra e ainda menos eternos beneficiários individuais a expensas da larga maioria da população nacional.

Se o estado da economia nacional exige sacrifícios, estes não têm que ser suportados sempre pelo mesmo segmento da população. Quando vemos continuarem a crescer os lucros do sector financeiro, a manterem-se reduzidas as receitas públicas, a manter-se “a dança” dos assessores ministeriais e dos administradores públicos e as elevadas benesses associadas ao exercício de cargos políticos, a predisposição para entender e aceitar constantes sacrifícios vai-se reduzindo a ponto de sentirmos desejo de ouvir algum político responsável (Presidente da República ou Primeiro-Ministro) anunciar como Evo Morales, o recém eleito Presidente da Bolívia, a redução de 50% no seu futuro vencimento e no dos ministros e parlamentares.

A redistribuição da riqueza não pode ser apenas uma questão de natureza teórica, nem abandonada a iniciativas de solidariedade mais ou menos social, mas antes um processo de edificação de uma sociedade mais equilibrada (económica e culturalmente falando), na qual o Estado tem que ter um papel determinante. A este compete assegurar a existência dos mecanismos de redistribuição (política social) e, principalmente, assegurar o equilíbrio de forças entre os dois lados do mercado de trabalho e enviando sinais claros aos agentes económicos sobre essa mesma política económica e social.

Apenas uma população económica e culturalmente mais equilibrada será capaz de enfrentar os desafios da modernização e da globalização por forma a não ficarmos confinados a produzirmos aquilo que os parceiros mais desenvolvidos (da Comunidade Europeia e não só) já não aceitam produzir nos seus territórios (a propósito já alguém se interrogou sobre quanto vai custar a instalação da refinaria de Monteiro de Barros, num futuro próximo, em direitos de poluição?).

quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

PASSOS SIGNIFICATIVOS NA AUTONOMIZAÇÃO EUROPEIA

Com o lançamento esta madrugada de uma nave Soyouz destinada a colocar em órbita o primeiro de dois satélites europeus geoestacionários para a realização de testes com vista ao posterior lançamento de uma rede de satélites, a Comunidade Europeia deu início a um novo programa técnico-científico. Este programa que recebeu o nome GALILEU, permitirá a entrada em funcionamento de um sistema europeu de localização por satélite, concorrente do americano GPS e do russo Glonass.

O satélite agora lançado do cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão, por intermédio de um foguetão russo da linha Soyouz, denominado GIOVE-A (acrónimo de “Galileo In Orbit Validation Element”), deverá permitir a instalação a prazo (o ano alvo é 2008) de um sistema de localização mais preciso que os actualmente existentes, mas sobretudo orientado para a utilização civil, já que os congéneres GPS e Glonass são projectos com menor grau de precisão e de âmbito militar, logo sujeitos a empastelamentos (distorção propositada do sinal) em períodos de crise político-militar.

Este projecto europeu congrega esforços da Comissão Europeia e da Agência Espacial Europeia está orçado em 3,8 mil milhões de euros e deverá, quando do seu funcionamento em pleno que se perspectiva para 2010, integrar uma rede de 30 satélites (27 operacionais e 3 de reserva) e passar a ser explorado por um consórcio de capitais mistos. Actualmente participam nele além dos países da Comunidade Europeia, outros como a China, Israel e Austrália.

Para além da importância científica de que se reveste o projecto (o satélite hoje colocado em órbita está equipado com o mais moderno e preciso relógio nuclear até hoje construído) é de destacar a sua relevância enquanto sistema alternativo - até pela sua vertente eminentemente comercial – aos sistemas de localização por satélite actualmente disponíveis, que apresentam as limitações já referidas.

Não menos importante é o facto do projecto GALILEU constituir uma plataforma de investigação numa área onde até agora os Estados Unidos da América têm dominado e que congrega esforços de várias nações (europeias e de outros continentes). Por exemplo neste momento é a Rússia que está a assegurar o transporte e colocação em órbita dos satélites e encontra-se em negociação a utilização da sua experiência com o seu sistema Glonass.

Com fortes implicações na actividade comercial, nomeadamente no campo da gestão de tráfego aéreo, marítimo e, num futuro próximo, automóvel, a Europa está a caminhar a passos seguros para a independência num domínio particularmente estratégico.

JORNAL DE NOTÍCIAS CONFIRMA QUE CAVACO MENTIU À RTP-1

Conforme aqui expliquei ontem, o JORNAL DE NOTÍCIAS veio hoje confirmar o teor e conteúdo da entrevista com Cavaco Silva publicada na edição anterior.

Lendo a nota hoje publicada sob o título «As palavras que geraram polémica» não resta qualquer dúvida que Cavaco Silva, de forma desajeitada procurou minimizar a gafe que cometera mentindo perante as câmaras da RTP-1.

terça-feira, 27 de dezembro de 2005

CAVACO MENTIU !

É verdade, o candidato à Presidência da República apoiado pelo PSD e pelo CDS-PP, declarou hoje aos microfones da RTP-1 que na entrevista que dera ao JORNAL DE NOTÍCIAS apenas “sugerira” a hipótese de criação de uma Secretaria de Estado especialmente dedicada ao acompanhamento das empresas estrangeiras em Portugal.

Para quem não tenha lido a entrevista pode ficar a dúvida. Porém, para quem a leu, como eu, não resta qualquer dúvida: CAVACO MENTIU!

A mentira só não se confirmaria caso as jornalistas que conduziram a entrevista tivessem escrito o que o candidato não disse, situação em que de pronto este ou seu porta-voz já teriam vindo contestar o respectivo trabalho. Assim, Cavaco Silva disse o que o jornal publicou e que agora, confrontado com o erro optou por mentir para se eximir à respectiva responsabilidade.

Para confirmar o que afirmo leiam a
entrevista que Cavaco Silva deu àquele jornal, da qual aqui deixo o excerto em questão:

«Problema grave é o da deslocalização de empresas estrangeiras. Nessa matéria, o presidente pode ajudar?
Há uma coisa que pode ser feita em Portugal, que eu sei que já foi feita noutros países. Podia existir um responsável do Governo que fizesse a lista de todas as empresas estrangeiras em Portugal e, de vez em quando, fosse falar com cada uma delas para tentar indagar sobre problemas com que se deparam e para antecipar algum desejo dessas empresas se irem embora, para assim o Governo tentar ajudá-las a inverter essas motivações. Tem de ser um acompanhamento com algum pormenor que deveria ser feito por um secretário de Estado especialmente dedicado a essa tarefa.

Vai propor isso ao Governo?
Já o estou a propor aqui.»

e tão seguramente o disse que de imediato o confirmou na resposta à questão seguinte:

«Onde é que isso foi feito?
Na Áustria, em relação a empresas que queriam mudar para outras paragens. Mas também noutros países, tenho a lista completa. Por outro lado, o investimento estrangeiro em Portugal está muito bloqueado. O presidente não pode fazer alguma coisa para ajudar a desbloquear? Se ajudar a aumentar o clima de confiança já faz alguma coisa. Esta é a fase em que Portugal devia concentrar o investimento estrangeiro nas chamadas médias empresas e internacionalizar

DESTA VEZ CAVACO DISSE O QUE PENSA!!!

A gravidade da afirmação do candidato (por manifesto desconhecimento dos poderes da função a que se candidata), não me espanta, o que me indigna de sobremaneira é a pretensão de fazer de todos nós parvos!

OU SERÁ QUE CAVACO TEM A ARROGÂNCIA DE ACHAR QUE POUCA GENTE LÊ JORNAIS NESTE PAÍS E QUE OS QUE O FAZEM NÃO SABEM INTERPRETAR O QUE NELES ESTÁ ESCRITO?

AS ESTATÍSTICAS E A “REALIDADE”

No mesmo dia em que são conhecidas as verbas levantadas nas máquinas MULTIBANCO e as das compras efectuadas nas lojas pela mesma via (de acordo com os dados fornecidos pela SIBS, entidade que gere aquele sistema de pagamentos), constatando-se que os portugueses gastaram nesta quadra 3,7 mil milhões de euros, veio o INE (Instituto Nacional de Estatística) revelar que o endividamento das famílias portuguesas atingiu os 118% do rendimento disponível.

Para se ter bem noção do significado deste número refira-se que o Banco de França, num relatório ontem publicado vem chamar a atenção de forma muito enfática para o facto de idêntico indicador naquele país ter atingido os 62% (pouco mais de metade do valor nacional), mas que aquele banco central entende muito preocupante.

Paralelamente com este crescimento constata-se que também o montante global de crédito à habitação em Portugal aumentou 11 por cento em 2004, bem como o número de viagens de residentes em Portugal para o estrangeiro em férias e lazer, que aumentou cerca de 50%, no mesmo ano.

Este conjunto de indicadores espelha a realidade normalmente descrita por muitos economistas nacionais sobre a economia portuguesa. De um modo geral diz-se que os cidadãos nacionais vivem acima das suas posses, facto comprovado pelo elevado nível de endividamento, que persistem nesta estratégia consumista (o indicador tem crescido de forma regular nos últimos anos) e, pior, a utilizam para financiamentos de luxo ou supérfluos (como pode ser o caso do aumento do número de viagens para o estrangeiro).

Não pretendo contradizer a realidade dos números, nem aqueles que fazem da sua análise objecto de um trabalho contínuo e cuidado, mas estou em crer que talvez haja uma outra explicação para este fenómeno.

Se atentarmos no elevado valor movimentado através do sistema MULTIBANCO entre 1 e 24 de Dezembro deste ano (que para mais representa um acréscimo de 12% face ao período homólogo de 2004) surge-me a dúvida de como é que uma população que beneficiou de aumentos salariais ao longo de 2005 em média bem inferiores a 3%, sofreu, ao longo do mesmo período de uma inflação seguramente superior a esses mesmos 3%, ainda consegue aumentar o consumo naquela proporção. Será que o que explica este fenómeno é apenas o crescimento do endividamento?

E se parte dos 3,7 mil milhões de euros movimentados tiverem origem noutro “ponto” da nossa economia?

Onde? Naquele onde as relações de trabalho, de investimento, de financiamento e de fiscalidade não cumprem todas as regras do mercado – a chamada economia paralela – e que segundo os especialistas deverá rondar os 30% da economia real (pessoalmente não me espantaria se já fosse superior) e que tem apresentado taxas de crescimento exponenciais face ao crescimento do PIB nacional.

Como é sabido este indicador mede a riqueza (bens e serviços) produzidos em território nacional tomando por base os valores contabilizados pelos agentes económicos. Ora qualquer um de nós se confronta diariamente com pequenas transacções (às vezes não tão pequenas como isso) - como o café, tomado no balcão da pastelaria, o jornal, comprado na esquina da rua, aquela consulta médica, que só se conseguiu obter por se prescindir do respectivo recibo, a reparação do televisor ou da máquina de lavar, que um “tipo conhecido” nos resolveu, as compras que todos fazemos no “mercado da rua” porque os produtos são um pouco mais baratos, etc. etc.... – que por ausência de contabilização não contribuem para o produto final, mas cujo valor termina no “bolso” de alguém e livre de impostos.

Sem querer justificar o injustificável nível de endividamento das famílias portuguesas, em parte fruto de uma política governativa relativa à habitação que lhes impõe o endividamento, noutra fruto do baixo nível dos salários nacionais e culminando numa prática bancária laxista do ponto de vista do risco e imperiosa do ponto de vista do lucro, sempre gostava de ver estes mesmos resultados ponderados pelo peso da economia paralela, que neste país há muito deixou de ser um recurso de sobrevivência para passar a forma principal de actividade de muitos dos agentes económicos nacionais.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2005

REFLEXÃO SOBRE A ELEIÇÃO DA PERSONALIDADE DO ANO

Uma das notícias do dia foi a escolha de António Guterres como personalidade do ano 2005 pela Associação de Imprensa Estrangeira em Portugal.

Mais do que comentar a escolha (qualquer que ela fosse seria sempre do agrado de uns e do desagrado de outros), vem na perfeita sequência da escolha do ano anterior – Durão Barroso - por via da sua nomeação como presidente da Comissão Europeia. De acordo com aquela associação a escolha resultou do «...reconhecimento do prestígio internacional e do perfil humanista do ex-primeiro-ministro e ex-presidente da Internacional Socialista», mas parece-me ter esquecido que Guterres foi mais um dos ex-primeiros-ministros a abandonar o cargo que exercia.

Curiosamente os escolhidos nos dois últimos anos apresentam, para além do actual exercício de cargos no estrangeiro, precisamente essa característica “demissionista” que Cavaco Silva inaugurara em 1995 quando decidiu abandonar o governo e a liderança do PSD.

Em 2002, na sequência dos maus resultados do PS (partido que então liderava) em eleições autárquicas, Guterres decide também demitir-se. O seu sucessor, Durão Barroso (nomeado primeiro-ministro na sequência da vitória eleitoral do PSD e de uma aliança com o CDS-PP), viria a demitir-se em meados de 2004 para ir ocupar a presidência da Comissão Europeia.

Convenhamos que assistir, no período de 10 anos, a uma sucessão de cinco primeiros-ministros diferentes, tendo três destes abandonado o cargo, é algo de pouco usual e seguramente revelador do interesse e cuidado posto na gestão da “coisa pública” no nosso país.

Se a decisão de Cavaco Silva abandonar o governo e a direcção do partido quando se aproximavam eleições legislativas (assim se furtando ao voto popular da sua política) se aproxima de uma atitude de pura cobardia política, a de António Guterres (mesmo pretensamente justificada pelo desaire eleitoral autárquico) não foi mais que a utilização de um pretexto para sacudir responsabilidades para as quais não reuniria condições e a de Durão Barroso uma evidente sobreposição de interesses pessoais ao compromisso eleitoral a que voluntariamente de submetera.

Seguindo esta lógica interna e a da AIEP, mais ano menos ano o escolhido será Cavaco Silva, porque verificando-se a sua eleição presidencial é bem provável o seu abandono do cargo (quem já alimentou dois tabus – o do abandono do governo e o da candidatura a Belém – estará sempre pronto para alimentar um terceiro) para assumir (quem sabe?) o lugar de secretário-geral da ONU(ou outro igualmente prestigiante para o País).

Uma coisa é certa Portugal apresenta-se bem fornecido de políticos oportunistas, ou então todos estes têm conseguido alcançar os cargos mais altos da administração!

Será a nossa proverbial atracção pelo desconhecido (diz-se que foi ela a fomentadora das grandes viagens marítimas dos séculos XV e XVI), a irresistível pulsão pela glória, ou mais prosaicamente a habitual fuga em frente a ditar o vergonhoso comportamento de todos eles?

domingo, 25 de dezembro de 2005

MUROS

Vários foram os órgãos de comunicação que noticiaram a decisão israelita de facilitar o acesso a alguns dos lugares de culto católico mais procurados nesta época do ano, dando assim um sinal de normalidade na região.

É de assinalar a facilidade e a hipocrisia com que geralmente os regimes se preocupam em “dar sinais de normalidade”, precisamente quando o relacionamento é mais tenso e próximo do rebentar de conflitos.

Neste caso voltou a cumprir-se a regra, o regime israelita “facilitou” por uns dias aos peregrinos católicos o que impede à gerações aos palestinianos – a livre circulação e o direito à existência.

“Paz na terra aos homens”, embora saibamos bem que uns continuam a ser mais homens que outros…

sábado, 24 de dezembro de 2005

O MÉDIO ORIENTE E A POLÍTICA DE “DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS”

Nos últimos dias têm surgido várias notícias relativas ao ambiente no Iraque após as eleições realizadas no passado dia 15 de Dezembro.

Não que tenham terminado os atentados e os incidentes com tropas americanas e iraquianas, mas porque as informações sobre o andamento da contagem dos boletins de voto tem despoletado algumas reacções.

Entre as principais contam-se as dos partidos sunitas cuja contestação aos resultados rem vindo em crescendo. Ontem mesmo milhares de manifestantes vieram para as ruas de Bagdad, Tikrit e Samarra, protestando contra o que entendem ser um logro eleitoral e reclamando a repetição das eleições.

Já hoje os partidos xiitas, nomeadamente a Aliança para a Unidade Iraquiana, vieram apelar ao fim da contestação e oferecendo-se para negociar a participação dos sunitas no próximo governo.
Paralelamente a potência ocupante anuncia a redução de tropas durante a próxima primavera, falando na retirada de duas brigadas (num total de cerca de 8.000 homens), anúncio que é interpretado como sinal de crescente apaziguamento no território.

Do que atrás ficou dito ressalta a existência de informações e sinais contraditórios sobre a situação que efectivamente se estará a viver no país e que em boa medida vêm confirmar que a estabilização do país não vai resultar de um mero acto eleitoral.

Já em anteriores ocasiões me referi às enormes diferenças culturais que separam os povos do médio oriente e do ocidente (Europa e América do Norte), facto que me parece que continua a não ser tido em conta nesta questão como noutras que envolvem aquela região do globo.

É o que sucede com o próximo acto eleitoral palestiniano (agendado para o mesmo dia que as nossa eleições presidenciais) que se encontra rodeado em viva polémica e no qual abundam os problemas de ordem interna e externa. Internamente verificam-se grandes dificuldades para a direcção da Fatah conciliar o clima de “guerra” aberta entre as alas tradicional e moderna, agravadas há uns dias quando o governo israelita anunciou que não permitiria a realização do escrutínio em Jerusalém oriental.

Nesta zona da cidade vivem cerca de 250 mil palestinianos a quem em anteriores eleições havia sido permitido o exercício do direito de voto, mas que agora face à forte probabilidade do Hamas (movimento guerrilheiro que se opõe militarmente à ocupação israelita) poder vir a vencer este acto eleitoral, regista esta reacção israelita.

A Autoridade Palestiniana tenta fazer valer a sua muito reduzida força anunciando que adiará o acto eleitoral caso Israel não altere a sua posição.

No meio deste imbróglio ainda não se fez ouvir a voz da administração americana – o grande garante mundial da democracia – tão empenhada em democratizar países ocupados como o Afgenistão e o Iraque e, simultaneamente, tão pouco preocupada com a actuação ingerente e antidemocrática de Israel relativamente às eleições palestinas.

Será que mais uma vez vamos voltar a assistir à aplicação da velha prática de “dois pesos e duas medidas” ao problema palestiniano?

Porque é que até ao momento a União Europeia ainda não fez ouvir a sua voz?

Silêncio ainda mais comprometedor quando a troika europeia (França, Alemanha e Reino Unido) procuram negociar com o Irão (outro país árabe) o seu programa nuclear.

Será que também a Europa pensa que vai contribuir para a resolução da agitação islâmica fundamentalista com a aplicação de uma política de “dois pesos e duas medidas” – admitindo a existência do arsenal nuclear israelita e negando idêntico direito às nações árabes – baseada no princípio redutor de que aos israelitas tudo é permitido enquanto aos árabes tudo é proibido?

Até que ponto a actuação americana não está a ser gizada no sentido de torpedear a tentativa de mediação europeia para abrir caminho ao ataque israelita à central nuclear iraniana?

Será que está é a via para alcançarmos um mundo mais pacífico e seguro ou apenas a via para garantirmos a sobrevivência de um modelo de poderio arrogante e cada vez mais distante da realidade?

As respostas conhecelas-emos com o tempo, restando a esperança que depois não seja demasiado tarde!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

O NÃO DEBATE E O NÃO COMENTADOR

Ainda que possa resultar redundante voltar a abordar a questão da falta de isenção de alguns dos comentadores políticos que enxameiam os meios de comunicação nacional, o que li neste texto assinado por Luís Delgado e inserto no DIÁRIO DE NOTÍCIAS do passado dia 22 de Dezembro ultrapassa tudo o que se possa admitir.

O grave no artigo referido, não é tanto o facto do seu autor revelar um nível primário de “partidarite aguda” mas sim a forma reiterada e persistente como pretende fazer passar por verdade absoluta aquilo que apenas ele viu. Ciente que muitos dos seus leitores também assistiram ao debate entre Cavaco Silva e Mário Soares, que alguns poderão também criticar o estilo mais truculento deste, repete até à exaustão a ideia de menoridade de Soares para assim elevar Cavaco, sem nunca adiantar qualquer argumento, ou prova, da superioridade que lhe atribui.

É perfeitamente natural que Luís Delgado preferisse ter visto um Mário Soares “afável e bonacheirão” que diz ter conhecido (a memória histórica está a começar a faltar-lhe, apesar da idade) e, já agora, também cordato e subserviente à figura esfíngica do seu oponente, que naquele debate (como em todos os outros e em todas as ocasiões) continuou a falar como se a sua candidatura se destinasse a um cargo de chefe de governo (para o qual não existe sufrágio directo), fosse ele o novo Sebastião do século XXI e apresentasse alguma ideia fundamentada e consistente, além da sua famigerada intenção de «cooperação estratégica» que nunca nenhum eleitor o ouviu explicar (recorda-se sr. Luís Delgado que quando directamente inquirido, por Soares, sobre o assunto o “professor” embrulhou-se e retomou o discurso de meras banalidades?).

Da primeira vez que
aqui me referi a este comentador, que além de colunista regular naquele jornal diário e no DIÁRIO DIGITAL é presença frequente nos écrans de TV, fi-lo por discordância com os seus pontos de vista e por me parecer que tal se ficava a dever a uma condenável sobreposição de sentimentos pessoais sobre a realidade observada.

Desta vez, porém, começo a ter que pensar – sim, porque isto não é coisa que se pense de ânimo leve - que o que move Luís Delgado é mais que a convicção das suas opiniões pessoais (democraticamente aceitáveis, mas inadmissíveis em quem pretende fazer figura de comentador) uma vez que do seu discurso laudatório e bajulador de Cavaco Silva apenas se pode inferir que integra algum compromisso compensatório por benesses ou prebendas recebidas. E digo recebidas porque duvido que alguém com uma capacidade intelectual média (reparem como sou simpático, até admito que Luís Delgado tenha capacidade intelectual) aceitasse desempenhar semelhante papel na perspectiva de vantagens futuras, quiçá inatingíveis!

Espera lá! Será que Luís Delgado ainda está a “pagar” a sua entrada na administração da LUSOMUNDO MEDIA?

Se assim for, espero que não falte muito tempo para o vencimento da última prestação, para ver se nos vemos livres dele de vez! O país em geral e a comunicação social em especial ficarão muito melhor quando esta espécie de “louva a deus” rastejantes se extinguir.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

HÁ QUESTÕES QUE NÃO PODEM DEIXAR DÚVIDAS

Uma notícia hoje inserta no DIÁRIO DE NOTÍCIAS revela que fruto da investigação em torno do processo «PORTUCALE» - que envolve o Grupo Espírito Santo em alegadas práticas de tráfico de influências visando a autorizações para a instalação de um empreendimento turístico – se levantaram fortes suspeitas sobre a prática de um outro ilícito.

De acordo com a informação divulgada, ex-ministros do CDS que integraram o governo de Pedro Santana Lopes terão procedido à microfilmagem de documentos dos respectivos ministérios. Em causa estão Paulo Portas (ex-ministro de Estado, da Defesa Nacional e do Mar), Luís Nobre Guedes (ex-ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território) e Telmo Correia (ex-ministro do Turismo), cuja intenção, no dizer de um ex-colaborador de Paulo Portas, terá sido a de preparar um arquivo pessoal que os habilitasse a defenderem-se em caso de "ataque político".

Para além da questão de ter havido ou não de ilícito criminal (para o evitar é preciso mais que não ter onerado o erário público com o processo de microfilmagem) é indispensável que seja apurado o teor dos respectivos documentos e muito em especial os oriundos do Ministério da Defesa, a fim de se apurar sobre o grau de confidencialidade (ou secretismo) dos respectivos conteúdos.

A importância desta exigência não deve ser entendida apenas por se encontrarem envolvidos documentos de uma área tão sensível quanto a defesa nacional (ninguém receia a “venda” de eventuais segredos sobre o grau de prontidão das nossas tropas ou o estado de decrepitude do arsenal dos três ramos das forças armadas) mas, fundamentalmente, por esta iniciativa revelar a concertação de uma estratégia política (todos os envolvidos são, ou eram-no na altura, membros de topo da hierarquia do CDS), uma certa forma de estar e fazer política (manifestada no receio de futuros ataques políticos) e uma despudorada ausência de ética.

Sim, porque mesmo que se venha a apurar que nenhum documento confidencial passou a integrar o arquivo pessoal de qualquer um deles, nem por isso deixa de estar em causa e de merecer uma exemplar punição a actuação de políticos que manifestamente se julgam acima das leis e dos princípios éticos que obrigatoriamente deveriam estar associados ao exercício de elevados cargos públicos, que todos eles dizem suportar com elevados prejuízos pessoais, familiares e financeiros.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

DEBATES PRESIDENCIAIS X

Conclui-se ontem o ciclo de debates negociados entre um conjunto de cinco candidatos à eleição presidencial que terá lugar no dia 22 do próximo mês de Janeiro.

De acordo com a ordem estabelecida estiveram frente-a-frente Cavaco Silva e Mário Soares, para o que era considerado por todos como mais aguardado dos debates.

Em anteriores apreciações sobre os nove debates já realizados, referi-me algumas vezes às evidentes limitações do modelo escolhido e, pior, ao facto dele se ajustar particularmente a um dos candidatos.

Apesar de já no encontro entre Cavaco Silva e Francisco Louçã ter ficado demonstrado que mesmo com as limitações impostas ainda haveria algum campo de manobra para, aqui ou ali, se verificar algum debate, o que ontem nos foi dado apreciar, não invalidando as condicionantes e limitações, foi a exibição de como poderiam (e deveriam) ter sido boa parte dos anteriores.

Digo isto não tanto pelo facto de Mário Soares quase ter conseguido chamar a si a marcação dos temas mas também porque sem gastar demasiado tempo foi ele quem conseguiu liderar, do início ao fim, o “diálogo” com o seu opositor.

Quase permanentemente obrigado a uma posição de resposta, Cavaco Silva nunca conseguiu afastar a pressão do adversário e raramente responder mais do que com referências ao passado (a que normalmente Soares replicava com a irrelevância para as eleições em causa ou a dualidade de avaliações) ou o vazio do seu conceito de “cooperação estratégica”, porque nem ontem o conseguiu (ou quis) explicar.

Limitando o campo ao seu adversário – ora na vertente técnica, quando o classificou de mediano economista que nunca mereceu um prémio Nobel, ora na política, quando o confrontou com o abandono prematuro do governo de Sá Carneiro, a fuga quando primeiro-ministro para não arriscar uma derrota eleitoral, a inconsequência de uma auto definição como social-democrata quando o PSD integra a família europeia dos partidos populares – Soares foi sempre marcando o ritmo das perguntas que os moderadores lá foram tentando colocar.

Cavaco Silva, intencionalmente remetido a uma posição defensiva (a que seguramente os seus conselheiros consideram mais adequada e menos passível de produção de “gafes”), foi tentando esgrimir o argumento dos seus dez anos de governação. Preparado para este tipo de argumentação Soares não perdeu as oportunidades ora para lembrar as diferenças entre os cargos de primeiro-ministro e de presidente, ora para chamar a atenção para a disparidade entre as duas funções ou ainda para recordar as limitações constitucionais do cargo a que ambos se candidatam.

Para marcar ainda mais as diferenças Soares foi adiantando a falta de perfil de Cavaco (distante, conhecimentos limitados à área da economia, dificuldade de diálogo) que culminou com uma referência às dificuldades de relacionamento que este revelara em cimeiras da União Europeia, de acordo com a opinião de outros participantes estrangeiros. Não sei se de forma genuína ou meramente teatral Cavaco mostrou-se incomodado (disse mesmo que tinha que se conter porque Soares estaria a por em dúvida a sua capacidade para defender os interesses nacionais, facto que vários estadistas estrangeiros refutaram em diversas ocasiões) o que não consegui entender, porque na realidade com a resposta que deu não contestou a afirmação de Soares (este falara de relacionamento e não de resultados) nem mais tarde, quando foi abordada a forma como decorrera o relacionamento mútuo no exercício simultâneo dos cargos de presidente da república e primeiro-ministro.

Aliás, sobre essa época, foi Soares que recordou a importância do papel de mediador do PR, quando lembrou a sua intervenção no período de aberta contestação social e política que o governo de Cavaco Silva sofreu.

Numa das poucas ocasiões em que Cavaco procurou reagir ao acicate de Soares, a propósito da globalização, este rapidamente contra argumentou demonstrando que este processo não é uma mera questão económica, mas também social e política (referiu a propósito a sua presença nas cimeiras de Davos e Porto Alegre) e que, como em tudo o mais, Cavaco reduzia a apenas uma das suas vertentes.

Não desperdiçando a oportunidade Soares trouxe ainda para debate uma questão particularmente relevante: será que, pelo perfil de frieza e distanciamento, pelas propostas que se aproximam mais de uma postura de executivo (chefe de governo) que de moderador (presidente da república), da eleição de Cavaco Silva não resultará um clima de conflitualidade com os poderes instituídos (o executivo do governo e o legislativo da assembleia)?

Como muitas outras, também esta ficou por responder, concluindo-se o debate com a habitual curta declaração final de cada um dos candidatos, que mostrou um Soares dirigindo-se frontal e abertamente ao eleitorado e um Cavaco mais preocupado em manter o eleitorado que lhe é atribuído. Portanto, sem nada de novo.

terça-feira, 20 de dezembro de 2005

DEBATES PRESIDENCIAIS IX

O penúltimo confronto, pelo menos nestes moldes e antes do início da campanha eleitoral, ocorreu ontem e juntou Manuel Alegre e Jerónimo de Sousa.
Mais do que a forma como Manuel Alegre se apresentou no papel de “perseguido” por “alguém” no seio do PS (opção que me parece profundamente desadequada, para não dizer politicamente inconsequente), pereceu-me relevante o cuidado com que ambos os candidatos evitaram um confronto demasiado intenso, com particular relevo para Alegre (aquele que numa eventual segunda volta pode necessitar dos apoiantes do outro), uma vez que Jerónimo de Sousa sempre foi tentando, aqui ou ali, colar o seu opositor às políticas do governo Sócrates.

Com ligeiras nuances foram desfilando os assuntos de política interna e internacional sem manifestas rupturas, antes num clima de relativo consenso.

Maior distanciamento ter-se-á notado quando Alegre referiu que uma eventual vitória de Cavaco Silva não constituiria o fim da democracia, enquanto Jerónimo de Sousa defendeu que o perigo advirá do núcleo de apoiantes daquele candidato onde se contam defensores do regime presidencial, da alteração da Constituição e da redução de direitos laborais.

Outro ponto de diferenciação surgiu em torno das questões europeias, matéria sobre a qual Manuel Alegre aproveitou para criticar a opção neo-liberal da Comunidade, mas defendeu a manutenção de Portugal no seio da União como única alternativa. Jerónimo de Sousa revelou o seu cepticismo sobre as opções europeias e defendeu a necessidade serem os portugueses a cuidar de Portugal.

Tal como já acontecera no debate entre Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã, voltaram os mediadores (concretamente Constança Cunha e Sá) a interferir de forma particularmente negativa no desenrolar deste debate, em particular quando colocou a questão sobre a forma como teria surgido a candidatura de Jerónimo de Sousa – acto pessoal do candidato ou decisão do comité central do PCP?

Esteve mal, não só por ter introduzido uma questão espúria para o debate eleitoral em questão, mas também por não a ter remetido ao outro candidato presente nem a ter colocado a qualquer dos outros que já tinham passado pelos estúdios da TVI.

Parece-me recomendável, como já aqui chamei a atenção noutra oportunidade, que jornalistas e comentadores procurem distinguir as suas convicções políticas (naturalmente aceitáveis) do conteúdo da matéria da sua função, tanto mais que a jornalista não estava a entrevistar o candidato (e ainda menos o secretário geral do PCP) mas sim a mediar um debate, algo que implica equidade e distanciamento face ao painel de intervenientes.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

O ORIENTE E A POLÍTICA AMERICANA

Decorreu hoje a primeira reunião do novo parlamento afegão cuja composição resulta das eleições realizadas em Setembro último sob a égide americana.

À sessão inaugural assistiram individualidades mundiais, entre as quais o vice-presidente norte-americano, Dick Cheney, chegado de uma visita relâmpago ao Iraque onde manteve reuniões de trabalho com o presidente Talabani e o primeiro-ministro Ibrahim Jaafari.

Aproveitando a presença do número dois da administração de George W Bush a oposição iraquiana, representada pelo clérigo xiita Moqtada Al-Sadr e pelo nacionalista sunita Saleh al-Mutlak, voltou a exigir a imediata retirada das tropas ocupantes do território iraquiano.

Na sua rápida passagem pelo Iraque Cheney repetiu a intenção da administração americana em manter as suas tropas no território enquanto se mantiver a sua necessidade. Este discurso revela uma enorme consonância com aquele que esta madrugada George W Bush proferiu na Sala Oval, nomeadamente na manutenção do esforço de guerra mesmo reconhecendo alguns erros na sua implementação.

Já no Afeganistão Cheney pode contactar com a realidade que é hoje o parlamento afegão (composto por duas câmaras, uma baixa – a Wolesi Jirga, composta por 249 membros – e uma alta – a Meshrano Jirga, com 102 lugares) e espero que também tenha sido informado da respectiva composição, ou melhor das muitas dúvidas que rodeiam aqueles elementos.

Fruto das eleições realizadas em 18 de Setembro e das limitações impostas pelo presidente Hamid Karzai, a composição das suas duas câmaras resultou de um processo eleitoral particularmente “sui generis” que ditou que entre os eleitos estejam os mesmos “senhores da guerra” que mantêm o controlo de vastas regiões do país e que se encontram associados a crimes de guerra e ao comércio do ópio.

Por outro lado, num país de profunda matriz islâmica verificou-se a eleição de um número significativo de mulheres, facto que sendo apontado no ocidente como sinal de modernidade e democraticidade, pode no local constituir argumento para outro tipo de confrontos. Situação que poderá já se ter iniciado devido à polémica eleição de deputados envolvidos em acções militares contra as populações civis.

Para completar esta complicada amálgama de interesses há que juntar a eleição de antigos comandantes mujahedin, antigos talibans e ex-líderes comunistas, tudo fruto do acto eleitoral representar algo de invulgar para os eleitores e destes se mostrarem facilmente influenciáveis pelos líderes tribais e locais.

No discurso proferido aquando da abertura da assembleia Karzai afirmou que esta «...revela a unificação de todo o povo do Afeganistão [e] é um importante passo para a democracia», numa manifestação de optimismo face ao recrudescimento dos ataques contra as forças ocupantes, sejam eles oriundos de apoiantes dos talibans, da Al-Qaeda ou de qualquer outra força mais ou menos nacionalista.

Neste contexto importa, igualmente, não esquecer a delicada situação de equilíbrios militares que se vive no seio das forças estrangeiras. A recente decisão da NATO em aumentar o número das suas forças no terreno em mais 6.000 homens significará uma redução de cerca de 4.000 americanos que as actuais autoridades afegãs vêem com grande preocupação uma vez que ainda não esqueceram o abandono a que os EUA os votaram em 1989 aquando da invasão soviética e talvez agravada pelas conhecidas contradições e hesitações entre os comandos (de diferentes nacionalidades e com diferentes “instruções” nacionais) da NATO.

Por tudo isto o futuro do Afeganistão e da região envolvente (onde importa não esquecer existe um país com potencial nuclear – o Paquistão – e outro muito próximo de o alcançar – o Irão –a vizinha Índia e o seu permanente conflito com o Paquistão e a situação profundamente instável no Iraque) deverá ser encarado com preocupação e as cautelas que me parece terem faltado em 2001 quando a administração Bush decidiu derrubar o regime “taliban” e que, quatro anos volvidos, continuam a não marcar presença nas reuniões ao mais alto nível na Sala Oval.

ACORDO DA OMC SEM GRANDES AVANÇOS PARA OS PAÍSES POBRES

Em vias de se concluir mais uma cimeira da OMC - Organização Mundial do Comércio já é possível um balanço dos seus resultados.

Foi acordada, pelos ministros do comércio, uma redução substancial dos subsídios à exportação de produtos agrícolas até 2010 e a sua eliminação até final de 2013.

Aos países africanos, em especial os da África Ocidental, foi assegurada a exportação de algodão para os países desenvolvidos sem direitos aduaneiros nem quotas, a partir de 2008.

O conjunto dos países mais pobres viram reconhecido o livre acesso aos mercados dos países desenvolvidos a partir de 2008.

Para a aceitação deste acordo a União Europeia, a par com a manutenção da PAC, terá obtido garantias que os EUA limitarão o crédito às suas exportações e que países como a Austrália, o Canadá e a Nova Zelândia procederão de forma idêntica quanto a outras formas de apoio às suas exportações.

Os EUA, terão tido que fazer algumas concessões à UE – além das limitações ao crédito ter-se-ão comprometido a resumir os programas de ajuda alimentar (que a EU acusa serem usados com a finalidade de garantir o escoamento dos excedentes agrícolas americanos) a situações de emergência – obtendo em troca a garantia de manutenção dos apoios à produção de algodão (o acordo apenas contempla o fim dos subsídios à exportação).

No geral pode-se dizer que objectivamente pouco terá mudado para os países mais pobres que pretendiam ver imediatamente eliminadas as barreiras às suas exportações de produtos agrícolas (mas encontraram uma forte oposição da EU) e nem os países mais desenvolvidos deverão estar particularmente contentes com o resultado final que não registou qualquer desenvolvimento quanto aos produtos industriais e de serviços.

Declarações diplomáticas à parte, esta cimeira da OMC vais ser hoje encerrada sem grandes passos tenham sido dados no sentido da efectiva liberalização do comércio mundial.

Paralelamente com a cimeira decorreram as habituais manifestações de protesto convocadas por organizações de produtores e movimentos antiglobalização, que ontem conheceram o dia mais agitado que se terá saldado por cerca de quatro dezenas de feridos e mais de 900 detenções.

domingo, 18 de dezembro de 2005

ORÇAMENTO COMUNITÁRIO II

Pelas 3 da madrugada do dia 17 de Dezembro de 2005, a cimeira de chefes de estado e de governo da União Europeia anunciou que tinha chegado a um acordo sobre o Orçamento para o período de 2007-2013.

Longas e intensas negociações, cerca de 30 horas, culminaram num acordo que representa 1,045% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) da EU, representando uma despesa total, para o período, de 862.400 milhões de euros e, sobretudo, uma maior fatia de fundos libertados (total de 157 mil milhões de euros) para o desenvolvimento dos Estados membros da Europa de Leste.

A par com os novos países de Leste, Portugal também obteve algumas vantagens, na medida em que o montante agora fixado (cerca de 22.500 milhões de euros) corresponde mais ou menos aos valores previstos na proposta de Junho quando a presidência luxemburguesa avançara com uma proposta de 1,06% do RNB; da mesma forma países contribuintes líquidos, como a Suécia, a Holanda, a Alemanha e a Áustria viram reduzidos os montantes da sua participação.

Para alcançar este acordo de que Tony Blair tinha absoluta necessidade para que a sua presidência da EU não se saldasse por um completo fracasso, acabou por ceder 10,5 mil milhões de euros do “cheque britânico”, decisão que lhe vai custar duras críticas internas, tanto mais que a França e a Alemanha apenas cederam em negociar reduções na PAC em 2008.

Nas declarações finais Tony Blair afirmou que este acordo permite à Europa avançar e evitar uma grave crise; o Presidente da Comissão, Durão Barroso, não escondeu o desapontamento pelo reduzido nível do acordo alcançado e fez coro com Blair por se ter evitado nova crise na EU.

Este cenário de aparente final feliz pode ainda registar algumas atribulações. O acordo alcançado é francamente inferior aos montantes que a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu julgam necessários (1,24% do RNB e 883 mil milhões de euros, respectivamente) e Josep Borrel, Presidente do Parlamento Europeu, já comentou que este é apenas o acordo dos chefes de estado e que ainda terá que ser ratificado pelo Parlamento.

Vamos ver se esta será, ou não, a versão definitiva do orçamento europeu…

DEBATES PRESIDENCIAIS VIII

Quando nos aproximamos da recta final dos debates entre os candidatos presidenciais encontraram-se frente-a-frente Mário Soares e Francisco Louçã.

Como seria de esperar assistimos a duas posturas distintas - um Mário Soares mais moderado e um Louçã mais activo – e estratégias diversas. Louçã tentando colar Soares às políticas do governo e este a marcar a diferença para as posições mais radicais do primeiro.

Como seria de prever um dos temas fortes foi a Europa, com Mário Soares a defender a proposta de Constituição Europeia e Louçã a criticar a proposta de orçamento europeu.

Durante o debate Soares não perdeu a oportunidade de marcar pontos quando salientou a necessidade de separação entre “funções” e “convicções” e se distanciou das teses presidencialistas.

Como em situações anteriores Louçã distinguiu-se na lucidez e consistência das críticas à actuação do governo, nomeadamente a propósito do TGV, e das privatizações, embora nesta matéria Soares também se tenha manifestado contrário à privatização das águas.

Soares esteve igualmente bem quando procurou estabelecer a diferenciação entre a crítica à actuação de políticos e a crítica “aos políticos” e quando se distanciou do apelo de dirigentes do PS à desistência dos outros candidatos de esquerda.

Afirmando-se convicto de que será ele a passar à segunda volta (algo que não me espantará), Soares marcou novamente pontos quando procurou distinguir entre verdadeiros candidatos presidenciais e aqueles que apenas procuram fixar o eleitorado partidário.

Na ponta final Louçã voltou a criticar Cavaco Silva quando criticou «quem não diz o que pensa» enquanto Soares recordou o manifesto erro em que tem decorrido esta campanha ao propositadamente haver quem não distinga o poder moderador do Presidente da República do poder executivo que compete ao governo.

Em resumo, foi notória a tentativa de Soares em evitar conflitos abertos com Louçã (talvez já a preparar a segunda volta que afirmou garantida), pelo que tudo decorreu de forma particularmente cordial, ou não tivessem os dois candidatos fixado o mesmo adversário desde o início.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

DEBATES PRESIDENCIAIS VII

Pior que voltarmos aos debates mornos, o frente-a-frente ente Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã revelou o que de pior pode ter este tipo de encontros – a influência negativa dos “moderadores”.

Estiveram muito mal os jornalistas da RTP que mediaram o frente-a-frente quando, mais que uma vez, colocaram aos candidatos questões manifestamente potenciadoras de conflito. Exemplo disto foi a citação de epítetos atribuídos pelo jornal AVANTE a Francisco Louçã e quando questionaram os dois candidatos se estavam a concorrer para receber a subvenção atribuída às candidaturas que atinjam os 5% dos votos. Não pelo afrontamento que as questões tinham subjacente mas porque com isso revelaram um total desconhecimento daquilo que se chama luta política. Na inversa estiveram bem os candidatos quando rapidamente ultrapassaram as questões orientando-se para outros assuntos mais interessantes.

Posto de parte o incidente, este debate revelou uma vez mais um Francisco Louçã com um discurso fluente e estruturado, bem preparado e muito à vontade e um Jerónimo de Sousa, que mesmo quando colado ao peso de questões mais ideológicas, consegue manter uma imagem francamente positiva.

Ambos procuraram mostrar os seus pontos de vista (a maior parte das vezes concordantes) com segurança e assertividade e nem questões um pouco mais polémicas lograram alterar a postura e tranquilidade dos dois.

Pequenas polémicas como as opções dos respectivos partidos em matérias como a despenalização do aborto, as relações com o estado chinês ou a Europa foram sendo ultrapassadas de forma clara e sem sobressaltos dignos de nota.

Particularmente airosa foi a forma como Jerónimo de Sousa respondeu à questão sobre o reconhecimento dos casamentos homossexuais – remetendo para a necessidade de um reconhecimento social prévio à intervenção legislativa – depois de Louçã ter considerado que tal se encontra previsto na Constituição uma vez que este rejeita diferenças de tratamento em função do sexo, da religião ou da orientação sexual.

No final Louçã procurou capitalizar algum eleitorado comunista mais descontente quando recordou as figuras de João Amaral e Lino de Carvalho, enquanto Jerónimo de Sousa orientou o seu apelo de voto na mudança aos jovens, aos estudantes e aos intelectuais.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

O ORÇAMENTO COMUNITÁRIO E AS ESTRATÉGIAS BRITÂNICAS

Iniciou-se hoje a cimeira de chefes de estado e governo da União Europeia com uma delicada questão em agenda: o orçamento para 2007/2013.

A Inglaterra, país que actualmente preside à EU, apresentou no início do mês uma proposta de orçamento no montante de 847 mil milhões de euros que a generalidade dos países membros, o Presidente da Comissão e o Parlamento Europeu rejeitaram.

Na oportunidade, Durão Barroso (presidente da Comissão Europeia) foi particularmente crítico da proposta britânica que previa reduzir a despesa total para um valor máximo de 1,03 % do índice de riqueza dos 25, contra os 1,06% que tinham ficado sem acordo durante a presidência luxemburguesa, classificando-a de inaceitável e irrealista face ao alargamento a 25 estados e quando se pretende ter uma Europa mais forte.

Cerca de uma semana depois Tony Blair (presidente em exercício da Comunidade Europeia e primeiro ministro inglês) apresentou uma nova proposta que revia numa alta o montante total do orçamento. Em vez dos 847 mil milhões avançava agora com um valor de 849,3 mil milhões de euros.

Com a generosa oferta de mais 2,3 mil milhões de euros, que teoricamente melhorariam os valores a receber por alguns dos novos estados, nomeadamente a Polónia, a Hungria, a República Checa, a Estónia e a Letónia, os ingleses mantinham inalterada a sua posição de não negociar o “cheque britânico” (nome por ficou conhecido um acordo celebrado nos tempos de Margaret Tatcher que prevê o reembolso de cerca de 2/3 da contribuição inglesa para o orçamento comunitário).

Com a apresentação desta proposta ficou clara a intenção de Blair – forçar até à última hora as negociações do orçamento de forma a “obrigar” a França e a Alemanha a negociarem uma revisão da PAC (Política Agrícola Comum) em troca de idêntico procedimento sobre o “cheque britânico” – mesmo correndo o risco de não chegar a haver acordo na cimeira que agora de iniciou.

Há semelhança de outras divergências com os parceiros comunitários (das quais a mais recente foi a relacionada com a participação britânica na invasão do Iraque, condenada pela generalidade dos outros estados europeus, mas a mais importante foi a não adesão à moeda única) continua a Grã-Bretanha a assumir posições de manifesto distanciamento face aos objectivos da União Europeia, colocando sistematicamente a comunidade de estados europeus em situações de conflito ou pelo menos de falta de unidade.

Mesmo entendendo a necessidade de revisão da PAC, que foi uma importante plataforma de aproximação e de desenvolvimento europeu mas cuja pressão para a sua revisão é cada vez maior, a estratégia montada pelo governo inglês – claro afrontamento e bloqueio do funcionamento da comunidade – é manifestamente desadequada num momento em que a própria comunidade atravessa um período particularmente conturbado devido à opção por alargamento manifestamente extemporâneo e pela rejeição francesa e holandesa da proposta de constituição europeia.

A Grã-Bretanha, pior que usar uma estratégia de “dividir para reinar” na questão do orçamento, não estará a usar uma estratégia conducente a um acelerado desgaste da própria União Europeia? Do meu ponto de vista a sua postura de “um pé dentro e outro fora” sempre o indiciou, restando agora esperar para ver a reacção francesa e alemã nesta cimeira.

DEBATES PRESIDENCIAIS VI

Terá sido preciso chegarmos ao frente-a-frente entre dois correligionários para termos assistido ao primeiro debate digno desse nome?

O facto é que o confronto entre Mário Soares e Manuel Alegre teve o inegável mérito de ter sido animado e merecer a melhor classificação de quantos até agora se realizaram.

Iniciado por uma troca de opiniões em torno das respectivas candidaturas - com Soares a considerar a do seu oponente “confusa” e este a responder, mais tarde, que a daquele inviabiliza a “renovação republicana” - continuaria num aceso diálogo acerca de questões de natureza económica (privatizações e investimento público) com ambos a defenderem uma menor incidência nas privatizações (Alegre chegou a ponto de defender a dissolução da Assembleia para garantir a não-privatização da água, oportunidade que Soares não perdeu para chamara a atenção para a irresponsabilidade que tal actuação poderia constituir) e um maior cuidado nos grandes investimentos que o governo anunciou, principalmente no seu financiamento.

Soares reagiu à acusação de Alegre de que a sua candidatura não contribuía para a renovação política, questionando-o directamente sobre as novas ideias que este apresentava, e ao longo do debate foi aproveitando as oportunidades para salientar o que entendeu por inconsistências e leviandades deste candidato.

Outra das questões trazida para o debate foi a das competências do Presidente da República, com Soares a afirmar que a generalidade dos candidatos se tem preocupado demasiado com questões que ultrapassam em muito as competências do cargo a que se candidatam, para concluir que o único que apresenta real conhecimento da função é ele próprio. A esta afirmação Alegre reagiu lembrando que assim o cargo seria desempenhado sempre pelo único que tivesse experiência.

Picardias e questões em torno da família política de origem dos dois candidatos verificaram-se ao longo do debate, mas na realidade aquele que me pareceu gerir melhor os termos e a envolvente do debate foi Soares que mais que uma vez se mostrou superior a Alegre, fosse quando este se revelou incapaz de explicar de forma rápida e clara qual o “pensamento estratégico” a que se vem referindo (nesta oportunidade Soares conseguiu ainda incluir nesta questão Cavaco Silva que tem falado em “cooperação estratégica”) ou quando mais tarde aproveitou a afirmação de Alegre sobre uma possível dissolução da Assembleia para evitar a privatização da água, para classificar a ideia (e o candidato) de leviandade.

Embora a VISÃO publique os resultados de uma sondagem relâmpago, realizada pela EUROSONDAGEM, que dá a vitória a Alegre e o JORNAL DE NOTÍCIAS o considere mais concreto no frente-a-frente, acho que no imediatismo e na capacidade de aproveitar as oportunidades Soares mostrou que apesar de dez anos afastado da luta política e da idade, continua a apresentar-se como o “animal político” que sempre foi.

Mais importante que o resultado (vitória de um ou outro), aprece-me de salientar que pela primeira vez não se fizeram notar muito as limitações do modelo de debate escolhido, facto que se terá ficado a dever à acutilância de Soares e, talvez, a alguma “passividade” dos entrevistadores.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

DEBATES PRESIDENCIAIS V

Realizou-se ontem o 5º “round”, no qual se encontraram Cavaco Silva e Jerónimo de Sousa.

Mais uma vez se registou um “debate” morno, não só pelo conteúdo mas, ainda e sempre, pelas evidentes limitações do modelo escolhido.

Há semelhança dos anteriores também a economia, ou melhor, os problemas económicos foram tema de grande parte das intervenções dos candidatos. De um modo geral Cavaco Silva voltou a repetir as frases-chave que vem utilizando, onde abundam as referências ao crescimento e ao progresso enquanto Jerónimo de Sousa elegia a protecção dos direitos dos trabalhadores.

Uma vez ou outra o candidato comunista lembrou actuações de Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro enquanto este contra argumentava com os resultados então obtidos ao nível do crescimento económico, do controle da inflação (como se a redução desta tivesse resultado das políticas monetaristas de Cavaco e não do ciclo deflacionista que a Europa então vivia) e da redução do déficit público.

Especificamente sobre a questão das privatizações previstas pelo actual governo, Cavaco Silva manifestou a necessidade de ponderação, para acautelar a manutenção dos respectivos centros de poder em Portugal, enquanto Jerónimo de Sousa defendeu a sua continuidade sob domínio público e contra-atacou Cavaco, lembrando a sua responsabilidade pelo início do processo das privatizações. Respondeu este com o argumento que na época era excessivo o peso do sector público.

Sobre outras questões como o investimento estrangeiro, o novo projecto de Sines, o TGV, o recurso à energia nuclear e as questões de natureza social, os dois candidatos revelaram alguma sintonia (com posições particularmente moderadas e ponderadas), não um total acordo mas nada que suscitasse alguma vivacidade no “debate”.

As opções de Jerónimo de Sousa, muito coladas aos tradicionais pontos de vista do PCP mas com a flexibilidade suficiente para lhes conferir algum poder acrescido conduziu a que Cavaco Silva acabasse por parecer mais “colado” à direita – situação que não lhe deve ter agradado muito – e que nem as posições de razoável sintonia conseguiram inverter.

Cavaco Silva defendeu mais do que atacou (excepção feita ao momento em que “ressuscitou” a célebre frase de Cunhal “Olhe que não! Olhe que não!”, à qual não conseguiu imprimir a acutilância nem a ironia com que o seu autor a carregou), não desiludiu (também era difícil com as limitações do modelo dos “debates”) mas continua sem revelar qualquer brilhantismo ou chama.

Nas alegações finais cada um dos candidatos repetiu as grandes linhas de força dos seus discursos, orientando-os para os respectivos eleitorados.

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

DEBATES PRESIDENCIAIS IV

Realizou-se ontem o quarto debate da série, nele tendo participado Manuel Alegre e Francisco Louçã.
Menos vivo que aquele que opôs Louçã a Cavaco Silva uma vez que os dois candidatos revelaram concordância em muitas das questões de natureza social, nem por isso deixou de reflectir as diferenças entre o pensamento dos dois candidatos. Mesmo quando de acordo em muitas das questões, como a das privatizações previstas pelo executivo e a da necessidade de limitar as influências partidárias no processo de nomeações, não deixaram de marcar diferenças quanto à respectiva postura ideológica.

Ao longo do “debate” ficou clara a tarimba parlamentar dos dois, embora pontualmente Louçã se tenha revelado mais rápido (caso da questão em torno da demissão, ou não, do Procurador Geral da República onde Louçã apesar das críticas foi taxativo na decisão de manutenção face ao tempo reduzido até ao final do mandato, enquanto Alegre acabou após muita insistência por dizer que talvez o demitisse) e mais cuidadoso (caso da questão em torno da hipótese de demissão do Presidente do Governo Regional da Madeira, situação em que Alegre defendeu que àquele não deveria ser autorizada a recandidatura e Louçã aproveitou para chamar a atenção para a inconstitucionalidade da ideia e para os perigos de transformar uma demissão política numa sanção de natureza judicial).

No encerramento um e outro apresentaram razões para as respectivas candidaturas, com Louçã a fazer um evidente apelo ao voto do eleitorado socialista desejoso de mudança (aproveitou também para salientar as poucas, ou nenhumas, diferenças entre Soares e Alegre) e com energia e vontade para a realizarem. Manuel Alegre, manifestou-se contra a ideia da existência de salvadores da pátria, de direita ou de esquerda (numa clara alusão a Cavaco Silva e ao próprio Louçã, a quem criticou directamente a atitude de superioridade), afirmou que queria ser o candidato da renovação, mas, recordou, que a função de Presidente da República tem limites.

Em jeito de conclusão diga-se que o resultado deste “debate” não foi desinteressante, sem ter atingido o nível do que opôs Louçã a Cavaco Silva, e permitiu esclarecer um ou outro ponto do pensamento dos dois candidatos.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

PARCIALIDADE SIM, MAS NÃO TANTO...

Vem isto a propósito da intervenção de ontem de Marcelo Rebelo de Sousa na RTP. Durante a sua habitual “crónica” semanal, aquele analista político (ex-ministro de um dos governos da AD, ex-presidente do PSD e ex-candidato à Câmara Municipal de Lisboa) procedeu à análise dos três debates eleitorais até agora realizados e ressuscitou um sistema – atribuir classificações aos candidatos – que em tempos popularisou.

Até aqui tudo bem se a páginas tantas, quando abordou o debate entre Cavaco Silva e Francisco Louçã, não tivesse atribuído igual classificação aos dois intervenientes, facto apenas admissível numa de duas hipóteses: ou o comentador confundiu o que aconteceu com o que gostava que tivesse acontecido, ou então esteve a recordar práticas académicas de favorecimento a “afilhados”.

Piores conotações costumam ter as crónicas regulares de Luís Delgado no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, de que é exemplo este excerto «[Francisco Louçã] ...não entrou, por evidente cuidado, em grandes teorias económicas, pela simples razão de que perderia» da sua crónica de hoje, na qual revela não apenas a sua opinião muito pessoal (à qual tem pleno direito) mas uma completa incapacidade de entender (ver, ouvir e compreender) mais que o que lhe convém.

É certo que quer Marcelo Rebelo de Sousa quer Luís Delgado há muito elegeram o seu candidato a Belém, que quer um quer outro têm pleno direito em defender “a sua dama”, porém, enquanto comentadores e analistas da vida política têm, igualmente que manter um mínimo de decoro na sua actividade, expressa por exemplo numa capacidade argumentativa favorável às suas conclusões.

Se Cavaco Silva, seguro da vitória fácil que as sondagens lhe atribuem, persiste na táctica evasiva de pouco ou nada se comprometer e apenas garantir que colaborará com o governo, se Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Delgado sentem um forte impulso para compensar esta táctica, particularmente desadequada a quem se atribuem mirabolantes qualidades técnicas e políticas, é opção que deverão exercer no âmbito próprio da respectiva campanha mas deverão limitar quando no exercício da função de comentadores e analistas, sob pena de verem o seu trabalho julgado ao nível da mais primária “partidarite” política.

Facto ainda mais grave no caso de Marcelo Rebelo de Sousa (por muitos considerado um “fazedor de reis”) pela relevância que tem no panorama nacional e porque desnecessariamente arrisca perder mais outro combate político.

DADOS ESTATÍTICOS SOBRE A CORRUPÇÃO

Um relatório recentemente publicado pela ONG Transparency International (TI), intitulado "Barómetro Mundial da Corrupção 2005", conclui que nos termos de uma sondagem efectuada pela GALLUP num universo de 69 países, 65% destes consideram os partidos políticos como a instituição mais corrupta.

Comparativamente com 2004, onde o universo sondado foi de apenas 62 países, aquela percentagem não ultrapassou os 58%. Confirmando esta evolução, a sondagem revela que 57% dos entrevistados são de opinião que a corrupção tem aumentado nos últimos três anos.

Entre os países ricos cujos cidadãos acham que a corrupção grassa entre os partidos políticos contam-se a Alemanha, Canadá, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, Reino Unido e Suíça.

Enquanto que em África são as forças policiais a instituição considerada mais corrupta, na Europa ocidental, as instituições tidas como mais corruptas, depois dos partidos, são os parlamentos, os sectores de negócios e os media.

De um modo geral pode-se dizer que as populações inquiridas consideram a corrupção profundamente enraizada nos respectivos territórios, mas os responsáveis por aquela ONG consideram que o fenómeno pode ser combatido se as pessoas trabalharem em conjunto nesse sentido.

Não sendo digno de nota particular, Portugal, deverá encontrar-se na média das respostas ao inquérito, seja porque também entre nós o fenómeno da corrupção é algo bem real (seguramente menos grave que em muitos outros países do mundo, mas nem por isso merecedor de menos reparo e condenação) seja porque continuam a primar pela ausência as medidas e as acções para a combater.

Sem pretender minimizar os resultados do inquérito e o sentimento generalizado da população portuguesa, acho que estas conclusões devem ser entendidas com a necessária reserva – não tomando a parte pelo todo – para que a justa crítica e combate à corrupção não sejam transformados num processo primários de intenções que no extremo poderá conduzir a situações de negativismo face à classe política e fomentadoras de formas de governo suprapartidárias e autocráticas como as que registámos durante a vigência do Estado Novo.

Em jeito de conclusão e de confirmação sugiro a leitura deste
artigo, cuja recomendação encontrei no CAUSA NOSSA.

domingo, 11 de dezembro de 2005

A IMPORTÂNCIA DE UM PRÉMIO NOBEL DA PAZ

Teve ontem lugar a cerimónia de entrega do Prémio Nobel da Paz 2005 a Mohamed ElBaradei, director da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA).

Este organismo da ONU, com o qual divide o prémio, é chefiado pelo egípcio ElBaradei desde 1997 e tem por missão o controle da utilização de energia nuclear no planeta.

Figura de destaque, há vários anos, na cena mundial por via das funções que exerce foi particularmente envolvido no processo que antecedeu o início da Guerra do Golfo – a administração americana pretendia à viva força que a AIEA e o seu director confirmassem a existência de armamento de destruição massiva pelo regime iraquiano de Saddam Hussein – e mais tarde pela polémica gerada também pela administração americana aquando da sua recondução no actual cargo.

Há muito tempo que ElBaradei se tem revelado um defensor dos princípios de não proliferação de armamento nuclear, sendo simultaneamente muito criticado pelas ONG ambientalistas por a AIEA defender a utilização da energia atómica para fins pacíficos, mas durante a cerimónia de entrega do Prémio Nobel foi um pouco mais longe quando abertamente preconizou a criação de um ambiente universal de rejeição às armas nucleares, à semelhança do que se fez com a escravatura e o genocídio para que sejam vistas como um tabu e uma anomalia histórica.

Durante o discurso então proferido referiu ainda que existem no planeta 27 mil ogivas nucleares e que o importante era garantir que mais nenhum país obtenha armas nucleares, devendo ser as actuais potências atómicas (Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, China, Índia, França, Paquistão e Israel) a apresentar iniciativas concretas de desarmamento, visando a criação de um sistema de segurança não dependente da dissuasão nuclear.

Esta tomada de posição é particularmente importante num momento em que se negoceia com o Irão o desenvolvimento do seu programa nuclear e em que a Coreia do Norte afirma também já dispor daquele tipo de armamento.

Para já está previsto para 21 desde mês o reatar das negociações entre a União Europeia e o Irão sobre esta matéria. A comunidade internacional receia que o programa nuclear que o Irão desenvolve culmine na produção de armamento (aliás esta não é a primeira tentativa de um país árabe aceder a esse tipo de tecnologia), sendo de recordar que o programa nuclear iraniano foi lançado nos 60 do século XX sob os auspícios e o apoio da administração americana da época e do líder local (Shah Mohammad Reza Pahlavi) e que este desígnio é visto com “bons olhos” pela comunidade árabe que questiona a legalidade do armamento nuclear israelita e a “ilegalidade” do seu.

Num período particularmente conturbado, caracterizado pelo conflito israelo-palestiniano, pela existência de um território árabe ocupado, pela propagação de ideais islâmicos fundamentalistas e pela existência de movimentos terroristas que nelas se fundamentam, as declarações de ElBaradei ganham todo um novo significado uma vez que trazem para a primeira ordem do dia a necessidade das partes dialogantes entenderem a inevitabilidade de um acordo mas também de cedências mútuas.